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EAD

Características do Mundo
Medieval, Queda de Roma
e Ascensão do
Cristianismo 4
1. OBJETIVOS
• Reconhecer a terminologia e as características do mundo
medieval.
• Identificar e interpretar a queda de Roma (476) e as ca-
racterísticas dos povos germânicos e eslavos (bárbaros).
• Analisar a ascensão da Igreja, o Estado Pontifício e o Feu-
dalismo.

2. CONTEÚDOS
• Idade Média.
• Queda de Roma (476), povos germânicos e eslavos (bár-
baros).
• Ascensão da Igreja, o Estado Pontifício e o Feudalismo.
• Espiritualidade Cristã .
• Vida monástica.
180 © História da Igreja Antiga e Medieval

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para a maior compreensão desta unidade, sugerimos
que você retome as segunites obras:
• PIERRARD, P. História da igreja. Tradução de Álvaro
Cunha. São Paulo: Paulinas, 1982.
• COMBY, J. Para ler a história da igreja. Tradução de
Maria Stela. São Paulo: Loyola, 1994. v. 1-2.
2) Renove suas ideias sobre a Idade Média. Para tanto, leia
as páginas de 9 a 14 da obra: DEL ROIO, J. L. Igreja me-
dieval, a cristandade latina. São Paulo: Ática, 1997.
3) Amplie seus conhecimentos! Realize pesquisas em si-
tes de busca, utilizando o termo "Idade Média" como
palavra-chave. Sugerimos, também, a consulta ao se-
guinte site: SUA PESQUISA. Idade Média. Disponível em:
<http://www.suapesquisa.com/idademedia/>. Acesso
em: 18 maio 2011.
4) Quem foram os francos? Os lombardos? Os burgúndios?
Os ostrogodos? Os vândalos? Os anglo-saxões? Para res-
ponder a essas questões, é muito importante que não se
limite ao conteúdo do texto principal, complemente-o
por meio de pesquisas às obras referenciadas ao térmi-
no desta unidade, ou em sites de busca, nos quais pode-
rá utilizar a denominação do povo como palavra-chave
para sua busca.
5) O que é piedade eucarística? O que é a festa de Corpus
Christi? O que é Via-Sacra? Há inúmeros termos citados
no texto principal que você pode pesquisar para ampliar
sua compreensão sobre os conteúdos estudados. Saiba
mais, você é o protagonista de sua aprendizagem!
6) Se houver dúvidas, não desanime! Procure ajuda com
seus colegas de curso ou com seu tutor. Lembre-se de
que o entendimento do conteúdo é fundamental para
que possa prosseguir com o seu estudo. Acesse a Sala de
Aula Virtual e interaja!
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© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 181

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 3, você foi convidado a compreender a relação
de poder estabelecida pelo Império Romano contra os cristãos.
Nesta unidade, vamos reconhecer a terminologia e as ca-
racterísticas do mundo medieval, estudar a queda de Roma (476),
as características dos povos germânicos e eslavos (bárbaros), a as-
censão da Igreja e a organização do Cristianismo medieval.
Bom estudo!

5. IDADE MÉDIA
A Idade Média é um dos períodos mais interessantes de se
estudar, seja no âmbito social, seja no âmbito eclesial.
Quando se fala em Idade Média, pensa-se no "século de ferro"
da Igreja, na papisa Joana, no Feudalismo, na Cristandade e no auge
do papado, no surgimento do Islamismo, nas Cruzadas, na Inquisição,
na perseguição aos hereges e às mulheres acusadas de bruxaria, no
Humanismo e no início do Renascimento (porque o Renascimento
continua até o século 16), temas que até hoje são discutidos com evi-
dência e nem sempre analisados criticamente.
Para entender melhor, vejamos alguns esclarecimentos in-
trodutórios para nos situar no contexto da Idade Média:
1) A Idade Média está inserida no período entre os séculos
8º e 13. Porém, para alguns historiadores eclesiásticos,
a Idade Média já começa com o Edito de Milão, em 313;
para outros, inicia-se com a derrocada do Império Roma-
no do Ocidente, ocorrida no ano 476, ou com o fim das
controvérsias doutrinais antigas, no 3º Concílio de Cons-
tantinopla, em 681. E ela se estenderia até o início da
crise eclesial do século 13, ou até a queda de Constanti-
nopla, em 1453; ou ainda, até a descoberta da América e
a vitória espanhola contra os muçulmanos, em 1492; ou
até o início da reforma luterana, em 1517.
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Sobre a questão da datação ou periodização da Idade Média,


Del Roio escreve:
Muitos estudiosos da história da Igreja consideram o ano 313 como
o marco terminal do período heróico, da Igreja-testemunho, e o
início da era da Igreja-poder. Como se sabe, naquele ano os impe-
radores Constantino e Licínio promulgaram o Edito de Milão, pelo
qual o cristianismo foi declarado religião oficial de todo o Império
Romano. Esses historiadores situam aí o início da Idade Média.
Mais conhecido, porém, é o ano de 476, quando o chefe germano
Odoacro destrona o último imperador romano do Ocidente, Rômulo
Augústulo, e envia as insígnias imperiais a Zenão, imperador de Cons-
tantinopla, significando que o Império deixara de existir no Ocidente.
No entanto, melhor ainda seria deslocar essa data para o ano 800,
quando o papa Leão III coroa Carlos Magno imperador do renascido
Império Romano do Ocidente. Só a partir de então, basicamente, é
que começa a existir a ‘cristandade latina’. Anteriormente, o eixo da
cristandade espraiava-se pelo Mediterrâneo e mantinha profundas
relações com o Oriente. Era uma Igreja que, poder-se-ia dizer, ainda
‘falava’ o idioma grego. A partir dos anos oitocentos – também por
conta da ocupação paulatina do Mediterrâneo pelo Islã – esse eixo
desloca-se para o mundo franco-germânico, onde se desenvolverá
uma Igreja que ‘fala’ o idioma latino. Roma deixará de ser a encru-
zilhada do mundo, ponto de convergência, para se tornar sempre
mais um centro diretor e impositivo. Inicia a sua marcha para a au-
tocracia, vértice de um poder concreto e ao mesmo tempo simbó-
lico do Ocidente em gestação.
As divergências a respeito do momento inicial do medievo se re-
petem em relação a qual seria o marco de seu fim, demarcando
os albores do mundo moderno. O grande historiador R. Morghen,
de acordo com toda uma visão religiosa, situa esse momento em
torno da figura do pregador popular Bernardino de Siena (1383-
1444), herdeiro das melhores tradições franciscanas. Siena soube
ligar perfeitamente o ideal da salvação coletiva, intrínseco aos últi-
mos séculos medievais, com o da salvação individual e, sobretudo,
com a possibilidade de uma existência feliz também em terra, este
um ideal típico da modernidade.
De forma menos densa em riqueza interior, a maior parte da his-
toriografia prefere localizar esta transição alegórica na queda do
Império Romano do Oriente, em 1453, ou ainda no fatídico 1492,
quando as velas de Castela comandadas por Colombo atingiram as
ilhas antilhanas.
Seria, contudo, mais adequado deslocar-se essa passagem para o
momento da eclosão do movimento da reforma protestante, na

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segunda década do século XVI. Isso porque esse momento repre-


senta a divisão irreversível no núcleo central da ‘cristandade latina’.
Roma já não será mais aquele centro onde, para o bem ou para o
mal, os estados buscavam legitimidade para a sua existência e para
as suas políticas.
Além disso, trata-se do momento através do qual começamos a
compreender o significado do transbordamento da ‘cristandade la-
tina’ para terras externas às suas fronteiras, de África, Ásia e Améri-
ca, que se tornariam ‘periféricas’ ( 1997, p. 10-13).

Um tema a ser aprofundado é o da divisão interna da Ida-


de Média, considerando que esse período pode ter mais de 1000
anos, dependendo da divisão que se faz. Para tanto, vejamos o que
nos fala Pierini:
Mais discutível, naturalmente, é a periodização da própria Idade
Média. Em geral se falava, no passado, de ‘alta Idade Média’ e de
‘baixa Idade Média’, mais ou menos divididos pelo ano 1000. Acres-
centou-se depois o conceito de ‘antigo tardio’ (mais ou menos de
200 a 600 d.C.) e de ‘transição ao mundo moderno’ (1300-1520),
equivale à ‘época nova’.
Hoje torna-se cada vez mais comum uma periodização oriunda, so-
bretudo, da área alemã e inglesa, que fala de uma ‘primeira Idade
Média’ (da metade do século 5º à metade do século 10 aproxima-
damente), de uma ‘alta Idade Média’ (da metade do século 10 à
metade do século 13) e, enfim, de uma ‘baixa Idade Média’ (da
metade do século 13 a todo ou quase todo o século 15).
Em toda essa obra de periodização parece particularmente signifi-
cativa a primeira época, que vai do século V ao século X. Nela, de
fato, verificaram-se os mais importantes deslocamentos de povos,
as invasões mais decisivas para os três principais continentes (Ásia,
África, Europa). Depois dessa época, o mundo, um pouco por toda
parte já não era mais o mesmo; caminhava agora com idéias e pers-
pectivas radicalmente novas (1998, p. 12-13).
2) O termo Idade Média foi usado, pela primeira vez, por
Cristóvão Cellario (1638-1707), monge e historiador ale-
mão, no final do século 17. Mas, antes dele, Jorge Horn
(1620-1670), em meados do século 17, já escrevia sobre
a história antiga, que duraria até 476, e a partir daí se
iniciaria a Idade Média, com duração até 1453, ano da
queda de Constantinopla.
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3) Em termos de história ocidental, podemos afirmar que


a Idade Média, geográfica e culturalmente, está dividida
em três grandes esferas: a latino-ocidental, com os po-
vos romanos e germânicos que se convertem ao Cristia-
nismo; a muçulmana, organizada no início do século 7º
e a greco-bizantina, que vai se separando de Roma e vai
durar até meados do século 15.
4) As principais características da Idade Média são: a estrutu-
ra social é do tipo piramidal, com forte autoritarismo mas-
culino dos senhores feudais; sua base é feudal com forte
acento na terra e na agricultura; com as invasões bárbaras
e a desarticulação das cidades e escolas, foi gerada uma
sociedade carente de sistemas racionais, o que provocou
o surgi­mento de grandes líderes governamentais, quase
todos militares. Ademais, todas as pessoas estavam sub-
metidas à religião cristã, que penetra em todos os setores
da vida e se torna a base de toda a vida pública e privada,
com a implantação do "sistema de Cristandade".
5) A Idade Média, em síntese, tem três fatores essenciais:
• a cultura romana, que se mostra ainda superior às
outras;
• a força jovem da cultura germânica, que foi se impon-
do com a expansão e domínio dos "povos bárbaros";
• a religião cristã, favorecida pelos impérios e, muitas
vezes, dona do poder político-temporal.
A história do medievo – já intuía F. Melanchton, amigo e cor-
religionário de Lutero – é, sobretudo, a história da Igreja. Há um exa-
gero nesta colocação, mas é inegável, como afirmou F. Braudel, que
o Cristianismo é uma realidade essencial na vida do Ocidente, tão
forte que condiciona até mesmo os ateus (DEL ROIO, 1997, p. 13).

Segundo Jedin, no período medieval:


A Igreja como enteléquia ou princípio vital da comunidade de po-
vos cristãos do ocidente (ca. 700-1300). Enquanto a Igreja grega se
concentra em salvaguardar as antigas tradições cristãs, os francos e
anglosaxões aceitam a fé romana católica, o que tem por conseqü-

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ência a germanização do cristianismo e a aliança do pontificado com


o grande império franco do século VIII. Estes fatos brindam a possi-
bilidade singular de penetração do espírito cristão na comunidade
de povos romano-germânicos, cercada pelo anel islâmico, debilmen-
te unida com Bizâncio e que logo se dilata graças aos povos eslavos
orientais; e a possibilidade de transmitir-lhes a herança da cultura an-
tiga (renascimento carolíngio e otônico). No feudalismo com o qual a
Igreja se encontra, mas que ela não cria, domina a monarquia teocrá-
tica ou cesarismo ocidental renovado (‘domínio dos leigos’), até que,
desde a metade do século XI, o pontificado renovado pela reforma
gregoriana, em reiterados conflitos com o poder leigo (questão das
investiduras, os Hohenstaufen Frederico I e Frederico II), se erige em
força ordenadora dominante do ocidente e se cria na cúria romana o
instrumento para o governo centralizado da Igreja; mas, por sua vez,
se complica em medida crescente na política e na luta pelo poder,
isto é, no 'mundo'. Uma piedade mais individual e de tom mais sub-
jetivo vai deixando num segundo plano a piedade objetiva e litúrgica;
a escolástica e o direito canônico traçam um sistema de pensamento
e ordem eclesiástica, se não uniforme, sim perfeitamente concluso
em seus traços principais, que se estrutura ou constrói nas universi-
dades. As ordens mendicantes aceitam a idéia da pobreza, e se con-
sagram principalmente na cura das almas nas cidades. A adesão da
Rússia a Bizâncio e o cisma do oriente fortalecem o isolamento, as
cruzadas dilatam o horizonte visual, a invasão mongólica torna pos-
sível a ruptura temporal com os cinturão islâmico e os ensaios de
evangelização do distante oriente. Bonifácio VIII, em luta com Felipe
o Belo, formula a teoria papal, filha do momento, mas sucumbe na
catástrofe de Anagni (1980, p. 34-35).

Agora, vamos aprofundar alguns temas básicos da "primei-


ra Idade Média", cronologicamente situados entre os séculos 5º e
10. Assim, poderemos descobrir vários aspectos essenciais deste
apaixonante período!

6. QUEDA DE ROMA (476) E OS POVOS GERMÂNICOS


E ESLAVOS (BÁRBAROS)

Queda de Roma
A partir do século 2º, o grande Império Romano passou por vá-
rias crises e, de modo especial, sofreu com o processo migratório de
vários povos do norte e leste europeu que ameaçavam as fronteiras.
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Estes, em sua maioria, já não se contentavam em fazer acor-


dos com os romanos, invadiram o império e foram se impondo tan-
to, a ponto de saquear várias cidades, inclusive, Roma. O auge desta
triste situação foi a queda de Roma no ano 476, quando Odoacro,
guerreiro germânico ostro­godo, depôs o Imperador Rômulo Augús-
tulo. Muitos se questionam sobre as razões que levaram à queda do
Império Romano. Dentre as causas, destacam-se:
1) lutas internas pelo poder no Império Romano, golpes de
Estado e consequente enfraquecimento do imperador;
2) altos custos de manutenção da estrutura militar e do
exército, cada vez mais potente;
3) processo inflacionário e crise agrícola;
4) acordos, tratados e conchavos com os invasores que não
levaram à estabilidade política, mas a guerras, lutas que
provocaram instabilidades e destruição;
5) vida fácil, corrupta, luxuosa e sedentária da maioria dos
cidadãos romanos, que não estavam mais aptos para o
trabalho e para a luta;
6) invasões dos povos bárbaros e acordos que enfraquece-
ram o poder romano.
Gibbon, aprofundando a questão da queda de Roma, assim
escreve, após falar da força militar romana e suas conquistas:
A ascensão de uma cidade que se avantajou num império bem me-
rece, por singular prodígio, ser tema de reflexão para um espíri-
to filosófico. Todavia, o declínio de Roma foi a natural e inevitável
conseqüência da grandeza imoderada. A prosperidade fez com que
amadurecesse o princípio da decadência; as causas de destruição
se multiplicaram com a extensão das conquistas; e tão logo o tem-
po ou os acidentes removeram os sustentáculos artificiais, a estu-
penda estrutura desabou sob seu próprio peso. A história de sua
ruína é simples e óbvia; em vez de perguntar por que o império
romano foi destruído, devemos antes surpreender-nos de ele ter
durado tanto. As legiões vitoriosas, que em guerras remotas adqui-
riram os vícios de estrangeiros e mercenários, primeiro tiranizaram
a liberdade pública e mais tarde violaram a majestade da púrpura
Os imperadores, preocupados com sua segurança pessoal e com
a ordem pública, viram-se reduzidos ao vil expediente de corrom-

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per a disciplina que as tinham tornado temíveis ao seu soberano e


ao inimigo; relaxou-se a energia do governo militar, e finalmente
dissolveu-se com as instituições facciosas de Constantino; e eis que
o mundo romano foi engolfado por um dilúvio de bárbaros.
A decadência de Roma tem sido frequentemente atribuída à trans-
ferência da sede do império; esta história já mostrou contudo que
os poderes de governo foram divididos, mais que transferidos. O
trono de Constantinopla ergueu-se no Oriente enquanto o Ociden-
te ainda era dominado por uma série de imperadores que tinham
sua residência na Itália e que igualmente reclamavam a herança
das legiões e das províncias. Essa perigosa novidade debilitava o
vigor e fomentava os vícios de um duplo reinado; multiplicaram-
se os instrumentos de um sistema opressivo e arbitrário; e uma
fátua emulação de luxo, não de mérito, iniciou-se e se manteve en-
tre os degenerados sucessores de Teodósio. A extrema angústia,
que unifica as virtudes de um povo livre, exacerba as facções de
uma monarquia em declínio. Os favoritos antagônicos de Arcádio
e de Honório traíram a república e seus inimigos comuns, e a corte
bizantina assistiu com indiferença, talvez com prazer, à desonra de
Roma, aos infortúnios da Itália e à perda do Ocidente [...] A funda-
ção de Constantinopla contribui mais decisivamente para a preser-
vação do Oriente do que para a ruína do Ocidente.
Como a felicidade de uma vida futura é o grande objetivo da religião,
quiçá não nos cause surpresa ou escândalo saber que a introdução,
ou pelo menos o abuso, do cristianismo teve alguma influência no
declínio e na queda do império romano. O clero pregava com êxito
as doutrinas da paciência e da pusilanimidade; as virtudes ativas da
sociedade eram desencorajadas, e os últimos vestígios do espírito
militar foram sepultados nos claustros. Grande parte da riqueza pú-
blica e privada se consagrou às especiosas exigências da caridade e
da devoção, e a soldada era esbanjada com turbas inúteis de ambos
os sexos que só podiam alegar os méritos da abstinência e da casti-
dade. A fé, o ardor, a curiosidade e as paixões terrenas da maldade
e da ambição acenderam a chama da discórdia teológica; a Igreja e
mesmo o estado foram divididos por facções religiosas cujos confli-
tos se demonstravam por vezes sangrentos e sempre implacáveis;
a atenção ao imperador se desviou dos acampamentos para os sí-
nodos; uma nova tirania oprimia o mundo romano, e as seitas per-
seguidas se tornaram inimigas secretas de seu país [...] Se o declínio
do império romano foi apressado pela conversão de Constantino,
sua religião vitoriosa amorteceu a violência da queda e abrandou a
índole violenta dos conquistadores (1989, p. 442-444).
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Evangelização dos povos germânicos e eslavos


Os povos que chegaram às fronteiras do império eram nô-
mades, jovens, com grande vitalidade e não tinham nada a perder.
Atraídos, porém, pela cultura romana e por suas riquezas, após
chegarem aos domínios do Im­pério Romano, foram se tornando
sedentários, deixando de lado o estilo de vida nômade. Observe
que a maior parte desses povos se integrou à cultura romana, ao
passo que outra foi derrotada e dominada, como foi o caso dos
vândalos. Entre os povos germânicos que migraram para o impé-
rio, destacamos:
1) Francos: viviam na foz do rio Reno, na Alemanha e Fran-
ça. Em 496, eles se tornaram cristãos por meio do batis-
mo do rei Clóvis. Este povo foi importante para a expan-
são e crescimento da Igreja, pois dominou outros povos
e se tornou uma potência, restaurando com Carlos Mag-
no, o Império Romano, chamado na época de Sagrado e
Germânico.
2) Lombardos: vindos do Rio Danúbio, fixaram-se ao norte
da Itália e maltrataram os cristãos até a con­versão do rei
Authasis, no ano 585.
3) Burgúndios: ocupavam a região do mar Báltico, migra-
ram para a França e tornaram-se cristãos no ano 524.
4) Ostrogodos: vindos do norte, fixaram-se no norte da Itá-
lia e seu chefe, Odoacro, destronou o último imperador
romano do Ocidente, Rômulo Augústulo. Na metade do
século 6º, foram dominados pelo Imperador do Oriente,
Justiniano.
5) Ostrogodos: vindos do norte da Europa, fixaram-se na
Espanha. Tornaram-se cristãos com a conversão do rei
Recaredo, em 589, por obra de São Leandro de Sevilha.
Estavam ligados à Igreja e o reino deste povo terminou
com a invasão muçulmana ocorrida a partir do ano 711.
6) Vândalos: um dos povos mais violentos, passando pela
Espanha, chegou ao norte da África e tomou Cartago.
Dali invadiu Roma e maltratou os cristãos, pois eram
adeptos da heresia ariana. Foi dominado na metade do
século 6º pelo Imperador Justiniano.
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7) Anglo-saxões: os povos das Ilhas Britânicas (irlandeses,


ingleses, escoceses e píctos, provenientes da Noruega),
desde o século 2º, já conheciam o Cristianismo, que en-
trou em crise com a retirada das tropas romanas no sé-
culo 5º. Os pa­pas, porém, enviaram vários missionários
para reevangelizar estas regiões. Por essa razão, foram
fundados vários mosteiros dos quais saíram dezenas de
mon­ges que evangelizaram os povos germânicos na Eu-
ropa Continental.
Gibbon, após falar da força militar romana e suas conquistas,
aprofunda a questão da queda de Roma, ao tratar das ameaças
dos bárbaros:
Os romanos ignoravam a extensão dos perigos e o número dos ini-
migos que os ameaçavam. Além do Danúbio e do Reno, os países
setentrionais da Europa e da Ásia estavam cheios de inúmeras tri-
bos de caçadores e pastores pobres, vorazes e turbulentos, auda-
zes nas armas e sôfregos de arrebatar os frutos da operosidade. O
mundo bárbaro foi agitado pelo rápido impulso da guerra, e a paz
da Gália ou da Itália sacudida pelas distantes revoluções da China.
Os hunos, que fugiam de um inimigo vitorioso, orientaram sua mar-
cha para o Ocidente; e a torrente cresceu com a gradual incorpora-
ção de cativos e aliados. As tribos em fuga que cederam aos hunos
assumiram, por sua vez, o espírito de conquista; as infindas colunas
bárbaras pressionaram o império romano com peso multiplicado,
e se a vanguarda era aniquilada, nossos assaltantes ocupavam o
espaço vago. Tais formidáveis emigrações não mais provinham do
norte; e o longo período de tranqüilidade, atribuído ao decréscimo
populacional, é a ditosa conseqüência do progresso das artes e da
agricultura [...]. Mas essa aparente segurança não nos deve levar a
esquecer que novos inimigos e perigos ignorados podem possivel-
mente surgir de algum povo obscuro, mal visível ainda no mapa do
mundo. Os árabes ou os sarracenos que disseminaram suas con-
quistas desde a Índia até a Espanha, haviam enlanguescido na po-
breza e na desonra até Maomé infundir naqueles mesmos corpos o
sopro do entusiasmo. O império de Roma se firmou pela singular e
perfeita coalizão dos seus membros. As nações vassalas, renuncian-
do à esperança e mesmo ao desejo de independência, aceitaram a
condição de cidadãs romanas, e as províncias do Ocidente foram
com relutância arrancadas do seio da mãe-pátria. Mas essa união
custou a perda da liberdade nacional e do espírito militar, e as pro-
víncias servis, destituídas de vida e de ação, esperavam ter sua se-
gurança garantida pelas tropas mercenárias e pelos governadores
que recebiam ordens de uma corte distante. A felicidade de cente-
190 © História da Igreja Antiga e Medieval

nas de milhões dependia do mérito pessoal de um ou dois homens,


talvez crianças, cuja mente havia sido corrompida pela educação,
pelo luxo e pelo poder despótico. Os ferimentos mais profundos
foram infligidos ao império durante a minoridade dos filhos e netos
de Teodósio; depois de terem atingido a idade viril, esses príncipes
incapazes deixaram a Igreja entregue aos bispos, o Estado aos eu-
nucos, e as províncias aos bárbaros (1989, p. 445-446).

Islamismo
Igualmente importante, é ressaltar neste momento o sur-
gimento do Islamismo (nome que significa "submetido à vontade
divina"), com Maomé. Após uma vida de comerciante, Maomé foi
aos poucos articulando a nova religião surgida na Península Arábi-
ca, com uma profissão de fé simples: fé e adoração só em Alá, o
Deus único; obediência ao Corão como livro sagrado; e o respeito e
obediência a Maomé, o profeta. A partir do ano 622, começou-se a
sua expansão religiosa e militar, fenômeno conhecido como "Égira
muçulmana". Nos séculos 7º e 8º, os muçulmanos conquistaram o
Oriente Médio, chegaram às portas de Constantinopla em 718 e to-
maram todo o norte africano, de onde chegaram na Espanha no ano
711, sendo barrados na França, na famosa batalha de Poitiers, pelo
franco Carlos Martelo.

Posteriormente, quando abordarmos as Cruzadas, voltaremos a


tratar do Islamismo.

Cristianismo diante dos povos bárbaros


Outro aspecto importante foi o processo de evan­ge­lização
dos povos bárbaros. Inicialmente, os cristãos, como os romanos,
tiveram dificuldades em aceitar a presença e a convivência com
esses povos, considerados 'bárbaros', invasores e sem cul­tura.
Aos poucos, porém, os cris­tãos perceberam que eles deveriam ser
evange­lizados, pois eram possuidores de um potencial muito gran-
de para assimilar as verdades cristãs. A partir desta constatação,
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© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 191

surgiu um grande número de missionários, monges na sua grande


maioria, que se dedicaram a evangelizar os povos que chegaram às
fron­teiras do império. É importante notar, também, que a ação dos
mis­sionários teve um grande apoio dos papas e dos reis que, ao se
converterem, exigiam dos seus súditos a conversão ao Cristianis-
mo. Muitos deles fundaram mosteiros, fundaram cidades e leva-
ram novas técnicas agrícolas, bem como a cultura romana para as
regiões povoadas pelos povos bárbaros.
Destacamos vários missionários que se dedicaram à obra
evangelizadora desses povos, muitos inclusive martirizados:
1) São Bo­nifácio, que trabalhou na Alemanha e em vários
países vizinhos.
2) São Columbano, que trabalhou na Itália, na Suíça e em
outras regiões.
3) São Gallo, que trabalhou na Suíça.
4) São Ruperto, que trabalhou na Ale­manha.
5) São Severino, que tra­balhou na Baviera e na Áustria.
6) Santo Oscar, que trabalhou na Dina­marca e na Suécia.
7) Santos Willibordo e Wilfrido, que trabalharam na Dina-
marca.
8) Santos Metódio e Cirilo, que trabalharam na Morávia e
na Bulgária.
9) Santos Remígio, Avito e Casário de Arles, que trabalha-
ram na evangelização dos francos.
10) São Bibiano, que trabalhou na Escócia.
11) Santo Agostinho, que trabalhou na Inglaterra e conse-
guiu a conversão do rei Etelberto em 597.
12) São Patrí­cio, um dos maiores mis­sionários deste perío-
do, que trabalhou na Irlanda etc.
O trabalho de tais missionários foi extraordinário e, graças
a eles, a Igreja pôde se expandir e se fazer presente junto a vários
povos que não conheciam o Evangelho de Jesus Cristo.
192 © História da Igreja Antiga e Medieval

7. ASCENSÃO DA IGREJA, CRIAÇÃO DO ESTADO


PONTIFÍCIO E FEUDALISMO

Formação do Estado Pontifício


Após a queda do lmpério Romano do Ocidente, ocorrida no ano
476, foi se tornando cada vez mais forte a influência do papado nos
assuntos internos da Igreja e, de modo especial, nos assuntos admi-
nistrativos e políticos do antigo Império Romano. Além dos pedidos
de ajuda dirigidos ao papa, o povo dirigia seus pedidos, também, para
os bispos, pois a grande maioria deles se distinguia pela santidade,
pela sabedoria e ciência, e pelas benfeitorias em favor do povo.
Com o crescimento das invasões bárbaras, a crueldade e a cor-
rupção dos príncipes e governantes, os bispos e os papas tornaram-se
os defensores do povo, construtores de hospitais, asilos, locais de ajuda
aos pobres etc. O povo reconheceu e, apreciando a dedicação das au-
toridades eclesiais, passou a fazer doações para a Igreja. Tais doações
cresceram e, pouco a pouco, os bispos passaram a ter terras e bens
imóveis. O bispo de Roma já aparece, no início do século 7º, como o so-
berano do Ducado Romano. O termo "papa", inicialmente, era utilizado
pelos clérigos, mas depois ficou restrito aos bispos e, na Idade Média,
exclusivamente ao bispo de Roma, "pai de toda a Cristandade".
Nesse período, o papa continuou sendo submisso ao im-
perador do Oriente, que morava em Constantinopla. Mas, com o
tempo, foi se tornando independente, passando a fazer alianças e
acordos com os dirigentes do Ocidente. Como afirma Del Roio:
A luta do bispo de Roma pela supremacia processou-se longa e tor-
tuosamente. Iniciou-se com Damaso I (366-384), que reivindicava a
condição de sucessor direto de Pedro apóstolo, martirizado no ano
64 e, segundo a tradição, primeiro bispo daquela cidade. A reivindi-
cação de primazia baseava-se nestas palavras de Jesus, transcritas
no Novo Testamento: "Pedro, tu és pedra, sobre a qual construi-
rei a minha Igreja. E nem a potência da morte poderá destruí-la"
(Mt, 16,18). A promoção da Igreja romana, agora sede apostólica,
constituiu-se num acontecimento fundamental para a conquis-
ta seguinte: a elevação do cristianismo a religião de Estado, pelo

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© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 193

imperador Teodósio I. Outra personalidade marcante seria Leão I,


Magno (440-461). Homem culto e experimentado no exercício do
governo, ele codificou a ortodoxia, combatendo com dureza as he-
resias. Reafirmou as teses de Damaso I mas, sobretudo, reformou
a estrutura da Igreja, que de uma espécie de federação de bispos
assumiu a forma de uma estrutura verticalizada. Saudado como "vi-
cário de Cristo", Gelásio I (492-496) destacou-se como outra figura
proeminente desse período histórico. Era dele a teoria segundo a
qual dois poderes governariam o mundo: a autoridade consagrada
dos bispos e o poder real, uma centralizada em Roma, o outro, no
imperador. A primeira, superior, porque delegada por Deus (sumus
et verus imperator) para tratar dos assuntos espirituais, com poder
de submissão sobre o próprio imperador (1997, p. 22-23).

Contemporaneamente, aumentava a influência e o poderio


do povo franco em todo o Ocidente. O papa Estevão II (752-757),
então, faz um acordo com o rei Pepino, o Breve, que, se vencesse
a guerra contra os lombardos, ofereceria os territórios reconquis-
tados ao papa. Carlos Magno, filho de Pepino, fortaleceu a aliança
com o papa e lhe doou mais cidades.
Assim, no ano 800, o papa Leão III (795-816) coroou Carlos
Magno, que fundou a dinastia carolíngia e restaurou o antigo Im-
pério Romano, que, a partir de então, se chamaria Sagrado Impé-
rio Ro­mano - Germânico. Inicia-se um processo de alianças entre o
poder temporal e o espiritual:
• ao imperador competia a jurisdição suprema, o controle
do governo papal, a proteção da Igreja e ser coroado pelo
Sumo Pontífice;
• ao papa competia o zelo da Igreja e o exercício dos pode-
res administrativo e judiciário. Com Carlos Magno e seu
filho Ludo­vico, o Pio, esse sistema funcionou bem, porém,
partindo de seus netos, a relação foi se deteriorando.
Após falar das relações iniciais entre o Cristianismo e o povo
franco, Del Roio aprofunda a questão sobre Carlos Magno:
A ascensão de Carlos, que será intitulado Magno, filho de Pepino,
ao trono (768-814) dará continuidade e reforçará a aliança franco-
romana. Quem sofrerá as conseqüências serão os lombardos: em
virtude de invasão à sua capital, Pavia, por Carlos, todo o reino será
194 © História da Igreja Antiga e Medieval

anexado. Durante seu longo reinado, Carlos promoveu numerosas


guerras, estendendo seu reino por toda a Gália, terras germânicas e
parte da Itália. Deparou-se com barreiras intransponíveis na Ibéria,
onde os muçulmanos o bloquearam, e nos reinos dos povos nórdi-
cos. Rapidamente Carlos organizou o Estado, onde fundiu a tradi-
ção clássica com os costumes e energia dos povos bárbaros, cimen-
tado com o ideal cristão. Sentia-se responsável diretamente pela
propagação e pureza da fé, criando um sistema que ficou conhe-
cido como o "agostinismo político". Daí nasciam suas freqüentes
divergências com o papado, retratadas nos livros "carolíngios", que
fez escrever [...]. No ano 800 Carlos encontrava-se em Roma para
defender o papa Leão III (795-816) de uma sublevação de patrícios
romanos. Durante a missa de Natal, diante da tumba que seria de
Pedro apóstolo, o papa colocou sobre sua cabeça a coroa imperial,
e o público presente o aclamou como imperador do Ocidente. Logo
depois Leão III ajoelhou-se diante de Carlos Magno como sinal de
respeito e de submissão. Seria a última vez na história que um papa
se curvaria diante de um imperador (1997, p. 30-31).

Essa aliança fez com que, muitas vezes, os imperadores se


intrometessem nos assuntos eclesiásticos (cesaropapismo) e os
ecle­siásticos, por sua vez, nos assuntos políticos. Essa situação
provocou muitos desvios na hierarquia eclesial, muitas vezes vol-
tada para os bens deste mundo e deixando-se corromper.
Com isso, aprendemos que o poder eclesial não deve se aliar
aos poderes deste mundo, pois o Evangelho e a prática de Jesus
não podem aceitar o pacto com o poder dominador, opressor, ex-
cludente e discriminador.
É necessário, portanto, que a Igreja testemunhe o Evange-
lho, pactuando sempre com a justiça, a igualdade, a fraternidade
e a solidariedade. A sua autoridade no mundo deve ser respeitada
pelo compromisso com o amor e a verdade.
Século de ferro
Com a morte do Imperador Carlos Magno, seus filhos não
conseguiram dar continuidade à ótima administração articulada
por ele. Em 814, o império é dividido entre seus três netos, que
lutaram entre si, enfraqueceram o poder imperial e provocaram
o fortalecimento do poder eclesial. Em Roma, após o assassinato

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 195

do papa João VI, iniciou-se o "século de ferro", período em que o


pa­pa­do se converteu praticamente em objeto de interesses e lutas
de algumas inescrupulosas famílias romanas.
Del Roio assim descreve este momento lamentável do Cris-
tianismo, a partir do papado de Nicolau I (papa de 858-867):
Nicolau proclamava o seu poder, mas de fato a estrutura eclesiásti-
ca estava em processo de dissolução, por conta principalmente da
simonia. A fórmula que determinava a eleição dos bispos pelo clero
e pelos fiéis se constituía numa afirmação vazia, já que quem preen-
chia esses cargos, de forma cada vez mais decisiva, eram os grandes
senhores feudais ou os reis. Em geral eles nomeavam seus próprios
parentes, com o objetivo de se apossarem dos bens da Igreja. O
bispado, com as suas terras, foi se transformando em proprieda-
de familiar transmitida hereditariamente, hierárquica do clero. Os
próprios templos, construídos pelos poderosos, eram convertidos
em propriedade pessoal, devendo os sacerdotes que ministravam
serviço prestar reverência a seus patrões. Era difícil falar em voca-
ção em se tratando de homens que entravam para as estruturas da
Igreja somente por interesse econômico e que sonhavam com uma
vida dissoluta. A lama chegou até o trono pontifical. Nas últimas
décadas do século IX, a escolha dos papas passou a se dar como
resultante das lutas internas ao patriciado romano. Fatos terríveis
viriam a ocorrer. Recordemos, a título de exemplo, o caso do papa
Formoso (891-896): seu sucessor, Estéfano VI (896-897), originário
das fileiras de seus inimigos, exumou o corpo de Formoso e, depois
de um processo com todas as pompas, condenou-o à pena de corte
de três dedos de seu cadáver e a ter seus restos mortais jogados ao
rio. Nos primeiros lustros do século X, quem praticamente coman-
dou o Vaticano foi uma rica patrícia, Marózia, que fazia e desfazia
dos papas como bem desejasse. Não foram poucos os pontífices
assassinados durante o período (1997, p. 33-34).

Esse é um período lamentável, pois vários papas serão as-


sassinados, depostos e colocados no trono pontifício por seus fa-
miliares. Muitos desses papas ou seus parentes não eram dignos e
cometeram atos arbitrários. Note, também, que é grande a influ-
ência de algumas mulheres ambiciosas da nobreza romana, como
é o caso de Teo­dora e suas filhas Marózia e Teodora Jovem, da
família dos Teofilato. É nesse contexto que surge a lenda da "pa-
pisa Joana", que teria governado a Igreja durante dois anos e sete
meses, em meados do século 9º.
196 © História da Igreja Antiga e Medieval

Surgiram alguns papas que tentaram conduzir a Igreja com


seriedade e queriam reformá-la. Mas, é difícil administrá-la nessas
condições. A crise só seria superada com o fortalecimento do tro-
no imperial alemão, que, com o Imperador Oto I (936-973), alcan-
çou um novo vigor.
O imperador intervém nos assuntos da Igreja, foi várias vezes
a Roma e tentou colocar ordem na Igreja, cuja atividade apresen-
tou sucesso relativo, pois, com a morte de seus filhos (Oto II e Oto
III), o papado cai novamente nas mãos da ambiciosa e interesseira
nobreza romana, a partir do ano 1002. Foi com o papa Leão IX
(1049-1054) que se iniciou um período de reforma na Igreja, que
teve o seu ápice na pessoa e ação do papa Gregório VII.
Essa fase vivida pela Igreja no "século de ferro" confirma a
ideia de que a Igreja não deve fundamentar suas forças nos pode-
res deste mundo. Todo ministério eclesial é um "dom de Deus", um
"carisma", isto é, é um presente gratuito de Deus. Portanto, nada
na Igreja pode ser conseguido por dinheiro ou con­chavos com os
esquemas. Ela deve ser livre para poder, com liberdade, anunciar
as verdades evangélicas, questionando todas as estruturas de pe-
cado deste mundo.

8. ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
A Idade Média marca o ro­bustecimento da espiritualidade
cristã, o qual, com as bases na antiguidade cristã e com os novos
dogmas, adquiriu estabilidade. Nesse período, destacamos os se-
guintes aspectos:
1) Cresceu a piedade eucarística e a instituição da festa de
Corpus Christi, em 1264.
2) Desenvolveu as imagens de Cristo: ícones, vitrais, pinturas
etc.
3) Criou-se a Via-Sacra, a partir do ano 1150.
4) Verificou-se o aumento da devoção mariana: orações,
dedicação de Igrejas a Maria. O sábado torna-se o dia
Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 197

mariano e formula-se a Ave Maria (a saudação do anjo


e a exclamação de Isabel já se encontram em textos e
inscrições do século 5º; no ano 1000 se ajuntam "Jesus
e Amém"; a forma "Santa Maria, Mãe de Deus, roga por
nós pecadores" já se encontra no século 14; e "agora e
na hora de nossa morte", no século 16.
5) Cresceu o culto dos mártires junto às tumbas e às suas
relíquias, apesar do crescente tráfico destas e de objetos
sacros.
6) Aumentou a devoção à Terra Santa com muitas peregri-
nações.
Como você pôde verificar, na Idade Média, a Igreja se forta-
leceu e encontra uma consistência maior.
Aos poucos, os cristãos e os neocon­vertidos ao Cristianismo
foram assimilando as verdades de fé e expressando-as na liturgia
e na espiritualidade. O importante é que os cristãos conseguiam,
sempre, ex­primir a sua relação com o sagrado.
A vida eclesial e religiosa precisavam se basear numa espi-
ritualidade consistente e sadia, que manifestasse a união do fiel
cristão com o Deus de Jesus Cristo.
No final do primeiro milênio, quando surgiram tantas espi­
ritualidades, os cristãos precisavam ser autênticos e profes­sar a
sua fé em Deus.
Dos séculos 6º ao 8º, os mosteiros ocuparam o centro da
vida litúrgica e da educação cultural do ocidente cristão. A espiri-
tualidade tornou-se muito individual e a relação com o divino um
vínculo de fidelidade mútua e as orações eram dirigidas a Cristo.
Já nos séculos 9º e 10, há um grande florescimento espiritual
seguido de uma grave crise. Dos séculos 11 ao 14, verifica-se uma
tentativa de superar a crise do século 10: o ideal era: "Remodelar
a criação, desfigurada pelo pecado, à imagem e segundo a visão de
Deus, e de instaurar desde já o reino de Cristo" (MONDONI, 2000,
p. 46-57).
198 © História da Igreja Antiga e Medieval

9. VIDA MONÁSTICA
O desenvolvimento e a expansão do Cristianismo, nos primei-
ros séculos, foram muito enriquecidos com o testemunho de muitos
de seus seguidores, com especial destaque para os mártires. Um dos
grupos que mais se desenvolveu e ajudou na sua consolidação foi a
vida monástica. Já nos primeiros séculos, surgiram ascetas, anacore-
tas e virgens, homens e mulheres que se consagravam ao seguimento
de Jesus Cristo e abandonavam tudo para viver o ideal do deserto.
Com o tempo, este estilo de vida foi se organizando e deu origem à
vida comum ou cenobitismo, com o surgimento de várias regras mo-
násticas (Pacômio, Agostinho, Basílio, Isidoro de Sevilha etc.) e com
a construção de grandes mosteiros no Oriente e no Ocidente. No
Ocidente, uma figura de grande destaque foi São Bento de Núrsia, a
partir do início do século 6º, considerado o pai do monacato do Oci-
dente: a partir de Subíaco e Montecassino (mosteiro fundado no ano
529), seus monges percorreram toda a Europa, fundando mosteiros,
convertendo povos bárbaros e romanos, construindo cidades e con-
servando a ciência. Com o tempo, os mosteiros tornaram-se muito
ricos e fontes de grande poder, também eles nas mãos dos senho-
res feudais e reis. Houve um processo de grande decadência que só
foi superado com as reformas monásticas medievais, com destaque
para a de São Bento de Aniane, no início do século 9º e a reforma de
Cluny, a partir do ano 909, na Borgonha francesa. Este mosteiro tinha
vínculos com Roma e ficou livre da ingerência das autoridades locais
e também dos bispos; com abades íntegros e firmes, foram fundados
centenas de mosteiros reformados que conduziram o Cristianismo a
viver uma das suas maiores reformas até a sua consolidação medieval
com o apogeu da Cristandade, representada especialmente por um
papa saído do movimento reformístico de Cluny: papa Gregório VII
(1073-1085). Sobre Cluny, Del Roio assim escreve:
Uma inovação que teria inúmeras conseqüências se daria com a mu-
dança da antiga regra beneditina do ora et labora. O trabalho manual
seria reservado aos leigos, para que os monges se concentrassem
plenamente na oração. Esta deveria ser vista não mais como súplica
para alcançar graças, mas como glorificação de Deus, através da qual

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© Características do Mundo Medieval, Queda de Roma e Ascensão do Cristianismo 199

os cluniacenses se proporiam a representar toda a comunidade cris-


tã. Se a oração devia tornar-se glória, gloriosa deveria ser a liturgia,
com gestos lentos e misteriosos, envolvidos por cantos profundos
e elaborados. Com paramentos recobertos de cores e metáforas e
templos grandiosos, ricos de esculturas e afrescos. Ao participar do
culto, o fiel deveria sentir-se na ante-sala do paraíso. Com toda a ale-
gria e temor que o evento poderia despertar. O servo do Senhor – o
clero e, acima de todos, aqueles que se intitula o ‘servo dos servos’,
o bispo de Roma - deveriam afastar-se da carne e do mundo, para o
melhor serviço da Igreja. Construir uma hierarquia rígida, combater a
simonia e o concubinato clerical e suprimir a tradição de intervenção
laical nos assuntos internos da Igreja tornaram-se os parâmetros bá-
sicos do movimento reformista ( 1997, p. 41).

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as características do ambiente cristão na Idade Média?

2) Quais foram as principais causas da queda de Roma e como você interpreta


o papel do Cristianismo diante da queda de Roma?

3) Como você vê a espiritualidade cristã medieval e a vida monástica?

4) Como você analisa a posição cristã diante da invasão dos povos germânicos
e eslavos?

5) Qual a importância deste estudo para minha vida acadêmica e profissional?

11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você teve a oportunidade de compreender a
terminologia e as características do mundo medieval, bem como
a queda de Roma (476) e as particularidades dos povos germâni-
cos e eslavos (bárbaros). Com esses conhecimentos, foi possível
analisar a ascensão da Igreja, o Estado Pontifício, o feudalismo e a
organização eclesial na Idade Média.
Na Unidade 5, vamos estudar o Cisma do Oriente (1054), as
Igrejas ortodoxas, o Islamismo e as Cruzadas.
200 © História da Igreja Antiga e Medieval

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DEL ROIO, J. L. Igreja medieval: a cristandade latina. São Paulo: Ática, 1997.
FRÖHLICH, R. Curso básico de história da igreja. São Paulo: Paulinas, 1987.
GIBBON, E. Declínio e queda do império romano. São Paulo: Cia. Letras, 1989.
LE GOFF, J. Por amor às cidades. São Paulo: Editora Unesp, 1997
LE GOFF, J. A civilização do ocidente medieval. Bauru: Edusc, 2005.
______.; SCHMITT, J-C. Dicionário temático do ocidente medieval. Bauru: Edusc, 2002.
MONDONI, D. Teologia da espiritualidade cristã. São Paulo: Loyola, 2000.
PIERINI, F. A idade média. São Paulo: Paulus, 1998.
SOUTHERN, R. W. A igreja medieval. Lisboa: Ulisséia, 1970.

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