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“Em Hong Kong arriscamos outro Tiananmen”

O Cardeal Zen sobre a situação em Hong Kong: “O Vaticano não


disse uma palavra para ajudar os nossos jovens”.

A Bússola Quotidiana entrevistou o cardeal Joseph Zen, bispo


emérito de Hong Kong, sobre a situação causada pelo aumento da
repressão da ditadura comunista chinesa sobre a antiga colônia
britânica.

20/06/2020
(La Bussola Quotidiana) Em 4 de junho de 1989, o governo
chinês pôs fim a meses de protestos e apelos por reformas
democráticas, enviando tanques para literalmente esmagar os
manifestantes que vinham ocupando a enorme Praça Tiananmen
no coração de Pequim há semanas. Foi um massacre cujos
verdadeiros números nunca foram conhecidos – de algumas
centenas a vários milhares de mortos – e que chocou a opinião
pública internacional.

Hoje, trinta e um anos depois, uma dinâmica semelhante pode ser


observada com preocupação na ex-colônia britânica de Hong
Kong, que voltou à soberania chinesa em 1997, mas com o acordo
de que manteria o mesmo sistema garantido pelo Reino Unido por
quarenta anos. No entanto, há alguns meses Hong Kong vive uma
situação de grande agitação social e política, vendo como a
autonomia prometida em sua mini-constituição (a chamada Lei
Básica) poderia até se perder devido à imposição de uma Lei de
Segurança Nacional diretamente desejada pelo governo central
chinês: uma lei que ainda não foi elaborada, mas que já foi
aprovada pelos órgãos legislativos de Pequim. Tudo isso é de
enorme preocupação a nível internacional. O Cardeal Joseph Zen,
Arcebispo Emérito de Hong Kong, é certamente uma das vozes
mais autorizadas dentro da resistência a estas mudanças no
território. No aniversário dos eventos na Praça Tiananmen, a
Bussola Quotidiana fez-lhe a seguinte entrevista:

O aniversário do massacre da Praça Tiananmen, que sempre


será lembrado com uma procissão de tochas em Hong Kong,
parece ter um sabor especial este ano. O que acha disso?

É claro que este ano, vendo tudo o que aconteceu, estamos quase
na véspera de mais um Tiananmen. Durante este tempo eles
usaram de todos os meios para esmagar nossos legítimos
protestos, a polícia tornou-se quase como uma besta. Estou
surpreso ao ver como nossos corajosos jovens estão sendo presos,
espancados, torturados só porque querem defender a autonomia e
a liberdade de Hong Kong. Com esta ameaça da Lei de Segurança
Nacional, estamos realmente preocupados. Este ano, é claro, não
nos é permitida a habitual comemoração que fazemos todos os
anos, e isso aumenta nossa ansiedade e também nossa indignação
com a privação de liberdade de que sempre desfrutamos ao longo
dos anos.

Na sua opinião, a pressão internacional pode ajudar a


resolver os complexos problemas que Hong Kong enfrenta e
convencer a China a adotar uma atitude diferente?
Não sabemos, até porque temos que ter em mente que existem
divisões dentro do governo chinês e do Partido Comunista
também. Só podemos esperar que haja alguém moderado que
aconselhe a não ser muito duro. No momento, porém, temos a
impressão de que o líder chinês está numa situação em que tem
medo e, portanto, quer se mostrar forte, impondo esta lei que –
isso deve ficar claro – prejudicará a todos: não só o povo de Hong
Kong, mas também a comunidade internacional e a própria China.
Mas no momento eles estão fazendo coisas loucas com a teimosia
de querer ir contra o mundo inteiro e, portanto, nada de bom
pode-se esperar.

Que influência pode ter a situação em Hong Kong na


nomeação do novo bispo titular da cidade, que após um ano e
meio ainda está sob administração apostólica?

Sabemos que em Roma eles estão em uma situação de incerteza.


Não temos notícias certas, mas ouvimos da mídia que no início
havia a idéia de fazer bispo Joseph Ha, algo que seria muito bom
porque ele faz as coisas de acordo com os ensinamentos da
doutrina social da Igreja. Durante este tempo ele tem estado muito
próximo dos jovens; ele é um líder de que nós precisamos. Mas,
por outro lado, tem-se dito que este bispo “teve opiniões críticas
contra o governo chinês e em seu lugar precisaríamos de um bispo
que tivesse a bênção de Pequim”. Isto é terrível: não podemos
deixar que os critérios políticos prevaleçam sobre os religiosos!
Precisamos de um líder que nos guie nestes tempos, não um que
ceda voluntariamente à pressão do Partido Comunista. Já passou
mais de um ano e estamos numa situação muito tensa, também
porque durante este tempo o Vaticano tentou agradar ao governo
de Pequim e nunca falou sobre as coisas horríveis que ele fez.
Agora o mundo inteiro está vendo a brutalidade da polícia, que
está torturando nossos jovens: eles estão espancando-os,
prendendo-os, e o Vaticano não disse uma palavra para ajudá-los.
Isso nos preocupa.

Como um cristão deve viver em tempos tão difíceis como


estes?

Um cristão acredita na misericórdia de Deus, acredita em Jesus


morto e ressuscitado, acredita que devemos agir sempre em
consciência com o que o Senhor espera de nós. Temos a doutrina
social da Igreja, felizmente, que nos diz para sermos bons
cidadãos, mas na base da justiça e do amor. Então, diante desta
situação horrível e apocalíptica, quase na véspera de outro
Tiananmen, o que podemos fazer? Confiamos na bondade de
Deus, nos colocamos em Suas mãos, tendo a coragem de defender
a verdade e a justiça, orando também por aqueles que nos fazem
sofrer, para que eles se convertam, para que entendam que a
prática da justiça e da bondade beneficia a todos nós. Esta é a
única coisa que podemos escolher. Também confiamos na ajuda
de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos.

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