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JANEIRO 2015

E S C O L A A RT Í S T I C A D E S OA R E S D O S R E I S
DINÂMICAS | MAGAZINE DE DESIGN DE PRODUTO

PUBLICAÇÃO ANUAL
FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO: ARTUR GONÇALVES, MICAELA REIS

COLABORAÇÃO NESTA EDIÇÃO

ALBERTO TEIXEIRA, ARTUR GONÇALVES, FÁTIMA FERNANDES, JOAQUIM FLORES, JORGE JESUS, JOSÉ ANTÓNIO

FUNDO, LAURINDA BRANCO, MARIA DA LUZ ROSMANINHO, MARCO GINOULHIAC, MARIANA RÊGO, MARTA VARZIM,

MICAELA REIS, PAOLO MARCOLIN, RUI ALEXANDRE, RUI TEIXEIRA, RUI PANELO, SARA ALMEIDA, SUSANA MILÃO, VERA

SANTOS E OS ALUNOS ABEL MARTINS, ANA SANTOS, ANA RITA FERREIRA, ANA RITA FONSECA, ANA SOFIA COSTA, ANA

MARTA SILVA, BRUNA TEIXEIRA, DÉBORA SILVA, FÁBIO MOTA, GONÇALO SILVA, INÊS RAMALHÃO, INÊS SILVA, JOANA

RIBEIRO, LUNA FONSECA, MARIANA ALVES, MARIANA CARDOSO, MARTA FREITAS, NUNO MENDES, NUNO SARMENTO,

PATRÍCIA CARVALHO, RAQUEL SILVA, ROSANA SOUSA, SOFIA VIEIRA, TOMÁS ALMEIDA, .

PRODUÇÃO GRÁFICA/ EDIÇÃO DIGITAL: MICAELA REIS

CONTATO EDITORIAL: dinamicas@essr.net

PROPRIEDADE:

ESCOLA ARTÍSTICA DE SOARES DOS REIS

RUA MAJOR DAVID MAGNO, 139 | 4000-191 PORTO

TEL. +351 22 537 10 10


LAURINDA BRANCO
PROFESSORA DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

ED ITORIAL
Processos.
Processos…
Este é o tema do dinâmicas 3 e eu tenho que fazer o editorial…
Começo por colar na parede uma folha de papel vegetal e sempre que por ela passo, vou
colocando questões, sinónimos e mais questões e pistas.
Caminhos, percursos e inquietações.
Misturo a música e a poesia, acrescento lugares comuns: Vou onde me levam os meus passos,
canto com o José Mário Branco que “há sempre qualquer coisa que está para acontecer e que
eu devia perceber”, e caminho, releio o Cântico Negro de José Régio – “Vem por aqui – dizem-
me alguns com olhos doces (…) e cruzo os braços e nunca vou por ali.”…
E métodos, metodologia, metodologia projectual, Munari, arroz verde ou bacalhau com natas.
Mas também Descarte e o Discurso do Método. Razão? “Penso, logo existo”.
Durante dias passei e parei junto da parede com o papel, à deriva… e falam-me da Teoria da
Deriva de Gui Debord (obrigada Rui) e percebi que saíra da minha zona “geográfica”, não em
busca de uma resposta mas em busca de questões, em mim mesma.
E sigo…
Este é o meu processo.
Não sei onde vou chegar, mas agora experimento ir por aqui.

1
ED I TO RI A L
LAURINDA BRANCO
PROFESSORA DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

3
ÍN DI CE

ÍNDICE

1-3 EDITORIAL - LAURINDA BRANCO

4-5 INDICE

6-7 PROCESSOS PROCEDIMENTOS - ALBERTO MARTINS TEIXEIRA

8-11 PROCESSO EDUCATIVO - JOSÉ ANTÓNIO FUNDO

PERCURSOS
12-15 TENHO QUE COMEÇAR POR VOS CONTAR UM SEGREDO - SARA ALMEIDA

18-23 EDUARDO AFONSO DIAS - MICAELA REIS

24-29 ISAMU NOGUCHI - ARTUR GONÇALVES

REFLEXÃO
30-37 COMO O CONHECIMENTO HUMANO É MOLDADO PELA FIÇÃO - MARTA VARZIM

38-45 CONSTRUCTION TOYS - MARCO GINOULHIAC

46-53 PROJETOS PARA A ZONA DAS FONTAINHAS NO PORTO - PAOLO MARCOLIN


SUSANA MILÃO | FÁTIMA FERNANDES | JOAQUIM FLORES

54-59 O PROCESSO CRIATIVO - RUI TEIXEIRA

60-65 UMA PERSPETIVA SOBRE O CONCURSO EDUCACIONAL SQÉDIO - 2003.14


RUI ALEXANDRE

ATIVIDADES
66-69 FÁBRICAS DIGITAIS - JORGE JESUS

PROJETO
70-71 F-51 | WALTER GROPIUS - DÉBORA SILVA

72-73 ANEL GROPIUS F-51 | EMBALAGEM F511 - DÉBORA SILVA

74-75 MOCE - INÊS RAMALHÃO


76-77 FINITO - TOMÁS ALMEIDA

78-79 MOMITA - ANA SANTOS

80-83 HIPÉRBOLE - FÁBIO MOTA

84-85 PORTA-GUARDANAPOS | SUPORTE GARRAFAS - NUNO MENDES

86-91 ESCOVA VIDEIRA | FCT - ABEL MARTINS

92-93 SIGMA | FCT - GONÇALO SILVA

94-95 BANGA | FCT - SOFIA VIEIRA

96-99 PORTUGAL EM QUATRO LINHAS | FCT - ANA MARTA SILVA

100-101 COLEÇÃO DE TECIDOS PARA CAMISAS DE HOMEM | FCT - MARIANA ALVES

102-107 SÉRIE CANVA, ONDA E PIÃO | FCT - PATRÍCIA CARVALHO

108-113 QUADRA | PAA - ANA SOFIA COSTA

114-117 [DES] CONSTRUÍDO | PAA - ANA RITA FERREIRA

118-119 SIGA | PAA - BRUNA TEIXEIRA

120-125 CONTÉM VIDA | PAA - INÊS SILVA

126-127 UPA MERCADO | PAA - JOANA RIBEIRO

128-131 MERCADOS DIRECIONADOS | PAA - MARTA FREITAS

132-137 VEM | PAA - NUNO SARMENTO

138-143 EXPOSITOR MÓVEL | PAA - RAQUEL SILVA

144-145 A-BANCA | PAA - ROSANA SOUSA

146-149 LENDAS & MITOS | PAP - CURSO PROFISSIONAL DE DESIGN DE MODA


ANA RITA FONSECA | MARIANA CARDOSO | LUNA FONSECA

LIVRO
150-151 “DAS COISAS NASCEM COISAS” - BRUNO MUNARI
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PRO C ED I M ENTO S
Na língua inglesa distingue a palavra “process” da pala- sos nascem determinados por fatores de ordem social e
vra “procedure”. Não que seja uma distinção exatamen- política e deles resultam novas relações sociais. Como
te clara. Process seria como que um fenómeno susten- exemplo elucidativo tome-se a máquina a vapor que de-
tável constituído por mudanças graduais ao longo duma sencadeou novos processos de produção eles próprios
série de estados; procedure seria por sua vez uma série responsáveis por novas relações sociais. O passo se-
de atos de natureza prática ou mecânicos relacionados guinte talvez tenha sido o aparecimento do conceito de
com uma forma particular de trabalho. Em complemen- design e da produção standartizada, capaz de chegar
to destes dois vocábulos, que em português são tradu- às massas. A massificação foi o resultado natural dos
zidos quase sempre pela mesma palavra – processos processos mecânicos capazes de criar grandes quan-
– são usadas com frequência as palavras: algoritmo e tidades de mercadoria igual (ou semelhante) a baixo
protocolo. Os contextos determinam normalmente o uso custo. Outra consequência deste tipo de produção foi a
de um ou outro vocábulo mas, a raiz, o padrão de pen- implementação subconsciente dum pensamento único,
samento envolvido é o mesmo. Está em causa um con- uma espécie de “homem unidimensional” de Marcuse.
junto de etapas simples, organizadas de forma sequen- Com o aparecimento do computador, numa primeira
cial com um objetivo, uma finalidade. Esta matriz, este fase aliado do engenheiro nos seus cálculos complexos
processo, aplica-se tanto à receita do bolo-rei como ao e morosos, e um seu derivado, o robot, começou a ser
algoritmo que colocou recentemente os professores em possível produzir com intervenção mínima de mão-de-
BCE (um bom exemplo dum processo cheio de boas in- -obra humana. Dir-se-ia que num futuro suficientemente
tenções mas mal organizado ou construído), passando próximo o homem seria dispensável no processo pro-
pela avaliação dum qualquer aluno. dutivo. Aliás a geração de computadores capazes de
Por detrás de qualquer produto ou produção há um pro- aprender parecem apontar nessa direção. Mas só pare-
cesso na forma de algoritmo, organizado em torno de cem! Aquilo que Marx conheceu e esteve na base das
etapas simples (simples no sentido em que não se sub- grandes construções sociais (o proletário escravizado e
dividem noutras etapas). Em termos gráficos será a ima- alienado) desapareceu (ou modificou-se) para dar ori-
gem duma molécula descrita através dos átomos (seres gem a uma classe média alienada ao novo processo de
indivisíveis) que a constituem. produção (operários especializados, designers, progra-
Qualquer sociólogo que se prese dirá que os proces- madores).
ALBERTO MARTINS TEIXEIRA
DIRETOR DA ESCOLA ARTÍSTICA DE SOARES DOS REIS

Porém, os novos processos de produção trazem em informação científica livre e à disposição de qualquer
si o ovo da serpente. Com a evolução da robótica e o um é inevitável que novas relações sociais apareçam e
salto tecnológico das máquinas/impressoras 3D o pro- a sociedade caminhe para uma nova ordem institucio-
cesso uniforme de produção, a cadeia, a massificação, nal.
tudo isso deixa de fazer sentido. Baixando os custos de Quando todos estes processos atingirem um grau de
produção da peça única é possível recuperar um certo maturação que os torne possíveis o que será da escola?
conceito até aqui reservado ao domínio do artesanato. Se a isto aliarmos o homem biónico feito de código ge-
O novo artesão é o programador/designer que, com os nético e próteses, evoluindo também com um software
mesmos custos e até custos mais baixos produz obje- próprio capaz de lhe prolongar a vida até ao infinito o
tos únicos ou pequenas séries respeitando totalmente a que será o processo de aprendizagem deste novo ser?
vontade, ou até o capricho, do consumidor e com isso Aliás o que será aprender? Haverá o “ir à escola”, ou
levando à “desmassificação” da sociedade. será a escola a vir até nós na forma de plataformas de
Em toda esta dinâmica ganha relevo a palavra algoritmo aprendizagem e tutoriais? Não tarda a ouvirmos uma
associada aos artefactos automáticos. Para já é difícil voz virada para nós em tom de desafio a dizer “ ó kota
perceber de que forma as relações sociais se vão trans- isso que estás a explicar já eu vi num vídeo bué de fixe
formar. Se pensarmos no aparecimento da internet, nas do TED com muito mais pinta”. Quando aí chegarmos
redes sociais e na forma como o processo de comuni- o que vamos fazer? Cairemos na tentação de competir
cação se está a modificar temos uma ideia da imprevi- expositivamente com o youtub?
sibilidade que os meios digitais arrastam. Conceitos e Nesses próximos longínquos tempos teremos que voltar
normas socias estão a mudar a cada dia que passa e ao núcleo central de tudo e ter uma resposta pronta e
mesmo os “espaços” dos sentimentos e o conceito de segura para a eterna questão: o que é e para que serve
“vida” parece ganhar novas dimensões que geram um a escola? Se a isto não conseguirmos responder o cami-
hiperespaço de novas realidades. Já é possível ter uma nho aponta para um admirável mundo novo onde tudo é
vida na dimensão do real clássico e outra no hiperespa- perfeito, saudável e possível.
ço onde nos construímos sem obedecer a um determi-
nismo genético. Se numa realidade os euros são insu- Em si os processos são neutros, incolo-
ficientes para as nossas necessidades na outra as bit
res e inodoros. Quem os vai colorir so-
coins podem-nos permitir os maiores luxos concebíveis.
mos nós e da forma como os colorirmos
Contudo, o paradoxal é que o espaço clássico se trans-
formam num espaço construível graças às impressoras
teremos resultados diferentes. Na essên-
3D. Há um certo grau de autonomia ao nosso alcance. cia o que se deve garantir é o controlo
Podemos construir a nossa casa, a nossa roupa, a nos- dos processos pelo ser humano e não o
sa alimentação, tudo isto através duma máquina e dum contrário. Pode ser que um dia se pegue
algoritmo. Se juntarmos a isto o manancial de informa- numa impressora 3D e se construa uma
ção que a net nos pode fornecer, os vídeos tutoriais, a
escola ou um professor. Quem sabe?

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JOSÉ ANTÓNIO FUNDO
SUBDIRETOR DA ESCOLA ARTÍSTICA DE SOARES DOS REIS

Processo
Educativo
A educação é um modo de fazer e não um resultado.

"The stick which drips paint is a toot which acknowledges the nature of the fluidity
of paint. Like any other tool it is still one that controls and transforms matter. But
unlike the brush it is in far greater sympathy with matter because it acknowledges
the inherent tendencies and properties of that matter."

Robert Morris, 1968

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Robert Morris, escreveu em 1968 um pequeno ensaio que
viria a cunhar o termo "Process Art" para um movimento
que mais não foi do que um princípio simples de entender
a obra de arte como um processo ao contrário de um
objeto ou um resultado. Para o efeito Morris realçou
o trabalho de Pollock e como os materiais utilizados
funcionam uns em articulação com os outros e no estrito
respeito pela sua natureza. Assim, para Morris, o "pau"
que Pollock utiliza para pingar a tinta sobre a tela está em
harmonia com a fluidez da tinta mais do que o tradicional
pincel que a disciplina. O "fazer" é a obra e não apenas do
ponto de vista performativo. As formas de fazer emergem
nos materiais e a sua manipulação é ritual estático. Ao
despromover o objeto de arte em relação ao processo que
o faz existir Morris está a fazer a mais sincera afirmação.
Não são os resultados que nos movem, são os processos.

A arte de Robert Morris, como a de Pollock, destaca-se de números e resultados e em que os meios são
pela materialidade e profundidade dos modos de fazer condicionados pelas finalidades projetadas, a escola
que implica. Estão lá os materiais de uma forma tão deve separar-se dessa loucura insana e afirmar-se
palpável que os sentimos intimamente ligados ao prazer como um lugar de processos, de caminhos, e não de
que produz a sua manipulação. São trabalhos que metas. Claro que aqui a semântica é importante. O
produzem em nós o desejo de inventar novas soluções que queremos dizer com umas palavras podemos
e processos artísticos. Meter as mãos à obra. Morris dizer com outras. Por isso é importante que fique
realça no seu trabalho e nos seus ensaios algo que claro o seu significado. Os indicadores, os resultados,
os artistas sabem há muito. Mesmo quando o objecto são importantes na educação. Mas são-no apenas
de arte se quer destacar do seu próprio processo e na medida em que podem ensinar-nos algo sobre o
se afirma apenas pelo produto final, por vezes quase processo.
sobre-humano, para o artista o processo é muitas É fácil manipular os resultados. O mediatismo educativo,
vezes um ritual quase mágico e os ateliers autênticos a popularidade de rankings e gráficos que vivemos
santuários do fazer. Há etapas, procedimentos, hoje, promove a visibilidade de apenas uns poucos
sons, espaços e estados de alma que constituem um indicadores ou resultados. Facilmente as políticas
processo nem sempre visível na obra mas fundamental educativas populistas e centradas nos resultados se
à sua construção. deixam levar pela simplificação dos processos e pela
Nas escolas é igualmente importante valorizar os economia de meios para alterar os números naqueles
processos. Numa época em que vivemos rodeados indicadores. Por isso os rankings matam as escolas.
JOSÉ ANTÓNIO FUNDO
SUBDIRETOR DA ESCOLA ARTÍSTICA DE SOARES DOS REIS

Sobretudo algumas escolas que se deixam escravizar permanente transformação, produzida por todos os
pelos resultados dos exames e que cedem à tentação intervenientes enquanto o espaço social que ocupa se
de manipular os seus resultados, sacrificando o vai transformando. Uma escola que rejeita o facilitismo
processo educativo em favor da ilusão criada por dos resultados imediatos e que opta por viver com
uma mão cheia de notas atingidas em três ou quatro entusiasmo o seu dia-a-dia. Esta escola, atelier do
provas. O treino para os exameWs é isso mesmo, um aluno, é a escola do "fazer". Não a escola técnica mas
treino. Dificilmente se pode confundir com um processo a escola do "fazer" diário. Um "fazer" que ensina, com
educativo. Um processo educativo centrado no aluno e consequências, com espaço de desenvolvimento e
em aprendizagens significativas permite outro tipo de crescimento e com oportunidades de correção e recuo.
resultados, menos mensuráveis no imediato. Porque é Um "fazer" em conjunto e em partilha. Um "fazer" que
centrado nas experiências dos alunos, de cada aluno, promove o conhecimento. A escola não é mais um
e está planeado de modo a produzir conhecimento e horário em que os sapientes fazem a transmissão do
felicidade. A escola é um espaço de felicidade e de saber a indivíduos a quem pouco mais se pede do que
aprendizagem para a felicidade. Mas a felicidade provar, por escrito, que ouviram a lição. É um espaço de
dos alunos, o gosto por tarefas que promovem o seu trabalho onde acontece um processo, multidimensional,
desenvolvimento humano e intelectual, o seu empenho de desenvolvimento de seres humanos. Como Robert
e prazer por frequentar a escola, não é reproduzido nos Morris escrevia sobre Pollock e sobre a harmonia entre
rankings dos resultados imediatos. as ferramentas, os materiais e os suportes numa ação
A implementação, nas escolas de artes, de modelos coerente, na escola os meios, os modos de fazer a
de ensino/aprendizagem baseados em projetos e educação e os alunos devem estar em harmonia.
na resolução criativa de problemas pode e deve ser Se um projecto visa um resultado, um processo, um
um laboratório para a aplicação destes processos processo educativo, visa uma transformação eterna,
educativos noutros contextos. Uma escola que investe uma ação imparável. Um aluno preparado para essa
no caminho e não na meta e que deixa que cada transformação e desenvolvimento permanentes será um
aluno possa contribuir também para metas diferentes. cidadão que faz avançar o mundo e não simplesmente
Estes modelos implicam uma escola humana, reflexiva um que se usa dele para um qualquer objetivo.
e que funciona como coletivo. Uma escola em

11
PER CURS O S

Tenho que começar


por vos contar um
segredo
Talvez mais interessante do que não a ter escrito é o facto de sentir,
sempre num desses momentos decisivos, que é hora de o fazer.
Pergunto-me se os meu professores imaginam que isto é um assunto
que me "atormenta" desde esse fatídico ultimo dia de aulas do 12º
ano. A Soares dos Reis teve tal influencia em mim que o simples facto
de não ter parado para tratar de escrever os pontos finais (ou ponto
e vírgula) no assunto, me deixou com um sentido de “inacabadez”
desmesurável.
Talvez seja pelo melhor. Levo comigo um pouco da Soares para todo
o lado. Sempre a pensar em como escrever esse capítulo.
Como é que eu acabei na Nova Zelândia, a trabalhar num estúdio
como Designer de Produto? Não sei bem. Não sei como começou,
mas sei que a história passa pela Soares dos Reis e que ainda não
acabou. O melhor está por vir.
Estava eu no 9º ano quando uma pessoa que me conhecia bem me
falou da Soares dos Reis. Era uma ex-aluna e disse-me “acho que
é uma escola que te encaixava bem”. Eu, que vivia na conchichina
(aka Ovar) achei a ideia espetacular. Como quem quando lhe dizem
“Queres ir à Lua?” e começa logo a imaginar-se dentro da nave com
o capacete e a descolar ainda sem saber os contornos da aventura.
Nessa noite pesquisei tudo o que consegui sobre esta escola e
absorvi tanta informação quanto possível. Ao final do dia estava a
SARA ALMEIDA
DESIGNER
EX-ALUNA DA EASR

Nunca escrevi a minha reflexão do 3º período no 12º ano e


sempre soube que um dia a reflexão me viria bater à porta
e dizer "é hoje!". Pensei em escrevê-la quando acabei o
meu primeiro ano de universidade em Inglaterra, quando
acabei o curso, quando estava naquela fase estranha em
que tenho uma licenciatura e não sei o que fazer com ela,
quando cheguei à Nova Zelândia... e nunca aconteceu.

rebentar. Notas de entrada? Listas? Anos comuns? candidatar juntas. Esperei por ela meses e meses a fio.
Escolhas??? AJUDA! Escrevi o email mais aterrorizado Quando percebi que ela afinal gostava muito da ideia,
de sempre (mas sempre com cuidado, porque não sabia mas que nunca iria pôr mãos à obra, decidi candidatar-
se ia ser tido em conta na minha candidatura) e enviei me sozinha. O único problema foi que as candidaturas
para o conselho executivo. Quando acordei tinha uma para o ano lectivo seguinte tinham acabado... nesse dia.
resposta. Não uma resposta qualquer, mas a resposta Eis que quando, recebo um email a informar-me que o
que precisava. prazo tinha sido prolongado porque estava a nevar em
“Ovar não é propriamente na China! Tenha calma.” Inglaterra. Numa semana tratei de tudo. 8 meses depois,
Lembro-me de respirar fundo e ler por entre as linhas estava a aterrar numa nova aventura.

desta mensagem "não há nada que não consigas Logo no meu primeiro ano percebi as diferenças

fazer!" Acho mesmo que foi o início das aventuras da entre mim e os meus colegas. Eles pesquisavam na
Internet. Eu pesquisava na rua, a falar com pessoas.
Sara Almeida (mal sabia eu que o “Alberto” que me
Eles desenhavam cadeiras e mesas. Eu sonhava
respondeu, era O Professor Alberto).
com espaços onde tudo coexistia com as emoções e
sensações dos utilizadores. Eles criavam candeeiros, eu
Muitos dos ensinamentos que trago desta escola só
pensava em como resolver a guerra no Sudão através
foram completamente absorvidos por mim já depois de
do design.
a deixar.
Esta maneira de encarar o design foi-me passada na
Depois do 12º ano, ingressei no curso de Design de
Sores dos Reis.
Produto numa Universidade na parte rural de Inglaterra.
Estive envolvida nos projectos para o aeroporto de
Como é que lá fui parar? Algures no 11º ano falei do
Gatwick, as lojas da Primark e algumas habitações
assunto com uma amiga. Decidimos que nos íamos
privadas. Pela primeira vez tive experiência em produzir
13
PER CURS O S

No segundo ano do curso algo de acordo com o pedido de um cliente, criar o


produto, enviar para produção , recebê-lo e admira-
fiz um estágio de três meses lo. Adorei a sensação! No final do estágio o diretor do

numa empresa de iluminação departamento de design, Rory Marples, disse-me para


o contactar quando acabasse o curso, se quisesse
chamada iGuzzini. Trabalhava trabalhar lá. Disse que me escrevia uma carta de
no departamento de design, recomendação se eu precisasse. Mas não foi o suficiente:
Não me pagavam nem transporte nem subsídio de
pedidos especiais: quando alimentação. Não gostei de trabalhar unicamente em
alguém nos contratava produtos de iluminação e não gostei do ambiente de
trabalho. Todos os dias os designers trabalhavam no
para fazer o projecto de
mínimo 2 horas extra. Em alguns dias até á meia noite.
iluminação para um projecto Se alguém saia á hora normal, havia sempre conversa
sobre o assunto "acreditas que ele foi mesmo embora
e queria uma alteração do
ás 5:30??". Ao fim de três meses decidi vir embora. Na
produto do nosso catálogo, o altura agradeci a oferta do Rory mas sabia que não fazia
nenhuma intenção de a aceitar. Não era o sítio ideal
departamento onde eu estava
para mim.
entrava em acção. Dois anos mais tarde , finalmente liguei-lhe para pedir
a minha carta de recomendação. Ia viajar para a
Nova Zelândia e tinha lido que estavam a precisar de
designers de produto. A meio da conversa perguntei
SARA ALMEIDA
DESIGNER
EX-ALUNA DA EASR

lhe se conhecia alguém pelo país. Disse logo que sim emprego. Eram eles a dizer: queremos te a ti. Um salário
e deu-me o número de um designer Kiwi (pessoa de em condições. Férias pagas. Horas normais. Essas coisas
origem neozelandesa). Toda despachada, liguei lhe logo todas que ensinaram à minha geração que só acontece
e expliquei a história. Ele pareceu apreensivo mas ao fim em sonhos. E eu disse que sim, qual casal a aceitar ser
de 5 minutos de conversa disse "envia-me o teu portfólio". feliz para sempre.
Um dia antes de embarcar no vôo, recebo um email Deixem-me contar-vos como funciona o estúdio MW
de um estúdio a perguntar se podíamos marcar uma Design: somos 2 designers de produto e dois engenheiros
entrevista pelo skype porque alguém lhes tinha enviado designers. Trabalhamos das 9 às 5:30. A essa hora, o
o meu portfólio. Liguei-lhes logo e disse : em 48h posso patrão activa o alarme e temos que correr dali para fora.
aparecer no estúdio. E assim foi. Na entrevista fizeram Ninguém trabalha depois da hora. A não ser quando
me vários testes e exercícios de design. Muitos deles sabemos que é preciso cumprir um prazo e todos
parecidos com os que fiz na Soares dos Reis no início do trabalhamos sem nos queixarmos , de boa vontade. As
ano lectivo nas aulas de projecto. Repensar um objecto. secretárias estão organizadas numa circunferência pelo
Melhorá-lo. Reinventá-lo. No final, perguntaram-me num estúdio. Todos vemos o que os outros estão a fazer e
tom que nunca tinha encontrado "gostaríamos muito que todos contribuímos. Várias vezes ao dia é esperado que
te juntasses á equipa. Achas que estas interessada?" nos levantemos e exponhamos o trabalho que estamos
Percebi depois que o tom foi o mesmo que usamos a desenvolver na parede e que o expliquemos em voz
quando pedimos aos nossos pais para nos emprestarem alta. Com este processo detectamos erros muito mais
o carro para ir sair à noite. Dizemos muitas vezes "diz rápido , recebemos críticas construtivas e dessa forma o
que sim, diz que sim" na nossa cabeça , à espera que design é muito melhor do que se fosse pensado por uma
seja essa a resposta que lhes sai da boca. Eles estavam só pessoa. Somos incentivados a falar de coisas que nos
interessados em mim. Não era eu a implorar por um interessam para que o patrão encontre clientes e projectos
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R EFLE X Ã O

que vão de encontro ao que gostamos. Trabalho ao Quando digo que cheguei onde cheguei por ter uma
mesmo tempo em mais ou menos 5 projectos que vão grande dose de boa sorte, algumas pessoas tentam-
de coisas altamente tecnológicas como máquinas de me contrariar. Não sei porque nos custa admitir que
diagnóstico de problemas em tubos de extração de gás somos a força por detrás da nossa sorte. Será porque
a objectos de aplicação de dispositivos intra uterino em achamos que muita gente luta tanto ou mais que nós
vacas. Passando por mesas de bilhar, armadilhas para mas não chegou ao mesmo lugar? De verdade não sinto
ratazanas e embalagens para leite de bebé. Nunca há que me possa responsabilizar totalmente pela minha
um momento aborrecido nem a sensação que todos os "sorte". Demorei um pouquinho a perceber porquê, mas
dias são a mesma coisa. Tenho dois patrões que todos cheguei lá: aquilo que eu sou, não sou sozinha. Qualquer
os dias me perguntam no que me podem ajudar. E um pode saber "fazer design". Mas só alguns têm a
sei que estão a falar tanto na parte profissional como "sorte" de terem aprendido a serem pessoas sensíveis
pessoal. Nas primeiras semanas entrei em parafuso aos objectos , às emoções e às necessidades dos
quando me pediam para fazer coisas que nunca seus utilizadores. Para isso é preciso uma combinação
tinha feito. Fui aprendendo à medida que era preciso. especial de bons professores, educadores e amigos
Percebi depois, que até os designers seniores faziam o , tudo numa só pessoa. E quem passou pela Escola
mesmo. Não era só eu que passava a vida a ver vídeos Artística Soares dos Reis recebeu isso tudo. Só espero
no YouTube com tutoriais do SolidWorks ou que ia á que o tenham agarrado.
biblioteca aprender sobre técnicas de fabrico. Estamos Sou tão pequenina para dar conselhos do que quer
todos a aprender à medida que precisamos. E ainda me que seja, mas há uma coisa que aprendi e que tento
marcaram lugar num curso de SolidWorks, para ajudar manter sempre comigo. Nenhum projecto, trabalho ou
mais um bocadinho. Não me posso queixar. Por agora, ideia é pequeno ou insignificante demais. Tudo nos está
parece que encontrei um lugar à minha medida a ajudar a chegar onde temos que chegar. Eu sei que é
SARA ALMEIDA
DESIGNER
EX-ALUNA DA EASR

o tipo de coisa que ouvimos depois de um falhanço qualquer, da


boca de alguém que nos está a tentar animar, mas acredito mesmo
que seja verdade. Não mencionei o facto de no 10º ano uma colega
de turma ter morrido e de eu saber que de nós todos ela era a
que teria sido a verdadeira artista com um futuro fantástico à sua
espera, a ameaça do meu director de curso na universidade em me
expulsar pelas recentes escolhas de tema para os meus projectos
ou a minha rejeição para fazer o mestrado dos meus sonhos.
Mas tudo isto faz parte de mim e do meu percurso. Encarem tudo
como pesquisa! Um dia vão canalizar todos esses ensinamentos e
aprendizagens no vosso trabalho.

“A Soares não é uma ilha isolada na sociedade."


disse-me o professor Alberto no final do email.
E ainda bem. Naquela altura tomei a decisão
que teria mesmo que conhecer esta "não ilha"
que na verdade se revelou como ponte.
E que boa decisão que foi!

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PER CURS O S

EDUARDO AFONSO DIAS


um percurso com mais de 50 anos
Pensou. Projetou. Ensinou Design.

Apaixonado pela fotografia, estudou escultura e mais tarde fez-se designer.


Nasceu em Lisboa, em 1938 e com quase 77 anos é um dos mais reconhecidos
designers portugueses, com mais de quinhentos projetos, desenhados,
redesenhados e produzidos, em mais de 50 anos de profissão. Dada a sua longa
experiência profissional, particularmente à frente da Uniteam, Intério e Uniforma,
entre os anos 1977 e 1998, tornou-se um dos grandes conhecedores do
universo empresarial português, defendendo sempre que a diferenciação de um
produto, se constrói numa “articulada estratégia de comunicação, marketing,
venda e distribuição dos mesmos, [sendo] o único caminho possível para a
plena e sólida afirmação da economia portuguesa”. (Coutinho, 2014, p. 19)

A sua vasta e diversificada obra, passa pelo design de incorporados e apropriados no modo de vida dos seus
interiores, design expositivo, design de produto, design utilizadores, que lhes retirou o seu reconhecimento
gráfico, destacando ainda a sua atividade enquanto como objetos de design.
professor de design e pioneiro em Portugal na gestão Assume assim, que o design é antes de mais uma forma
do design. de estar e ser. É uma atitude, um método, que dado
Norteado, segundo Daciano da Costa (cit in Pacheco, as suas características é possível aplicar a numerosas
1984, p.25), por uma ‘inteligência prática e imaginação atividades humanas. Como o próprio define, “Direi que
construtiva’, que se reflete numa vasta obra em vários [o design] é uma forma de comportamento que recusa
domínios, foi no design produto que mais se destacou. o impensado, a solução do acaso ou de inspiração, e
Enquanto no design de interiores, o seu trabalho, se que, pelo contrário procura as informações e métodos
carateriza pela procura de um sentido de unidade, corretos na resolução de um problema, adaptando-o da
gerando uma complementaridade entre o espaço melhor maneira às necessidades dos homens” (Dias,
e o equipamento, através de soluções articuladas, 1984, p. 26). Uma atitude que exterioriza que deve
funcionais e simples, no design de produto, as mais ser adotada por todas as atividades criadoras, desde
de 50 coleções e 400 peças de cutelaria, recipientes, designers a arquitetos, de engenheiros a urbanistas,
faianças e utensílios do dia-a-dia, tornaram-se peças no sentido de melhor sistematizar o processo projetual,
icónicas, que transformaram mentalidades, hábitos e obtendo um produto final mais eficaz.
comportamentos. Os seus produtos foram de tal modo Eduardo Afonso Dias, trabalhou com os maiores nomes
MICAELA REIS
PROFESSORA DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

Eduardo Afonso Dias


fotografia @ Miguel Manso

do design português, como Sena da Silva, Frederico nem poderia aprender na escola (...) O Daciano tinha
George, Daciano da Costa e Conceição Silva – tendo uma prática muito mais refletida e profunda, (...) uma
herdado “destes mestres a prática metodológica e grande preocupação com o desenvolvimento da
concepção do design como atividade globalizante”. profissão e da disciplina de design. Com ele, tive um
(Dias, 2014, p. 115) curso de iniciação artística ou ao design, uma espécie
Embora manifeste a importância de cada um destes de Bauhaus à Portuguesa no seu atelier em Belém.
mestres na sua formação, foi sem dúvida, Daciano da (...) No Frederico, consistia mais em desenhar, ouvir e
Costa, que mais peso teve no seu percurso, tornando-se entender as fases do projeto, assim como as angustias
como o próprio recorda, ‘companheiros’. Quando refere que o mestre tinha. Foi uma formação que considero a
os processos projetuais de cada um e os ensinamentos melhor que poderia ter.” (Dias, A Fénix do design, 2014,
que assimilou e que o formaram e construíram enquanto p. 119).
designer, Afonso Dias rememora:“No Frederico, era o Foi entre o ouvido atento, que escutava o mestre e
‘enegrecer do papel vegetal’ (desenhador copista) e a possibilidade de experienciar todas as fases da
ía ouvindo as poucas conversas que ele tinha sobre a concepção e implementação de um produto, que se
disciplina, mas tudo com sofreguidão: as reflexões, o construiu como designer. Embora reconheça que a
estilo de funcionar e a cultura do mestre. Com Daciano, teoria é muito importante e decisiva, durante o processo
por seu turno, foi meter as ‘mãos na massa’ e aprender, projetual, carateriza-se acima de tudo como um
no dia-a-dia, durante nove anos, aquilo que não aprendi, pragmático. Reconhece-se na frase ‘Design possível’

19
PER CURS O S

OMO GUME PLATO


Faqueiro de mesa Cutelaria para cozinha Tábuas de corte para
Design 1971 Design 1976_77 cozinha|
Aço cromo-níquel AISI-304 Aço inox T5-M0, cabo em madeira de Design 1982
faia maciça vaporizada com isolante Madeira de pinho colada por
1ª Produção: epoxi ultra-sons
1972 - Indústrias Lever Portuguesa, Lda Produção:
Produção: 1978 - ICEL Lda | Benedita Produção:
MAFIL - Manuel Machado & Ca, Lda Mercados: SOT Lda | Pernes
Suécia - IKEA | Canada - Pier One Mercado nacional/
exportação
Espanha, Dinamarca

@ Luísa Ferreira
e explica-a como a flexibilidade “de poder desenvolver vindouras. “E o olhar continua a sorrir, quase miúdo,
produtos sem ferir os princípios estéticos, comerciais e quando partilha apontamentos de estórias e episódios
industriais, no limite razoável”. (Dias, 2014, p. 131) onde o seu idealismo, alguma ingenuidade, intuição e
Com esta forma de se posicionar, atravessou fronteiras espírito de aventura o guiaram...como aquela vez em
e internacionalizou o seu nome e em conjunto o design que foi sozinho à IKEA, em Almhult, levando unicamente
português, introduzindo noutros mercados, os seus debaixo do braço o protótipo do que viria a ser uma das
objetos. Durante cerca de duas décadas, os seus cutelarias mais vendidas nos anos seguintes pela marca
produtos, foram comercializados em toda a Europa, sueca, a GUME, produzido pela ICEL." (idem, p.24)
destacando o mercado Escandinavo, mas também
atravessaram oceanos e chegaram aos Estado Unidos, O seu posicionamento no e sobre o design
Canadá e Austrália.
Falar de Eduardo Afonso Dias, é em simultâneo falar da Foi um dos pioneiros na prática de gestão do design em
história do design português e como ele hoje se desenha Portugal e encara o designer não como um elemento
no presente. O seu percurso e a sua obra “podem ser isolado na criação de um produto, nem como mero
a metáfora perfeita das potencialidades, vicissitudes e desenhador, mas como um interveniente na gestão,
mal-entendidos do design no nosso país”. (Coutinho, produção e promoção de um produto. Afonso Dias,
2014, p. 24). Portador de um olhar irónico e crítico, não avoca que o grande problema do design de produto
deixa de continuar a acreditar no potencial das gerações é conseguir “viabilizar as ideias (...) comercialmente e
MICAELA REIS
PROFESSORA DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

fotografias @ João Firmino


LYRICA DIVERSA LIZA
Conjunto de facas e pormenor Bases para quentes Linha bandejas/ fruteiras
de desenho Design 1976 Design 1977
Design 1976 Madeira de pinho e bastões e esferas Estrutura de apoio em pinho vaporizado,
Faiança vidrada pintada à mão de cortiça natural faia ou freixo
(réplica em faiança das caixas Produção: Produção:
latonadas) 1976 - Sociedade Nacional Corticeira 1977 - Intercoop crl | Lisboa
Produção: Lda Barreiro Mercado exportação
1976 - Safaril Lda | Vanda das Mercado exportação Suécia, Inglaterra e Alemanha
Raparigas Inglaterra, Irlanda e Canada
Mercado exportação
Noruega, Inglaterra e Irlanda
@ Miguel Manso

dominar isso conjuntamente com o espírito, a filosofia (Dias, 2014, p. 136)


e a qualidade de produção” (Dias, 2014, p. 127), numa Num período pós-revolucionário, acreditando na
perspetiva, onde o design orienta as outras atividades importância capital do design, “como um fator [de
económicas, estatísticas, marketing, vendas, etc e não diferenciação e] transformação da sociedade e alicerce
se confina somente a uma concepção formal. de um modelo sustentado de desenvolvimento”,
Nunca aceitou a visão que o tecido empresarial para além de impedir a falência de várias empresas
português tinha e de algum modo ainda têm, em relação nacionais, produziu um aumento de produção e
ao design e aos designers. Não corroborando com a reforçou o posicionamento das mesmas empresas no
ideia do “design como um luxo desnecessário”, nem mercado. Numa procura constante em sensibilizar para
que “os designers eram e são uns tipos que têm jeito o verdadeiro sentido do design, no interior das políticas
para fazer uns bonecos e nada mais” (Dias, 2014, p. estratégicas empresariais, tentou atualizar os sectores
127), no seu papel como designer procurou alterar tradicionais de produção e alertou para a irrevogável
mentalidades, numa tentativa de reconhecimento da necessidade da formação e requalificação dos recursos
importância da relação do designer com o produto e humanos das empresas. Para Afonso Dias, “o mote era
com o mercado, ou seja, o designer deve assumir-se e racionalizar a produção e corrigir os seus processos
ser assumido como um mediador. Para Afonso Dias, um de fabrico, modernizar as linhas de montagem com
empresário que encare o design, como um investimento a tecnologia e os recursos humanos, tornar os seus
tecnológico e a inovação como um luxo “está liquidado”. produtos mais competitivos nos mercados internacionais

21
PER CURS O S

AQUA BICOR BLOK


Copos de mesa Acessórios para cozinha Contentores para alimentos
Design 1977 Design 1985 Design 1985
Cristal Pinho maciço vaporizado e MDF lacado por Faiança vidrada com tampas estanques em
imersão MDF lacado
Produção: Produção: Produção:
1978 - Crisal SA 1986 - Arbotécnica lda | Leiria 1986 - AR, António Rosa lda
Mercados nacional/ exportação: Mercado Mercado
Espanha Inglaterra e Filândia Suécia e Filândia

e, deste modo, contribuir para a efetiva industrialização um determinado mercado, num determinado contexto.
do país.” (Coutinho, 2014, p. 18) E, é com este propósito e neste sentido que deve ser
Refletindo sobre atividade, reconhece que “o design ensinado o design. “Um pouco à semelhança das
é ainda uma jovem disciplina que tem pouco mais de sessões de esclarecimento que havia no 25 de Abril, no
cem anos [e] 99,9% das pessoas não o entendem âmbito das campanhas de alfabetização, falta fazer a
verdadeiramente. Se um Ministro da Educação foi ‘alfabetização do design’” (Dias, 2014, p. 136)
capaz de afirmar que no produto industrial a intervenção No seu percurso como professor, reconhece que
do design era importante porque ‘alindava’ as peças, é muito ficou por fazer e que é preciso “meter as mãos
porque não entende nada sobre o assunto”. (Dias, 2014, na massa”, se queremos que o design deixe de ser
p. 135) identificado como uma ato insulado e estanque na
Para Afonso Dias, temos ainda um grande caminho a criação de um objeto e passe a ser encarado como uma
percorrer e que parte da solução para o design passa ação proliferadora, que se alimenta e alimenta todas as
por um ensino onde seja visível a relação entre saberes áreas que interseta. Ou seja, é necessário perceber que
e a realidade material. O design não pode ser entendido o design não pode ser visto com um ato dinamizado,
como um elemento isolado, mas sim como uma prática mas deve assumir-se como dinamizador. “Saibamos
inter e transdisciplinar, de possíveis conexões que aprender com o seu percurso e obra” (Coutinho, 2014,
nos levam a conceber um determinado produto, para p. 24)
MICAELA REIS
PROFESSORA DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

fotografias @ João Firmino


Cooktime COMBI
Conjunto compacto de caçarolas Caneca térmica
Design 1984 Design 1992 (colaboração Filipe Cardoso)
Corpos com tampas em chapa de Dois copos numa mistura de dois polímeros (SAN) e ABS,
cobre, interior com estanhagem, cabos com pigmentos orgânicos não tóxicos
e pegas em choupo vaporizado com Produção:
isolante epóxi, componentes em latão 1992 - Romão e Rosa Lda | Juncal, Porto de Mós
Produção: Mercados nacional/ exportação:
1985 - Metalútil lda | Oliveira de Azeméis Espanha
Mercado
Alemanha, Suécia e Dinamarca

Projetos mais relevantes:


-1971 – Faqueiro Omo
-1976 – Série de cutelaria para cozinha Gume – Ikea
-1977 – Tábuas de corte em madeira Plato
-1976 – Conjunto de caixas de faiança pintada Lyrica
-1976 – Bases para quentes em aglomerado de cortiça Diversa
-1977 – Tabuleiros/ bandejas Liza
-1977 – Copos Aqua
-1985 – Acessórios cozinha Bicor
-1985 – Recipientes Blok
-1985 – Tachos e frigideiras Cooktime
-1992 – Canecas térmicas Combi

Coutinho, B. (2014). Um percurso guiado por "uma inteligência prática e imaginação construtiva". In E. A. Dias,
O design possível - 50 anos de profissão (pp. 15-26). Lisboa: Mude.
Dias, E. A. (2014, Abril). A Fénix do design. 115-138. (R. Carreto, Interviewer)
Dias, E. A. (1984, Maio). Eduardo Afonso Dias, Revista Exportar - ICEP. 25-26.
Pacheco, F. A. (1984). Eduardo Afonso Dias: Faço o design possível... Jornal de Letras , 25-26.
23
PER CURS O S

ISAMU NOGUCHI
TANGÊNCIAS E INTERSEÇÕES
ESCULTURA E DESIGN
ARTUR GONÇALVES
DIRETOR DE CURSO DE DESIGN DE PRODUTO
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

Valores da escultura
e do design
“Estou sempre à procura de uma nova maneira
de dizer a mesma coisa” Isamu Noguchi

A atividade criativa na área das artes visuais exerce-se Com base neste pensamento é fácil perceber a
sobre meios e espaços bidimensionais e tridimensionais, intervenção do artista em outras áreas como a
convocando o tempo para poder ser vivenciada. qualificação de espaços públicos através do desenho
Se nos focarmos nos objetos tridimensionais, a começar de jardins, fontes, parques de lazer e, de especial
pelos relevos, até às peças isoladas no espaço, interesse para nós, na área do design.
estamos perante uma categoria a que chamamos A criação e transformação de objetos de que se
escultura. Escultura, como expressão artística, será a ocupa o design não deixa de ter, nos valores estéticos
que recorre a elementos expressivos - a forma, a cor, e simbólicos, no discurso visual que tais valores
o material, a estrutura e a outros elementos conexos, envolvem, uma atenção e uma aposta fundamental. O
articulando-os pela composição e relação de escala que há a que acrescentar a tudo isso são os valores
com o homem, produzindo artefactos que patenteiam do uso, da intervenção prática que os objetos têm na
valores estéticos e valores simbólicos. Efetivamente, é a realização de atividades humanas, e os valores que
ênfase comunicativa e representativa que distingue uma decorrem da necessidade de viabilizar a sua produção
escultura da generalidade dos objetos tridimensionais. e a distribuição para chegarem, de facto, à vida das
A obra de escultura emerge, de uma forma única e pessoas.
assertiva, do poder criativo e do discurso do seu autor. Assim, para Isamu Noguchi, os objetos utilitários são
Para Isamu Noguchi tudo é escultura, ou seja, todos esculturas que facilitam e enriquecem a vida trazendo
os objetos tridimensionais estão marcados por valores o encanto, o refinamento e a expressividade emocional
estéticos e simbólicos. Esta afirmação, algo polémica, para a vida quotidiana.
resulta da ideia de que, numa visão de arte próxima da Isto não significa que defenda da dissolução da
vida, todo o espaço é participante na comunicação e escultura ou preconize o primado de uma arte aplicada.
as criações artísticas não podem ser apenas as que Reconhece apenas que não interessa ter uma visão
se exibem em galerias ou museus, apoiadas sobre acabada do mundo, ou ser senhor da última palavra
pedestais. Advoga, apoiado nestes pressupostos, uma sobre a arte.
escultura sem peanha…
25
PERCURS O S

A verdade dos materiais


"As formas superficiais e as funções podem ser
imitadas, mas as qualidades não"
Isamu Noguchi

Ao recorrer a elementos físicos para se manifestar, indivisa que se auto afirma na sua nobreza e significado.
a criação artística acolhe uma infinita variedade de O artista reservava uma parte muito substancial
materiais que transforma e modela. Isamu Noguchi do seu tempo a visitar as pedreiras, as fábricas de
elege o material como um elemento decisivo para transformação de rochas, metais ferrosos e ligas de
concretização da intenção comunicativa, demonstrando fundição, as olarias e as oficinas de preparação das
um respeito extremo pelas propriedades gerais e pastas cerâmicas, assim como se interessava pelas
específicas que este apresenta e, dessa forma, uma propriedades dos novos materiais tais como o vidro e
sensibilidade, cara à cultura japonesa, de observação o aço inoxidável, retirando daí um conhecimento mais
e de deleite para com o que natureza nos dá. Esta profundo sobre a essência de cada um, parecendo que,
atenção ao cerne físico e simbólico do material, num de uma forma autêntica, a ideia a comunicar já estava
certo contexto histórico e civilizacional, conduz a uma no material.
cuidadosa formulação de intervenções cujo objetivo é Mas nada de medos e de interdições face ao material – a
o de mobilizar a matéria para se definir o que se diz e “força” e a visão do artista revelam-se verdadeiramente
como se diz. face às interrogações e incertezas que enfrenta,
O material não pode ser um mero suporte ou veículo acreditando que o seu discurso vai juntar-se, como um
de algo externo. Tem que ser uma parte fundadora e só, à afirmação primordial da matéria.
ARTUR GONÇALVES
DIRETOR DE CURSO DE DESIGN DE PRODUTO
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

O experimentalismo
"Pode-se descobrir como se faz algo e depois
fazê-lo, ou fazer qualquer coisa e depois
descobrir como se faz"
Isamu Noguchi

O atravessamento das fronteiras da escultura, do design,


da qualificação do espaço público e da cenografia
demonstram a natureza inquieta deste criador. Em vez de
dispersão, o que devemos ver nisso é um movimento de
interesses que se articulam naturalmente em função dos
problemas que lhe interessavam.
Na pequena escala e na grande escala, em esboços
livres e em desenhos rigorosos, no material comum ou
no material nobre, Noguchi trabalhava em modelos e
em obras, num processo que combina o avanço sobre o
material e a respetiva reflexão/aprendizagem e vice-versa.
O experimentalismo é a faceta viva, criativa e interventiva
que complementa o respeito pela verdade dos materiais.
Esta era a sua forma de, reiteradamente, procurar e
encontrar novas soluções para os problemas permanentes.

27
PER CURS O S

nota
biográfica:

Nasceu no ano de 1904 na cidade norte


americana de Los Angeles, filho de Léonie
Gilmour, uma jornalista e editora literária, e
de Yone Noguchi, poeta japonês.
Viveu a infância no Japão, regressando
aos Estados Unidos aos 13 anos de idade.
Iniciou estudos na área da Medicina que
abandonou para se dedicar em pleno à
sua grande paixão – a escultura, iniciando
a sua formação sob a orientação do
escultor Onorio Ruotolo.
Entre 1927 e 1929 Noguchi viveu em
Paris graças a uma bolsa da Fundação
Guggenheim, trabalhando como
assistente de Constantin Brancusi, um
escultor de vanguarda cujo trabalho o
fascinava, tendo este encontro alterado
radicalmente a sua visão sobre a escultura
numa senda de exploração dos conceitos
de abstracionismo, refinamento formal,
lirismo e expressão emocional.
O reconhecimento público chegou em
ARTUR GONÇALVES
DIRETOR DE CURSO DE DESIGN DE PRODUTO
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

Isamu Noguchi foi um criador independente, um explorador


de conceitos e processos, avesso a movimentos e a “escolas” de
arte com trabalho que se afirmou na área do desenho, da escultura,
da cenografia, do design e da qualificação do espaço público.

1938 com a concretização do relevo de grandes subjacente a essa confrontação bélica.


dimensões, celebrando a liberdade de imprensa, que A par da criação na área da escultura Noguchi
criou para o portal do edifício da Associated Press, desenvolveu continuamente um importante trabalho na
localizado no Rockfeller Center, em Nova Iorque. área da cenografia para espetáculos de bailado e dança
Esta década de 30, e início da de 40, foi pontuada moderna, colaborando com nomes da coreografia
por diversas viagens à Ásia, México e Europa, onde como Merce Cunningham, George Balanchine e Martha
contactou com as comunidades artísticas locais, Graham.
estabelecendo aí muitas amizades. Esta faceta de Colaborou com arquitetos como Kenzo Tange e Louis
viajante que procura a relação direta com as realidades, Kahn em projetos de espaços públicos, praças, jardins,
foi uma das que manteve ao longo da sua vida. fontes e parques lúdicos, lutando pela aproximação da
O conflito da 2ª guerra mundial, em que há uma arte às pessoas e pela qualificação estética e simbólica
confrontação total entre os Estados Unidos da América dos ambientes abertos ao usufruto de todos os cidadãos.
e o Japão, constitui um choque profundo na via de Nesta área destaca-se o projeto completado em 1958,
Isamu Noguchi. As sociedades que corporizavam as para o jardim do edifício sede da UNESCO, em Paris,
suas próprias raízes estavam em guerra. Tal facto vai por indicação do arquiteto Marcel Breuer.
refletir-se na sua postura pública que, daí em diante, vai Abraçou desafios na área do design concebendo objetos
dar relevo à intervenção cívica na defesa da democracia de tipologias diversificadas para produção industrial,
e das liberdades. em colaboração com empresas como a Zenith Radio
Terminada a guerra em 1945, o artista volta ao Japão, Corporation, Herman Miller e Knoll Company. A coleção
passando aí alguns anos nos quais o seu trabalho das “Luminárias Akari” teve um enorme sucesso
artístico se focou na exploração das questões dolorosas comercial, continuando ainda hoje em produção.
criadas pelo conflito e pelo choque de civilizações Faleceu em 1988 na cidade de Nova Iorque.

29
REFLE X Ã O

como o
conhecimento
humano
é moldado
pela ficção

Imagem 1 - http://adsoftheworld.com/media/print/levis_audience
MARTA VARZIM
PROFESSORA | ARTES DIGITAIS E MULTIMÉDIA
ESCOLA SUPERIOR DE ARTES E DESIGN | MATOSINHOS

introdução
A nossa noção de realidade é limitada e por essa razão, a
mente humana cede, impotente, à sucção das histórias. Além
disso, constata-se com facilidade que por muito que lutemos
em manter a lucidez ou a ligação à realidade, a verdade é que
não sabemos resistir à generosidade dos pensamentos e dos
seus mundos alternativos. Enquanto o nosso corpo está preso
a um aqui e a um agora, a nossa mente liberta-se e põe-nos
a divagar sem qualquer restrição por terras do faz-de-conta.
A nossa imersão pelas narrativas ficcionais vai muito além
dos sonhos e das fantasias, das canções, da literatura e dos
filmes. Há muito mais na vida humana que nos mostra que
esta está impregnada por histórias ficcionais.

as histórias que são estórias


A nossa incapacidade de perceber o que realmente processos de infindáveis inferências semióticas. Nessa
somos e o que neste mundo fazemos, atira-nos para produção, procuramos superar o dualismo ontológico
todo o tipo de situações que, de alguma forma, nos sirva entre o ideal e o real e a experiência e a razão. Os
de consolo e de recompensa. Dessa vulnerabilidade objetos que produzimos para o mundo real e a nossa
emerge o “cogito do sonhador“ (Bachelard 2001: 21), experiência fundem-se na percepção sensorial e
fruto de uma atividade psíquica em incessante busca formam, a partir daí, um novo ciclo: novas imagens são
de autoconhecimento. Nesse decurso, surgem imagens geradas de forma invocada ou subjetiva e passam a
perceptivas (Arnheim, 1998: 27) - impulsionadas por ser reconstruídas, reinterpretadas e ficcionadas com
desejos, sonhos e vontades - e através da incessante a ajuda da memória e da imaginação (Damásio, 1995:
busca de autoconhecimento, ativam-se e atualizam-se as 112; 2000: 177-178). Uma vez que a nossa percepção
nossas infinitas potencialidades mentais. Este paradoxo nunca é perfeita porque é construtora de ajustamentos
entre “incapacidade” e “infinitas potencialidades” é o (Damásio, 2000: 177), nós não sabemos tudo e é
que efetivamente nos impulsiona para uma produção improvável que alguma vez venhamos a saber o que
desmedida de imagens-símbolo e nos mergulha em é verdadeiramente a realidade. A nossa relação com o

31
REFLE X Ã O

real é, portanto, construída, é artificial. E nesse sentido, sentido. Do exposto não admira então que se diga que
todas as histórias tendem a ser estórias. os seres humanos são “criaturas de histórias de ficção”
Ao não sermos capazes de ter uma consciência (Morin, 1972; Metz, 1980; Bachelard, 2001; Boyd,
total sobre a realidade, a imersão pelas narrativas 2009; Damásio, 2010; Gottschall, 2013). Delas parece
ficcionais sobrevém como alternativa, tornando-se parte dependermos para conseguirmos significar o mundo e
integrante dos processos cognitivos de produção de todos os elementos que o constituem.

Imagem 2 - Screen shot do Filme Weekend de Jean-Luc Godard (1967).

a ficção
Os seres humanos são então criaturas de histórias e não palavras, perdemos um terço das nossas vidas
obstante, estas tocam quase todos os aspetos das suas afundados em fantasias. Sonhamos com o passado,
vidas. com as nossas vitórias e fracassos e com as coisas
Jonathan Gottschall, especialista em literatura e de deveríamos ter dito mas não dissemos. Sonhamos
evolução humana, acredita que temos uma grande com coisas perfeitamente mundanas, nomeadamente
tendência para contarmos algumas dessa melhores imaginando como lidar com um conflito na escola ou
histórias a nós próprios e acredita que as memórias que no trabalho. E sonhamos ainda duma outra forma mais
usamos para as formar são ficcionadas pelo corpo, ora intensa: internamente, realizamos filmes onde todos os
em forma de pensamentos, ora em forma de sonhos. nossos desejos – mais realistas ou mais efabulados –
Segundo estudos descritos por Gottschall, em média, vão sendo testados e realizados.
os sonhos têm uma duração de catorze segundos e O imperativo humano para fazer e consumir histórias é
surgem cerca de duzentas vezes ao dia. Por outras então algo muito profundo. Mas porque estaremos nós
MARTA VARZIM
PROFESSORA | ARTES DIGITAIS E MULTIMÉDIA
ESCOLA SUPERIOR DE ARTES E DESIGN | MATOSINHOS

impregnados de narrativas ficcionais? os simuladores de voo permitem aos pilotos treinar o voo
Segundo Thomas Hobbes a ficção liberta-nos em segurança, as ficções treinam-nos – em segurança
temporariamente dos nossos problemas. Porém, ao – a enfrentarmos os maiores desafios do mundo real,
fazê-lo, enreda-nos num outro conjunto de perturbações, projetando-nos para intensas simulações de problemas
nomeadamente em cenários imaginários de luta e paralelos àqueles que temos de enfrentar na realidade
stresse, de confrontos mas também de superações. do dia-a-dia. Assim como os simuladores, a maior
Há, portanto, um paradoxo na ficção e este já havia virtude da ficção é poder oferecer uma fértil e intensa
sido notado por Aristóteles na sua obra “Poetics” (350 experiência sem nos magoarmos ou morrermos no final.
a.C): nós somos atraídos pela ficção porque ela dá-nos No concreto, procuramos e produzimos histórias por
prazer. Efetivamente, a ficção é aonde as pessoas vão gostamos das experiências que estas nos proporcionam
praticar as principais habilidades da vida humana e a e porque, de alguma forma, beneficiamos com a sua
experiência emocional é o principal benefício da ficção. prática. Além disso, o potencial destas produções, leva-
Esta oferece-nos sensações pelas quais não temos que nos, no limiar, a estar bem próximos de um demiurgo,
temer, na medida em que, com ela, podemos amar, capaz de tudo criar e tudo transfigurar, simplesmente
matar, condenar, desculpar, ter esperança, ter pavor através de uma vontade ou de uma crença. Assim, a
ou horror sem o prejuízo real de passarmos pelos ficção, para além de nos libertar dos constrangimentos
constrangimentos que estas experiências normalmente do tempo e do espaço e de estar mais em conformidade
envolvem na realidade. Este argumento que não é novo com as nossas vontades e sonhos, realiza o profundo
para a psicologia evolucionista, mostra que as ficções desejo humano de transcendência.
são como simuladores para a vida humana: assim como

Imagem 2 - Screen shot do Filme Weekend de Jean-Luc Godard (1967). 33


R EFLE X Ã O

os neurónios espelho
e a teoria da simulação
Os neurónios espelho e a teoria da simulação que que alguns estados mentais são transferidos
Entre as décadas de 1980 e 1990, um grupo de por contagio, levou os referidos cientistas a afirmar
neurocientistas italianos descobriu acidentalmente que que os neurónios espelho estão na base da nossa
temos neurónios espelho. Deste então, tem havido uma capacidade de gerar simulações ficcionais, dentro
corrida ao estudo desses neurónios com o intuito de das nossas mentes.
se medir a eficácia do seu alcance e de testar a sua
capacidade de “contágio”. Mais recentemente, o psiquiatra e especialista
em ciências comportamentais, Marco Iacoboni
De um conjunto de experiências realizadas resultou a veio explicar porque é que as representações
convicção de que temos redes neurais especializadas que cinemáticas nos dizem tanto e nos parecem ser tão
se ativam especificamente quando executamos uma ação autênticas. Segundo este, esta simbiose acontece
ou experienciamos uma emoção e, de igual forma, quando “because mirror neurons in our brain
observamos alguém a executar uma ação ou a vivenciar re-create for us the distress we see on
uma emoção. Esta revelação que veio mostrar porque é
the screen. We have empathy for the
fictional characters – we know how
they’re feeling – because we literally
experience the same feelings ourselves.
And when we watch the movie star kiss
on screen? Some of the cell firing in our
brain are the same ones that fire when
we kiss our lovers. “Vicarious” is not
a strong enough word to describe the
effect of these mirror neurons”
(Iacoboni, 2008: 4).

IImagens da experiência de Meltzoff (1977) que mostra a


capacidade que uma criança com 2 a 3 semanas de idade tem
em imitar posturas faciais de um adulto.
A mesma experiência realizada a um chimpanzé com 2 meses de
idade demonstra a mesma capacidade de resposta.

http://www.replicatedtypo.com/sticking-the-tongue-out-early-
imitation-in-infants/6082.html
MARTA VARZIM
PROFESSORA | ARTES DIGITAIS E MULTIMÉDIA
ESCOLA SUPERIOR DE ARTES E DESIGN | MATOSINHOS

o alcance da ficção hiper-realista e o


da ficção abstrata
A distinção entre realidade e ficção implica a A “suspensão voluntária da descrença” de Samuel
compreensão de que não há representação abstracta Taylor Coleridge (1817), o "Efeito Pigmalião” da
separada do ato material e biológico de a gerar. psicologia positiva e o “conceito do inquietante” de
Christian Metz defende que na base de qualquer ficção Ernst Jentsch (1906) rebatizado por Masahiro Mori como
está a relação instância real / instância imaginário e “O Vale da Estranheza” (1970) vêm justamente mostrar a
que o equilíbrio que se estabelece entre estes dois gradação exata dos regimes de crença adoptados pelo
polos pode variar duma técnica ficcional para outra. Ao espectador e explicar a vontade deste aceitar como
explicar como o imaginário interfere na percepção que o verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção
indivíduo tem sobre a realidade, Metz afirma que por muito mesmo que elas sejam fantásticas, impossíveis ou
que os espetáculos sejam extravagantes, subjetivos ou contraditórias relativamente à realidade. É a suspensão
abstratos, por muito que as suas ligações se afastem do julgamento em troca da premissa de entretenimento,
da experiência do real, há sempre oportunidade para ou, a aceitação de um certo nível de improbabilidade
que o seu sentido se constitua: «o saber do sujeito dá- em benefício da história que permite que o espectador
se mesmo quando este acha o espetáculo estranho» se envolva com o acontecimento.
(Metz, 1980: 58-59).

Imagem 5 - Screen shot do vídeo Solipsist de Andrew Thomas Huang, 2012. 35


R EFLE X Ã O

Numa breve análise aos dois polos da ficção, constata- Sobre o assunto, o designer de vídeo jogos James Wallis
se que a ficção hiper-realista tende a apresentar a vida salienta que: “Human beings like stories. Our brains
como nós realmente a experimentamos. Nessa medida, have a natural affinity not only for enjoying narratives
o hiper-realismo tem interesse como experiência no and learning from them but also for creating them. In the
sentido em que, fielmente nos ajuda a ver o que é ficção, same way that our mind sees an abstract pattern and
mostrando-nos o que ela não é. Todavia, a ficção hiper- resolves it into a face, our imagination sees a pattern of
realista falha pelas mesmas razões que falham as outras events and resolves it into a story”. (Wallis, 2007: 69).
ficções mais extravagantes, subjetivas ou abstratas, Esta afirmação de Wallis mostra que extraímos
na medida em que todas elas apresentam o mesmo automaticamente histórias das informações que
ingrediente-chave: o enredo artificial de problemas. recebemos e, no caso de não haver nenhuma história
Na verdade, não importa o quão próximos estamos em concreto, a tendência é a de inventarmos uma.
da representação da realidade, pois saberemos Muitos são os exemplos e as experiências deste
sempre que esta é uma representação. O que nos vai fenómeno que mostram o quão indispostos estamos a
fazer aceitá-la não é a afinidade perante a qualidade ficar sem histórias e o quão avidamente trabalhamos
ou regime de representação mas sim o interesse ou a para impor uma estrutura numa história que tem por
vontade que temos em usufruir dessa experiência. base uma referência sem sentido. Com isto, queremos
Quanto à ficção abstrata, constata-se que a evolução dizer que, independentemente do grau ou regime de
da literacia visual, nomeadamente a capacidade de realidade dessas histórias, há no ser humano uma
interpretar representações simbólicas abstratas, tem- inequívoca tendência para imbricar o relato presenciado
nos possibilitado discernir com algum à-vontade a com o contexto vivencial (experiência pessoal). É o que
essência de muitas figurações. Segundo a psicologia, afirma Morin (1972: 114) e Damásio (2000: 366; 2010:
isto acontece porque a mente humana esteve sempre 264): afim de podermos assimilar, (re)interpretamos o
predisposta para detetar padrões mesmo no seio do relato - abstracto ou concreto - fazendo pontes entre
caos. O “software mental” que nos põe em alerta quando a conjunção e a disjunção das nossas memórias e
vemos um rosto humano ou uma figura, é o mesmo conhecimentos armazenados.
que nos permite ver ou associar formas familiares em
elementos com figurações abstratas como as nuvens,
a pintura ou a escultura. Para esta ciência, esta
capacidade humana é uma parte do “design da mente”
que nos ajuda a perceber os padrões mais significativos
do nosso ambiente. Isto explica que a nossa apetência
por dar um significado aos padrões que vemos, traduz
na verdade a nossa ânsia por histórias.
MARTA VARZIM
PROFESSORAS DIGITAIS E MULTIMÉDIA
ESCOLA SUPERIOR DE ARTES E DESIGN | MATOSINHOS

conclusão
Em geral, todas estas pesquisas mostram que somos dá-nos terreno seguro para treinarmos inseguranças e
obras-primas das nossas próprias construções mentais incertezas e tudo aquilo que necessitarmos. Além disso,
e fragmentos da nossa imaginação. Pensamos que as histórias resultantes da ficção - ou se preferirmos do
somos muito estáveis e “reais” e temos a ideia de que as onirismo intelectual (Bachelard, 2001), são condição de
nossas memórias restringem a nossa autocriação, mas integridade do conhecimento e a “cola” da vida social
na verdade são os nossos sonhos e as nossas crenças humana. São elas que definem grupos culturais e são
que as modelam. Nós somos fruto das nossas histórias as mesmas que os mantêm coesos. Nós vivemos no
pessoais. E essas são para nós, mais verdadeiras do mundo do “faz de conta” porque não podemos viver fora
que a própria realidade. dele. O mundo do “faz de conta” é o lugar de regulação
A ficção é, então, a nossa maior e melhor habilidade que nos garante algum equilíbrio homeostático. Ao
enquanto seres. Ela é um dos elementos essenciais do serem inventadas formas de consolo e de recompensa
nosso nicho evolucionário. E se a ela estamos ligados é – e como vimos não importa o grau de verosimilhança
porque, na sua essência, a ficção é benéfica para nós: com a realidade – o ser humano cumpre, dentro das
alimenta a nossa imaginação, reforça hábitos morais, suas possibilidades, a sua reconciliação com o mundo.

Referências bibliográficas
Arnheim, R. (1980). Arte & Percepção visual. Uma Psicologia da Visão Criadora. S. Paulo: Thomson.
Bachelard, G. (2001). O Ar e os Sonhos. São Paulo: Martins Fontes.
Boyd, B. (2009). On the Origin of Stories: Evolution, Cognition, Fiction. Cambridge, MA: Harvard University Press.
Damásio, A. (1995). O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano. Mem Martins: Europa-América.
Damásio, A. (2000). O Sentimento de Si: O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência. Mem Martins: Europa- América.
Damásio, A. (2010). O livro da Consciência. A construção do cérebro consciente. Maia: Circulo de Leitores.
Gottschall, J., (2013). The Storytelling Animal, How Stories Make Us Human. New York: Houghton Mifflin Harcourt.
Iacoboni, M. (2008). Mirroring People: The Science of Empathy and How We Connect with Others. New York: Picador.
Metz, C. (1980). O Significante Imaginário. Psicanálise e Cinema. Lisboa: Livros Horizonte.
Morin, E., (1972). El cine o el hombre imaginario, Barcelona: Seix Barral.
Reeves B., & Nass C. (2003). The Media Equation: How People Treat Computers, Television, and New Media Like Real People and Places Stanford
University: Center for the Study of Language and Information.
Wallis, J. (2007). Making Games that Make Stories. Cambridge, MA: MIT Press.

Textos em linha
Hobbes, T. (1681), Animation / Fiction. http://csmt. uchicago.edu/ glossary2004/animation.htm. Acedido em 19 Abril de 2014.
37
R EFLE X Ã O

Construction Toys
Make Better Boys1

Se tivesse que escolher uma Outros objectos não possuem nenhum valor funcional
permanecendo, contudo, o seu valor simbólico, como
categoria de objectos que reflicta
acontece com os objectos religiosos ou com as obras
todas as relações sociais e
de arte. Neste caso não existe uma “utilidade”, pois a
económicas, artísticas e culturais do
função da obra de arte está exclusivamente ancorada
passado e do presente, escolheria no seu valor simbólico. Os objectos simbólicos
certamente os brinquedos. existem alimentados pela sua capacidade em veicular
Ao procurarmos analisar o significados e não pela sua utilidade enquanto
funcionamento desta parte central ferramentas.
das diversas culturas materiais Através do estudo destas duas categorias, função e

chegamos à conclusão de que se representação, de como elas se articulam e se afectam


mutuamente, constrói-se o discurso da cultura material,
trata, realmente, de um objecto
o qual visa compreender a identidade cultural de um
extremo2 com características muito
povo ou de um período histórico através do estudo dos
peculiares. artefactos, dos objectos do seu uso e do seu sentido.

De forma geral, os objectos são estudados através de


No caso dos brinquedos esta distinção torna-se
uma abordagem que articula o valor funcional (para
insuficiente, pois o seu valor simbólico reside na base
o que serve, qual a sua real função) e o seu valor
do seu valor funcional. Por outras palavras o brinquedo
simbólico (qual é a imagem que o objecto produz, qual
serve para uma função, o brincar, porque significa
a ideia que veicula). Alguns objectos possuem um valor
alguma coisa. E este significar é o que faz dele um
exclusivamente funcional, como um martelo ou um abre-
objecto educativo, transportador de valores, saberes e
latas, mesmo que, por vezes, possam ser extraídos da
tradições. Como refere o filósofo francês Roland Barthes3,
sua função para serem utilizados pelo seu significado (a
é essa a razão pela qual o brinquedo é um objecto
da foice e o martelo no símbolo comunista é um exemplo
totalmente socializado. Uma “imagem manipulável em
disso). Mas, geralmente, o seu desenho, produção e
três dimensões”4 que possui todos os símbolos e os
consumo estão associados á sua função e não á sua
significados da sociedade adulta que nela se reproduz
imagem ou significado.
num projecto, nem sempre voluntário ou explícito, de
reprodução intelectual.

1
Este frase encontra-se numa caixa de construções The Constructioneer da Urbana Manufacturing Company, Urbana, Ohio de 1947
2
Brougère, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2000.
3
Bathers, Roland. Mythologies. Paris: Seuil, 1957
4
Brougère, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2000
MARCO GINOULHIAC
ARQUITETO
PROFESSOR FAUP

Quando o brinquedo é um artefacto feito 1920 reproduzindo os veículos reais que iam circulando,

para ser brinquedo (ou seja quando não é um cada vez mais numerosos, pelas ruas da Europa e dos
EUA; ou, ainda, todos os brinquedos que repetiam, em
objecto vulgar adaptado, pelo contexto da
miniatura, a cultura doméstica do pós-guerra com os
brincadeira, a brinquedo), é algo pensado e
seus numerosos eletrodomésticos e as suas rotinas,
produzido pelos adultos para as crianças e deixando claras as suas configurações sociais e
inserido numa narrativa educativa que visa familiares; e, em geral, todos aqueles que permitiam
a reprodução daquilo que é considerada a às crianças brincar com instituições do universo adulto
como a polícia, os bombeiros, os correios ou a escola.
parte mais importante ou significativa de cada
sociedade.

1935 - soldados de chumbo da Manoil Brothers Os Gift número 1,2,3 e 4 de Froebel

Pensamos, por exemplo, nos soldadinhos de chumbo O poder educativo dos brinquedos não é, contudo,

que participaram nas brincadeiras de imensas crianças exclusivo do século XX; desde o século XVIII vários

entre o século XVIII e XX, representando a cultura pensadores, entre os quais o filósofo inglês John Locke

militar de cada época; ou os carrinhos em metal que (1632 – 1704), a escritora irlandesa Maria Edgeworth

começaram a ser produzidos na Alemanha na década de (1768 –1849)5 , ou ainda, um pouco mais tarde, já no

39
R EFLE X Ã O

Construction Toys
Make Better Boys
(continuação)

século XIX, o suíço Johann Pestalozzi (1746-1827) ou permitiram um sustancial aumento da produção e do
o alemão Friedrich Fröebel (1782–1852), defenderam a consumo dos brinquedos. Os brinquedos da segunda
importância do uso de artefactos específicos utilizados metade do século XIX e de todo o século XX foram
em brincadeiras com as crianças de forma a facilitar a considerados como uma oportunidade para satisfazer
aprendizagem. Entre esses Fröebel, que ficou conhecido uma das inquietações mais antigas e universais que o
pela invenção do Kindergarten (jardim de infância), ser humano possui: a sua reprodução intelectual.
chegou a desenvolver dois conjuntos de objectos: os
primeiros, que chamou de gift, tinham a função de Uma das disciplinas que manteve uma maior ligação às
educar à descoberta através do entretenimento; os rotinas e aos brinquedos dos programas Froebelianos
segundos, chamados de actividade (occupations), foi a Arquitectura. O próprio Fröebel, que chegou a
serviam para treinar a criação através do exercício do frequentar um curso de Arquitectura, reforçou esta
poder. Ainda hoje se encontram estes conjuntos em ligação tanto nos seus textos como nos manuais de
muitas escolas infantis do mundo inteiro, estando na apoio aos artefactos. O reconhecimento das formas
base dos programas educativos e, em geral, de muitos e a composição tridimensional são competências
brinquedos para a primeira infância. claramente ligadas aos gifts e não é por acaso que o
Os brinquedos de Fröebel, faziam parte integrante de próprio arquitecto Frank Lloyd Wright (filho de uma
um programa de ensino inspirado na mineralogia que educadora de infância com formação froebeliana), teve
procurava desenvolver na criança capacidades de na sua autobiografia o cuidado de relembrar que em
compreensão e de criação de formas geométricas bi criança brincou muito com os gifts e que este brincar
e tridimensionais, além de competências técnicas e teve um efeito considerável na sua vida profissional.
manuais. A partir do momento em que foi homologada
uma teoria pedagógica que integrava os brinquedos A ligação entre a Arquitectura e os brinquedos, além
como ferramentas educativas, todos os sectores do de ser uma das que mais cedo se encontra no instinto
saber procuraram encontrar a melhor forma de serem constructivo das crianças (que se manifesta de cada vez
representados e reproduzidos para que existisse, já na que estas empilham cubos, caixas ou peças de Lego) é,
infância, uma reprodução disciplinar. também, uma das mais antigas e que, de certa forma,
Além das alterações sociais, económicas (nos acompanha e representa as várias fases da própria
próprios meios e técnicas de produção), esta vontade disciplina da Arquitectura. Assim, os gift de Fröebel
“educativa” foi uma das razões que, desde o século XIX, serviram de modelo para uma grande quantidade de

5
“We have recommended the use of plain, regular solids, cubes, globes, etc. Made of wood, as playthings for children, instead of uncouth figures
of men, women and animals. For teaching arithmetic, half inch cubes, which can be easily grasped by infant fingers, mat be employed with
great advantage; they can be easily arranged in various combinations (…)” Practical Education. Vol II. Chap. XVI. Geometry. Maria Edgeworth e
Richard Lovell Edgeworth. p 40. 1798
MARCO GINOULHIAC
ARQUITETO
PROFESSOR FAUP

caixas de construção que, desde o século XIX, invadiram formais da Arquitectura. Se nas primeiras décadas do
o mercado prometendo a renovação da educação em século XX a Anker produziu conjuntos inspirados nas
Arquitectura. Por vezes inspiradas na simplicidade de fortalezas da primeira guerra mundial, mais tarde, a sua
sólidos básicos e auxiliadas por livretes de instruções produção inspirar-se-á no revivalismo, no eclectismo
com modelos mais complexos, outras, reproduzindo nas linguagens da arquitectura industrial que se iam
edifícios inteiros ou, ainda, tecnologias construtivas. alastrando por toda a Europa.

1932 Caixa de construçõe da Anker-Steinbaukasten para a


construções do Partenon

A firma alemã Anker-Steinbaukasten foi uma das que


melhor representou estas dinâmicas. Começou a Imagem publicitária de 1920 da Meccano
sua produção em 1880 e rapidamente se tornou uma
verdadeira multinacional com marca registada em vários A Arquitectura do aço, que em finais do século XIX
países europeus e nos EUA. Se, por um lado, as peças ostentava a grandiosidade da engenharia e da indústria,
produzidas mantiveram-se iguais até hoje, os modelos teve uma sua versão reduzida pelo Meccano na Europa,
de referência nos manuais de instruções desenhados e pelo Erector Set nos EUA. Ambos nascidos nos
por arquitectos foram-se adaptando às alterações primeiros anos do século XX, o Meccano e o Erector Set

41
R EFLE X Ã O

Construction Toys
Make Better Boys
(continuação)

educaram, de forma muito idêntica, milhares de crianças às vanguardas artísticas alastraram-se ao desenho
durante praticamente todo o século através das suas de brinquedos, como na escola Bauhaus em Dessaut
peças metálicas perfuradas com as quais era possível (1919-1933). Os brinquedos além de representar
construir uma enorme panóplia de máquinas e veículos, frequentemente um tema para os exercícios nas várias
edifícios ou outras criações mais ou menos complexas. artes, eram objecto de produção e venda por parte da
instituição. Ainda hoje, a firma de brinquedos suíça Naef
Os dois brinquedos ficaram também conhecidos pelo tem no seu catálogo brinquedos desenhados por Alma
esforço dos seus produtores em divulgar a cultura Siedhoff‐Buscher, em 1923, ou por Ludwig Hirschfeld‐
técnica e científica da época através da publicação Mack, em 1924.
de revistas e concursos. A Meccano Magazine, por
exemplo, foi publicada entre 1916 e 1963 com um As cores primárias e os sólidos
grande sucesso de venda junto de várias camadas
elementares procuravam quebrar a
etárias e sociais.
tradicional ligação entre o mundo
imaginário dos brinquedos e o real partindo
da ideia que o primeiro era, normalmente,
uma imagem reduzida do segundo. Havia
subjacente uma clara vontade em transmitir
às novas gerações novos valores artísticos
criando uma ruptura com o anterior
formalismo. Tanto no campo da arte como
no da educação, a psicologia cognitiva
começou a ganhar um lugar de destaque
na abordagem ao desenvolvimento da
1923 - Bauspiele de Alma Siedhoff‐Buscher criança, consagrando o manuseamento

Também no âmbito específico da Arquitectura, durante


dos brinquedos como acto educativo.6
a década de 1920, as experiências pedagógicas ligadas

6
Chudacoff, Howard P. Children at play: an American history. New York: New York University Press, 2007.
MARCO GINOULHIAC
ARQUITETO
PROFESSOR FAUP

1919 - Dandanah de Bruno Taut

Análogas purezas formais e clarezas temáticas podem


ser encontradas no Dandanah, um brinquedo de
construções desenhado na mesma época, em 1919, 1923 - Bauspiele de Alma Siedhoff‐Buscher

pelo arquitecto alemão Bruno Taut. No seu desenho são A mesma Arquitectura industrial foi evocada de forma
introduzidos dois temas do trabalho de Taut enquanto mais sintetizada e abstracta nos blocos Build the Town
arquitecto: o vidro e a cor. Os blocos, com formas do designer checo Ladislav Sutnar que, em 1940. Três
simples, eram feitos em cristal colorido apelando à sólidos: um paralelepípedo, um prisma triangular e um
tecnologia que o arquitecto tinha utilizado cinco anos tronco de cone, pintados com cores vividas e padrões
antes no projecto do pavilhão para a indústria vidreira elementares, permitem várias combinações de edifícios
em Colonia. Cores e transparências remetiam para o que resultam facilmente reconhecíveis, por mais simples
universo teórico que Taut tinha construído ao redor da que fossem. Na mesma época nos Estados Unidos,
uma Arquitectura a partrir dos contactos com o filósofo John Loyd Wright, filho do famoso arquitecto Frank
alemão Paul Scheerbart, autor do livro Glasarchitektur. 7
Lloyd Wright, desenou um brinquedo que representava
Em 1920, o conjunto Fabrik do arquitecto austríaco Josef o espirito doméstico de uma nação8. Ainda hoje à venda,
Hoffman representa uma abordagem mais explícita o Lincoln Log é um sistema de construções que permite
à Arquitectura numa escala urbana. Com pequenos construir cabanas em madeira e que deve o seu nome a
blocos em madeira pintada a criança podia construir Abraham Lincoln, 16º presidente dos EUA.
uma cidade caracterizada por prédios de grandes O mesmo autor desenhou outros sistemas de construção
dimensões e edifícios industriais com a linguagem claramente inspirados na arquitectura do pai e, de
severa da cidade moderna. alguma forma, na época histórica.
7
Em 1920 Taut chega a fazer uma referência ao brinquedo Dandanah na Crystal Chain, uma troca de correspondência entre um pequeno grupo
de arquitectos alemães entre Novembro de 1919 e Dezembro de 1920. Neste ano Taut escreve: “but there is an ever-changing life in it. It’s simply
fantastic what effects the light produced, and yet within a fixed form. The vessel of the new spirit that we are preparing will be like this”. Taut,
Bruno. Letter to the Crystal Chain, April 15, 1920. In Whyte, Iain B., and Bruno Taut. The Crystal Chain letters: architectural fantasies by Bruno Taut
and his circle. Cambridge, Mass: MIT Press, 1985 p. 84.
8
Kinchin, Juliet, et al. Century of the child: growing by design, 1900-2000. New York: Museum of Modern Art, 2012.
43
R EFLE X Ã O

Construction Toys
Make Better Boys
(continuação)

diferença era o tamanho, sintetizavam vários aspectos


formais, estruturais e cromáticos de toda uma ideia de
arquitectura muito ligada às linguagens utilizadas na
altura, permitiam construir estruturas tridimensionais
baseada em triângulos e quadrados.

Ilustração 8. 1951 - The Toy de Charles e Ray Eames

Ainda nos EUA, na década de 1940 assistiu-se a uma


euforia consumista que não deixou de contaminar
o desenho e a produção dos brinquedos. Além dos
inúmeros objectos inspirados na vida doméstica, no
universo militar e nos progressos da engenharia, alguns
arquitectos aproveitaram este entusiasmo para criar
brinquedos inspirados no próprio tema da Arquitectura.
Uma das ligações mais evidentes foi a do casal Eames
cuja produção artística e arquitectónica representam o
fervor criativo do pós guerra norte-americano. Charles
e Ray Eames desenvolveram muitos projectos fruto das Ilustração 9 Imagem publicitária do brinquedo Supercity
investigações nas novas tecnologias de materiais como
o contraplacado, a fibra de vidro ou os tecidos armados. A difusão das tecnologias de injecção de plásticos
Paralelamente ao projecto de várias casas (entre as permitiu um grande avanço na produção de brinquedos
quais a House nº8 claramente inspirada nas tecnologias ao baixar drasticamente o custo e aumentar o grau de
dos papagaios9 que era uma das grandes paixões de precisão da execução. Além do sempre presente Lego,
Charles), desenvolveram piões e dois brinquedos: muitos outros brinquedos de arquitectura em plástico
The Toy e The Little Toy. Este conjuntos, cuja principal foram desenvolvidos nas últimas décadas do século

9
Colomina, Beatriz, Annmarie Brennan, and Jeannie Kim. Cold war hothouses : inventing postwar culture, from cockpit to playboy. New York:
Princeton Architectural Press, 2004.
MARCO GINOULHIAC
ARQUITETO
PROFESSOR FAUP

Ilustração 10 Balancing Blocks

XX. O inglês Betta Bilda, da Airfix, ou o norte-americano Balancing Block ou Geemo são dois exemplos norte-
Supercity são dois exemplos entre muitos sistemas americanos que bem exemplificam estas dinâmicas.
que abrangiam quer a produção de pequenos tijolos, O primeiro é um sistema de construções em madeira
quer estruturas complexas ou verdadeiros sistemas de pintada cujas formas facetadas irregulares, com um
prefabricação, como era o caso do alemão Baukasten, acabamento propositadamente “retrô”, evocam edifícios
ou do Girder and Panel, ambos de 1960. contemporâneos como a Casa da Musica do Porto ou a
Libraria de Seattle, ambos do arquitecto holandês Rem

Nas últimas duas décadas do século XX Koolhaas. Enquanto Geemo, um sistema de elementos
com formas orgânicas baseado em junções magnéticas,
assistiu-se a um eclipse dos brinquedos
remete para as formas de algumas arquitecturas
de Arquitectura e, em geral, de todos os
orgânicas como as de Peter Cook, de Zaha Hadid ou de
brinquedos ligados a alguma manualidade Frank Gehry’s.
e manipulação directa dos materiais em
favor dos jogos electrónicos. Todos estes exemplos representam ligações explícitas
entre o universo lúdico/educativo dos brinquedos e o

Este entusiasmo quase arruinou firmas como a Lego universo disciplinar da Arquitectura. Ligações com dois

á falência e o computador ganhou um protagonismo sentidos de leitura: dos brinquedos, enquanto objectos

absoluto tanto como objecto lúdico como, e sobretudo, educativos, para a Arquitectura e da Arquitectura,

enquanto artefacto educativo incontornável. enquanto disciplina reprodutível, para os brinquedos.


Leituras que permitem compreender como e qual

Recentemente assistiu-se a um retorno aos “velhos parte da disciplina é conservada e transmitida para as

tempo” veiculado por uma certa nostalgia do tempo gerações futuras, pois como o sociólogo francês Gilles

passado mas também pelas novas tendências ligadas Brougère afirma: “os brinquedos são a materialização

ao gosto pelo artesanato e pelos trabalhos manuais. de um projecto dos adultos para as crianças”10. Neste

Tanto do lado do desenho e produção, como do lado sentido eles são, certamente, os objectos com o maior

do utilizador, isto permitiu o aparecimento de novos potencial cultural e intelectual para compreender o

brinquedos, alguns deles inspirados em linguagens e passado, mas também o presente que queremos

símbolos actuais. conservar e reproduzir para o futuro, como seres


humano e como arquitectos.

10
Brougère, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2000. p. 63.
45
REFLE X Ã O

PROJETOS PARA A ZONA

DAS FONTAINHAS
NO PORTO.
DESAFIOS E CONTRIBUTOS DO ENSINO DA ARQUITETURA
PARA A QUALIFICAÇÃO DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

“Saber ver a arquitetura”1 , será, talvez, o primeiro realizada em setembro de 2014 e publicada com o
passo e requisito essencial para saber fazer projetos de apoio do Departamento de Arquitetura. Esta exposição
arquitetura e, em última análise, para saber concretizá- sintetiza o percurso projetual do MIA, que se inicia com
los. Três saberes sobre e para a arquitetura que a elaboração de exercícios mais abstratos, introduzindo
exigem um método de ensino estruturado; um método a problemática do espaço arquitetónico e do lugar
que, para além da observação e compreensão do numa estreita articulação com a disciplina de Desenho;
espaço, da realização de exercícios de projeto, impõe prossegue gradualmente para o desenvolvimento de
uma reflexão, periódica e atenta, sobre os resultados temas e programas sobre a habitação, os equipamentos
que decorrem da sua aplicação. Em linha com este e o desenho urbano; e acaba com a concepção de
entendimento, o Mestrado Integrado em Arquitetura projetos finais de maior complexidade programática
(MIA) da Escola Superior Artística do Porto (ESAP) tem e conceptual, onde se exige a aplicação e integração
vindo a realizar com maior frequência exposições sobre estruturada dos saberes adquiridos e amadurecidos
trabalhos desenvolvidos pelos discentes no âmbito das ao longo dos anteriores anos curriculares. Neste
disciplinas de projeto, a última das quais, a Coletiva, percurso proporcionam-se desafios e, ao mesmo

1
Zevi, B., (1996), Saber ver a Arquitetura, 5ª ed., São Paulo: Martins Fontes.
PAOLO MARCOLIN
SUSANA MILÃO
FÁTIMA FERNANDES
JOAQUIM FLORES
ARQUITETOS
ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO

tempo, oportunidades para discentes e docentes se neste dois últimos anos letivos destacam-se os que
confrontarem com as questões da transformação urbana, incidiram na Zona das Fontainhas, um território urbano
e do projeto de arquitetura como principal instrumento que se distingue pelas suas caraterísticas físicas,
de intervenção e de qualificação do tecido urbano, como sejam a geomorfologia da escarpa e a suas
produzindo soluções que, além de constituírem etapas diversas situações panorâmicas, e pela persistência
fundamentais no processo de aprendizagem, procuram de carências estruturais que se prendem com a falta
contribuir para enriquecer o debate e a reflexão sobre a de acessibilidades, infraestruturas e espaços públicos
maneira de entender a cidade contemporânea e o papel qualificados, e com a necessidade de uma ação mais
da arquitetura. De entre os desafios de projeto lançados consistente em matéria de habitação.

Fotografia aérea da Zona das Fontainhas, Fonte: Google Earth 2007.

47
REFLE X Ã O

Fotografia das maquetes de projeto do Largo Baltazar Guedes.

De facto, apesar de ter sido alvo de várias propostas, caráter sociocultural e espacial, desenvolvidos nas áreas
a última das quais o projeto para a requalificação da disciplinares da Antropologia, Sociologia e Desenho,
Avenida Gustavo Eiffel na marginal entre as pontes D. os discentes do segundo e quinto ano do MIA foram
Luiz I e D. Maria Pia, da autoria do Arquiteto Manuel convidados a desenvolver, individualmente, propostas
Fernandes de Sá, que prevê a passagem de uma de projeto de escalas e complexidade programática
ciclovia e a criação de varandas para uma melhor fruição distintas.
da paisagem ribeirinha, esta zona continua a necessitar
de uma intervenção de regeneração e de reabilitação No âmbito do segundo ano, as propostas de projeto
urbana mais profunda e abrangente, que permita criar centraram-se na requalificação do espaço público
condições para uma efetiva utilização e habitabilidade Largo Baltazar Guedes, vulgarmente designado por
dos seus espaços. Assim sendo, e aproveitando Largo Colégio dos Órfãos, e na criação de um Conjunto
ainda das informações de diversos estudos realizados Habitacional para a Comunidade Salesiana que,
na ESAP ao longo dos últimos anos sobre esta zona, atualmente, tem as suas instalações escolares no Largo
nomeadamente os que privilegiaram um enfoque de Padre Baltazar Guedes. Em relação ao Largo Baltazar
PAOLO MARCOLIN
SUSANA MILÃO
FÁTIMA FERNANDES
JOAQUIM FLORES
ARQUITETOS
ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO

Guedes, partiu-se do princípio de que, para assegurar (distante). Quanto ao Conjunto Habitacional, definiu-
a sua melhor integração na cidade, este espaço público se como fundamento e princípio de projeto integrar o
assumiria um carácter de utilização pedonal e de lazer, construído e o não construído. Nesse sentido, o habitar
tendo como premissas fundamentais o estabelecimento havia de ser projetado tendo em consideração a relação
da ligação pedonal à ponte D. Maria e Fontainhas, entre interior e exterior (colectivo ao individual), nas suas
e o acesso pontual automóvel (cargas/descargas, diferentes gradações, e na correspondente definição
emergência, mobilidade condicionada, etc.) ao cemitério e hierarquização do espaço exterior. Assim, a área de
e à zona desportiva do Colégio dos Salesianos. Outro intervenção situada no terreno com frente para o Largo
aspeto relacionado com o programa, foi a colocação Padre Baltazar Guedes, confrontante a Poente com a Rua
de um pavilhão/escultura, da autoria de Dan Graham, Gomes Freire, a Nascente com o Colégio dos Salesianos
associado à área de permanência do Largo. A proposta e a sul com a escarpa do Rio Douro, deveria assegurar
arquitetónica havia de procurar estabelecer relações a relação física entre as duas plataformas existente à
com o edificado e a comunidade local, bem como cota do Largo, definindo a “entrada pública” e o acesso
a valorização das relações visuais com a paisagem interior do terreno na conjugação com um equipamento

49
REFLE X Ã O

de apoio ao conjunto habitacional e área envolvente, índole cultural, mas também como oportunidade para
constituído por balneários e lavadouros públicos. Das a extensão social e espacial da cidade através da
premissas conceptuais e programáticas destes desafios inserção de um novo nível de interatividade entre funções
resultaram experiências distintas, sobretudo na maneira artísticas que desempenham um papel fundamental
de organizar formas e materialidades ordenadoras do para o desenvolvimento das práticas culturais e das
espaço urbano, mas unanimemente preocupadas com interseções sociais. As condições básicas para a
a questão das relação entre as partes e a paisagem, organização arquitetónica deste edifício impõem a
perseguindo o mais possível um sistema de equilíbrio distinção de três blocos de espaços para diferentes
entre a afirmação plástica e identitária dos elementos tipos de funcionalidades e utilizadores: um destinado
arquitetónicos, e o resultado global do projeto, restituindo ao público em geral, que reúne funções de recepção,
deste modo um contributo que, de certo modo, reitera a comércio, restauração, lazer, exposição, educação
importância da arquitetura do espaço urbano. e formação; outro para a recepção dos funcionários
Já no que respeita ao quinto ano e último ano do MIA, e os serviços auxiliares relativos aos escritórios e às
as propostas dos discentes no âmbito da unidade indústrias criativas; e outro ainda, estritamente limitado
curricular de Trabalho de Projeto, ainda em fase de a pessoal autorizado, especificamente concebido
elaboração, preveem dois programas distintos. Um para a recepção, preparação e armazenamento das
deles prende-se com a realização de um projeto para um obras de arte. A formalização do espaço arquitetónico
Centro de Produção de Arte e Ofícios, a localizar numa do edifício será ainda pretexto para uma operação de
área próxima da Praça da Batalha, caraterizada por reconversão funcional do referido terminal rodoviário e
um intenso movimento, tanto pedonal como rodoviário, para a inserção de espaços públicos qualificados em
que abrange a Encosta dos Guindais e o Terminal articulação com as intervenções de qualificação urbana
Rodoviário do Parque das Camélias. Trata-se, neste desenvolvidas no âmbito da iniciativa Porto 2001.
caso, de implantar um edifício de caráter multifuncional O outro programa tem a ver com a Reabilitação Urbana
que deverá constituir-se não só como uma alternativa da Escarpa das Fontainhas, e deverá ser desenvolvido
às tipologias mais tradicionais dos equipamentos de a uma escala de maior abrangência espacial,
PAOLO MARCOLIN
SUSANA MILÃO
FÁTIMA FERNANDES
JOAQUIM FLORES
ARQUITETOS
ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO

compreendendo a totalidade da encosta escarpada desafio lançado aos discentes é o de entender o valor
situada junto à margem do Rio Douro entre as Pontes que a escarpa tem hoje em dia no contexto geral da
de D. Luís I e de D. Maria, com vista a desencadear cidade, e no contexto específico da frente ribeirinha
uma reflexão sobre a vocação desta área no contexto que brevemente será requalificada neste troço entre as
global da cidade. Tal implicará percebê-la nas suas duas pontes representativas da tecnologia construtiva
diversas dimensões (física, social, estética, funcional, do ferro no Porto. A complexidade deste desafio deverá
etc.) e integrá-la nas diversas escalas da abordagem estimular o desenvolvimento do conceito e a descoberta
ao projeto de escala intermédia. Neste caso, o principal da solução projetual.

Extrato da «Planta Redonda» de George Balck, 1813.

51
REFLE X Ã O

Recorrendo à cartografia histórica do Porto, é possível Os resultados de todos estes desafios,


observar que a topografia de declive rochoso acentuado
juntamente com os do segundo ano,
sempre condicionou a fixação humana nesta área,
permanecendo como elemento natural no exterior da contribuirão para configurar uma nova e
muralha Fernandina junto à Porta do Sol. A construção ulterior perspetiva projetual, diversificada
que gradualmente foi aparecendo ocupa as zonas
e multiescalar. A reflexão, a partir desta
mais favoráveis à sua implantação, rarefazendo-se e
adquirindo uma condição progressivamente precária, perspetiva surgirá, no entanto, não
física e socialmente, conforme nos aproximamos das só da leitura e da apresentação da
áreas mais rochosas e de topografia mais difícil.
organização projetada do espaço físico,
Condicionantes e eventos de vária natureza conduziram mas também e sobretudo do confronto
a que esta área tenha permanecido como mais um
desta organização com a “clareza
“vazio urbano” na cidade do Porto. Contudo, apesar
da evidente degradação e dos problemas de exclusão
social e espacial da cidade tradicional”3
social, a sua visibilidade, bem como a imagem enquanto referência incontornável no
predominante dos afloramentos rochosos, conferem-
processo de construção do ambiente
lhe um valor cénico, transformando-a naquilo a que
Manuel de Solà-Morales apelidou de Terrain Vague2 , o urbano da contemporaneidade.
que nos leva a concluir que qualquer projeto para este
local terá de lidar com esta dualidade, tentando resolver
os diversos problemas urbanos identificados, mas
sem lhe retirar este estatuto, já adquirido, de elemento
fortemente marcante da paisagem urbana.

2
Solà-Morales, I., (2002),Territórios. Barcelona: Editorial Gustavo Gili.
3
Davies, C., (2011), Thinking about Architecture. An Introduction to Architectural Theory, London: Laurence King Publishing Ldt.
PAOLO MARCOLIN
SUSANA MILÃO
FÁTIMA FERNANDES
JOAQUIM FLORES
ARQUITETOS
ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO

Escarpa das Fontainhas e ramais ferroviários da Alfândega e de São Bento, Fonte: Nuno Mourão, 2010.

Paolo Marcolin | Arquiteto, Docente do MIA e Diretor do Departamento de Arquitetura - ESAP


Susana Milão | Arquiteta, Docente do MIA - ESAP
Fátima Fernandes | Arquiteta, Docente do MIA e Diretora do MIA- ESAP
Joaquim Flores | Arquiteto, Docente do MIA - ESAP
53
REFLE X Ã O

O Processo Criativo:
do transcendente ao design thinking

Criatividade
Apesar de, há uns anos a este parte, se falar muito de esteve imbuída de uma enorme carga filosófica e
criatividade e do seu enorme potencial para as mais religiosa, que dificultou uma definição coerente e
diversas áreas do conhecimento humano, o interesse racional do seu termo. Assim, e apesar do conceito
por esta temática não é recente. de criatividade existir desde a antiguidade, é apenas
Sendo, atualmente, reconhecida como uma capacidade em 1950, com o artigo do psicólogo J. P. Guilford,
humana, foi apontada durante longos séculos como algo intitulado “Creativity” - investigação centrada sobretudo
que nos transcende, resultado de magia, proveniente na questão da personalidade criativa e sua importância
de forças divinas ou demoníacas. Um fenómeno para a industria, a ciência, as artes e no ensino – que se
complexo que englobou as mais diversas atividades e abre o caminho para um maior e fundamentado estudo
acontecimentos, como o encantamento e pinturas do científico sobre o tema.
homem primitivo, o aparecimento de novas formas na Contudo, apesar do enorme quantidade e variedade
natureza e, até mesmo, o génio malévolo de Fausto. de publicações que vêm sendo lançadas sobre esta
Etimologicamente, o termo criatividade provem do temática, verificamos a ausência de uma definição
verbo latim “creare”, que significa originar, gerar, que seja cabal, precisa e objectiva. Confirmando
formar, remetendo-o para raízes de dimensão criadora a criatividade como “um fenómeno multifacetado e
e transformadora. Mas por muitos anos a sua noção complexo”.
RUI TEIXEIRA
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

Processo criativo
Embora inicialmente o fenómeno da novas ideias decorrentes dos seus próprios processos
criatividade tenha sido estudado sobretudo por de trabalho.
psicólogos e pedagogos, foram os cientistas Apesar de aparentemente Poincaré não ter aprofundado
das ciências naturais quem procurou, pela mais a sua explicação sobre processos criativos, os
primeira vez, explicar os mecanismos e seus apontamentos sobre este tema tiveram uma
estruturas do processo criativo. grande influência em diversos estudiosos da área da
Assim, seguindo um ponto de vista processual, criatividade.
propuseram uma aproximação ao ato criativo, Dessa forma, em 1926, impulsionado pelos relatos
desmontando-o em fases e etapas criativas na tentativa de Poincaré, Graham Wallas, desenvolve um modelo
de perceber o caminho percorrido até o alcance do composto por fases, que publicou em “The art of
“produto criativo”. thought”.
As primeiras referências à existência de uma estrutura Este modelo que, segundo Katja Tschimmel (2010),
do processo criativo composta por múltiplas fases é a base das atuais teorias sobre a estrutura fásica
surgiram em 1924, por Henri Poincaré, na sua obra do pensamento criativo, bem como das numerosas
“The foundation of science”, resultado da reflexão deste descrições de processos de resolução de problemas e
cientista, matemático e filósofo, sobre a formação de de processos de design, é composto por quatro fases:

55
REFLE X Ã O

1.Preparação: recolha das informações necessárias Martínez (1999) chama atenção para o facto deste
sobre o problema e análise preliminar usando os seus modelo se apoiar no mito da criatividade entendida como
conhecimentos e capacidades analíticas; “iluminação”, como surgimento súbito e espontâneo de
2.Incubação: fase de preparação do caminho para ideias provenientes do subconsciente e que o próprio
a solução do problema, aparentemente, não é uma sujeito não sabe como explicar. No entanto, e apesar de
atividade consciente e supõe-se que nela trabalhem os recorrer à intervenção de mecanismos não controláveis,
processos subconscientes na formação de combinações e sem uma explicação operacional da sua forma de
conceptuais; atuação, trata-se de um dos modelos de obteve maior
3.Iluminação: Aparecimento súbito da solução repercussão.
criativa; Mais recentemente, alguns modelos abriram essa
4.Verificação: refinamento e comprovação da “caixa negra”, e analisam os diversos componentes
validade das ideias. específicos e fases do seus processos criativos.
Porquanto, é um modelo que se foca no desenvolvimento Tais modelos apresentam as ligações lógicas entre os
de soluções criativas através de momentos de resultados de uma das fases da resolução criativa de
inspiração, considerados , pelo autor, nucleares no problemas e as fases subsequentes, examinando a
processo criativo. forma como esses elementos se relacionam e, em última
instância, geram um “produto criativo”.
RUI TEIXEIRA
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

Entre as numerosas e diferentes abordagens que inúmeras vezes, enquanto se exploram problemas e
expandem este modelo por etapas de Wallas, Tschimmel tentam desenvolver uma solução criativa efetiva (Fink,
(2010) aponta o modelo fásico concebido por Guntern, Ward & Smith, 1992).
por o considerar mais completo. Também, nas estruturas que suportam a atividade
Neste modelo o autor subdivide o processo criativo em projetual de design ou, mais recentemente, nos modelos
sete momentos: 1.º a germinação, 2.º a inspiração, 3.º do chamado design thinking podemos encontrar
a preparação, 4.º a incubação, 5.º a iluminação, 6.º a um grande alinhamento com as considerações
elaboração e, por fim, 7.º a verificação. anteriormente apresentadas.
Guntern refere que estas sete fases são delimitáveis mas Apesar destes terem especificações orientadas para a
que não ocorrem numa sequência linear simples: podem- ação e para processos técnicos, o que distingue design
se repetir, acontecer em simultâneo ou ser omitidas; de uma atividade puramente artística, percebe-se entre
podem decorrer consciente ou inconscientemente; as fases que os constituem um processo iterativo,
podem decorrer com intensidades e velocidades muito onde o conceito da não linearidade está presente e
diversas. ocorre repetidas vezes para se chegar a um resultado
Por conseguinte, o processo criativo pode agora ser “desejável”, podendo gerar outros resultados parciais
definido como uma série de iterações sucessivas, que serão novamente reutilizados para geração de
onde as ideias são concebidas, analisadas, e revistas novas soluções criativas.
57
De uma forma mais específica, podemos afirmar que Para Brown, não existe uma “melhor forma”
no design thinking, o mesmo processo acontece de de percorrer o processo. Há pontos de
forma sistemática, todas as suas etapas são definidas partida e pontos de referência úteis ao longo
e moldadas pelo pensamento do designer que constrói do caminho, mas o continuum da inovação
uma lógica de raciocínio de inovação criativa e viável, pode ser visto mais como um sistema de
baseada na sua experiência e conhecimentos e espaços que se sobrepõem, do que como uma
delineados pelo pensamento analítico e intuitivo. sequencia de passos ordenados.
O modelo concebido por Tim Brown, CEO e Presidente
da empresa de design IDEO, evidência a lógica No entanto reconhece alguns princípios e ferramentas
apresentada, através da sistematização dos seus que facilitam esse percurso processual, bem como a
processos de design, numa estrutura composta por, o obtenção de bons resultados, estes são:
que apelidou de, três "espaços" da criação: - Insights obtidos pela observação do comportamento
a) Inspiração, o problema ou oportunidade que motiva real de pessoas, especialmente pela forma como se
a busca de soluções; relacionam entre elas;
b) Ideação, o processo de gerar , desenvolver e testar - Observação daquilo que as pessoas fazem e não
ideias; fazem, ouvindo o que eles dizem e não dizem;
c) Implementação, o caminho que leva da sala de - Empatia, sentindo as pessoas reais pois elas não são
projeto para o mercado. objetos, mas indivíduos com seu próprio mundo;
- Prototipagem ajuda a gerar resultados mais rápidos, Estamos perante um processo
é mais fácil de avaliar ideias que se tornam tangíveis -
centrado no ser humano, que se
também se podem prototipar organizações;
pretende eticamente correto, e
- Experiências, através da sua simulação e projeção
integrador de todo o espectro de
(voos, restaurantes, etc.);
- Storytelling, contar histórias abre uma nova dimensão
atividades que visam a inovação.
para a concepção do tempo, das memórias, dos Se é verdade que sem criatividade
cenários, abrindo novos pontos de vista sobre as coisas, não há evolução, também não é
atribuindo-lhes novos significados. menos verosímil que o aprofundar
Assim, segundo Brown (2010), a missão do design do estudo dos processos criativos
thinking é traduzir observações em insights, e estes contribuiu de forma muito
em produtos e serviços capazes de melhorar a vida da
significativa para estes evoluíssem
espécie humana. Construções suportadas pela empatia,
no sentido de melhor servirem o bem
numa tentativa de ver o mundo através dos olhos dos
outros, de o compreender por meio das experiências e
estar humano.
emoções alheias.

59
REFLE X Ã O

uma perspetiva sobre


CONCURSO
EDUCACIONAL
SQÉDIO 2002.2014
Tal como em outros mercados, lembro-me por
exemplo do que aconteceu com o lançamento
das ferramentas de processamento e impressão
digital da Apple, que abriram um mercado de
nicho a um público muito mais generalizado – ou
a mais recente democratização da tecnologia de
impressão 3D, anteriormente domínio dos poucos
que podiam suportar os seus custos, aquilo que
a SolidWorks traz para o mercado é uma enorme
acessibilidade. Aquilo que antes era caro,
obscuro e difícil de aprender (estamos a falar
das ferramentas preexistentes, baseadas em
Unix, alguém se lembra?) torna-se subitamente
acessível – em custo e facilidade de uso.
RUI ALEXANDRE
DIRETOR PRÉ-VENDA, MARKETING E EDUCAÇÃO
SQÉDIO, SA

O Concurso Educacional organizado pela Sqédio tem vindo a


afirmar-se como um dos mais apelativos para a comunidade estudantil nacional
envolvida em currículos académicos na área do design ou da engenharia mecânica.
Neste artigo iremos tentar descobrir algumas das razões do seu sucesso,
colocando-o em perspectiva e juntando a nossa própria intuição.
Antes de mais, um pouco de contexto: Quem é a Sqédio? A Sqédio representa em Portugal as soluções
de software SolidWorks praticamente desde que elas existem – estamos a falar de 1996! Ao longo deste
percurso de 18 anos, a Sqédio introduziu gradualmente no mercado uma nova geração de ferramentas
de desenho assistido por computador em 3D baseadas no Windows. Mensagens como “Put the power
of 3D on every engineers desktop” ou a mais recente “Let’s Go Design”, usadas abundantemente nos
materiais de marketing e comunicação expressavam bem – e ainda hoje o fazem – aquilo que é o DNA
SolidWorks, bem como a sua tradução no trabalho diário da Sqédio: tornar o 3D acessível a todos.

Evolução do Concurso Educacional Sqédio ao longo dos anos (Poster de divulgação, estatísticas)

61
R EFLE X Ã O

A Sqédio sempre compreendeu que uma verdadeira


revolução nesta área não poderia ocorrer à margem
do contexto educacional. Desde sempre procurou
demonstrar junto das instituições de ensino as vantagens
– para alunos e professores – em adoptar esta nova
geração tecnológica. Em meados dos anos 90 seriam
necessários vários meses para que um aluno pudesse
compreender os comandos básicos de uma aplicação
3D a correr sobre Unix. O investimento monetário das
instituições - e de tempo de professores e estudantes
Vencedor da última edição do Concurso Educacional, o projecto de revelava-se excessivo para obter resultados que hoje
uma miniatura Porsche 356 e suas variações foi criado por um grupo
de estudantes da Universidade de Aveiro (Filipe Silva, Luís Santos, pareceriam simplistas. Por esta razão muitas instituições
João Januário e Tomás Osório)
simplesmente ignovaram o 3D, assumindo para os seus
programas pedagógicos ferramentas de desenho 2D,
na grande maioria das vezes, AutoCAD. Este panorama
não era diferente da realidade das empresas comerciais:
a esmagadora maioria mantinha o projecto em 2D; o
3D era um luxo, implicando investimentos de tempo e
dinheiro proibitivos para a generalidade.
A Sqédio navegou o final dos anos 90 efectuando este
trabalho de divulgação tecnológica nos dois tabuleiros.
A acompanhar as primeiras vendas comerciais vieram
instalações nas Universidades de referência – a
Universidade de Aveiro comprou SolidWorks em 1997;
até ao ano de 2002 instituições como o IST, a FEUP,

Esta mini-escavadora ganhou o Concurso Educacional em 2003. o ISEL, o IPL entre muitas outras começaram a dar os
Foi desenhada pelo Nuno Pires e pelo Marco Moreira, estudantes na
seus primeiros passos com SolidWorks, substituindo no
Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de
Leiria processo ferramentas tecnologicamente ultrapassadas.
RUI ALEXANDRE
DIRETOR PRÉ-VENDA, MARKETING E EDUCAÇÃO
SQÉDIO, SA

A título de referência, a Sqédio conta hoje como clientes Concurso da Sqédio decorreu em 1998, acompanhando
educacionais praticamente todas as instituições públicas a muito recente instalação na Universidade de Aveiro
de ensino na área da mecânica e do design industrial, e os primeiros projectos criados por estudantes desta
bem como muitas das escolas privadas, centros de Universidade. Mas foi a partir de 2002 que o Concurso
formação e escolas militares. Outra tendência, mais ganhou um novo fôlego, potenciado pelas instalações
recente, é a crescente adopção do SolidWorks por parte em muitas outras Universidades. Seguiram-se as edições
de escolas secundárias e vocacionais, em particular as de 2003, 2004 e 2005-2006. Após um interregno, o
de ensino artístico, de que a Escola Artistica de Soares concurso foi retomado em 2012, e teve a sua mais recente
dos Reis no Porto é um excelente exemplo. edição neste ano de 2014. A edição de 2012 introduziu
A ideia de um Concurso Educacional, de tema algumas inovações ao nível do regulamento, em
aberto, destinado a premiar projectos de qualidade particular no que diz respeito aos prémios. Inicialmente
desenhados em SolidWorks por estudantes nacionais, prevendo apenas três prémios monetários para os três
reconhecendo o seu mérito técnico e criatividade primeiros lugares, a edição de 2012 introduziu um maior
também não é exactamente nova. A primeira edição do número de prémios para os estudantes (Grande Prémio

Este parque infantil inspirado no tema Angry


Birds venceu o Concurso Educacional em 2012.
O projecto é da autoria de Bruno Oliveira e
Tiago Fernandes, estudantes na EBS Ferreira de
Castro em Oliveira de Azeméis

63
27
R EFLE X Ã O

Habitualmente prolífica na apresentação de projectos a concurso, a Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (IPL) participou, sob
a orientação do Prof. João Mateus, com 15 projectos na última edição
RUI ALEXANDRE
DIRETOR PRÉ-VENDA, MARKETING E EDUCAÇÃO
SQÉDIO, SA

Projecto, Criatividade, Modelação, Simulação, Imagem melhor talento de engenharia de Portugal.” Palavras
e Animação), bem como distinções para a Instituição e que gostamos de ouvir, naturalmente. Contribuímos
o Professor responsável. Foi criado também o Prémio do para mostrar publicamente o esforço e dedicação
Público, atribuído ao projecto com maior votação online colocados nos trabalhos que recebemos, que vai muitas
na plataforma Facebook. vezes e sem qualquer margem de dúvida muito para
Desde 2002 a Sqédio recebeu ao seu cuidado como além do que poderia ser exigido pelos professores
participantes no concurso 163 projectos criados por numa determinada cadeira ou projecto académico.
278 alunos. No total mais de 30.000 ficheiros, ocupando Professores que naturalmente desempenham um papel
mais de 25GB de informação. Outra tendência, que essencial na divulgação do Concurso junto dos seus
verificamos com agrado, é a crescente participação estudantes, posicionando-o frequentemente como um
de estudantes do sexo feminino. Analisar a temática motivador adicional para a procura de elevados padrões
dos projectos recebidos torna-se no entanto um de qualidade nos trabalhos prácticos apresentados.
exercício de difícil validade estatística, dada a enorme Em jeito de conclusão, diria o seguinte: o Concurso
variedade do que nos chega todos os anos: de pentes educacional da Sqédio é um projecto vivo, vibrante,
de cabelo a escavadoras, passando por candeeiros, com história e com futuro. Como interveniente na sua
motores, bicicletas, canivetes e máquinas de café, organização desde a primeira hora, sinto um orgulho
brinquedos diversos, carros e aviões, parques infantis especial por contribuir para a sua melhoria contínua. Mais
e microscópios, lagares de azeite e naves espacias, do que suportado em intenções comerciais, o Concurso
recebemos efectivamente um pouco de tudo aquilo foi pensado e executado desde o princípio para ser uma
que constitui o imaginário criativo dos estudantes, montra daquilo que os nossos estudantes decidirem
representado em 3D com o auxílio do SolidWorks. criar em 3D. Para estimular o seu empreendorismo
O concurso é também aplaudido pela SolidWorks a criativo, para os ajudar a transferir ideias da cabeça
nível mundial – Marie Planchard, Directora Mundial para o palpável, resolvendo pelo caminho os problemas
da SolidWorks para a área da Educação afirmou inerentes a esta mudança básica de paradigma. E, pelo
por exemplo em 2007, que “o calibre de projeto que que temos visto até agora, estamos muito optimistas no
verificamos nos estudantes deste concurso exige um que o seu trabalho e as suas capacidades conseguirão
reconhecimento especial”; e mais recentemente em criar daqui para a frente.
2012, que “o Concurso da Sqédio apresenta algum do

65
ATIVI DA DE

fábricas
digitais
A “Fábricas digitais” é uma atividade onde se coloca em
prática o Ciclo Industrial de um produto. Recorre a noções de
CNC, Prototipagem, Desenho CAD, Marketing e Planeamento
de produção. Fornece aos alunos a possibilidade de
impressão dos vários protótipos de produtos usando a mais
recente tecnologia de impressão 3D.
JORGE JESUS
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR
COORDENADOR EASR DA ATIVIDADE FÁBRICAS DIGITAIS

A Escola Artística Soares dos Reis associou-se a este replicável”, ou seja, qualquer um pode construir tendo
projeto, através do Curso de Design de Produto e o elo os materiais necessários e tempo! É uma extensão mais
de ligação foi o CATIM - Centro de apoio tecnológico tecnológica e técnica da cultura “Faça Você Mesmo”
à indústria metalomecânica. Os alunos voluntários que (DIY - Do It Yourself).
participaram nesta atividade extra curricular foram: a
Raquel Jesus, a Inês Fernandes, a Luísa Prieto, o Bruno A Impressão 3D também conhecida como prototipagem
Filipe, o Bruno Silva e a Joana Silva, construíram uma rápida, é uma forma de tecnologia de fabricação aditiva
impressora 3D durante o 1º período do atual ano letivo onde um modelo tridimensional é criado por sucessivas
2014/15. camadas de material. Trata-se de uma tecnologia
Esta impressora 3D é um hardware eletrônico projetado e de impressão avançada que permite imitar com
oferecido da mesma maneira que um software de código precisão quase exata a aparência e funcionalidades
livre (open source), composta por uma placa “Arduino” dos protótipos dos produtos. Convém realçar que se
(plataforma de prototipagem electrónica de hardware o utilizador não souber modelar os seus produtos, a
livre e de placa única, com suporte de entrada e saída impressora 3D não servirá para nada...
embutido que utiliza uma linguagem de programação
padrão) e uma série de componentes, onde a grande A atividade “Fábricas Digitais” correu como
generalidade poderá ser comprada na Rua do Almada programada e o seu resultado é sem dúvida uma
– Porto. Como a maioria das peças da Impressora 3D mais valia para os nossos alunos, que têm agora
são feitas de plástico e a própria impressora pode a possibilidade de poder usufruir desta tecnologia
imprimir essas peças, então temos uma máquina “auto- “revolucionária” na sua metodologia de trabalho.

67
ATIVI DA DE

resumo 1. Coloca em prática o Ciclo Industrial de

da atividade
um Produto
2. Recorre a Noções de CNC e Prototipagem
3. Utiliza Software CAD
4. Elabora o teu plano de Marketing
5. Planeia a tua produção
6. Aprende a modelar em 3D
7. Imprime o teu Protótipo

O projeto Pense Indústria Nova Geração tinha como objetivo conseguir envolver 11.000 jovens
até Dezembro de 2014. Promovido pelos Centros Tecnológicos de Portugal, o Pense Indústria
Nova Geração tem como parceiros, para além do CATIM, o CITEVE, o CENTINFE, o CTIC,
CTVC, CTCP e CEVALOR.
JORGE JESUS
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR
COORDENADOR EASR DA ATIVIDADE FÁBRICAS DIGITAIS

ESTRUTURA MODELAÇÃO 3D
Conceção do Produto Introdução à modelação 3D.
Orientar a conceção dos produtos para as necessidades Preparação e análise virtual do produto concebido.
do mercado.
Orientar a ideias dos jovens para produtos que sejam IMPRESSÃO 3D
funcionais no fim do processo de impressão. Introdução à Impressão 3D e suas capacidades no
auxilio à conceção de novos produtos.
PLANEAMENTO DE PRODUÇÃO Materialização e finalização do protótipo.
Explicar o futuro do produto, que matérias primas Teste de funcionamento.
comprar, em que máquina o produto desse ser
produzido, que pessoas devemos alocar à produção, em MARKETING
que quantidades produzir e preço a ser comercializado. Desenvolver uma estratégia de marketing para o
produto.
Abordagem a soluções de promoção digital e on-line.

69
PRO J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

F-51
WALTER GROPIUS

A cadeira F-51 foi criada por Walter Gropius no ano de 1920


e desenvolvida na escolar de design da Bauhaus em Weimar,
logo pertence ao estilo modernista.
Foi projetada para a sala do diretor da Bauhaus, respeitando o
conceito funcionalista - a forma segue a função.
A sua forma deriva de um cubo com 70 cm de lado e apresenta
linhas retas, formas simples, geométricas e simétricas.
Pode ser dividida em duas partes: a estrutura de metal ou
madeira que serve de suporte e a de tecido ou couro que é
constituída pelas costas e assento da cadeira.
A F‐51 é fabricada pela TECTA.

Walter Adolph Gropius nasceu na Alemanha, principal colaborador, Adolf Meyer, do qual dependia
em Berlim, no ano de 1883. para executar as suas ideias, isto porque Walter Gropius
Estudou arquitetura no Politécnico em Munique e em apresentava dificuldades no campo do desenho.
Berlim, mas abandonou os estudos para prestar serviço Em 1911, Walter Gropius e Adolf Meyer receberam a
militar. primeira proposta, a de construer uma fábrica, a fábrica
Através de Karl-Ernest Osthaus, artista alemão, Gropius da Fagus em Alfed. Em 1913 começou a fazer design
conseguiu um lugar como assistente no atelier de Peter de equipamento.
Behrens, famoso arquiteto e designer (1º designer Após o fim da 1ª Guerra, em 1918, tornou‐se membro
industrial com a empresa AEG), com a ajuda do qual fundador do Arbeitsrat fur Kunst, o Conselho de Trabalho
Walter Gropius adquire aprendizagens acerca da para a Arte em Berlim.
arquitetura. No ano seguinte foi nomeado director da Hochschule
Em 1910 abre o seu próprio atelier, tendo como fur Bildende Kunst, Academia de Belas-Artes e da
DÉBORA SILVA

Kunstgewerbeschule, Escola de Artes e Ofícios, em o Pavilhão da Pensilvânia.


Weimar. A junção destas duas escolas, tornou-se a Nos anos seguintes Walter Gropius continua a trabalhar
Staatliches Bauhaus em Weimar. em projetos, com Marcel Beuer, que fora um dos seus
Em 1925, a Bauhaus foi transferida para Dessau. estudantes na Alemanha.
Nesse mesmo ano Walter Gropius projetou o edifício da No mesmo ano, em 1939, ambos projetam o Lake Eden
escolar e nos anos seguintes, as casas dos mestres e a Campus e no ano seguinte apresentaram o projeto
propriedade residencial de Torten. para o Black Mountain College. Ganha o prémio Royal
No ano de 1928 demite‐se do cargo de diretor que Gold Medal e no ano de 1946 funda The Architects
exercia desde 1919 e em 1934 refugia-se em Inglaterra. Collaborative.
No ano de 1936 projeta o Village College, no ano Morre em 1969 em Boston e é sepultado no seu país
seguinte muda-se para Nova Iorque, torna‐se professor natal.
na Universidade de Harvard e no ano de 1939 desenha
71
PRO J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

mercado de rua ao sábado de manhã

anel

Com inspiração na cadeira F-51 de Walter Gropius,


surge o anel Gropius 51 e a embalagem expositor
F511.
Tendo sido, esta cadeira, criada no ano de 1920,
segundo teorias modernistas e funcionalistas, tanto
o anel, como a embalagem foram concebidos
numa tentativa de responder a tais teorias.
Anel Gropius 51
Caracterizando-se pelas formas geométricas, linhas
Dimensões: 2.1cm/ 1.8cm/ 2.1cm
retas e extrema funcionalidade e minimalismo. Materiais: Latão e acrílico

Tal como a cadeira, tanto o anel Gropius 51 como a


embalagem F511, são constituídos por duas partes.
No anel Gropius 51, a estrutura base que envolve
o dedo, corresponde à estrutura da cadeira e a
peça em acrílico encarnada corresponde à parte
almofadada da cadeira.
A embalagem F511, é pensada e estabelece-se
com base nos conceitos de ‘abraçar’ e ‘segurar’,
que permitem, o seu sistema de abertura e fecho.
Tal como a cadeira, a embalagem F511, é
constituída por duas partes: a estrutura/ suporte,
que ‘abraça’ e ‘segura’, um cubo que corresponde
à parte da almofada F-51.
DÉBORA SILVA

embalagem
Embalagem/ Expositor F511
Dimensões: 8.7cm/ 8.7cm/ 8.7cm
Materiais: Folhas de madeira e madeira

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PR O J E TO
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moce
USA E RE-USA
E CO D ESIGN E DESI G N SUSTENTÁV E L

p asse p ar t out
O objeto consiste num passepartout.
Este projeto pretende reaproveitar um objeto
em fim de vida (prensa para confecionar
sanduíches), dando-lhe um outro fim (expor
fotografias). Desta forma, as potencialidades
dos materiais não são desperdiçadas.
Os materiais utilizados foram os próprios
constituintes do objeto inicial (o Alumínio), o
MDF, fio de algodão e algumas ferramentas
que ajudaram na sua construção.
INÊS RAMALHÃO

Os materiais que o constituem são o alumínio, o MDF


e o fio de algodão. Enquanto que o MDF foi usado
para elaborar as molduras, o fio de algodão tem no
objeto uma função meramente decorativa. Assim, o
objeto é constituído por duas molduras ligadas por
um encaixe que permite ao objeto abrir e fechar.
Cada moldura possui 12 cm de largura por 11,5
cm de altura. As cores rondam o cinzento e o
acastanhado na vista de frente e o vermelho, verde
e amarelo na vista de trás.
O objecto destina-se a todas as idades, na medida
em que qualquer pessoa pode expor as suas
fotografias numa moldura. É um objeto meramente
decorativo que pode, portanto, ser utilizado por
qualquer pessoa que queira decorar algum espaço.
As cores foram escolhidas com o intuito do objecto
poder ser utilizado tanto por indivíduos do sexo
masculino como feminino.
O objecto chama-se MOCE. A sílaba MO corresponde
a moldura (MOldura) e OCE corresponde a ECO
(Ecodesign) ao contrário.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

FINITO
USA E RE -U S A
E C O D ESI GN E D ESI G N S US T E NT Á V E L

PROJ ETO D E AMPLI F I C AD O R

No âmbito da disciplina de Projecto e Tecnologias,


aquando da segunda unidade de trabalho, o aluno
Tomás Almeida, estudante na Escola Artística
de Soares dos Reis, criou um objecto funcional
respeitando a temática do Eco Design e Design
Sustentável ao qual foi chamado “Finito”. Este objecto,
com 17cm de largura por 26,5cm de comprimento
por 72,5cm de altura, corresponde a um amplificador
de som cujo principal conceito e objectivo assentam
na ideia de trazer de volta o som antigo, analógico e
mais orgânico da sua antecedente, a grafonola.
TOMÁS ALMEIDA

"O Finito abrange a temática do Eco Design e Design


Sustentável e tem como objectivo trazer de volta o som
mais analógico e orgânico da grafonola."

Dimensões: 17cm x26,5cm x72,5cm


Materiais: Madeira (Mogno), Metal (Alumínio), Plásticos, Circuito Elétrico.

O nome, “Finito”, relaciona-se com a sua marcada topo da vareta fixou-se a “cabeça” inclinável do “Finito”,
altimetria e finura e é consequência do seu objectivo, composta pela peça de canalização de alumínio que
isto é, o som que produz não é perfeito, abrangente e antecede o abat-jour branco também ele de alumínio.
ilimitado e é, pelo contrário, imperfeito e finito. O circuito eléctrico viaja desde o topo da estrutura até
O “Finito” parte de uma tábua de madeira de mogno, à cavidade na base onde foi resguardado e de onde
uma placa, uma vareta e um abat-jour de alumínio, duas apenas emerge o pequeno interruptor prateado e uma
peças de canalização (uma de plástico e outra de a- entrada usb onde se pode ligar qualquer reprodutor de
lumínio) e um circuito elétrico. As várias partes deste música.
objecto são todas elas reutili- zadas à excepção do Para o acabamento final do objecto optou-se por lixar a
pequeno interruptor que controla o circuito. placa de alumínio tor- nando-a fosca e menos agressiva,
O objecto começou com a base de mogno brasileiro, e em brunir o mogno de modo a torná-lo mais macio e
coberta até metade por uma placa de alumínio fosco, de agradável, tanto ao toque como ao aparelho portátil nele
onde emerge a vareta brilhante de alumínio que define pousado.
e salienta a altimetria e delicadeza da estrutura. No
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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

MoMita
MER CA DO D E R U A A O S Á B ADO DE M ANHÃ

[ MoMita = mochila + marmita ]


Este projeto está inserido na proposta apresentada
na disciplina de Projeto e Tecnologias - “Os
artefactos e o seu consumo na sociedade atual,
O Mercado do Bolhão e as suas vivências”.
O produto é uma mochila-lancheira, que tem
como objetivo otimizar o espaço que, neste caso,
um aluno transporta, desde a sua saída de casa,
o percurso até chegar à sua escola e as horas
passadas na escola.
ANA SANTOS

O individual idealizado será composto por duas partes: da mochila em algodão e a parte inferior da mochila
a primeira é uma mochila-lancheira (onde o aluno coloca algodão no seu exterior e tela térmica na parte inferior.
os livros e a “marmita”) e a segunda um recipiente para Estas duas partes são unidas com um zipper.
transporte de alimentos sólidos (onde coloca o almoço). Esta tem duas alças que permite a sua colocação nas
A mochila-lancheira é, por sua vez, formada por uma costas da pessoa.
mochila para o transporte de livros, na parte superior, O recipiente para transporte de alimentos sólidos é em
e, na parte inferior, por uma lancheira onde se pode latão. Tem a forma paralelepípeda, com uma tampa
colocar o recipiente para transporte da merenda. É deslizante.
confecionado nos seguintes tecidos - parte superior

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

HIPÉRBOLE
MERCADO DE RUA AO SÁBADO D E M A N H Ã

Individual para refeição ligeira Conjunto de tabuleiro e recipiente para líquidos

A fim de responder à proposta de trabalho introduzida na


unidade “Os artefactos e o seu consumo na sociedade
atual”, começou-se por um levantamento fotográfico do
Mercado do Bolhão contemplando pormenores, quer da
sua arquitetura, quer das suas essências, nomeadamente
produtos, circulação comercial e populacional, etc..

Esta fase referente à proposta procedeu a inicial deveriam contemplar leveza e custos maioritariamente
definição do conceito. Sendo assim, foi necessário reduzidos, reunindo equilíbrio de relação entre função e
estabelecer a refeição selecionada, sendo que se optou estética. Ainda, destacaram-se a questões ecológicas e
pelo pequeno-almoço. No entanto, foi tida em conta a de durabilidade, reduzindo ao máximo a quantidade de
possibilidade do conjunto, (limitado ao máximo de três matérias-primas para a sua execução..
peças), poder abarcar outros géneros que não só a À partida, quando se fala em tabuleiro parte-se do
refeição escolhida. Para além disso, foram ponderadas princípio que seja necessário o uso do habitual prato,
outras questões que não a tentativa de aplicar, direta colocado sobre este, que contenha alimentos sólidos e
e evidentemente, os detalhes do Mercado, a destacar ao mesmo tempo líquidos. No entanto, pensou-se em
a necessidade de se projetar um conjunto de objetos reunir, numa só peça, no tabuleiro, duas funções: a de
acima de tudo funcional, prático e adaptável a diferentes transporte fácil de vários componentes e a dispensa
necessidades e utilizadores, desmontável (para fins de um prato. Esta última apontava para a colocação
de arrumação e transporte fáceis), cujos materiais de alimentos sólidos diretamente sobre o tabuleiro,
FÁBIO MOTA

podendo o uso do prato ser opcional.


Após o surgimento de novas questões, essencialmente
ligadas à higiene e limpeza, concebeu-se a alternativa
de dividir proporcionalmente o tabuleiro em três partes
distintas, sendo que duas delas, as extremidades, quando
retiradas e unidas teriam as mesmas dimensões da parte
central. Mas, o facto de estas poderem ser retiradas e
novamente repostas do mesmo modo pressupunha que
fossem, obviamente, amovíveis e por isso careciam de
um sistema de encaixe (após variados estudos sugerimos
um perfil em “H” magnético).
Toda esta insistência em permitir que o tabuleiro fosse
desmontável deveu-se essencialmente a questões de
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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2011.12

arrumação do mesmo, sendo que depois de retiradas material (madeira) que impedem a deslocação dos
as extremidades (uma com a parte do H referente ao objetos para os quais foram projetados, tentando dar
macho, a outra com a fêmea) podem ser fixas uma à resposta ao problema da deslocação dos recipientes e
outra e colocadas sobre a central, reduzindo o tabuleiro objetos durante a deslocação.
de 52 cm a metade do seu comprimento. Quanto a questões de movimentação e estabilidade
O tabuleiro, como anteriormente enunciado, é composto do tabuleiro, aplicaram-se duas peças semicirculares
por três partes: A extremidade esquerda comtempla por debaixo das extremidades laterais de modo a que
o local para os talheres, onde se aplicou uma forma quando sobrepostas à parte central a ela se fixassem,
retangular, com os cantos arredondados, como e que ao mesmo tempo servem de elevação e base
referência à planta do Mercado do Bolhão; A central, um ao corpo do tabuleiro, facilitando o modo de pega ao
local circular para permitir a colocação da base de um utilizador.
prato ou servir como tal. Por fim, a extremidade lateral A Ergonomia e Antropometria delimitaram as dimensões
direita, possui um local também circular, de referência do tabuleiro, sendo que, genericamente, este possui
às cúpulas do Bolhão, para a colocação de um copo. 52cm de comprimento, 27cm de largura e 2.5cm de
Em todos estes locais referidos existem rebaixos do altura. As componentes para a colocação dos objetos
FÁBIO MOTA

anteriormente descritos, constituem as medidas útil do mesmo, estabelecendo um contraste entre o


standard de prato, talheres e copo. castanho-escuro mate da madeira (envernizada com
A definição dos materiais a aplicar na produção em série pouco brilho).
deste produto estabeleceu que, para serem atingidos A aparente complexidade deste produto, contudo,
os pressupostos estéticos desejáveis, este deveria permitiu uma outra particularidade na sua utilização
ser materialmente constituído por madeira de Ébano, diária. O usuário pode utilizá-lo na sua total composição,
quando destinado a um público-alvo de uma classe alta se necessário todo o espaço útil, utilizar a parte central
ou média-alta. No entanto, para que o produto pudesse como prato para componentes alimentares sólidos e
abarcar classes mais baixas, seria utilizada uma madeira secos, ou ainda alternar com as partes laterais referentes
menos dispendiosa a qual seria revestida por folha de ao copo e espaço para talheres, caso necessite apenas
madeira de ébano, assumindo um acabamento estético de transportar e colocar sobre, pequenos alimentos,
similar. Por fim, foi mentalmente considerado que para a deslocar para locais onde a utilização total seja
os mesmos fins estéticos, o rebordo total do tabuleiro desconfortável (ex.: sofá, cama, etc.).
deveria ser revestido a chapa de aço inoxidável e assim,
também aplicadas duas tiras deste metal na superfície
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PRO J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 11ºANO _ EASR | 2013.14

MERCA DO DE R U A A O S Á B A D O D E M A N H Ã
Este trabalho foi inspirado no objeto da unidade 2:
a cadeira Follia de Giuseppe Terragni.

A proposta cinco, pedia para realizar estudos para dois


objetos de servir à mesa, tendo como ponto de partida a
cadeira modernista.

Cadeira Follia (1934)


Designer Giuseppe Terragni
Produzida pela Zanotta
NUNO MENDES

Um dos objetos é um porta guardanapos. A sua base é em madeira e


dela saem duas barras em aço inox rematadas por uma peça, também em
madeira, que têm como função segurar e pressionar os guardanapos.

O outro objeto é um porta garrafas. Tem uma base em madeira com um


rebaixamento de 1 cm para estabilizar a garrafa. Da base sai uma barra em
aço inox com 28 cm de comprimento e com uma perfuração ovalada. Esta tem
como função prender a garrafa pelo gargalo e servir de pega.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | ESCOVARIA DE BELOMONTE

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO


ESCOVARIA DE BELOMONTE
ABEL MARTINS

Ao entender o processo tradicional que as escovas a escova. Conjuga-se através do nascer de pequenos
na Escovaria de Belomonte têm e ao constatar a seres vivos (sementes de trigo) que anexados ao corpo
potencialidade dos produtos, pensase em promover os da escova mostram a essência da vida que todas as
objetos que são lá vendidos. É a pensar em algo que escovas com este tipo de cozimento têm.
promova toda a entidade e não apenas um objeto só O nome escolhido para o efeito Escova Videira pretende
que surge uma resposta para este problema. Os objetos simbolizar a existência de vida na escova. Ao fazer a
vendidos são de extrema qualidade com durabilidade e associação a árvores de fruto, que por norma tendem a
resistência, sendo capazes de durar anos sem quebrar receber o sufixo –eira após o nome do fruto
qualquer traço de funcionalidade. Escovas com tal tipo (exemplo o fruto pera provém da pereira), relato que
de cozimento duram bastantes anos e assumem assim este nome videira surge não como a trepadeira cujo o
um contrato vitalício com o usuário. Estes objetos irão fruto é a uva mas como algo de que resulta vida. Ao
acompanhar a vida de um cliente e irão durar uma vida considerar a vida como o fruto e ao se combinar
– aqui percebe-se que a vida que todas as escovas com o sufixo ‘–eira’ obtem-se este nome videira do qual
têm é algo de procura – questões da durabilidade originam vidas que neste caso são mostradas pela
e resistência. No entanto do modo em que todas as existência das sementes de trigo.
escovas se encontram, nenhuma delas apresenta ter
realmente vida - processo do qual os seres vivos são
uma parte. É desta forma que se chega ao núcleo do
conceito. É com a semântica desta palavra – vida – que
se associa ao sentido de estar vivo. Ao espaço de tempo
entre a nascença e a morte de um organismo, é com
estas palavras que se pretende conjugar a vida com

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | ESCOVARIA DE BELOMONTE

A Escova Videira é constituída por 5 peças. A primeira de uma outra placa quadrada com 36 mm de lado conta
peça, o corpo da escova, é composta por quatro placas com 10 mm de espessura. Para a execução dos 36 tufos
de madeira (idealizadas em mogno ou castanho). Estas é necessário furar esta peça pelos dois lados.
placas quadradas 40x40 mm tem 5 mm de espessura Um lado consta com buracos de 4 mm de diâmetro e 6
e na parte inferior há uma redução da parede para 2 mm de profundidade.
mm a uma profundidade de 13 mm. Para que estas O outro lado tem furos mais pequenos com apenas 2 mm
quatro placas formem uma caixa cúbica as peças são de diâmetro e 4 mm de profundidade. Após a realização
chanfradas a 45 graus para de seguida serem coladas dos furos, esta peça juntamente com as outras deveram
com cola branca. A parede divisória interior que divide a ser levemente lixadas para
escova tem 3 mm de espessura e contempla um furo no receber tapa poros celuloso. Estando o tapa poros seco
seu centro com 20 mm de diâmetro. Este furo é vazado procede-se ao enchimento do bloco de escova com
de um lado ao outro. O bloco de escova é feito a partir tufos de cerda (branca ou preta).
ABEL MARTINS

O comprimento de cada tufo é de 20 mm. Esta escova possui


uma peça metálica em latão. Utilizando uma chapa de 0,6 mm
planifica-se um cubo sem uma das faces com 30 mm de lado.
Depois de recortada a chapa é depois dobrada e soldada. A nível
de acabamento seguemse os seguintes passos: limar, lixar, polir e
lustrar. A quinta peça é composta por uma malha de sarapilheira
quadrada com 150 mm de lado, cerca de 30 gramas de fibra de coco
e 4 gramas de sementes de trigo. Misturam-se a fibra de coco com
as sementes e coloca-se sobre o meio da malha de sarapilheira de
modo a que se consiga utilizar o restante espaço para fechar o saco.
Para selar o saco amarra-se fio de algodão e para impossibilitar a
sua abertura retiram-se os excessos de sarapilheira e de fio.
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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | ESCOVARIA DE BELOMONTE


ABEL MARTINS

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CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | ERESERV - MOBILIÁRIO URBANO

SIGMA
BANCO / MESA PARA PARQUES E JARDINS

Neste projeto foi desenvolvida uma peça de mobiliário urbano para locais
públicos de exterior, de acordo com o desafio lançado pela empresa
parceira, a ERESERV, Mobiliário Urbano.
Chegou-se assim à definição de uma peça única que assume as funções
de banco e mesa, opção que tem sido pouco explorada pelo setor mas
que tem um grande potencial de uso e de atração de utilizadores no
contexto informal e lúdico dos espaços livres das cidades.

DIMENSÕES:
Comprimento – 890 mm
Largura – 840 mm
Altura – 900 mm
GONÇALO SILVA

Formalmente a peça foi inspirada no origami – arte de Como o objeto é para um único utilizador, foram criados
dobrar papel, e por isso assemelha-se a uma folha modelos similares que se conjugam de forma a serem
dobrada que cria os vários planos. disponibilizados para várias pessoas. Assim, podemos
A forma da peça, vista de frente assemelha-se a um “G”, ter duas peças dispostas uma em frente à outra, ou
vista de lado parece um “V”, e vista de cima quase que lado a lado, ou seja, as duas pessoas podem estar do
só vemos dois planos desnivelados, os que assumem mesmo lado ou em lados opostos.
as funções de mesa e banco. Esta peça em betão, material robusto e durável,
Este objeto pode ser dividido em cinco partes ou enquadra-se bem em qualquer tipo de ambiente de
paralelepípedos interligados obliquamente: o que se exterior e oferece uma maior comodidade à população.
encontra mais longe do chão, que desempenha a função Nesta peça podemos lanchar ou almoçar ao ar livre,
de mesa, é um paralelepípedo truncado precisamente podemos estudar, ler um livro ou o jornal, ou até mesmo,
por um plano oblíquo. trabalhar e utilizar o computador portátil.
Esta peça foi desenvolvida para um ambiente exterior
público, como por exemplo, praças, jardins, parques,
largos, ou outros espaços urbanos.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | TECNAREA

BANGA
O convívio à volta de uma mesa de centro num hotel de Angola

O desafio para a realização deste projeto foi lançando pela empresa TECNAREA
que desenvolve a sua atividade no setor da decoração e do mobiliário para
a indústria de hotelaria. No caso concreto o cliente era uma cadeia de hotéis
angolana e a obra em questão era um hotel da região de Benguela.

DIMENSÕES:
Comprimento - 800 mm
Largura - 800 mm
Altura - 415 mm

Dentro das tipologias de equipamentos previstas para o geométrica associa o valor estético e simbólico de
hotel foi selecionada a mesa de centro, equipamento a raízes locais com a sobriedade e a racionalidade
aplicar tanto em espaços sociais como em espaços de contemporâneas, num conjunto em que não pode faltar,
quartos de hóspedes. dado o nível de serviço oferecido pela cadeia de hotéis,
Foi a tradição e a arte angolana que esteve na base a elegância e o requinte.
da solução proposta, nomeadamente através da À função base de mesa foi associada de forma subtil e
exploração de padrões geométricos presentes nos pertinente a arrumação de revistas num espaço criado
têxteis de manufatura artesanal. Desta forma a natureza no interior de um apoio e face lateral da mesa.
SOFIA VIEIRA

Os materiais previstos para a construção integram


o MDF folheado a Zebrano, madeira exótica local,
de textura forte e contrastes intensos, e o vidro
temperado que atribui leveza e transparência ao
objeto. O conjunto fica completo com acessórios
de metal, realizados em latão dourado.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO OURIVESARIA _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | EUGÉNIO CAMPOS

PORTUGAL
em quatro linhas
Como cliente da nossa FCT, contámos com a colaboração da Empresa Eugénio Campos,
que nos apresentou uma proposta de trabalho, resumida numa frase: “identificar Portugal
com as técnicas da joalharia tradicional portuguesa”.
Em resposta ao objetivo desta proposta, o foco inicial foi tentar deduzir a forma como
Portugal é visto e encarado e o que o identifica. Ainda que cliché, o sentimento
patriotista e aventureiro acaba por ser sempre, inevitavelmente, associado a esse grande
acontecimento histórico que foram os Descobrimentos. É sem dúvida, um aspeto que
reconhecem nos Portugueses enquanto povo.

Até os contemporâneos dos dias de hoje que não após reflexão, me fez senti-lo mais meu e por isso,
viram caravelas partir sem rumo certo, sentem que já algo que sinto vontade de honrar optando por fazê-
conquistaram o mundo. Acredito que tenha sido esse lo desta forma: tentando materializar algo incorpóreo
reconhecimento e até vaidade que levou por todo que, apesar de longínquo merece continuar a ser
este mundo que os Portugueses ajudaram a descobrir enaltecido simplesmente porque assim como amanhã
a ideia de que estes são persistentes e capazes de se descobrirão mais aprofundadamente novas galáxias,
coisas incríveis que, de tal forma magistrais, continuam assim como hoje se descobrem novos planetas e como
presentes atualmente, repare-se que se diz: “nós ontem se pisaram satélites, há seis séculos as cortinas
portugueses navegámos por mares nunca dantes do mundo abriram-se, ou melhor, a valentia lusitana
navegados” mas este nós não é um nós individual, abriu as cortinas do mundo ao mundo.
não individualiza seres, individualiza um povo que,
ANA MARTA SILVA

Com os Descobrimentos, estabeleceram-se novas rotas porque houve determinados espaços físicos que foram
comerciais intercontinentais que fizeram chegar novos percorridos pelos nossos navegadores. Estes espaços
produtos e permitiram estabelecer novos costumes no foram as Rotas dos Descobrimentos que, precisamente
quotidiano das populações. pelo que permitiram, servirão de mote a este trabalho.
Distinguem-se então dois méritos nos Descobrimentos: Das várias rotas existentes do período dos
o mudar hábitos pelos produtos trazidos e o alargar do Descobrimentos, houve quatro que, pelas consequências
conhecimento do mundo. que trouxeram e pelos diferentes locais que “uniram”, se
Ambos os feitos apenas conseguiram ser concretizados revestem de maior destaque.

São elas:
A rota de passagem do cabo da Boa Esperança, com Bartolomeu Dias em 1488
A rota da descoberta das Antilhas (América Central), por Cristóvão Colombo em 1492
A rota da chegada à Índia, por Vasco da Gama em 1498
A rota de descoberta do Brasil, por Pedro Álvares Cabral em 1500

O ponto de partida para todas estas descobertas foi Portugal.


Considerando estes aspetos, procurei uma forma que unisse um ponto (Portugal) a outros quatro pontos
distintos (Sul de África, América Central, Índia e Brasil). Esta união de pontos é feita, claro está, por linhas
porque no fundo, as rotas marítimas são isso mesmo, linhas.
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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO OURIVESARIA _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | EUGÉNIO CAMPOS

De uma união mais “fiel” destes pontos, a forma evoluiu e planas passam a ser apresentadas numa estrutura
no sentido de ser estilizada e simplificada. Porém, em tridimensional que confere uma maior fluidez à peça e
termos práticos, esta nova forma poderia não ser a que pode ser associada à volumetria do globo terrestre.
mais apropriada para uma peça de joalharia visto que A fim de se realçarem as linhas das rotas, estes espaços
os diversos vértices seriam um obstáculo por poderem serão preenchidos por zircónias.
prender na roupa, no cabelo… Encontrada a estrutura, proponho (por razões
Assim, a unir as linhas das rotas, passam a existir outras meramente estéticas) que a peça surja na posição
linhas que simbolicamente remetem para a unificação inversa: os pontos das Antilhas e do Brasil passam a ser
do mundo para que contribuíram os Descobrimentos, pontos mais à direita da peça.
ligando distantes pontos do globo.
As novas linhas, começam a evoluir para faces (o que Nasceu assim “Portugal em quatro linhas”.
resolve o problema dos vértices) que, de bidimensionais
ANA MARTA SILVA

PORTUGAL EM QUATRO LINHAS


Na linha do tempo são já seis,
Seis os séculos que nos separam
Das linhas que alguns navegaram,
Linhas, rotas que nos unificaram.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO TÊXTEIS _EASR | 2013.2014

FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO | SOMELOS

COLEÇÃO DE TECIDOS
PARA CAMISARIA DE HOMEM
Vestir bem reunindo estilos e sensações

Este projeto foi lançando pela empresa SOMELOS


que desenvolve a sua atividade no setor da
tecelagem industrial. No caso concreto o desafio
lançado pela empresa foi a criação de uma coleção
de tecidos de camisaria para homem.

Cada vez mais os homens têm vindo a preferir um nesta tendência com cores tão distintas, para poder
look elegante mas descontraído, com acessórios que juntá-las de modo a criar algo agradável e apetecível ao
contribuam para isso mesmo, bem como os motivos mais público masculino, completando o conceito com mais
irreverentes. Claro que tudo isto varia de público-alvo imagens que também me remetem para a reunião de
para público-alvo, até porque mesmo a nível geográfico cores, de sabores, de estilos.
a moda difere muito de país para país. Assim, a coleção oferece um conjunto diversificado de
As camisas, porém, são uma peça de vestuário comum tecidos pensados para situações diversas mas sempre
e constante a quase todas as culturas. Os homens modernas e elegantes, que se agrupam de acordo com
preferem-nas por serem uma peça versátil, elegante e valores funcionais, estéticos e simbólicos, explorando o
que lhes assenta bem. As tendências dizem-nos que imaginário associado à denominação de cada grupo:
a moda aponta cada vez mais para padrões de riscas • Descontraído
horizontais, xadrez, animal prints e efeitos óticos. • Divertido
Dentro dos “painéis-ambiente” fornecidos foi selecionado • Ilusão ótica
o Assemble quer dizer juntar, reunir. Daí ter pegado • Formal

COORDENADOS POR COR


Coodenado por cor
Coordenado por cor
Coordenado por cor
MARIANA ALVES

PAINEL DE INSPIRAÇÃO

Coordendos por cor Coordenados por cor

101
PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 12ºANO _ EASR | 2013.14

SÉRIE

CANVA, ONDA
E PIÃO
INTRODUÇÃO Aquaglass, uma empresa localizada em Campo de
A Forma o em Contexto de Trabalho visa aperfeiçoar as Valongo, destinada à venda de produtos de cariz sanitário
competências técnico-artísticas dos alunos e para tal, a e artigos de decoração.
escola propõe que em parceria com uma empresa, estes Trata-se de uma empresa de venda de produtos
realizem uma proposta de trabalho, simulando que tenha fabricados em série
características semelhantes .s propostas de trabalho sendo quase que excluído o cariz artesanal dos artigos
reais. comercializados. Vende, entre outros, ferragens para vidro
Esta proposta de trabalho foi feita pela empresa temperado para cabines de duche com portas de correr,
Aquaglass a alguns dos alunos tanto de Cerâmica como resguardos de banheira, toalheiros, cabides e piaçabas.
de Equipamento. Destina-se a um mercado de elevada qualidade onde se
Neste caso, a proposta seria a cria..o de uma série pode observar preocupações relacionadas tanto com
de três artefactos e os alunos de Equipamento o design como com a relação entre os vários materiais
poderiam optar por três dos seguintes: toalheiro, aplicados nos produtos.
prateleira, suporte de piaçaba, porta rolos ou cabide. Os materiais utilizados são o latão cromado com brilho
PATRÍCIA CARVALHO

e o aço inoxidável polido espelhado. Dado que investe


maioritariamente no design, os objetos tem um caráter
inovador quando aplicado neles materiais como madeira,
peles e polímeros.
Não tendo fabrico independente o fabrico dos seus
produtos feito, na maior parte, pela empresa JNF.

103
PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 12ºANO _ EASR | 2013.14

Um movimento tranquilizante, dotado de


uma certa delicadeza, sofisticação e leveza,
características que pretendia transportar
para a linha de objetos final.

SIMBOLISMO PROCESSO CRIATIVO

O movimento artístico que serviu de inspiração para a O processo criativo iniciou-se de uma forma arbitrária,
série final foi o simbolismo. explorando a relação das várias linhas em cada objeto:
Esta série deveria ser diretamente inspirada na água - o recurso a linhas retas, conjugação destas com linhas
elemento natural presente no quarto de banho e com o curvas e por fim, utilização predominante da linha
qual se interage na maioria do tempo. curva que transmite sensação visual de organicismo e
Após essa consciencialização passou-se à exploração consequentemente, simbolistas.
dos seus movimentos, das suas características e
particularidades.
O movimento que suscitou mais interesse, e
consequentemente foi a base da inspiração para toda a
série final, foi a ondulação da água.
PATRÍCIA CARVALHO

SÉRIE CANVA

Uma das primeiras ideias surgiu tendo como base de


inspiração os projetos do designer Adalberto Dias.
Neste suporte de piaçaba foi explorada a forma
cilíndrica e as curvas e cortes que esta poderia sofrer.

SÉRIE ONDA

Tal como o nome indica, a série onda é inspirada pelas A série de objetos, constituída por um toalheiro de chão,
ondas do mar. O movimento destas, quando o mar um toalheiro de parede, um piaçaba e um porta rolos.
se encontra calmo, sugere tranquilidade, uma certa Para além do cumprimento da função, nesta série
delicadeza e sofisticação e, por isso, leveza. a estética, também muito valorizada, sendo um dos
Estas características foram as “palavras-chave” de toda objetivos principais na criação da série, a coesão de
uma série que se seguiria, tentando nela ser transmitido todos os objetos constituintes desta mesma.
o movimento, a serenidade e sofisticação adequadas.

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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | 12ºANO _ EASR | 2013.14

SÉRIE PIÃO

A Série Pião, diretamente inspirada pelo trabalho de


Jozeph Forakis, serviu como ponto de partida para a
exploração dos vários materiais, cores e acabamentos
que os objetos da s.rie final poderiam vir a ter.
Foi ainda uma série projetada para o público infantil
sendo assim utilizadas cores vivas e a forma inspirada
num pião.

A forma da linha de objetos foi evoluindo, podendo polímero de modo a que os líquidos corrosivos não
observar-se algumas alterações tanto no toalheiro de danifiquem o metal.
chão como no porta piaçaba. A primeira solução encontrada seria a colocação,
O toalheiro de chão sofreu alterações na sua base. Esta através da base superior de um copo de polímero
começou por ser retangular mas, dado que toda a série moldável que seria facilmente retirado e colocado,
se carateriza pela utilização de linhas curvas, optou- moldando-se às curvas da base. No entanto, esta
se por uma base elíptica. Para além desta alteração, solução seria impossível porque, até aos dias de hoje,
foi alterado também o tamanho desta pois inicialmente não existe nenhum polímero moldável e resistente à
aparentava estar demasiado comprida, sendo assim corrosão simultaneamente.
reduzido o tamanho desta. A solução encontrada passa pela colocação de um copo
Já o porta piaçaba começou por ter uma forma um pouco de ABS, que encaixa na parte inferior base do suporte.
bruta e grosseira, destoando do que era pretendido.
Para chegar à forma final foi então adelgada a forma MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA
como se pode observar. Tendo como ponto de partida a proposta de cria..o
Para além desse apontamento, o cabo do suporte de de uma série de três artefactos feita pela empresa
piaçaba sofreu um aumento de diâmetro por questões Aquaglass, o trabalho desenvolvido foi inspirado no
antropométricas. Dado que era extremamente fino movimento da água - mais concretamente ondulação
poderia prejudicar a sua função, tal como foi referido na desta. Neste projeto tentou transportar-se para a série
avaliação intermedia. características típicas das ondas, tais como a leveza,
Sendo a base do suporte de piaçaba irregular foi sofisticação e tranquilidade.
necessário encontrar uma solução para o copo onde o O conjunto de artefactos criado, constituído por um
cabo deste iria ficar seguro. toalheiro (onde tanto foi explorada a hipótese de
Geralmente, necessária a colocação de um copo de toalheiro de parede como de toalheiro de chão), por um
PATRÍCIA CARVALHO

suporte de piaçaba e por um porta-rolos. relativamente simples sendo facilitada a sua produção
Trata-se de um conjunto de objeto projetados em latão em série.
cromado devido às suas características principais e por
ser um dos materiais explorados pela empresa. Para al.m CONCLUSÃO
do metal, existe um objeto em ABS - o copo interior da Tendo em conta que a Formação em Contexto de
base do piaçaba, que tem como função evitar a oxida..o Trabalho foi uma simulação do que será a interação do
e corrosão deste metal, dado que este está em contacto “futuro designer” com a empresa produtora, penso que
direto com líquidos corrosivos. esta resultou bastante bem.
No que diz respeito ao processo de ligação entre as Houve desde o começo até ao final, grande cooperação
varias partes constituintes: tanto por parte da empresa como dos alunos o que
- nos toalheiros, as várias partes ligam-se através de levou a um grande empenho e dedicação na idealização
enroscamentos ou pelo recurso a rebites em certos daquilo que seria a série de objetos.
casos; Apesar do receio inicial dado que uma linha de objetos
- no porta-rolos e no cabo do piaçaba, as peças são sanitários nunca tinha sido abordada ou pensada por
fixadas através de enroscamento de uma peça principal mim, com o desenvolver deste trabalho comecei a
.s restantes. interessar-me pelo tema e a querer aprofundar cada vez
Por fim, o processo de fixação à parede do toalheiro de mais aquilo que seria uma possível linha.
parede e do porta-rolos é semelhante. Na parede é fixada Terminada a Formação em Contexto de Trabalho, penso
uma peça que é nela enroscada e, na parte visível desta que foi uma experiência positiva e cativante.
peça existe uma cavilha com um furo roscado. Esta entra
no interior do tubo correspondente, também com um furo
roscado, e são fixados um ao outro com um parafuso.
Apesar das formas curvas da série, a sua conceção é
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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

QUADRA
M ER C A D OS D O POR TO

CO NTENTO R DE APERI T I V O S

Quem visita o mercado do bolhão é atraído pela sua


agitação, caos, vivências e pelo estilo arquitetónico
do seu edifício. Na ótica do observador, ao procurar
repetições, padrões e ritmos, destacam-se as linhas
geométricas.
Para encontrar uma linguagem visual de design que se
relacione com o mercado, produtos e expositores, tomou-
se como ponto de partida as formas e grelhas quadradas
observadas nos painéis de azulejos, nas caixas de
transporte de produtos, nos telhados, nos tetos, no chão
e nos portões do mercado.
Simbolicamente, na peça desenvolvida é objetivada
a padronização e a modularidade interligando estas
com a arquitetura do mercado, no entanto, as mesmas
também definem o sentido funcional do objeto. É
premissa responder com um produto cerâmico, que não
só se relacione esteticamente e simbolicamente com
o mercado, mas também traga ao mesmo, mais valias
comerciais.
ANA SOFIA COSTA

Design Modular

O design modular, pela utilização de componentes


modulares que podem ser configurados numa grande
variedade de produtos e de serviços, é o melhor método
para alcançar a fabricação personalizada minimizando
custos enquanto se maximiza a personalização
de produtos no sentido de alcançar necessidades
específicas dos utilizadores.
Num Design Modular, a divisão da informação em
módulos tem em consideração o uso repartido dos
módulos por diversas estruturas, ou seja, é feita de
modo a que esses módulos possam ser combinados e
montados em diferentes produtos ou sistemas com o
objetivo de rentabilizar esses módulos.
O Design Modular, ao permitir alterar componentes de
um sistema, sem ter que o refazer na sua totalidade, torna
os sistemas modulares flexíveis, adaptáveis e capazes
de evoluir.
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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

A Aplicação do conceito modular no design de produto Dimensões: Contentor-1 80x1 80; Tabuleiro-385x385
traduz-se pela divisão do produto e permite que ele Materiais: Porcelana e Madeira
execute a sua função principal. Uso público e uso doméstico: Este objeto pode ser
Estes módulos, quando interligados, contribuem para utilizado tanto no mercado como em casa.
que o produto execute a sua função principal. Funcionamento/Modo de uso: O Contentor - unidade
As relações que estabelecem entre os utilizadores e o modular - dispõe de um tabuleiro de base no qual
produto modelar, são de facto de cumplicidade em que se podem agrupar várias unidades da mesma peça,
um modifica e o outro se deixa modificar. possibilitando deste modo diversas geometrias/padrões
e funcionalidades - versatilidade.
Quadra - Conjunto ou série de quatro coisas. O elemento modular geométrico - forma/metáfora
- remete para a tipologia de formas; elementos
Compartimento, recinto ou terreno em forma de quadrado. arquitetónicos e decorativos (ferro /cerâmica) intregantes
Cada um dos lados de um quadrado. Quadra poética e caracterizadores da tipologia do mercado.
(popular) formada por uma estrofe de quatro versos. Vantagens: Devido à forma explorada é possivel
Figurado: estação do ano; tempo; época; ocasião; idade. formar vários conjuntos, utilizando módulos simples ou
O objeto Quadra é um contentor de aperitivos, que foi associados ao tabuleiro de madeira.
projetado incidindo nos conceitos de funcionalidade,
modularidade, versatilidade e simbolismo.
ANA SOFIA COSTA

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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

O objeto Quadra é um contentor de


aperitivos, que foi projetado incidindo nos
conceitos de funcionalidade, modularidade,
versatilidade e simbolismo.

A criação do módulo Quadra foi também concebido


tendo em conta aspetos associados à sua viabilidade
técnica. Neste caso, a produção industrial desta peça
seria preferêncialmente realizada pelo processo de
prensagem isostática através de uma pasta (porcelana)
atomizada. Em alternativa, poderia também ser utilizado
um processo de enchimento sobre pressão, ou, ainda, a
utilização da prensagem plástica.
Ao nível de acabamentos a peça seria vidrada com um
vidrado transparente (alto fogo), sendo apresentada na
versão base, sem decoração, e na versão decorada a
dois tons, com uma gama alternativa de seis cores.
ANA SOFIA COSTA

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

[des]construído
Modularidade.
Versatilidade.
Multi-funcionalidade,
aliados a sensações.

Aromas, cores, vozes e movimentos que também insistem e


persistem em espaços que esperam a nossa visita. Espaços
povoados de tradição. Mas acima de tudo, lugares vívidos e
vividos. Eles são os mercados. Do Porto.

São espaços vivos. É sobre esses espaços-emblema da Invicta que surge


o tema orientador de todo o projecto: Mercados do Porto. E o que resta
senão uma memória desgastada daquilo que outrora se apresentaria como
um verdadeiro mercado tradicional portuense? O Bolhão, um organismo
que se constrói pelas pessoas e para as pessoas. E feiras da pulga aparte,
nele reside o verdadeiro mote deste trabalho. Assim, esta prova centra-
se essencialmente na procura de uma forma de renovação do interior dos
mercados do Porto, exercendo maior foco nas estruturas de exposição dos
produtos. Pretende-se projectar um micro-ambiente móvel que dinamize o
espaço. Desta forma, a atmosfera mercantil será constituída por módulos
que se combinam e transformam, e que alteram a organização espacial do
recinto conforme as necessidades, proporcionando maior flexibilidade e
mobilidade ao mercado e apresentando-o como um espaço vivo.
ANA RITA FERREIRA

A pesquisa traduziu-se numa procura conceptual e portáveis e dinâmicos. Além disso, recorreu-se à obra
visual. Surgiram palavras e expressões que definem do designer Joe Colombo “Boby Trolley” de 1970 e
o projecto e que de alguma forma foram recriadas e recuou-se no tempo com o mobiliário mecânico de
reconstruídas com o mesmo. Termos cujo significado se Thomas Sheraton “Night Bason Stand” publicado
defendeu visualmente - um dicionário visual. Observou- no livro “The Cabinet Dictionary” de 1803. Colombo
se o mercado. O primeiro, renovado e embelezado mas contribuiu com a sua visão futurista, que se proliferou
carente de tradição. O outro, desgastado e cansado por peças modulares e versáteis, e por estruturas uni-
porém persistente em prosperar com o seu encanto bloco que possuíam mais que uma função num só
tradicional. Este último foi a musa do trabalho. Precisa- espaço. Sheraton foi também um dos grandes designers
se de dinâmica, inovação, organização. De integrar de mobiliário do século XVIII, se assim lhe pudermos
flexibilidade e multi-funcionalidade nas formas de chamar. A época e os ideais destes dois grandes nomes
expor. Mas também se precisa de arrumação. Assim, são completamente afastados.
segundo esta linha de pensamento, emergiram imagens No entanto, ambos se encontram aliados numa pequena
de produtos versáteis, articuláveis, multi-funcionais, grande coisa: o génio multifuncional.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Depois de uma pesquisa cuidada de premissas que se


pretendiam integrar no produto a projectar, foi certo o
caminho a tomar. A projecção de um espaço, criado
por módulos, que reunisse a área de exposição das
mercadorias e a área de trabalho do comerciante.
Um espaço dinâmico e móvel, que possibilitasse a
circulação das pessoas ao redor dos expositores. Desta
forma desenvolveram-se esboços. Procuraram-se
formas. E dessa busca surgiu uma fórmula matemática.
A sequência de Fibonacci. A base matemática do
trabalho. Que gerou e proporcionou uma outra dimensão
estética e funcional ao projecto. Uma variedade imensa
de configurações. E funções, também. Apenas restou
saber o que se queria expor e como se queria expor.
ANA RITA FERREIRA

[DES]CONSTRUÍDO.
Constrói-se e desconstrói-se. Um desenrolar de módulos
que se combinam e transformam. Um organismo. Que se
personaliza, podemos até dizer, “à vontade do freguês”.
Que dá suporte aos artistas da cena, as frutas, as flores, as
especiarias. Povoado por cores. Que vive e mexe, ao som
dos ritmos do mercado. Que substitui modelos estáticos e
preconcebidos. Que possibilita um espaço em constante
mudança. Que depois de utilizado se arruma e dá lugar a
outras actividades e eventos que possam convidar turistas
e curiosos ao mercado. Não se pretende raptar a essência
tradicional do mercado. Apenas semear-lhe nova vida, nova
dinâmica.
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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Expor, organizar, transportar e oferecer


flores muitas vezes!

DIMENSÕES:
Pequeno
Comprimento – 150 mm
Diâmetro – 75 mm

Grande
Comprimento – 250 mm
Diâmetro – 85 mm

O projeto teve como ponto de partida o conceito Esta tipologia foi pensada como forma de auxílio ao
“reflorescer tradições” com o qual se pretende recuperar cliente na realização das suas compras, apontando
para os dias de hoje algo com grande significado para um objeto simples e pequeno, prático e resistente,
histórico. O objetivo era desenvolver um produto que economicamente acessível, que pudesse satisfazer
respondesse a necessidades funcionais existentes todas as faixas etárias.
nos mercados como também promovesse a venda e a O material escolhido para a parte exterior da tampa
tradicional oferta de flores, sem nunca esquecer o seu superior e dos tubos foi o pvc, visto ser um material
carácter simples e prático. reutilizável e bastante económico para ser vendido nos
Foram observados os problemas de funcionamento do mercados tradicionais.
mercado de flores, e foi definida a tipologia do produto, É um produto simples e transparente, sendo que a
ao destacar-se a falta de um objeto de transporte e única cor que exalta o objeto é a membrana em silicone.
suporte de flores, que proporcionasse ao comprador As duas cores escolhidas para as membranas foram
conforto e segurança no manuseamento dos pequenos baseadas nas cores mais presentes no mercado de
e grandes molhos de flores, sem recorrer aos típicos flores – o verde e o cor-de-rosa.
arranjos florais com fitas e fios.
BRUNA TEIXEIRA

“SIGA” é então uma coleção de objetos


que proporciona ao cliente o transporte e
exposição de fores, até dez unidades das
dimensões mais comuns.

A coleção é composta apenas por quatro peças: a


tampa pequena com o tubo de 15 cm pequeno, a tampa
pequena com o tubo de 25 cm pequeno, e por fim, a
tampa grande com o tubo de 25 cm grande e a tampa
grande com o tubo de15 cm grande.
As tampas inferiores são componentes que se adquirem
à parte, pois só são utilizadas quando é necessária
a utilização de água para conservação das fores por
períodos mais longos.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO OURIVESARIA _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Um mercado é um lugar de vida e segundo


o que afirma Marx, numa das suas teses
mais divulgadas, "não é a consciência dos
homens que determina a sua existência,
porém, pelo contrário, é a sua existência
social que lhes determina a consciência".

Na minha opinião as interações são fundamentais tanto no


desenvolvimento das capacidades físicas, cognitivas e emocionais,
como no desenvolvimento das funções psicológicas próprias do
Homem. Vygotsky, pensador dos finais do sec. XIX afirmou que
“Nós tornamo-nos nós mesmos através dos outros”. Nesta frase
conseguimos constatar que há nitidamente um destaque para as
interações humanas, sendo estas um fator para a construção da nossa
própria identidade. As interações num mercado são uma constante e
são elas que nos fazem sentir vivos, pertencentes a uma sociedade,
na vida pública.
INÊS SILVA

Mercado
s.m. Lugar público, ao ar livre ou em recinto fechado, onde
se vendem e onde se compram mercadorias. Referência
convencional em relação à compra e à venda. Designação
que se dá à oferta e à procura de mercadorias. Conjunto
de consumidores, encarados como futuros compradores de
uma mercadoria ou beneficiários de um serviço.

O produto “ConTEM” vida baseia-se na minha visão sonhos e de vidas, que são materializados de uma
do que é um mercado. Uma visão que dá uma grande forma simbólica através de plantas, flores, ou o que a
importância àquilo que o torna especial e diferente de pessoa achar que faz
outros espaços comerciais: as interações. sentido colocar lá.

Eu vejo o mercado como local de constantes relações,


de troca de experiências e de vidas que se cruzam num
local onde a confiança é a palavra-chave.
É assim que surge este produto de uma forma genuína
e simples. Trata-se de um contentor de histórias, de

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PRO J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO OURIVESARIA _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

O “ConTEM” vida tem o objetivo de criar laços, interações com as


pessoas (mais propriamente com o utilizador), desde o regar, ao aparar,
ao ver aquela sementinha dar origem a algo mais. Uma das principais
finalidades é o cuidar de uma pequena vida, e deste modo alertar para
a importância e a necessidade de preservarmos a natureza. Contribui
também para uma ânsia incessante de uma relação mais harmoniosa
e produtiva entre os seres humanos e a natureza.

O Contem vida é sem dúvida um produto que tem uma vertente lúdica,
interativa e emocional, que fará com que o utilizador permaneça em
harmonia com a natureza e com a vida. É um produto sobretudo
ecológico, visto que a embalagem foi feita através de caixas de
garrafas de vinho já usadas. A embalagem teve como inspiração as
caixas de madeira existentes nos mercados tradicionais, conferindo
ao produto um ar rústico, mas ao mesmo tempo contemporâneo. Na
embalagem tive o desejo de fazer algo simples mas com influências
do passado pois acredito que o passado é uma forma de repensar
o futuro O saquinho com pequenas seedbombs vem dar um toque
lúdico, divertido, e invulgar ao produto.
INÊS SILVA

Este tem como finalidade uma permanente interação O Contem Vida tem de alguma forma uma ligação
com o utilizador. Considero também que tem um cariz com o meu percurso na Escola Artística Soares dos
pedagógico, e pretendo que surja a vontade de fazer Reis. O “nascer” de uma vida, pode ser comparado
mais seedbombs e até quem sabe encher a casa e o ao desenvolvimento das minhas experiências e
jardim de plantas! Por fim temos o folheto que explica de conhecimentos. Quando aqui entrei não parei de crescer
uma forma muito sucinta o conceito do produto, formas em cultura, conhecimentos, vivências que levo para o
de utilização e uma pequena abordagem do que são futuro. Quando cá cheguei era apenas uma semente
as seedbombs. O folheto acaba com um pequeno texto com imenso gosto e vontade de aprender mais sobre
de reflexão sobre a importância da natureza na vida o mundo das artes, que era e continua a ser algo que
dos homens e os seus benefícios, tentando desta forma tanto me fascina. O “nascer da vida” é materializado
conferir um caracter reflexivo à peça. pelas plantas que surgem a partir das seedbombs.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO OURIVESARIA _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDTÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Optei pelas Seedbombs porque me pareceu a forma mais indicada de


inserir uma planta dentro do corpo principal da peça. As seedbombs
que eu desenvolvi são compostas por pasta de papel misturada
com sementes. Assim, desaparece o problema da sujidade que a
terra originária, sendo apenas necessário humedecer as seedbombs
quando estas estiverem muito secas.
As seed bombs ou bombas de sementes surgiram no século XX,
quando um agricultor japonês promoveu o uso de sementes em bolas
de barro. Nos anos 70, uma cidadã de Nova York juntou-se a um grupo
de ativistas jardineiros e transformaram um terreno abandonado num
jardim. Mais tarde em 2004, quando o Reino Unido iniciou o movimento
“Guerrilla Gardening“*: várias pessoas começaram a cultivar em
terrenos públicos a fim de aumentar o espaço verde. Esta iniciativa
teve um grande sucesso e espalhou-se a cidades como Paris, Los
Angeles, Madrid, Toronto e Roma, entre muitas outras.

Com as Seed Bomb, bolas feitas de argila ou outros materiais


carregadas de sementes, consegue-se chegar a espaços de difícil
acesso. Estas podem ser compostas por sementes de diferentes
variedades.
*Guerrilla gardening é um movimento de ativismo politico que consiste
em plantar num terreno do qual os jardineiros não têm direito legal
para a sua utilização, como por exemplo: em locais abandonados ou
em áreas mal cuidadas.
INÊS SILVA

“Não devemos ter medo de inventar seja o que


for. Tudo o que existe em nós existe também
na natureza, pois fazemos parte dela.”
Plabo Picasso

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO TÊXTEIS _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

upa mercado Coleção de estampados reerguendo os valores dos mercados do Porto


Trata-se de uma coleção de tecidos estampados, nomeada de “UPA mercado”,
que têm o objetivo de revalorizar e publicitar os mercados do Porto.

Com a meta de chamar novos e mais compradores Quando aberto e utilizado como avental, observa-
aos mercados, foi desenvolvido um objeto com se um padrão sobre o mesmo elemento, cuja
dupla função: um saco-avental, dois símbolos composição se revela, mais uma vez, importante
deste tipo de comércio. “UPA mercado” abrange para “remar” a mente do observador até ao
um vasto público-alvo, desde o adolescente até mercado em questão.
ao idoso, pois é um produto que pode cativar Os materiais utilizados foram: tafetá preto (pois
facilmente o gosto visual próprio de cada é uma cor elegante e que disfarça a sujidade,
pessoa. Com a aplicação dos estampados e do respeitando a forma-função), velcro preto e
tecido neste objeto, é pretendida a divulgação molas de pressão (como sistemas de fecho).
da vida dos mercados, trazendo, de novo, o As cores usadas, mais uma vez, remetem para
próprio mercado para os portuenses e visitantes o mercado em questão e foram retiradas de
da cidade. imagens de um tipo de mercadoria que se vende
Os elementos estampados são desenhos nos mercados: fruta.
originais provenientes de ícones representativos Por fim, o nome “UPA mercado” surgiu da ideia da
de três dos maiores e mais conhecidos mercados força para se reerguer, utilizando a onomatopeia
do Porto. Quando o objeto está a ser usado como “upa” como incentivo para os mercados do Porto
saco, pode ver-se um elemento estampado com renascerem.
o nome do mercado que representa.
JOANA RIBEIRO

MERCADO DO BOLHÃO

MERCADO FERREIRA BORGES

MERCADO BOM SUCESSO

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’


MARTA FREITAS

Equipamento para uma campanha de orientação


e sinalização dos mercados na cidade do Porto

O projeto visa promover o conhecimento e a visita aos


mercados tradicionais da cidade do Porto ao mesmo
tempo que cria condições para a recuperação da força
com que estes equipamentos participavam na vida
urbana.
Assim foi pensada uma campanha em que a sinalização e
a orientação dos percursos relativamente aos mercados
são exploradas em termos funcionais, simbólicos e
estéticos, garantindo-lhes um lugar de destaque numa
seleção de lugares centrais da cidade.
O elemento central desta campanha é o poste de
sinalização e orientação. Este elemento foi pensado
como um objeto de forte personalidade, capaz de se
afirmar no contexto face à concorrência de outros
equipamentos urbanos. Foi ainda tratado como uma
marca identitária dos mercados destacando o caráter
dinâmico e multifacetado do tipo de comércio que neles
se pratica.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Cada poste contém dois tipos de informação: Direções e


distâncias, aplicadas no topo do poste sobre placas orientadas
espacialmente, e um mapa simplificado, aplicado a meio
do poste, sensivelmente à altura do olhar do observador,
relacionando os mercados entre si e com os restantes elementos
urbanos de interesse.

Na composição dos postes criados


para esta campanha entra um conjunto
de elementos modulares que permite a
individualização de cada um em função
do local onde é implantado.
Na construção dos postes o papel mais DIMENSÕES DO POSTE:
importante foi dado ao metal e aos Altura máxima: 3,07 m
polímeros. Diâmetro máximo: 1,20 m

A informação gráfica aplicada às placas


e ao mapa seria objeto de um estudo
específico em equipa com a colaboração
de designers de comunicação.
MARTA FREITAS

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PR O JE TO
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PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

VEM
M ER C A D OS D O POR TO

S UP O RTE | EXPOSITO R DE CÁLI CES E G ARRAFA

"O Porto é uma cidade de mercadores.


Aqui, as raízes urbanas confundem-se com
as raízes comerciais.!
Não é preciso conhecer muito da história do Porto para
se perceber que esta é uma cidade de comércio, de
trocas, de compra e venda, de movimento. Quem pas-
sar uma tarrde na zona histórica da Invicta, quem pas-
sear pela rua de Sta.Catarina, quem ouvir os pregões no
Mercado do Bolhão, quem se sentar a tomar um café no
Mercado do Bom-Sucesso, quem for à beira rio, quem
atravessar a ponte, quem sentir o cheiro das castanhas,
quem se fizer ao Porto, saberá que não se trata de uma
“cidadezinha”, mas de um pólo enorme de mercadores,
mercadoras, boa gente e gente que, acima de tudo, fez e
faz das tripas coração.
O Porto é uma cidade que não pára e no entanto trans-
mite a calma e a beleza de uma paisagem natural.
É uma composição elaborada de moderno e antigo, vel-
ho e novo, uma composição de tal forma bem feita que
marca qualquer um que cá venha e qualquer um que já
cá esteja.
Por ser desta enorme cidade e por compreender toda a
importância e a influência que os mercados tiveram no
Porto, é com muito orgulho e prazer que me proponho
a realizar uma obra que simbolize e enalteça a história,
os lugares e os acontecimentos comerciais que deram
origem à Invicta.
NUNO SARMENTO

No âmbito da Prova de Aptidão Artística, com o tema


“Mercados do Porto”, realizada para a disciplina de
Projeto e Tecnologias, no curso de Design de Produto da
Escola Artística Soares dos Reis, foi projectada a peça
“Vem”.
Esta peça propõe-se a resolver uma necessidade que
o momento do Porto de Honra carece, que é conseguir
servir os cálices de vinho e expor a garrafa e o rótulo do
mesmo, ao mesmo tempo. Neste momento não existe um
objeto que consiga realizar estas ações ao mesmo tempo,
sendo por isso realizadas uma depois da outra. O Porto
de Honra é um momento já com muita história e um dos
pontos mais importantes é precisamente a pessoa que
serve o vinho mostrar com orgulho o seu Porto e a que
saboreia deliciar-se enquanto vê o rótulo. Embora pareça
um pequeno detalhe saborear e ver o que se saboreia,
é na verdade um dos elementos mais importantes, pelo
que a peça se propõe a resolve-lo, tornando assim a
experiência ainda mais agradável. Trata-se de uma peça
que tem também um caráter social, pois aproxima as
pessoas e melhora uma experiência que é por si só única
– O Porto de Honra.
Na conceção do projecto optou-se por resolver as
questões funcionais com um forte e carregado aspeto

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PR O JE TO
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PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

simbólico que remete para a História do Vinho do Porto. A peça tem 56cm de comprimento, 23cm de largura e 15
O objetivo foi conseguir que a peça “falasse” por si de altura. A curva que faz tem aproximadamente 60cm
só e que cada detalhe surgerisse alguma parte dessa e divide-se longitudinalmente em 2 partes distintas. A
história, quer das vinhas, quer das pipas, quer dos parte anterior tem 6 buracos côncavos que fazem o
toneis. perfil ex¬terior do cálice de vinho do Porto, sendo o
“Vem” tem duas funções principais: suporte de cálices, cen¬tro de cada um a 4cm da extremidade anterior.
cheios ou vazios, e expositor/suporte da garrafa. A fusão Como há inúmeros cálices diferentes, foi escolhido o
destas duas funções é concretizada com harmonia na desenhado pelo Siza Vieira como modelo, visto que
peça. esse é o cálice oficial para o Vinho do Porto. Entre esta
A forma foi concebida curvada para sugerir as curvas concavidade e a extremidade anterior existe um rasgo de
das pipas, tendo um corte a meio para reforçar a ideia aproximadamente 2cm para que o pé do cálice entre e o
das aduelas, podendo ser também interpretado como cálice se possa pousar e segurar. Exatamente a meio da
os montes onde são plantadas as vinhas. O suporte da curvatura, entre as duas partes, existe um furo elipsoidal
garrafa consiste no entrelaçamento de duas gavilhas que faz uma inclinação de 50º para que a garrafa entre.
metálicas que sugerem as gavinhas presentes nas Foi feita uma forma elipsoidal pois ao sofrer a inclinação
videiras. Este conjunto simbólico sugere duas partes transforma-se num círculo, grande o suficiente para
fundamentais da produção do vinho do Porto, a recolha caber qualquer garrafa de Porto dos últimos 40 anos
das uvas e o repouso do vinho. A inclinação está feita para a parte posterior da peça
NUNO SARMENTO

para que aquele que se for servir do vinho possa ver o


melhor possível o rótulo. A parte posterior da garrafa fica
aproximadamente 12 cm “dentro da peça”, sendo que a
anterior fica apenas 6cm devido à inclinação.
Os materiais escolhidos foram a madeira de carvalho,
por ser a madeira utilizada no fabrico das pipas, e por
isso acrescentar ainda mais à carga simbólica e o aço
inoxidável ou prata. O aço será utilizado no caso da peça
ser fabricada em massa, para várias casas, e a prata será
no caso de uma edição especial, feita para pessoas ou
acontecimentos de maior importância. A escolha destes
metais deve-se à sua resistência à humidade, força e
fácil limpeza e manuseamento.
O corpo principal da peça será realizado numa só tábua
de madeira de carvalho, de aproximadamente 1,8 cm de
espessura, curvada. Este corpo sofrerá 6 furos côncavos
que perfazem o perfil exterior do cálice de vinho do Porto
desenhado por Siza Vieira. Estes furos, tal como a sua
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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’


NUNO SARMENTO

ligação com a extremidade, são feitos com uma fresa, O nome escolhido para esta peça foi
construída através de um molde do cálice. A entrada para
”VEM”. Este nome reflete o intuito da
a garrafa é também realizada com uma fresa, tal como a
sua criação, que é juntar e aproximar
pega lateral. Estando todos os recortes feitos na madeira,
as suas arestas são boleadas para que não haja o risco
mais as pessoas no momento do Porto
de corte e para dar à peça um aspeto mais uniforme e de Honra. “VEM” chama as pessoas,
homogéneo. Finalmente a madeira é envernizada com convida-as a aproximarem-se, a
verniz marítimo mate, que tem maior resistência a líquidos, pegarem num cálice e a saborearem-
essencial numa peça que pode sofrer derrames de vinho
no, celebrando uma atividade comercial
e ao ser mate permite que a cor sobressaia.
bem-sucedida. Além disso, este nome
Os entrelaçamentos metálicos serão feitos de forma
industrial, através do torno mecâni¬co, e a chapa resulta também da junção do tema e
metálica será recortada a lazer. Ambas serão polidas subtema: “VEM: Vinhos E Mercados”
para realçar o brilho e tornar a peça mais elegante. A cor VEM
será a da madeira de Carvalho francês, que é um tom “À NOSSA!”
castanho acinzentado.
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PR O JE TO
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PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

O M ER C A D O D O B OL HÃO

EXPOSITOR
MÓVEL
[ UM OBJETO FUNCIO N A L E SIMB Ó L IC O ]

A Prova de Aptidão Artística do ano letivo 2013/2014 tem Decidido o subtema, pretendeu-se criar um objeto de
como tema geral “Os Mercados do Porto”. A partir deste design que resultasse da interação do Homem com as
tema foi-nos proposta a escolha de um subtema que se suas vivências e com o espaço dos mercados.
delineasse dentro dos campos conceptuais, artísticos e
tecnológicos ligados ao âmbito do tema geral. DE UMA BANCA A UM EXPOSITOR MÓVEL
Dentro da cidade do Porto, optei por definir o Mercado do O conceito original consistia numa banca portátil que
Bolhão como o subtema do meu trabalho. Esta escolha poderia ser utilizada por toda a cidade. Estaria abastecida
deve-se à importância que o mercado desempenha na de produtos do mercado do Bolhão e seguiria a imagem
cidade, sendo o mercado mais característico e rico em de um vendedor ambulante, podendo deslocar-se entre
termos de vivências e tradições. Esta ligação ao passado diferentes feiras no mesmo dia. Deste modo, os produtos
é algo cativante e bastante próprio da cidade do Porto, do Bolhão teriam dois locais de venda: o próprio edifício
onde os hábitos mais peculiares parecem permanecer e a banca transportável.

apesar do passar do tempo.


RAQUEL SILVA

No entanto, apesar de a banca poder ser funcional, iria


obrigatoriamente contra os cânones do modernismo
graças às suas grandes dimensões, à robustez das
formas e à falta de simplicidade. O abastecimento
também não podia ter grandes dimensões e os
produtos não iriam durar muito tempo, porque as
pessoas acabariam por esgotá-los rapidamente. Para
além dessas razões, o vendedor teria de se deslocar
frequentemente ao mercado para reabastecer o
armazenamento.
Por essas razões, o objeto deixou de se resumir a
uma banca de vendas e transformou-se numa banca
expositora de produtos do Bolhão. Este expositor iria
circular pelas ruas envolventes do mercado e dar a
experimentar ao público os produtos mais frescos do
Bolhão, como frutas, queijos ou até vinhos. Como iria
ocupar o espaço circunscrito ao mercado, não teria
problemas de abastecimento, visto que bastava pedir
a algum comerciante do mercado para trazer alguns
produtos para o exterior, ou simplesmente andar alguns
metros até à banca mais próxima.
Deste modo, o expositor cumpre o propósito de
revitalizar e publicitar o Mercado do Bolhão, visto que
incentiva o público a provar os produtos e a visitar o
mercado para os comprar.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

"É a lei que permeia em todas as coisas orgânicas e inorgânicas,


Em todas as coisas físicas e metafísicas,
Em todas as coisas humanas e super-humanas,
Em todas as verdadeiras manifestações da cabeça,
Do coração e da alma,
Que a vida é reconhecível na sua expressão,
Que a forma segue a função. Esta é a lei."

Louis Sulivan, 1896

UM EXPOSITOR MARCADO PELA SIMPLICIDADE


Para conseguir projetar um expositor que fosse
simples, claro e composto por formas geométricas,
inspirei-me nas peças mais conceituadas de design
moderno e orgânico. Posso considerar que o carro de
chá de Alvar Aalto foi uma das grandes inspirações
para o desenho do expositor, com as suas rodas
largas e estrutura simples que parece interagir com o
ser humano.
No entanto, o expositor estava a adquirir muito a forma
da típica banca de comerciante de rua, com uma
forma compacta e cerrada, que parecia emoldurar o
vendedor numa caixa que interagia com os clientes.
Era preciso “limpar” o objeto de todos os excessos,
reduzindo o número de prateleiras, modificando as
dimensões e deixando apenas o esqueleto da peça
e tudo o que fosse estritamente imprescindível para a
estabilidade do expositor.
RAQUEL SILVA

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PR O JE TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

“Existe o corpo, que se transforma tão


lentamente que pode usar cadeira egípcia.
Despidos os objetos, existe a história de
meia dúzia de formas. A imaginação voa entre
essas formas, a baixa altura, se descontarmos
aprendizes impacientes.

(…) O objeto perfeito será um espelho sem


moldura nem lapidado - o fragmento de um
espelho - poisado no chão ou encostado a um
muro. Nele um míope observa formas, sombras
em movimento, reflexos de reflexos. Assim se
alimenta o desenho.”

Álvaro Siza Vieira, em “Sobre a Dificuldade de


Desenhar um Móvel”, Abril 1992, Siza Design
RAQUEL SILVA

CONCLUSÃO
Acabada a Prova de Aptidão Artística e o curso de De-
sign de Produto, penso que não poderia ter frequentado
um outro curso que me desse tanto júbilo e tantos desa-
fios como este me proporcionou nos últimos dois anos.
Ao rever todo o processo criativo desde as pesquisas
até aos renders finais, sinto que o meu método de trab-
alho foi evoluindo de módulo para módulo, assim como
a conceção, organização e estruturação de todo o tra-
balho.
De facto, estes anos permitiram-me aprofundar os meus
conhecimentos sobre os vários movimentos de design
que existem, e ajudaram-me a perceber o que distingue
o bom design do mau design. Todos estes conceitos
vão ser uma mais-valia no meu futuro, pois formaram
uma base de conhecimento que virá a estender-se com
muito mais facilidade.

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PR O J E TO
CURSO DESIGN DE PRODUTO | ESPECIALIZAÇÃO EQUIPAMENTO _EASR | 2013.2014

PROVA DE APTIDÃO ARTÍSTICA | ‘OS MERCADOS DO PORTO’

Uma ferramenta verdadeiramente nómada


para demonstrações nos mercados

O objeto “A-Banca” é um equipamento versátil destinado a ser


utilizado no mercado para demonstrações/workshops das áreas
mais diversificadas, utilizando-se como ferramenta de trabalho e
base de apoio.

Desenvolve um conceito verdadeiramente genuíno e, simultaneamente, tradicional:


estas demonstrações/workshops são realizados por iniciativa de qualquer pessoa,
exterior ou não ao mercado, que requisita ou aluga este equipamento de trabalho a
baixo custo. Assim, alia-se a promoção de um serviço, ou seja o benefício próprio da
pessoa que se dirige ao mercado e que promove a arte que produz (podendo fazer
publicidade ao seu trabalho) com o fortalecimento do dinamismo e interatividade
social do mercado.
ROSANA SOUSA

Esta é uma banca dobrável, caracterizada pela sua A facilidade de transporte e arrumação deste objeto é
transportabilidade e versatilidade com uma estrutura conseguida com a ajuda de uma alça central em couro
essencialmente em madeira de formas retilíneas. que envolve todos os elementos. A alça emerge da
Relativamente ao tampo, o plano de trabalho, optou-se orla do tampo atravessando uma ranhura ai prevista
por uma placa de 1.30 m x 0.50 m, medidas standard possibilitando um manuseamento ergonómico.
de uma bancada, tendo-se em consideração o
atravancamento do espaço de mercado a que se destina A construção do objeto em pinho nórdico
o objeto – um espaço muito movimentado. Dispõe ainda garante a necessária leveza e economia
de uma prateleira sob o tampo que desempenha um de custos. O tampo é revestido por uma
papel estabilizador da estrutura e que, simultaneamente, folha de polímero resistente a cortes e
disponibiliza uma área de prateleira de grande utilidade à humidade. As superfícies de madeira
para a arrumação de utensílios. expostas ao exterior são envernizadas com
verniz de poliuretano aquoso.

DIMENSÕES:
Comprimento – 1300 mm
Largura – 500 mm
Altura – 850 mm
145
PR O J E TO
CURSO PROFISSIONAL DE DESIGN DE MODA _ 2013.14

PROVA DE APTIDÃO PROFISSIONAL | ‘LENDAS & MITOS’

design de moda CURSO PROFISSIONAL


PROVA DE APTIDÃO PROFISSIONAL

Lendas
2013.14

& mitos
ANA RITA FONSECA

O milagre das Rosas


a lenda da Rainha Santa Isabel
ANA RITA FONSECA

As Lendas & Mitos habitam a minha memória. Em


criança estudávamos lendas portuguesas para que nos
lembrássemos dos Reis e Rainhas de Portugal. A que
nunca esqueci foi “O Milagre das Rosas”, razão pela qual
ter escolhido este subtema. Uma lenda de século XIII,
da cidade de Coimbra, que consiste na Rainha Santa
Isabel.
Reza a lenda que um nobre despeitado informou o
rei D. Dinis que a rainha gastava demais nas obras e
doações à igreja, esmolas e outras ações de
caridade. O rei indignado com a situação resolveu
confrontar a rainha. Ao perguntar-lhe o que trazia
no regaço a Rainha respondeu: “Rosas meu Rei.”
Acusada de estar a mentir, porque em janeiro
não haviam rosas, para surpresa do Rei,
quando a rainha abre o seu regaço, as rosas
caem pelo seu manto fora. A surpresa e
o arrependimento avassalam o Rei, que
nunca tinha visto rosas mais lindas,
pede perdão à rainha. A bondade,
generosidade e compaixão da Rainha
levaram o povo proclamá-la SANTA.
Dentro da sua história agarrei-me
aos elementos mais importantes e
que alicerçaram este projeto. Esses
elementos são as rosas, a bondade,
riqueza e pureza da Rainha

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PR O J E TO
CURSO PROFISSIONAL DE DESIGN DE MODA _ 2013.14

PROVA DE APTIDÃO PROFISSIONAL | ‘LENDAS & MITOS’

O Desejado
a lenda de D. Sebastião MARIANA CARDOSO

A opressão, a glória e o nevoeiro nascem


após a morte de D.Sebastião aquando o
aparecimento da sua lenda. A opressão a que
o povo estava subjugado e a necessidade de
voltar a restabelecer o seu brilho e glória estão
espelhados nas formas, silhuetas, nos cortes
e encaixes, nos pormenores, nos tecidos, na
forma como as peças de ligam ao corpo e o seu
comportamento. A manhã de nevoeiro na qual
D.Sebastião viria está simbolizada pela paleta de
cores e pelo uso de tricot de forma a descrever a
sua densidade orgânica. Estas palavras traduzem
todos os aspetos do projeto desenvolvido e estão
diretamente ligadas ao tema, à lenda – são mais
que palavras, são conceitos que ligam toda a
coleção tornando-a coesa. O seu encadeamento
no mito está espelhado na coleção. É o contar a
história por palavras visuais e palpáveis, ainda
que com a minha própria interpretação e visão.
MARIANA CARDOSO
LUNA FONSECA

Cantar do galo
a lenda do Galo de Barcelos
LUNA FONSECA

Dita a lenda que há muitos anos atrás


procuravam o culpado de um crime.

Suspeitavam de um inocente peregrino galego. Este,


frente ao juiz que se encontrava num banquete, jurou
ser tão impossível ter cometido o crime, como o galo
assado, que estava na mesa, cantar. E assim foi… o
galo cantou e salvou-se um inocente da forca.

O ícone de Portugal “Galo de Barcelos” nasce da


lenda que narra a intervenção milagrosa de um
galo morto, na prova da inocência de um homem
erradamente acusado.

A imagem colorida do galo está na memória de


todos os portugueses (e na minha), associada ao
folclore e ao norte de Portugal despertou-me muita
curiosidade, o que levou a escolha deste tema para
desenvolver uma coleção de 20 peças de vestuário,
dirigida a mulheres ligadas ao mundo espiritual e
fantástico.
149
LI VRO

The Case for Working The Craftsman


with Your Hands
Matthew Crawford Richard Sennett

Penguin Books Penguin Books

Londres, 2011 Londres, 2008


(existe edição brasileira)

Recentemente li a transcrição das intervenções de definição abrangente proposta por Sennett, “craftsman”
Jonathan Ive , vice-presidente para o design da Apple,
1
– cuja tradução para português pode ser artesão,
numa conversa aberta entre este e o diretor do Museu artífice ou artista (retomando uma designação usada na
do Design de Londres ocorrida em novembro de nossa tradição para quem domina um ofício). Sennett
2014, e em que Ive expressou a dificuldade que tem é violoncelista e Crawford é mecânico e tem uma
em contratar jovens designers. E porquê? Porque, pequena oficina de reparação de motas. É recorrendo
segundo ele, “os designers que entrevista não sabem muitas vezes à sua experiência pessoal que os autores
fazer coisas, porque as oficinas nas escolas de design perseguem o objetivo último destes ensaios que é o de
são caras e os computadores são baratos” e continuou demonstrar, tal como Sennett refere na primeira página
dizendo que “é trágico que possas passar quatro anos do seu livro, que fazer é pensar.
da tua vida a estudar design de objetos tridimensionais Na perspetiva dos autores, a vontade e a capacidade
e que nunca faças um”. Ive esclareceu que não defende de construir objetos, seja qual for a sua função, é inata
o abandono das ferramentas digitais, mas questiona a na espécie humana. Somos os únicos seres no planeta
dependência total delas que põe em causa o instinto de com a destreza física e mental para isso. No entanto, em
fazer e experimentar. muitas das culturas ocidentais o valor do fazer e o do
Refiro aqui esta conversa porque ela faz, na minha fazer com as mãos tem vindo a diminuir, não obstante, em
opinião, a ligação entre o Design de Produto, âmbito meu entender, alguns sinais recentes de ressurgimento.
desta revista, os Processos, tema deste número, e os As oficinas quase desapareceram das cidades, das
dois livros que sugiro. Apesar de convocarem muitas escolas, da vida das pessoas. Com isto foi-se perdendo
reflexões, apresento-os dando ênfase ao contributo que um espaço de transmissão de um conhecimento que só
dão sobre o “poder do fazer”2. se pode concretizar de forma tácita, materializado em
Nenhum dos autores é designer, Matthew Crawford sons, cheiros, gestos, movimentos e hábitos – que não
é filósofo e Richard Sennett é sociólogo, mas ambos, se podem transmitir de outra forma que não na rotina da
tal como Jonathan Ive, atribuem uma importância oficina.
determinante ao trabalho manual, ao seu espaço É nesta prática continuada da construção de objetos
– a oficina – e ao seu ensino. O que os dois autores com as nossas próprias mãos que, para os autores,
também têm em comum é o facto de serem, segundo a existe uma grande valia formativa. Este tipo de prática,
RUI PANELO
PROFESSOR DE PROJETO E TECNOLOGIAS | EASR

@ Rui Panelo

à mercê de ferramentas e materiais ‘desobedientes’, No trabalho oficinal a repetição existe como um meio
mobiliza todos os nossos sentidos e confronta-nos, para o aperfeiçoamento e para a interiorização do ciclo
constantemente, com questões imediatas, concretas e ‘encontrar problema/encontrar solução’.
incontornáveis. É, portanto, obrigatória a experimentação Contudo, ter uma oficina não é suficiente. É preciso lutar
contínua, cujos resultados – erros ou avanços – têm uma pela valorização permanente desta cultura. A prática
existência própria, palpável, que deixa rasto e que não oficinal é, para estes autores, uma forma de promover
pode desaparecer instantaneamente com um ctrl+z. A um tipo de pensamento que traria melhorias para o
repetição, inerente a este processo, não é mecânica nem indivíduo e para as sociedades em que se insere, e
desinteressada, tal como alguns pensam, influenciados seria também, de uma forma mais concreta e voltando
por uma ideia de executante herdada de tempos em às declarações de Jonathan Ive, uma ajuda para que se
que se forçou a separação entre o pensar e o fazer. criassem melhores objetos.

1
Disponível em http://www.dezeen.com/2014/11/13/design-education-tragic-says-jonathan-ive-apple/
2
Expressão tomada de empréstimo do título da exposição "The Power of Making" do Victoria and Albert Museum em 2011.
Nota: traduções da responsabilidade do autor.
151
dinamicas @ essr.net
E SC O LA ART Í S T I C A D E S OA R E S D O S R E I S

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