VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO DISCIPLINA: CONSTITUIÇÃO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DOCENTE: ALINE BELTRAME DE MOURA
ACADÊMICOS: LUCAS VOIGT NUNES e MÁRCIO RIBEIRO BORGES
PAPER – A INFLUÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL NO
AFASTAMENTO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL
Instados a eleger um dentre os temas abordados nas aulas virtuais
ministradas no início do corrente mês de junho de 2020 para realizar uma abordagem mais aprofundada, destinada a avaliar o aprendizado dos acadêmicos em relação à disciplina, optamos por tratar do afastamento, no ordenamento jurídico brasileiro, da possibilidade de prisão civil do depositário infiel.
Essa opção se deve, essencialmente, ao fato de chamar a atenção aos
operadores do Direito brasileiro e a todo aquele que tenha algum conhecimento jurídico o fato de que, nessa situação peculiar, ocorreu verdadeira supressão de dispositivo (ou, mais propriamente, de parte de um dispositivo) expressamente previsto no texto constitucional desde sua gênese, sem que para tanto tenha havido qualquer reforma da Constituição Federal de 1988 por meio de emenda constitucional, a partir do exercício do poder constituinte derivado reformador previsto como forma de alteração da Carta Magna.
Com efeito, não houve, no caso em apreço, a superveniência de
emenda constitucional que pudesse de algum modo interferir na previsão outrora vigente no ordenamento jurídico brasileiro a partir de uma norma expressamente assinalada em sua lei máxima, sendo que, na decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 349.703-1/RS e na subsequente Súmula Vinculante nº 25, o Supremo Tribunal Federal se valeu de normas de Direito Internacional para invalidar qualquer possibilidade de prisão civil do depositário infiel eventualmente prevista nas leis nacionais. Imperioso assinalar, nesse ponto, que as normas de Direito Internacional invocadas pela corte superior como fundamento às decisões exaradas neste e em outros julgados associados que embasaram a edição da referida súmula vinculante são, em primeiro lugar, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, introduzido no Direito brasileiro pelo Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, cujo artigo 11 assinala que “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.
O segundo tratado, amplamente empregado nesta e em outras
deliberações do Supremo Tribunal Federal, é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, amplamente conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, inserido no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, a despeito de ter sido promulgada já décadas antes. Em seu art. 7º, item 7, dita convenção que tomou o nome da capital centro- americana onde foi firmada, ressalta expressamente que “Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
Veja-se, pois, que ambos os pactos se chocavam frontalmente com a
disposição do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988, promulgada quatro anos antes dos decretos antes referidos, uma vez que, em meio aos direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º da norma maior do Direito brasileiro, havia expressa permissão à prisão civil do depositário infiel.
Diante, portanto, desse evidente conflito entre a Constituição Federal e
normas internacionais posteriormente inseridas no ordenamento jurídico nacional, o Supremo Tribunal Federal acabou por adotar, inicialmente, postura que negava vigência a qualquer norma infraconstitucional que pudesse de algum modo regular a prisão civil do depositário infiel, acabando, por fim, por simplesmente extirpar do Direito brasileiro, ainda que contrariando frontalmente norma expressa e de sentido inequívoco da Carta Magna, qualquer possibilidade de execução dessa previsão. Assim é que, no julgamento do antes referido Recurso Extraordinário nº 349.703-1/RS, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002)” (STF, RE nº 349.703-1/RS, relator para acórdão Min. Gilmar Mendes, julgamento em 03.12.2008).
De se observar, pois, que não houve então uma deliberação acerca da
oposição do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto de San José da Costa Rica em relação à norma constitucional antes aludida, mas sim uma saída tangencial pela qual, sem invalidar o dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal afastou a incidência de normas de menor hierarquia que regulavam a prisão civil do depositário infiel.
FALAR DO STATUS DOS TRATADOS INTERNACIONAIS, DA
SUPERVENIENTE SÚMULA VINCULANTE 25 E FINALIZAR COM UMA CONCLUSÃO.