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Ano XXIX
N. 3 - Ano 2011
Na capa: Cristo no trono,
Sumário
Basílica de São Paulo fora dos Muros, Roma
EDITORIAL
EDITORIAL
Os cento e cinquenta anos da Unificação da Itália
— por G. Andreotti 4
NESTE NÚMERO
LÍBIA
3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
IGREJA
A unidade dos cristãos habita na oração
Diretor Giulio Andreotti Entrevista com o cardeal Kurt Koch — por G. Cubeddu 26
30DIAS Nº 3 - 2011 3
Editorial
4 30DIAS Nº 3 - 2011
Acima, A abertura do primeiro Abaixo, o presidente da República
Parlamento italiano em Turim Giorgio Napolitano, o primeiro-ministro
a 18 de fevereiro de 1861, Silvio Berlusconi e os presidentes do
Théodore Tetar van Elven, Senado e da Câmara, por ocasião
Museu Nacional das celebrações dos 150 anos da
do Ressurgimento, Turim Unificação da Itália, Altar da Pátria,
Roma, 17 de março de 2011
30DIAS Nº 3 - 2011 5
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
as carmelitas de Thapelong
6 30DIAS Nº 3 - 2011
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
Que Deus o abençoe e a todos aqueles que colabo- mos pelo senhor, senador, e por sua estimada famí-
ram com a revista! Bom e santo ano de 2011. lia, como também por seu trabalho de homem políti-
co e de ajuda à bela Itália.
Irmã Isabelle-Marie Com muito afeto e gratidão, a sua
Transfiguração de Cristo
(c. 1511-1512),
Museu Cívico, Recanati
8 30DIAS Nº 3 - 2011
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
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Leitura espiritual Leitura espiritual
Leitura espiritual/41
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Leitura espiritual Leitura espiritual
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Leitura espiritual Leitura espiritual
Nota histórica*
O pecado original foi a primeira questão dogmática enfrentada pelo Concílio de Trento. O estímulo a tratar dela
veio dos legados papais Del Monte, Pole e Cervini, em 21 de maio de 1546; só a eles era dado o direito de propor
os temas do Concílio. Naturalmente, ao frisar a doutrina do pecado original, pretendia-se rechaçar os erros dos
protestantes em torno dela, que estes haviam tomado de empréstimo dos gnósticos e dos pelagianos. Seguin-
do os procedimentos dos trabalhos, a questão foi discutida primeiramente na “congregação dos teólogos”, con-
vocada para bem cedo (às 5 da manhã!) em 24 de maio. Os trinta e dois teólogos, quase todos pertencentes às
grandes ordens religiosas, concluíram a discussão no dia seguinte. Em 28 de maio deu-se a “congregação ge-
ral”, a reunião dos padres conciliares que tinham direito de voto, na qual Del Monte apresentou aos padres o es-
quema-base. Trabalharam sobre este de 31 de maio a 5 de junho, em sucessivas congregações gerais. A pri-
meira redação do decreto apareceu em 8 de junho, preparada, com a ajuda de alguns bispos e teólogos, pelos
próprios legados, que se esforçaram por só usar expressões dos concílios e dos doutores católicos já aprova-
dos. Após alguns retoques, o texto definitivo do decreto foi promulgado em 17 de junho de 1546, na quinta ses-
são solene do Concílio, realizada em Trento, na Catedral de São Vigílio.
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Leitura espiritual Leitura espiritual
Ut fides nostra catholica, “sine qua Para que a nossa fé católica, sem a qual
impossibile est placere Deo” (Hb “é impossível agradar a Deus” (Hb
11,6), purgatis erroribus in sua sinceri- 11,6), continue, removidos os erros,
tate integra et illibata permaneat, et ne íntegra e intacta em sua pureza, e para
populus christianus “omni vento doc- que o povo cristão não fique “ao sabor
trinae circumferatur” (Ef 4,14), cum das ondas, agitado por qualquer sopro
serpens ille antiquus, humani generis de doutrina” (Ef 4,14), uma vez que a
perpetuus hostis, inter plurima mala, serpente antiga, inimiga perene do gê-
quibus Ecclesia Dei his nostris tempo- nero humano, entre os muitíssimos
ribus perturbatur, etiam de peccato males pelos quais é agitada a Igreja de
originali eiusque remedio non solum Deus nestes nossos tempos, suscitou
nova, sed etiam vetera dissidia excita- não apenas novas, mas também anti-
verit: sacrosancta oecumenica et gene- gas disputas mesmo a respeito do pe-
ralis Tridentina Synodus in Spiritu cado original e de seu remédio, o sa-
Sancto legitime congregata, praesi- crossanto ecumênico e geral Concílio
dentibus in ea eisdem tribus Apostoli- Tridentino, legitimamente reunido no
cae Sedis legatis, iam ad revocandos Espírito Santo, sob a presidência dos
errantes et nutantes confirmandos ac- três legados da própria Sé Apostólica,
cedere volens, sacrarum Scripturarum querendo agora dispor-se a chamar a
et sanctorum Patrum ac probatissimo- atenção dos errantes e a confirmar os
rum conciliorum testimonia et ipsius incertos, seguindo os testemunhos das
Ecclesiae iudicium et consensum secu- Sagradas Escrituras, dos santos Padres
ta, haec de ipso peccato originali sta- e dos concílios mais venerandos, e o
tuit, fatetur ac declarat: juízo e o consenso da própria Igreja,
estabelece, confessa e declara o que se-
gue sobre o pecado original.
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Leitura espiritual Leitura espiritual
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Leitura espiritual Leitura espiritual
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Cartas das missões Cartas das missões
Nestas páginas, algumas obras de Lorenzo Lotto provenientes de várias localidades e expostas na mostra realizada nas Escuderias
do Quirinal, em Roma, de 2 de março a 12 de junho de 2011; acima Cristo carrega a cruz (1526), Museu do Louvre, Paris
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Cartas das missões Cartas das missões
18 30DIAS Nº 3 - 2011
Correio do Diretor
e graças. Como bispo de Balanga, sou mais uma vez
DIOCESE DE BALANGA constante leitor de 30Giorni. Mesmo que quilômetros
Balanga, Filipinas de distância e oceanos nos separem, 30Giorni nos
permite estar em contato com Roma e ficar a par das
30Giorni nos mantém em comunhão atividades e dos ensinamentos da Igreja. 30Giorni
com a sé de Pedro nos mantém em comunhão com a sé de Pedro.
Esteja certo das orações cotidianas e da celebração
Balanga, 14 de março de 2011 diária da santa missa pelo senhor e por todos os seus
colaboradores. Peço sempre a nosso Senhor que o
Caro senador Andreotti, guie e o cubra de Suas maiores graças. E possa a nos-
afetuosas saudações, cheias de paz e respeito! sa Santa Mãe, a quem imploro com ternura como
Durante o período em que fui reitor do Pontifício Co- Nossa Senhora de Guadalupe, manter-nos sob o seu
légio Filipino, pude constatar e fazer experiência ao manto de proteção materna. Sempre com profunda
lado de meus sacerdotes de sua constante gentileza e gratidão e constantes orações.
solicitude pastoral. Deus nos concedeu um dom com Sinceramente seu, em Cristo Jesus,
sua inspirada e realmente iluminadora revista. Tive-
mos a bênção de receber 30Giorni gratuitamente. E Ruperto Cruz Santos
ainda hoje Deus continua a nos oferecer suas dádivas bispo de Balanga
Nossa Senhora no
trono com o Menino
e os santos José,
Bernardino
de Sena,
João Batista,
Antônio abade,
e anjos (o Pala
de São Bernardino,
1521), igreja
de São Bernardino
in Pignolo, Bérgamo
Líbia
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Acima, à esquerda, rebeldes líbios na cidade de Ajdabiya, ao sul de Bengasi, a 26 de março de 2011 depois da retomada do controle da
cidade; à direita, o funeral de um rebelde morto pelas forças fiéis ao líder líbio Muammar Kadafi, em Ajdabiya, a 23 de março de 2011
cessaram as atividades, ao primei- propiciar uma atividade de media- Por outro lado, há países da
ro rumor de armas. ção, na medida do possível, nesta coalizão que querem, ao contrá-
Nesta guerra o islã não tem guerra. A Dawa, com efeito, em rio, dar armas aos rebeldes. As
qualquer participação e nós nunca sintonia com a Santa Sé, apela armas não levam à paz, qualquer
tivemos problemas com os nossos por uma saída o mais cedo possí- um que as use. O que se quer?
amigos muçulmanos. Pelo contrá- vel desta guerra. Que os líbios continuem a mata-
rio. O islã líbio nunca foi uma Enquanto falo ainda se pode rem-se entre eles? Aqui o povo é
preocupação para nós. esperar por uma solução política e unido por sua natureza – eu não
Com a guerra em curso, no fi- diplomática. Isto é, que aconteça encontrei ninguém que me tenha
nal de março, mantivemos os nos- um verdadeiro diálogo entre as dito que queira o país dividido em
sos regulares encontros com a facções e que se possa com realis- dois – e dar armas é contra o po-
Dawa al Islamiya, conhecida co- mo oferecer uma solução honrá- vo. Até parece que se queira eli-
mo World Islamic Call Society, a vel a todos. Deve-se contar obriga- miná-lo. É preciso fazer de tudo
célebre entidade governamental toriamente com a participação da para favorecer um diálogo entre
de diálogo religioso. Inicialmente União Africana e da Liga Árabe. as partes, em um clima sereno,
tive uma conversa pessoal com o Nestes dias parece que vejo al- com pessoas aptas, é preciso
secretário-geral Mohamed Ah- guns sinais de reconciliação, seja chegar a um acordo com com-
med Sherif, e alguns dias depois no país como fora. Há tentativas promisso.
se realizou um encontro com o em ação. Gostaria de agradecer a todos
grupo de religiosos cristãos e ca- A União Africana (UA) não é os bispos que me telefonaram, e
tólicos presentes em Trípoli. Den- seriamente interpelada, não de antes de tudo agradecer ao Papa
tro de minhas possibilidades, pro- maneira que possa levar adiante Bento que nos confortou e assumiu
movi esta iniciativa. São visitas as negociações. Talvez alguém te- uma posição simples e precisa.
úteis, vividas com espírito frater- nha complexo de superioridade. Da Praça de São Pedro pediu
no, e agora servem também para Os africanos, da sua parte, não se “que um horizonte de paz e con-
expõem, mas sabemos que dentro córdia surja o mais cedo possível
da UA há os que solicitaram ação sobre a Líbia e sobre toda a região
para a Líbia. norte-africana”. Chega de armas;
Há décadas que dizemos a sim imediatamente ao diálogo e à
“África aos africanos”. Por que paz. Traduzimos as suas declara-
isso não deve valer justamente ções em inglês e em árabe e difun-
agora? dimos o máximo possível. Temos
lido o texto em todas as nossas
missas e entreguei-o pessoalmen-
te a alguns amigos líbios.
O que me sustenta a cada dia é
o testemunho dos cristãos que es-
tão aqui, às enfermeiras filipinas e
às religiosas que trabalham nos
hospitais em Tripolitânia, e muitas
outras que estão em Cirenaica,
nas cidades dos revoltosos. Todos
eles cuidam das vítimas, de um la-
do e de outro da barricada.
Trabalhadores emigrantes
da África subsaariana na igreja (texto reunido
de São Francisco, em Trípoli por Giovanni Cubeddu)
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Tunísia
Refugiados líbios
no campo de Ras Ajdir,
na fronteira entre
a Líbia e Tunísia,
12 de março de 2011
As revoltas árabes
e a opção turca
A evolução do cenário político nos países árabes poderá acontecer
com a passagem do islã através da democracia. Seguindo o exemplo
do que está acontecendo na Turquia de Erdogan.
Entrevista com Maroun Lahham, arcebispo de Túnis
por Gianni Valente
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Entrevista com Maroun Lahham arcebispo de Túnis
Hoje, como está a situação de enfrentar os problemas. En- dessas siglas se reagrupem em
na Tunísia? quanto isso a Tunísia acolheu 170 torno de uma perspectiva mais
Agora a situação social está mil refugiados que escapavam da clara e definida de interesse e de
calma, mas a economia está no Líbia: primeiro chegaram os filipi- bem nacional. O governo disse
ponto zero e o setor turístico, nos, paquistaneses, eritreus, que durante a campanha eleitoral
grande recurso do país está prati- egípcios, e depois começaram a não apoiará nenhum partido
camente parado. Isso explica a chegar os líbios... Os tunisianos concorrente. Muitas siglas que
fuga em massa dos jovens. deram uma prova formidável de nasceram na onda do entusias- ¬
30DIAS Nº 3 - 2011 23
Tunísia
mo desaparecerão, porque não existido um partido islâmico mo- diante da intervenção militar
têm dinheiro. Todavia seria uma derado, todas as siglas do islã polí- guiada pelo Ocidente na Lí-
honra para a Tunísia se tornar o tico, de fato, tinham como objeti- bia. “Sabemos que a guerra
primeiro país árabe com uma vo a criação de um regime islâmi- não resolve nada e, quando
Constituição realmente leiga e co. A novidade é que agora há no explode, é tão incontrolável
democrática. cenário político um modelo histó- quanto a explosão de um rea-
Um cenário tão incerto e rico diferente, o do partido de Er- tor nuclear... As primeiras ví-
fragmentado pode favorecer dogan que na Turquia está reali- timas são sempre os mais po-
o partido islâmico local. zando um encontro entre islã e de- bres e os menos favorecidos”.
O partido islâmico Ennahdha, mocracia. Esperemos que aquele A intervenção militar pode rea-
com efeito, parece bem organiza- exemplo seja também seguido por cender os sentimentos antiociden-
do, apesar de ter sido autorizado outros. A evolução do cenário po- tais do povo, os quais até agora es-
apenas em primeiro de março lítico no Oriente Médio poderá tavam ausentes nas revoltas ára-
passado. Tinha sido proibido des- acontecer somente com a passa- bes. Queira ou não, isso será visto
de 1991, mas evidentemente con- gem do islã através da democra- como uma nova cruzada. E pode-
tinuava sua atividade em clandes- cia, ou seja, através de uma evolu- rá ressoar o apelo à guerra santa
tinidade. Por enquanto usa uma ção do islã político. Com parcial contra os “invasores” um forte ar-
linguagem pluralista e democráti- analogia do que aconteceu no gumento usado sempre como mo-
ca, reivindicando novos espaços e Ocidente, no encontro entre cris- tivação dos integralistas.
novas formas para exprimir publi- tianismo e democracia moderna. Como viveram este período
camente a própria visão religiosa. De qualquer modo vocês, os católicos na Tunísia? Pou-
Pode-se acreditar neles, mas se bispos católicos do Magreb, cos dias depois da revolta
deve manter os olhos bem aber- fizeram um apelo comum ma- houve o bárbaro homicídio do
tos. Por enquanto nunca tinha nifestando a sua preocupação salesiano padre Marek...
O salesiano polonês Marek Rybinski foi morto em Manouba dia 18 de fevereiro passado. Naqueles
dias, o resultado da chamada “revolução dos jasmins” ainda era incerto e a Tunísia ainda estava
abalada com incessantes protestos e contrastes entre a polícia e manifestantes. Em tal clima, o bárba-
ro assassinato do sacerdote polonês tinha alimentado as preocupações sobre a sorte dos cristãos em
um mundo árabe onde as revoltas acabavam com antigos equilíbrios e enchiam o futuro de incertezas.
Mais tarde, as investigações excluíram qualquer motivação “religiosa” para o homicídio. E o bispo
Maroun Lahham escreveu aos fiéis uma carta que exprime de maneira simples e imediata um olhar co-
movido e agradecido diante de um fato de ordinária gratuidade cristã, usque ad sanguinem.
Caríssimas e caríssimos, não cessamos de viver Por que padre Marek foi assassinado? Por dois mil
acontecimentos (deixo a palavra sem adjetivo). Agora foi dinares! Mal podemos acreditar. Certamente há deta-
o padre Marek, salesiano de 34 anos, na Tunísia desde lhes que não conheço. No entanto, há coisas que eu sei:
2007, degolado em um depósito da escola dos salesia- – Sei que padre Marek tinha escrito, duas semanas
nos em Manouba. antes do seu assassinato, a propósito do povo tunisiano:
O Ministério do Interior divulgou um comunicado segun- “É uma nação jovem, inteligente, incapaz de violência
do o qual o assassino é um carpinteiro da escola. Os padres [sic!], profundamente bondosa, incapaz de odiar”.
salesianos afirmam que o assassino tinha feito um emprés- – Sei que tinha terminado de escrever o seu primeiro
timo, no passado Eid (três meses atrás), dois mil dinares tu- livro sobre a Tunísia, do qual diz, entre outras coisas:
nisianos, para comprar material de trabalho. Parece que ti- “Durante a minha permanência na Tunísia, o meu com-
nha usado o dinheiro para outras coisas, assim o fornece- portamento para com meus irmãos muçulmanos mudou
dor recusava-se a entregar o material que não tinha sido pa- muito. Esse medo de terrorismo e de extremismo desa-
go e padre Marek insistia com ele, para que devolvesse o di- pareceu completamente. Os tunisianos são muito aco-
nheiro da escola. Dominado pelo pânico, e temendo ser lhedores, amistosos e cordiais. Ensinam-me este com-
descoberto, confirma o comunicado do Ministério do Inte- portamento”.
rior, “o assassino surpreendeu o sacerdote, atingindo-o re- – Sei que se propôs voluntariamente para vir a Tuní-
petidamente com violência com um objeto contundente na sia quatro anos atrás, quando tinha sido recém ordena-
nuca e no pescoço provocando a sua morte” [...]. do sacerdote.
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Entrevista com Maroun Lahham arcebispo de Túnis
30DIAS Nº 3 - 2011 25
Igreja
omeado cardeal pelo Papa KURT KOCH: Os compromis- dade para a Igreja de um protos, ou
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Entrevista com o cardeal Kurt Koch
missão. No entanto iniciou o apro- E a sessão ocidental? como um fim do movimento ecu-
fundamento teológico e sistemáti- Atualmente, nas Igrejas nasci- mênico a unidade visível na fé, nos
co da relação entre primado e sino- das da Reforma está acontecendo sacramentos e no ministério, mas
dalidade, que será objeto do encon- uma grande fragmentação. Então reclamam a permanência de uma
tro do ano próximo. a primeira necessidade é discutir pluralidade de Igrejas que se reco-
Em janeiro deste ano foi com os reformados sobre a nature- nheçam uma com as outras, cuja
realizado um congresso com za da Igreja, porque a declaração totalidade produziria enfim a Igreja
os ortodoxos orientais, duran- da Congregação para a Doutrina de Cristo. Mais ou menos como as
te a Semana de Oração pela da Fé Dominus Iesus afirmou que casas-famílias, que de vez em
Unidade dos Cristãos. no mundo protestante não há Igre- quando enviam um convite aos vi-
Na ocasião concentramo-nos jas no sentido próprio, mas comu- zinhos para alguma festividade.
em primeiro lugar nas questões nidades eclesiais. E no livro Luz do Aos católicos e aos ortodoxos esta
cristológicas, dado que algumas Mundo, Papa Bento XVI diz que posição não agrada. Este não é o
Igrejas ortodoxas orientais não aqui nos encontramos diante de único e indivisível corpo de Cristo,
aceitaram o Concílio de Calcedô- um outro tipo de Igreja. De fato é isto não corresponde à oração de
nia de 451 e que a partir deste assim, e não cabe a nós definir o Jesus para que todos os discípulos
ponto era necessário recomeçar. conceito eclesial das Igrejas da Re- sejam unidos, assim como o Pai, o
Concluímos este encontro reco- forma, mas a elas mesmas. Por is- Filho e o Espírito Santo.
nhecendo que as diferenças entre so nossa tarefa é dialogar sobre a Qual é a resposta adequada?
nós não concernem à fé, mas a natureza da Igreja: com efeito, ca- Nenhum caminho comum po-
certas modalidades de expressão. da denominação tem sua própria derá ser realizado fora da espiritua-
Em 1984 o Papa e o Patriarca Sí- concepção do que seja a unidade lidade ecumênica, isto é, sem a
rio-Ortodoxo de Antioquia ti- dentro de si mesma. oração.
nham assinado uma profissão de O movimento ecumênico tem O movimento ecumênico nas-
fé conjunta sobre a encarnação entre os seus objetivos o de redes- ceu com a proposta de realizar no
de Nosso Senhor Jesus Cristo e a cobrir esta multiplicidade, visto mês de janeiro a Semana de Ora-
hospitalidade recíproca nos sa- que sobre o tema da unidade exis- ção pela Unidade. A ideia foi de um
cramentos da reconciliação, da tem e competem as diversas ideias anglicano convertido ao catolicis-
eucaristia e da unção dos enfer- confessionais. mo, Paul Wattson, e de um episco-
mos, em casos urgentes. Agora, Um segundo aspecto é a gran- paliano americano, Spencer Jones,
ao invés, queremos aprofundar as de mudança que está se arraigando e foi apoiada aos poucos pelos pon-
questões eclesiológicas e o prima- no pensamento das comunidades tífices em tempos mais recentes, e
do petrino. reformadas: estas não veem mais aprofundada por Paul Couturier,
um protagonista da espiritualidade
Na página ao lado, ecumênica. A Semana deve recor-
um momento da celebração dar-nos que nós homens não pode-
das Vésperas, presidida mos realizar esta unidade, mas po-
por Bento XVI, na festa da demos, talvez, colocar alguma tran-
Conversão de São Paulo sitória condição histórica, que de-
Apóstolo, na conclusão pois o Espírito Santo usa.
da Semana de Oração pela Este é o fundamento do ecume-
Unidade dos Cristãos, Basílica nismo, e isso eu gostaria de apro-
de São Paulo fora dos Muros, fundar durante o meu mandato.
Roma, 25 de janeiro de 2011; O senhor afirmou que no
na foto ao lado, alguns diálogo entre cristãos, uni-
representantes das outras Igrejas dade não tem uma acepção
e Comunidades Eclesiais partilhada. Qual a sua pro-
assistem à celebração posta? ¬
30DIAS Nº 3 - 2011 27
Igreja
A unidade na mesma fé, na ce- dade pela Anglicanorum coeti- existem os meios de salvação. É
lebração dos sacramentos e no re- bus; o Pontifício Conselho para a um fato objetivo. Então, quando
conhecimento dos ministérios na Promoção da Unidade dos Cris- ouço que há fiéis protestantes que
Igreja não significa uma homolo- tãos continua com o diálogo ecu- pretendem tornarem-se católicos
gação, porque as diferenças entre mênico. digo-lhes: “Vocês não devem dei-
as Igrejas existem e não é neces- Voltemos às diversas con- xar nada, mas receberão alguma
sário eliminá-las. Devemos elimi- cepções de unidade. coisa a mais”, ou seja, os meios de
nar apenas as que causaram uma Existem, dizíamos, dois estilos salvação presentes na Igreja Cató-
ruptura entre nós e precisam de de ecumenismo. Um busca a uni- lica. Que não são um mérito da
uma cura. As outras... podem até dade visível, trabalha e reza por Igreja, mas um dom do Senhor.
continuar. Papa Bento repetiu ela. O outro mantém a pluralidade Com isso já está subentendido
aos anglicanos que querem entrar atual, codifica-a, e pede o reconhe- que também nas outras Comuni-
na Igreja Católica: vocês podem cimento final de todas as Igrejas dades Eclesiais existem meios de
conservar as suas tradições. Eis a como cotas-partes da Igreja de salvação.
unidade na diversidade e diversi- Cristo. Os bispos católicos, orto- Qual é o ponto do diálogo
dade na unidade: de outro modo doxos e luteranos que sustentam a com as Igrejas da Reforma?
há apenas uma unificação homo- primeira via são felizes que a Santa Com eles, certamente não po-
logante, alheia à substância mes- Sé proponha a unidade e a plurali- demos começar pelo primado.
ma do catolicismo. O conjunto dade; os outros menos. Na homilia Com a Reforma nasceu uma outra
das ordens religiosas e das formas para as Vésperas da festividade da Igreja, e isso não era o que Lutero
de vida eclesial compõem tam- Conversão de São Paulo, na con- esperava, ele pedia a renovação da
Acima, à esquerda, o cardeal Kurt Koch com o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, por ocasião da divina
liturgia da Festa de Santo André, na igreja de Fanar, em Istambul, dia 30 de novembro de 2010; à direita, com o patriarca
de Moscou e de todas as Rússias, Kirill, em Moscou, dia 16 de março de 2011
bém na história da Igreja um jar- clusão da Semana de Oração pela Igreja Católica. O ecumenista pro-
dim com muitas flores e nós não Unidade dos Cristãos, Papa Bento testante Wolfhart Pannenberg dis-
queremos substituí-lo com uma disse que não podemos renunciar se que a existência de novas Igrejas
monocultura, a Igreja não é as- ao objetivo do ecumenismo, ou se- não é o sucesso, mas o insucesso
sim. O mesmo deve valer no cam- ja, à unidade visível na fé, nos sa- da Reforma. Este juízo ajuda-me
po do ecumenismo. cramentos e no ministério. muito em vista do ano 2017, o
Com a constituição apostó- No texto do Diretório Ecu- quingentésimo aniversário da Re-
lica Anglicanorum coetibus mênico, recorda-se em mais forma, porque me pergunto como
o caminho comum realizado de uma passagem que exis- os próprios protestantes vejam ho-
com os anglicanos progrediu. tem meios de salvação além je a Reforma: um empenho pela
A Igreja da Inglaterra nasceu dos limites visíveis da Igreja renovação da Igreja ou uma ruptu-
porque o Papa não aceitou as se- Católica. ra? Pessoalmente interessa-me
gunda núpcias do rei, e isso garan- A Igreja de Jesus Cristo não é muito que os reformados falem
tiu que os anglicanos se mantives- uma ideia abstrata, que ainda não não só dos quinhentos anos trans-
sem, no fundo, mais católicos que existe, mas está na Igreja Católica, corridos depois da ruptura, mas
os outros. Na Cúria Romana te- entendida como sujeito histórico. também e principalmente dos dois
mos uma separação clara das com- E isso não implica que os católicos mil anos da vida da Igreja, dos
petências. A Congregação para a sejam melhores do que os outros, quais mil e quinhentos transcorri-
Doutrina da Fé tem responsabili- mas apenas que na Igreja Católica dos juntos. Fico muito contente
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Entrevista com o cardeal Kurt Koch
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Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
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urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO
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Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
NORTE NORTE
DA ÁFRICA/1 DA ÁFRICA/2
O Egito e os Os nazistas, as
semeadores de cizânia bombas inteligentes e
entre cristãos e as guerras preventivas
muçulmanos
Em um artigo publicado no
No La Repubblica de 8 de Corriere della Sera de 21
março foi publicado um arti- de março, Armando Torno,
go no qual se explica com partindo do atual conflito lí-
detalhes, como durante a re- bio, faz uma reflexão sobre
cente insurreição egípcia, os as sutis fronteiras entre con-
revoltosos, ao invadirem os flitos justos e injustos. As-
Obama visita o túmulo de Romero. No dia 23
palácios do poder, teriam sim escreve: “No primeiro
de março, o presidente dos Estados Unidos da reunido fichários com infor- conflito do Golfo, espalhou-
América, Barack Obama, durante a visita a San mações reservadas, para de- se o conceito de ‘bombas
Salvador, prestou uma homenagem ao bispo pois colocá-los na rede, os inteligentes’ e em 2002 o
Óscar Arnulfo Romero, morto em 24 de março quais documentariam alguns presidente George W. Bush
crimes por obra do passado falou de ‘guerra preventi-
de 1980 enquanto celebrava a missa. A visita, regime. Esta é a conclusão va’, mas estes termos não
em programa pelo 31º aniversário do assassina- do artigo: “Particularmente eram novos: já tinham sido
to do bispo, foi antecipada por causa da partida graves são as acusações so- usados por Joseph Goeb-
antecipada do presidente americano. bre as tensões criadas pro- bles em 1940 e 1941 para
positadamente entre cris- os bombardeios sobre Lon-
32 30DIAS Nº 3 - 2011
urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO
ORIENTE MÉDIO
A paz se faz com os inimigos
Causou muitas polêmicas no mundo judaico o gesto de mos com ele. Por ‘nós’
abertura do escritor Amos Oz, ao presentear um exem- entendo o Estado de Is-
plar de um de seus últimos livros, De amor e trevas, ao rael. Mais cedo ou mais
líder palestino Marwan Barghouti, detento em uma pri- tarde Israel deverá falar
são israelense. Chamado a explicar o seu gesto, em uma com Barghouthi mesmo
entrevista concedida a Elena Loewenthal no jornal ita- sendo ele o mandante da
liano La Stampa de 30 de segunda Intifada e que
março, o escritor israelen- tenha em sua consciên-
se afirmou: “Eu queria que cia um grande número
Marwan Barghouti lesse de atendados suicidas e
De amor e trevas, porque outras tantas vítimas de Marwan Barghouti
sei que este livro ajudou ataques terroristas. O
muitos árabes a entende- meu romance traduzido em italiano [pela editora Feltri-
rem Israel. E porque tenho nelli, ndr] é uma história profundamente individual e fa-
certeza de que mais cedo miliar, mas é também e talvez principalmente a epopeia
ou mais tarde nós falare- do sionismo visto de dentro, com as suas razões e as
suas raízes [...]”. E concluindo a entrevista, aludindo à
motivação do gesto, repetiu: “Fiz isso em plena cons-
A edição italiana do livro ciência. Armado principalmente de uma certeza que
de Amos Oz, Una storia di amore não faz mal lembrar: ou seja, que a paz se faz com os ini-
e di tenebra, ed. Feltrinelli, migos. Com os amigos não se faz paz, com os inimigos
Turim, 2005, 627 p. sim. Não é verdade?”.
30DIAS Nº 3 - 2011 33
“Um olhar sobre
o Jesus dos evangelhos
e uma escuta d’Ele”
A segunda parte do livro Jesus de Nazaré, escrito cia racionalista a contrapor aquilo que é possível
por Bento XVI-Joseph Ratzinger, é certamente saber de científico a respeito de Jesus Cristo e o
uma obra importante. Não é uma leitura fácil, por que a Igreja ensina. Segundo essa linha de pensa-
sua complexidade. O autor desenvolve um diálogo mento, o ensinamento da Igreja sobre Cristo seria
aprofundado e intenso com o ambiente dos exege- um acréscimo posterior, uma construção mítica
tas, mesmo não sendo exegeta. Já esse aspecto criada pela comunidade cristã independentemen-
tem sua relevância, dado que às vezes, no mundo te dos fatos.
teológico, parece perpetuar-se uma certa distância O livro de Bento XVI, fazendo referência cons-
entre os exegetas e os teólogos dogmáticos. Mas tante à historicidade de Cristo, responde também à
não nos devemos deter demais nesse ele- tentação oposta, a da gnose, que transparece ain-
mento, se quisermos ir além da pu- da hoje nos escritos de alguns teólogos.
ra erudição. O próprio autor expli- Quando lemos o Evangelho – o
ca nas primeiras páginas que não autor o sublinha em muitas pági-
era essa a sua intenção. Ele queria nas – temos de lidar com fatos, que
simplesmente escrever algo “útil a to- continuam como tais mesmo quan-
dos os leitores que queiram encontrar do são misteriosos, como a eficácia
Jesus e acreditar n’Ele” (p. 12). redentora da paixão ou a ressurrei-
Na base do livro está justamente o ção. “Há muitos detalhes que podem
dado reconhecido de que o Jesus da continuar em aberto”, escreve Joseph
história e o Jesus da fé são a mesma Ratzinger na página 93, “mas o fac-
pessoa. Uma constatação corajosa, se tum est do ‘Prólogo’ de João (1, 14)
considerarmos a penetração desastro- não só vale como categoria cristã funda-
sa, também entre os crentes, da tendên- mental para a encarnação como tal, mas
também deve ser reivindicado para a últi-
À direita e nas páginas seguintes as capas do livro ma ceia, a cruz e a ressurreição”. Deus
de Joseph Ratzinger-Bento XVI, Jesus de Nazaré. entrou na história. A Bíblia fala da histó-
Da entrada em Jerusalém à ressurreição ria de Deus com a humanidade. Mas ¬
34 30DIAS Nº 3 - 2011
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição
Jesus no jardim das oliveiras, Barna de Sena, Colegiata de San Gimignano, Sena
30DIAS Nº 3 - 2011 35
não no sentido hegeliano de uma gnose que incor- de outro lado, o laço de prefiguração que existe
pora o dado histórico numa construção teológico- entre os fatos do Velho e do Novo Testamentos.
lógica. Falando da ressurreição, o autor sublinha Essa relação, dentro da história da salvação, não
que “o terceiro dia não é uma data ‘teológica’, mas acontece como desenvolvimento imanente e
o dia de um acontecimento que se tornou, para os progressivo de um princípio salvífico predispos-
discípulos, a viragem decisiva depois da catástrofe to, à maneira hegeliana. É o próprio Deus que in-
da cruz” (p. 210). tervém e, na continuidade da história da salva-
Nessa perspectiva histórica, Joseph Ratzinger ção, prepara e leva à realização mediante, por
retoma a própria posição da Igreja primitiva, que assim dizer, “saltos qualitativos” gratuitos, ou se-
olhava para os fatos de Cristo à luz do Antigo Tes- ja, por intermédio de ações sempre novas. Essa
tamento. A unidade dos dois Testamentos parece- unidade estreita entre a Lei antiga e a Lei nova do
me ser um dos eixos fundamentais em torno dos Evangelho, marcada pelas intervenções gratuitas
quais o livro se desenvolve. de Deus, é uma trama que se desenrola por todo
Os primeiros cristãos tinham como Sagrada Es- o livro. Por exemplo, no capítulo sobre a oração
critura o Antigo Testamento. Para eles, foi uma sacerdotal de Jesus, Bento XVI cita o exegeta
surpresa e um conforto de fé quando se deram con- André Feuillet, para sublinhar que essa oração
ta de que os textos misteriosos das antigas Escritu- “só é compreensível tendo como cenário de fun-
ras eram elucidados plenamente pela vida, pela do a liturgia da festa judaica da Expiação (Yom
paixão, pela morte e pela ressurreição de Jesus. O Kippur). O ritual da festa, com o seu rico conteú-
autor faz várias vezes, de modo eficaz, um paralelo do teológico, realiza-se – literalmente – na ora-
entre a leitura cristã e a leitura rabínica do Velho ção de Jesus: o rito é traduzido na realidade que
Testamento, sem esconder as diferenças. ele mesmo significa. Aquilo que aí era represen-
Indo mais a fundo, a íntima união entre o Velho tado em ações rituais acontece agora de modo
e o Novo Testamentos é percebida na própria pes- real e definitivo” (p. 72).
soa de Jesus. Jesus reza usando os Salmos. A rela- Enfim, também neste livro aparece aquela
ção mais íntima do Filho com o Pai também se dá “questão metodológica” que já tinha sido analisada
por intermédio das orações dos pobres de Israel. no primeiro volume, com a crítica – que não é uma
Escreve o autor: “Mesmo na sua Paixão – tanto no rejeição – do método histórico-crítico. Novamente,
monte das Oliveiras como na cruz – Jesus fala de Si Bento XVI evidencia que a exasperação da questão
e fala a Deus-Pai com palavras dos salmos. Mas es- do método pode facilmente conduzir a uma forma
sas palavras tiradas dos salmos tornam-se total- de superstição metodológica. Nas ciências natu-
mente pessoais, palavras absolutamente próprias rais, se o método é bem aplicado, funciona quase
de Jesus na sua tribulação: Ele é realmente o verda- que por si só. Mas isso não se dá nas ciências hu-
deiro orante desses salmos, o seu verdadeiro sujei- manas, em que o método, ainda que responda às
to. Aqui identificam-se a oração muito pessoal e o exigências do rigor científico, tem seus próprios
rezar com as palavras de súplica do Israel crente e critérios. De fato, o objeto possui sua singularidade
sofredor” (p. 129). e o intérprete, historiador ou exegeta, se empenha
Jesus viveu na Sagrada Escritura de Israel. Se, pessoalmente. No caso da Palavra de Deus, o intér-
de um lado, o livro rechaça qualquer redução prete, assistido pelo Espírito, acima do cientista, é
gnóstica dos fatos a símbolos, evidencia também, a Igreja como sujeito vivo. q
36 30DIAS Nº 3 - 2011
Jesus rezando no jardim das oliveiras, detalhe, Barna de Sena, Colegiata de San Gimignano, Sena
30DIAS Nº 3 - 2011 37
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição
Fiel à declaração
Nostra aetate
Em seu último livro, tratando das
responsabilidades na morte
de Jesus, Bento XVI explica, com reconhecida
doutrina, o que o Concílio Vaticano II
declarou solenemente.
As reflexões do rabino-chefe de Roma
Riccardo Di Segni
38 30DIAS Nº 3 - 2011
Crucificação branca, Marc Chagall, The Art Institute of Chicago
30DIAS Nº 3 - 2011 39
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição
A deposição da cruz, Marc Chagall, Musée National d’Art Moderne, Centre Pompidou, Paris
certa explicação, mas de haver a necessidade dessa de na contribuição atual e o prosseguimento coeren-
explicação. Pois, se as coisas estão nesse pé, há ra- te de uma linha. Isso, todavia, não diminui a impor-
zão para nos preocuparmos. tância do novo livro. Para evitar os dramas do passa-
Um dos problemas difíceis de resolver, na origem do é necessário desmontar as antigas conclusões e
da questão, é a dureza dos textos evangélicos, cada as aproximações hostis, comentar, distinguir, expli-
um dos quais, a seu modo, lança mensagens que, car cada frase e cada detalhe, inserindo-os no con-
juntas, compõem o quadro tradicional dos judeus texto específico. Operação que o professor Ratzin-
hostis que gritam “crucifige” e assumem a responsa- ger sabe executar magistralmente. Um observador
bilidade sobre eles e as gerações futuras. Muito se de- atento, o professor Ugo Volli, sugeriu que essa ope-
ve ao clima em que nasceram esses textos, que refle- ração exegética, antes de ser uma apologia dos ju-
tem o que inicialmente era apenas uma polêmica in- deus, é uma defesa dos Evangelhos contra a acusa-
terna do mundo judaico. Mas uma leitura simplifica- ção de serem antijudaicos. Seja como for, é relevan-
da e não comentada dos textos evangélicos corre o te. Como também é relevante que certas técnicas de
risco de apresentá-los como textos antijudaicos e de comentário que subvertem os significados aparente-
avalizar uma imagem negativa dos judeus, que pode mente óbvios dos textos, e que são características da
levar à hostilidade e ao ódio. Uma das tarefas do diá- tradição rabínica, entrem a fazer parte dos modos de
logo é justamente combater o ensino do desprezo. pesquisa e expressão da tradição católica.
Paralelamente, os biblistas católicos se esforçam por Quem frequenta os blogs e os sites tradicionalis-
negar ou redimensionar o aparente antijudaísmo dos tas pode facilmente observar como essas páginas do
Evangelhos. Um importante documento oficial nes- Papa são desconsideradas, contestadas, rejeitadas,
se sentido, produzido pela Pontifícia Comissão Bíbli- em favor da visão clássica do judeu deicida. O que
ca já há dez anos, em 2001, traz o título significativo precisamos entender, com um pouquinho de curiosi-
O povo judaico e suas Sagradas Escrituras na Bí- dade, quando não de ansiedade, é quais são as ideias
blia cristã e o prefácio assinado pelo então cardeal sobre a questão realmente mais arraigadas no mun-
Ratzinger. Também isso demonstra a falta de novida- do católico. q
40 30DIAS Nº 3 - 2011
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A linha demarcatória
passa entre a confiança
e o ceticismo
“As contraposições inconciliáveis que se encontram
hoje na exegese do Novo Testamento não se
originam de divergências confessionais.
A linha demarcatória situa-se entre os exegetas
que abordam o Novo Testamento munidos de
substancial confiança ou de um ceticismo histórico
de fundo”. A recensão de um teólogo luterano
por Rainer Riesner
42 30DIAS Nº 3 - 2011
Nestas páginas,
afrescos de Giusto de’ Menabuoi
no Batistério de Pádua;
aqui, ao lado, os milagres de Jesus
da morte de Jesus como expiação do pecado do homem uma relação interna. Essa relação é ao mesmo tempo
só se tornam compreensíveis, precisamente, com a ajuda plausível do ponto de vista histórico e altamente signifi-
do Antigo Testamento e de sua explicação em hebraico cativa em termos teológicos. A chamada purificação do
antigo. Aqui também se expressa a grande estima do Pa- templo não representou apenas um gesto de crítica so-
pa pelo judaísmo, que com razão obteve repercussão cial à classe dos sumos sacerdotes, que enriquecia com o
muito positiva na imprensa internacional. Faz parte des- comércio das ofertas. Mediante um simples gesto sim-
ses fenômenos difíceis de compreender o fato de certos bólico profético, Jesus anunciou, antes, que tinha che-
exegetas sublinharem de modo particular a religiosidade gado ao fim o culto sacrifical no templo de Jerusalém (Jo
judaica de Jesus, mas ao mesmo tempo quererem tirar- 2,14-22). Isso é confirmado pelo discurso sinóptico so-
lhe quase todos as referências à Sagrada Escritura de Is- bre o tempo final e pela predição a respeito da destrui-
rael. Essas referências não se limitam a citações diretas. ção do templo (Mc 13,14-17). Todavia, a tese de fundo
As palavras de Jesus são permeadas de alusões ao Antigo não corresponde nem de longe à opinião de que os sa-
Testamento. Se quisermos eliminar todas elas, não so- crifícios do Antigo Testamento tenham sempre carecido
brará muita coisa. Jesus viveu na Sagrada Escritura de Is- de valor. Ao contrário, tais sacrifícios, remetiam com o
rael, como também o Papa. Nem todas as descobertas apoio do anúncio de um profeta como Jeremias, a algo
sobre as referências ao Antigo Testamento puderam ser que ia além deles mesmos, prenunciando a estipulação
deduzidas da literatura exegética. Algumas coisas deri- de uma nova aliança (Jr 31,31).
vam evidentemente da meditação que Bento XVI fez so- A figura misteriosa do “servo de Deus” sofredor e mo-
bre a Sagrada Escritura ao longo da vida. ribundo do Livro de Isaías esclarece sem sombra de dúvi-
Essa abordagem permite ao Papa demonstrar, na da que a expiação só é possível graças à função vicária de
apresentação que faz de Jesus, que no desenrolar dos um especial enviado de Deus (Is 53). Jesus ligou a si mes-
eventos que acontecem entre a entrada de Jesus em Je- mo a profecia do servo de Deus, já a partir da formulação
rusalém e sua crucifixão no Gólgota podemos encontrar das palavras da última ceia (Mc 14,24). O sumo sacerdó-
A última ceia
44 30DIAS Nº 3 - 2011
cio também não é de modo algum questionado por Jesus,
mas encontra n’Ele sua plena realização. A chamada ora-
ção sacerdotal, no Evangelho de João (capítulo 17), só
pode ser compreendida a partir da liturgia da celebração
judaica do Yom Kippur. Nisso, o Papa segue a interpreta-
ção do ilustre exegeta católico André Feuillet4, cujas obras
são muitas vezes amplamente ignoradas até mesmo pela
exegese católica contemporânea, o que é um erro. Por
ocasião do “grande dia da Expiação”, o sumo sacerdote
atravessava, na única vez em que fazia isso ao ano, o li-
miar do Santo dos Santos no templo, e purificava o povo
de Israel de seus pecados aspergindo a Arca da Aliança
com sangue (Lv 16). Em sua resposta ao sumo sacerdote
Caifás, que o interroga perguntando-lhe se é o Messias,
Jesus proclama-se “sacerdote segundo a ordem de Mel-
quisedec” (Mc 14,62), lembrando o Salmo 110. O véu do
templo rasgando-se em dois no momento da morte de
Jesus remete simbolicamente ao fato de que no Gólgota A subida do Calvário
realizou-se na cruz o grande dia final da expiação (Mc
15,38). A interpretação da morte de Jesus como expia- se vale das descobertas do estudioso evangélico do Novo
ção vem, portanto, do próprio Jesus. Paulo conhecia es- Testamento Joachim Jeremias5, que em meados do sécu-
sa interpretação, pelo que recebera da comunidade pri- lo passado foi um dos críticos mais eminentes da concep-
mitiva de Jerusalém (Rm 3,24), e a Carta aos Hebreus de- ção cética de Rudolf Bultmann. O evangelista Marcos sa-
senvolveu notavelmente esse tema. Na vida dos primei- bia que antes de Jesus nenhum judeu devoto se dirigira
ros cristãos, esse significado da morte de Jesus oriundo assim a Deus, nem tampouco qualquer profeta. Portan-
da comunidade primitiva de Jerusalém transformou-se to, só Ele, que era realmente o filho de Deus, podia falar
numa realidade viva graças à celebração regular da ceia dessa forma. O papa Bento XVI comenta assim: “Preci-
do Senhor (At 2,42; 1Cor 11,25). samente porque é o Filho, sente profundamente o hor-
ror, toda a imundície e perfídia que deve beber naquele
O Getsêmani e as duas naturezas de Jesus ‘cálice’ que Lhe está destinado – todo o poder do pecado
A formulação do Concílio de Calcedônia (451), pelo qual e da morte. Ele tem de acolher tudo isso dentro de Si mes-
Jesus é reconhecido “verdadeiro homem e verdadeiro mo, para que n’Ele fique despojado de poder e superado”
Deus”, une os católicos, os ortodoxos, os anglicanos e os (pp. 130-131). Todavia, o Getsêmani impõe também a
evangélicos. Já as Igrejas copta e síria não aceitaram a seguinte pergunta: existe algo que vá além do juízo divino
chamada doutrina das duas naturezas. Elas atribuem a Je- sobre a culpa do homem? É a mesma pergunta que nos
sus apenas a natureza divina. Ao lado desse antigo mono- fazemos quando nos interrogamos a respeito da realida-
fisismo, existe também a variante moderna, muito difun- de da ressurreição de Jesus.
dida, segundo a qual Jesus possuía somente uma nature-
za puramente humana. Ao recordar os episódios evangé- A realidade da ressurreição
licos da tentação e da oração de Jesus no jardim do Get- Também ao tratar desse tema o Papa mostra estar extre-
sêmani, o papa Bento XVI esclarece por que essas duas mamente a par dos problemas históricos e exegéticos que
visões de Jesus não são corretas. O Getsêmani mostra os textos do Novo Testamento apresentam. Todavia, ele
Jesus, sobretudo na lição do Evangelho de Lucas (22, 44) faz uma distinção entre as questões secundárias, de deta-
e da Carta aos Hebreus (5, 7-8), em toda a sua vulnerável lhe, e a questão principal, da qual tudo depende. A propó-
e atemorizada humanidade. Todavia, o Pai celeste espera sito disso, Bento XVI escreve com extrema clareza: “So-
dele que beba “o cálice” (Mc 14,36), que aqui significa, na mente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verda-
linguagem veterotestamentária, a ira destrutiva de Deus deiramente novo, que muda o mundo e a situação do ho-
(Is 51,17). Isso indica que Jesus deve ser mais que um mem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos po-
simples homem. Propositalmente, sem dúvida alguma, o demos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadei-
evangelista Marcos transmitiu justamente nesse ponto a ramente. Por isso, na nossa pesquisa sobre a figura de Je-
íntima invocação “Abba, pai”, em sua forma semítica, tal sus, a ressurreição é o ponto decisivo. Que Jesus tenha
como foi ouvida da boca de Jesus. Nesse aspecto, o Papa existido só no passado ou, pelo contrário, exista tam- ¬
bém no presente depende da ressurreição. No ‘sim’ ou no cluir a possibilidade de novas experiências na história que
‘não’ a essa questão, pronunciamo-nos não sobre um vão além daquilo a que até agora estamos habituados. E
acontecimento particular ao lado de outros, mas sobre a fi- escreve: “É certo que, nos testemunhos sobre a ressurrei-
gura de Jesus enquanto tal” (p. 198). Nesse inevitável aut ção, se fala de algo que não ocorre no mundo da nossa ex-
aut, o Papa tem do seu lado o apóstolo Paulo, que na pri- periência. Fala-se de algo novo, algo que, até então, era
meira carta à comunidade cristã de Corinto escrevia: “E se único: fala-se de uma nova dimensão da realidade que se
Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem funda- manifesta. A fé na ressurreição não contesta a realidade
mento, e sem fundamento também é a vossa fé. Se os existente, mas diz-nos que há uma dimensão ulterior, para
mortos não ressuscitam, estaríamos testemunhando con- além das que conhecemos até agora. Porventura estará is-
tra Deus que ele ressuscitou Cristo enquanto, de fato, ele so em contraste com a ciência? Só poderá verdadeira-
não o teria ressuscitado” (1Cor 15,14-15). mente existir aquilo que desde sempre existiu? [...] Se
Mas em que medida é crível o tes-
temunho apostólico da ressurreição?
O Papa se questiona sobre isso tanto
do ponto de vista histórico quanto do
ponto de vista filosófico. Ele critica
justamente a ideia de que a formula-
ção “Jesus ressuscitou no terceiro
dia” (1Cor 15,4) possa representar
uma pura e simples derivação do An-
tigo Testamento. O “terceiro” dia re-
presenta a indicação de uma data his-
tórica. No terceiro dia após a crucifi-
xão de Jesus, seu sepulcro é encon-
trado vazio. O Papa observa a respei-
to disso que, “se o sepulcro vazio, co-
mo tal, não pode certamente provar
a ressurreição, permanece porém
um pressuposto necessário para a fé
na ressurreição, uma vez que esta se
refere precisamente ao corpo e, por
seu intermédio, à pessoa na sua tota-
lidade” (p. 208). No “terceiro dia”,
Jesus encontrou, como pessoa viva,
testemunhas com um nome, ho-
mens como Pedro ou o irmão do Se-
nhor, Tiago, e mulheres como Maria
Madalena. Nesse sentido, constata o
Papa, “também isto é importante –
os encontros com o Ressuscitado
são uma realidade distinta de aconte-
cimentos interiores ou de experiên-
cias místicas – são encontros reais
com o Vivente que, de um modo no-
vo, possui um corpo e permanece
corpóreo” (p. 218).
O Papa trata também da objeção
filosófica segundo a qual a ressurrei-
ção de Jesus contrariaria as leis que
regem a natureza. Exorta a não ex-
A crucifixão
46 30DIAS Nº 3 - 2011
Deus existe, não poderá Ele criar também uma dimensão
nova da realidade humana? Da realidade em geral?” (p.
202). Portanto, questionar a realidade da ressurreição de
Jesus significa questionar a realidade de Deus.
Com a ressurreição de Jesus, a pergunta sobre Deus
deixa de estar confinada aos limites da especulação inte-
lectual, mas passa a nos perseguir como pergunta sobre a
realidade histórica do corpo. O Papa lembra, com razão,
que as aparições de Jesus ressuscitado “no conjunto miste-
rioso de alteridade e identidade” têm como paralelo mais
próximo as teofanias do Antigo Testamento (p. 217). Aqui
encontramos uma razão convincente para o fato de já des-
de a Páscoa se evidenciar claramente que Jesus pertence
ao modo de ser de Deus (cf. Jo 20,28). O Papa conclui a
argumentação escrevendo: “A ressurreição de Jesus ultra-
passa a história, mas deixou o seu rasto na história. Por is-
so pode ser atestada por testemunhas como um aconteci-
mento de uma qualidade completamente nova” (p. 223).
Bento XVI prossegue assim: “Só um acontecimento
real de uma qualidade radicalmente nova era capaz de tor-
nar possível o anúncio apostólico, que não se pode expli-
car mediante especulações ou experiências interiores,
místicas. Na sua audácia e novidade, o referido anúncio A descida de Jesus ao Limbo
ganha vida a partir da força impetuosa de um aconteci-
mento que ninguém tinha ideado e que ultrapassava toda Os leitores ali encontram uma imagem de Jesus Cristo his-
a imaginação” (p. 223). Mas como pode esse evento al- toricamente crível e relevante para a sua vida. Mas encon-
cançar os homens do século XXI? tram também uma indicação da fé pessoal do papa Bento
XVI. No primeiro volume, ele indicava como “ponto de
A necessidade de uma nova evangelização referência mais autêntico” da fé cristã “a íntima amizade
Com sua interpretação das palavras de Jesus: “Mas pri- com Jesus, da qual tudo depende”8. Estou convicto de
meiro é necessário que o Evangelho seja pregado a to- que, com o segundo volume, o Papa tenha conseguido
das as nações” (Mc 13,10), o papa Bento XVI evoca à realizar o que na premissa indica como seu desejo. Efetiva-
memória um episódio significativo da história da Igreja mente, a ele foi dado aproximar-se “da figura de Nosso
(p. 46). Bernardo de Claraval teve de passar um sermão Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores
no papa Eugênio III. Bernardo lhe escreveu: tu tens “um que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele” (p. 12).
dever também para com os infiéis, os judeus, os gregos e
os pagãos. [...] Admito, relativamente aos judeus, que
tens a desculpa do tempo; para eles foi estabelecido um Notas
determinado momento, que não se pode antecipar. Pri- 1
Gesù di Nazaret. Dall’ingresso in Gerusalemme fino alla ri-
meiro devem entrar os pagãos na sua totalidade [cf. Rm surrezione. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2011.
11,25-27]. Mas que dizes tu precisamente sobre os pa- Trad. portuguesa: Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém
gãos? [...] Que tinham em mente os teus predecessores até à ressurreição. Cascais (Portugal): Princípia, 2011.
para [...] interromper a evangelização, enquanto está 2
Der Papst auf der Agora. In: “Jesus von Nazareth” kontro-
ainda difundida a incredulidade? Por que motivo [...] foi vers. Berlin: Lit-Verlag, 2007, p. 9-17.
parada a palavra que corre veloz?”6. 3
Gespräche über Jesus: Papst Benedikt XVI. im Dialog mit
Ao papa Bento XVI não é preciso passar um sermão Martin Hengel und Peter Stuhlmacher. Hrsg. P. Kuhn. Tübin-
sobre o tema da evangelização. Como demonstra, entre gen: Mohr Siebeck, 2010.
outros fatos, o livro entrevista Luz do mundo, ele tem 4
Feuillet, André. Le sacerdoce du Christ et de ses ministres:
uma visão muito realista das coisas7. Sabe muito bem que d’après la prière sacerdotale du quatrième Évangile et plu-
em amplas regiões da Europa e da América do Norte hou- sieurs données parallèles du Nouveau Testament. Paris:
ve uma queda dramática da fé cristã. Bento XVI não só es- Pierre Téqui Éditeur, 1972.
tá a par da necessidade de uma nova evangelização, mas 5
Abba. Studien zur neutestamentlichen Theologie und Zeit-
também adotou providências organizativas nesse sentido. geschichte. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
Com seu livro sobre Jesus, oferece todavia também uma 6
De consideratione III, 1, 2-3.
contribuição muito pessoal à difusão da fé. Os cristãos de- 7
Bento XVI. Luce del mondo. Il Papa, la Chiesa e i segni dei
veriam ajudá-lo nesse esforço. Uma possibilidade poderia tempi. Una conversazione con Peter Seewald. Città del Vati-
ser dar seu livro sobre Jesus de presente aos amigos cuja fé cano: Libreria Editrice Vaticana, 2010.
vacila ou que estão em busca de um caminho para a fé. O 8
Iesus von Nazareth. Erster Teil: Von der Taufe im Jordan
importante é que esse presente se transforme em oportu- bis zur Verklärung. Freiburg: Herder, 2007, p. 11. Trad. bra-
nidade para uma conversa em que nós também falemos sileira: Jesus de Nazaré. Primeira parte: Do batismo no Jor-
sobre a nossa fé. Um ponto particularmente forte do livro dão à transfiguração. Trad. José Jacinto Ferreira de Farias.
do Papa consiste no fato de a obra aproximar duas coisas. São Paulo: Planeta, 2007, p. 10.
30DIAS Nº 3 - 2011 47
Fé e devoção
“Nada temas.
Eu reinarei, apesar
dos meus inimigos”
Foi o que disse Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque
48 30DIAS Nº 3 - 2011
Santa Margarida Maria Alacoque
Com o olhar fito no campanário da igreja, onde sabe que Jesus está presente,
Margarida está absorta na oração e não ouve o irmão chamá-la
Ali aprendeu a rezar e a amar Je- e ela me tirou de grandes perigos”. para administrar seus bens na ver-
sus tão ardentemente, que as reli- A proteção especial de Nossa dade privaram a ela e a Margarida
giosas lhe concederam fazer a pri- Senhora a acompanharia sobre- de toda e qualquer liberdade, tra-
meira comunhão aos nove anos, tudo durante a longa doença que tando-as como servas. Quando
uma exceção naquele tempo. A a obrigou a ficar de cama por qua- Margarida pedia um vestido de-
adoração do Santíssimo Sacra- tro anos, dos dez aos catorze, e cente para ir à missa, eles o recu-
mento, o Rosário: isso era o que nos anos que se seguiram, até sua savam e ela era obrigada a pedi-lo
mais comovia e atraía a pequena entrada no mosteiro. emprestado de uma amiga. Além
Margarida. “A Santíssima Vir- Foram tempos difíceis, em que disso, muitas vezes não lhe permi-
gem”, escreve, a propósito de sua Margarida perdeu o pai e uma ir- tiam nem mesmo sair. “Eu não sa-
infância, “sempre teve um grande mã e se tornou, por assim dizer, bia onde me refugiar”, escreve a
cuidado comigo; eu recorria a ela “estranha” em sua própria casa. santa, “a não ser em algum canto
em todas as minhas necessidades, Os parentes que a mãe chamou do jardim ou da cocheira onde ¬
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Fé e devoção
fosse possível ficar de joelhos e Margarida Maria entra no mosteiro da Visitação,
abrir o coração a Deus em meio em 25 de maio de 1671
às lágrimas.”
Depois, a mãe também adoe-
ceu e só se pôde curar graças ao
amor, aos cuidados e às orações
de Margarida, que nesse meio-
tempo crescia e começava a se
perguntar qual era a vontade de
Deus para ela. A mãe teria gosto
em vê-la casada e mãe de família,
mas o desejo mais profundo de
Margarida era consagrar-se ao
Senhor: “O desejo de amá-lo me
consumia”, diria mais tarde.
Aos 22 anos, recebeu a crisma,
acrescentando a seu nome de ba-
tismo o de Maria, e alguns anos
mais tarde, vencendo finalmente
as resistências da família, conse-
guiu coroar o sonho de fazer-se re-
ligiosa, com sua entrada no mos-
teiro da Visitação de Paray-le-Mo-
nial, em 25 de maio de 1671.
mas, apesar disso, para espanto difundi-las por teu intermédio e mo fabricar uma imagem do Sa-
das outras freiras, os animais não de manifestar-se a eles para enri- grado Coração e expô-la publica-
danificaram nada. quecê-los com seus preciosos te- mente. Mas Jesus a encorajava.
A vida continuava, dividida en- souros, que te revelarei e que con- Numa de suas aparições, Ele lhe
tre oração e trabalho. Irmã Mar- têm graças santificantes”. disse: “Nada temas. Eu reinarei,
garida Maria foi encarregada da A partir daquele dia, Jesus lhe apesar dos meus inimigos e de
enfermaria do mosteiro, e era às apareceu muitas outras vezes. qualquer um que tentar se opor”.
vezes obrigada a sofrer com a du- Durante uma aparição, em 1674, “Isso me consolava muito”, acres-
reza com que as superioras a tra- pediu-lhe duas coisas simples e centou a santa em sua autobiogra-
tavam. Margarida não respondia concretas: comungar toda primei- fia, “pois eu não desejava nada
às acusações e procurava ser obe- ra sexta-feira do mês e passar além de vê-Lo reinar. Deixei, por-
diente em cada pequena coisa. uma hora em oração todas as tanto, em Suas mãos o cuidado de
quintas-feiras, das 23 à meia-noi- defender a Sua causa, enquanto
Discípula predileta te, em lembrança de seus sofri- eu sofreria em silêncio”.
do Sagrado Coração mentos no Horto das Oliveiras, e De fato, bem cedo recebeu au-
Tudo isso foi o prelúdio para a pri- para pedir misericórdia para os xílio, na pessoa do padre jesuíta
meira aparição e revelação do Sa- pecadores. Oração e sacramen- Claude La Colombière, que foi
grado Coração a irmã Margarida tos: os caminhos ordinários que por muitos anos seu orientador
Maria, e para a missão que lhe foi abrem à graça de Deus. Ou seja, espiritual, reconheceu como real-
confiada, de dá-lo a conhecer ao ao seu Sagrado Coração. mente inspiradas por Deus as re-
mundo, o que ocorreu em 27 de A essas práticas, Jesus acres- velações recebidas por irmã Mar-
dezembro de 1673: “Meu divino centou promessas a todos aqueles garida Maria, encorajou-a,
Coração”, disse-lhe Jesus, “está que as seguissem, pedindo a irmã apoiou sua causa junto às superio-
tão apaixonado de amor pelos Margarida Maria que as difundisse ras da Visitação e fez-se ele mes-
homens e por ti em particular, no mundo. Margarida não sabia o mo apóstolo da devoção do Sa-
que, não podendo mais conter em que fazer, cercada como estava da grado Coração.
si mesmo as chamas de seu amor desconfiança das outras irmãs, Pouco a pouco, primeiro seu
ardente, sente a necessidade de que não lhe permitiam nem mes- mosteiro, depois algumas famí- ¬
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Fé e devoção
Numa de suas aparições, Ele lhe disse: “Nada temas. Eu reinarei, apesar
dos meus inimigos e de qualquer um que tentar se opor”.
“Isso me consolava muito”, acrescentou a santa em sua autobiografia,
“pois eu não desejava nada além de vê-Lo reinar. Deixei, portanto, em Suas
mãos o cuidado de defender a Sua causa, enquanto eu sofreria em silêncio”
lias e, enfim, muitíssimas pessoas, mensagem de Santa Margarida por conselhos espirituais e por
já durante a vida de Santa Margari- Maria, consagrando o mundo in- um número cada vez mais amplo
da Maria, aderiram à devoção ao teiro ao Sagrado Coração em 11 de pessoas que queriam ver e to-
Sagrado Coração, que depois de de junho de 1899. Vinte anos de- car aquela que tinha visto e toca-
sua morte difundiu-se de maneira pois, em Paris, na colina de Mont- do, como Tomé, o Coração de Je-
extraordinária, tanto que, menos martre, onde São Dionísio sofrera sus. Mas isso só fazia aumentar
de cem anos depois do falecimen- o martírio com seus companhei- seu desejo de viver à parte, aspira-
to de Margarida Maria, Clemente ros, foi consagrada a grande Basí- ção que resumiu numa frase: “Tu-
XIII, solicitado a instituir para toda lica do Sagrado Coração, que do- do vem de Deus e nada de mim;
a Igreja uma festa do Sagrado Co- mina a capital da França. tudo é de Deus e nada de mim; tu-
ração, ficou sabendo com surpresa Paralelamente a esses atos pú- do para Deus e nada para mim”.
que já existiam no mundo 1.090 blicos, difundiu-se cada vez mais Essa frase era a simples resposta
confrarias a este consagradas, e se em todo o mundo católico a devo- às palavras amorosas que Jesus
convenceu a estipular essa festa, ção ao Sagrado Coração. lhe dirigira diretamente pouco
em 6 de fevereiro de 1765. Quanto a Margarida Maria, os tempo antes: “Eu sou a tua vida e
Foi o papa Leão XIII, mais tar- últimos anos de sua vida foram de agora em diante tu só viverás
de, quem acolheu plenamente a marcados pela crescente procura em mim e para mim”. q
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Santa Margarida Maria Alacoque
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ARTE SACRA
C
itar a si mesmo é sempre embaraçoso. Escrever uma introdução para si mes-
mo, ainda mais. Mas, deixado de lado o embaraço, pois não se trata de uma
causa pessoal, vamos logo ao ponto: por que reapresentamos este artigo,
que originalmente foi motivado pela publicação de um livro sobre a cripta da Cate-
dral de Anagni, numa época de trágicos acontecimentos bélicos? Porque, para
além daquela contingência, este artigo, na medida justamente em que retoma de
maneira literal uma das mais belas representações pictóricas dos versículos do
Apocalipse de João relativos à abertura dos selos (excluindo o sétimo, significati-
vamente), pode-nos ajudar a ler também o momento presente. Afinal, esse é o mo-
tivo pelo qual, sobretudo durante o primeiro milênio cristão, recorreu-se ao Apo-
calipse de João como chave de leitura do tempo que passa entre a ressurreição de
Nosso Senhor e seu retorno. Portanto, do tempo que é também o nosso.
Pois bem, o que nos diz hoje o texto joanino acompanhado daquela doce e poé-
tica matéria pictórica?
Muitas coisas, mas em primeiro lugar que os acontecimentos da história, miste-
riosa mas realmente, têm como único fio condutor a reação à inexorável vitória de
Jesus Cristo (que venceu e vence ainda) sobre a guerra fratricida dos homens, so-
bre o inferno e sobre a morte. Além de legitimamente buscar múltiplas causas e
efeitos para os fatos históricos, é preciso levar em conta que neles se reflete sem-
pre uma contenda que tem a ver com a rebelião e a acolhida da vitória de Cristo.
Contenda que é tão profunda e universal a ponto de não poder ser expressa nem
entendida toda em prosa, mas na forma das imagens superdimensionadas do
Apocalipse de João.
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Nova et
vetera
Cristo vitorioso sobre a guerra fratricida, o inferno e a morte, na figura do primeiro dos quatro cavaleiros do
Apocalipse, afresco do século XIII conservado na cripta da Catedral de Anagni, Frosinone
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ARTE SACRA
O S V E R S Í C U L O S 6 , 1 - 7 , 3 D O A P O C A L I P S E
i quando o Cordeiro abriu o primeiro dos A cada um deles foi dada, então, uma veste
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A abóbada de ângulo da abside principal, no centro, o Cordeiro apocalíptico circundado pelos quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos
ECCE
CRUCEM DOMINI
FUGITE
PARTES ADVERSAE...
O ciclo apocalíptico afrescado na cripta da catedral de Anagni
representa a um só tempo a vitória já conquistada por Cristo e sua
batalha ainda em andamento contra a guerra, o inferno e a morte
por Lorenzo Cappelletti
pocalípticos ou conformis- história: um ponto de vista inco- A palavra “apocalipse”, como
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ARTE SACRA
A abertura dos quatro primeiros selos, representada à direita da abóbada de ângulo da abside principal
mostrasse aos seus servos as coi- retomamos há alguns anos: cf. difundir as elucubrações sobre a
sas que devem acontecer muito 30Dias nº 6, junho de 1995, pp. história de Joaquim de Fiore († 30
em breve”, diz o primeiro versícu- 65-68), “o Apocalipse de João é de março de 1202), conserva-se a
lo programático, retomado de o único livro do Novo Testamento magnífica ilustração de uma
for ma quase idêntica na con- que tem por tema a história. Foi, concepção da história que ainda
clusão do livro (Ap 1,1 e 22,6). portanto, meditando essencial- brota da tradicional meditação
Jesus Cristo, “a Testemunha fiel, mente sobre ele que se desenvol- sobre o Apocalipse, que tem co-
o Primogênito dos mortos, o Prín- veu a reflexão cristã em torno da mo paradigma o De civitate Dei
cipe dos reis da terra” (Ap 1,5), história”. Reflexão que se expri- de Agostinho. Até a ruptura reali-
após sua vitória, mostra ao após- miu ao longo dos séculos não ape- zada por Joaquim, com sua tripar-
tolo João, “arrebatado em espíri- nas por palavras, mas também tição da história em eras que se su-
to” para fora da história, o que por imagens e cores. cediam, do Pai, do Filho e do Espí-
nesta realmente acontece. Como Na cripta da catedral da fatídica rito, não se podia nem mesmo
escrevia o grande exegeta Heinri- cidade italiana de Anagni, numa conceber que o acontecimento
ch Schlier no início de um famoso série de afrescos iniciados na mes- histórico de Cristo pudesse ser su-
ensaio sobre o Apocalipse (que ma época em que começavam a se perado ao longo do tempo da
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história por uma pos- medo. De fato, em tro seres vivos e os vinte e quatro
terior era do Espírito, ECCE Anagni a guerra e a anciãos, está o vencedor, o Cor-
portadora de uma gra- CRUCEM DOMINI morte (Ap 6,4-8) fe- deiro, no momento em que abre
ça maior. O aconteci- FUGITE cham os olhos de os sete selos que fechavam o livro
PARTES ADVERSAE...
mento de Jesus Cristo medo, os astros que que ninguém antes de sua vitória
era concebido como o mudam de cor (Ap era capaz de abrir.O que fizera
início do fim do mun- 6,12) são apenas João chorar, faz-nos chorar tam-
do. Para a reflexão de duas bolinhas sub- bém sempre de novo, diante do
caráter agostiniano e metidas ao sopro pa- mistério humanamente inexplicá-
tomístico, “Cristo não cato de um anjo, o vel da história. Mas “o Leão da
é o eixo da história, dragão de dez chifres tribo de Judá, o Rebento de Davi,
com o qual tem início (Ap 12,3) é um venceu para poder abrir o livro”
um mundo mudado e dragãozinho sob os (Ap 5,5), lê-se nas páginas escan-
remido e é abandona- pés de um terno ar- caradas do livro. Não devemos
da uma história não- canjo. Toda a honra, chorar!
remida que durou até aquele mo- a força e a beleza são reservadas À direita e à esquerda da absi-
mento; para essa reflexão, Cristo Àquele que se assenta ao trono e de central, sobre um atípico arco
é muito mais o princípio do fim. ao Cordeiro, e àqueles que com- triunfal e as abóbadas e arcos a
Ele é ‘redenção’, na medida em partilharam sua vitória e carre- ele adjacentes, são representadas
que com Ele o ‘fim’ começa a res- gam a coroa real dos vencedores, as cenas que correspondem à
plender na história. A redenção os vinte e quatro anciãos, os vir- abertura de cada um dos selos.
consiste (de um ponto de vista gens e os mártires alinhados nu- Começa-se, à direita, pela repre-
histórico) nessa fase iniciada en- ma ordem quase musical. sentação dos quatro cavaleiros,
quanto a história, por assim dizer, que aparecem quando são aber-
procede ‘per nefas’ ainda por um Cristo é a manifestação tos os quatro primeiros selos. Ca-
certo tempo, conduzindo a antiga de uma força valeiros bem pouco apocalípti-
idade deste mundo a seu fim” (J. que vence o mundo cos, no sentido de que não ser-
Ratzinger. San Bonaventura. La No centro de todo o projeto vem como símbolo de quatro for-
teologia della storia, p. 211). pictórico, no coração da abóbada ças destrutivas equivalentes e so-
Justamente por querer ser de ângulo da abside, entre os qua- beranas. Quase como se o des- ¬
uma leitura do tempo da Igreja co-
mo tempo final sub gratia e não a
imagem da superação desse tem- A catedral de Anagni e sua cripta
po, o ciclo apocalíptico anagnia-
no é constituído apenas de cenas O início da construção da cate-
extraídas dos primeiros doze dral de Anagni na sua forma
capítulos do Apocalipse. E, dos atual se deve a São Pedro de
três setenários (dos selos, das
trombetas e das taças), opta por Salerno, bispo de Anagni de
representar apenas o dos selos, 1062 a 1105.
detendo-se quando está para ser Sua cripta guarda um dos
aberto o sétimo. Ou seja, opta mais importantes ciclos afresca-
por deter-se na proclamação do dos da Idade Média italiana. São
juízo; não se interessa em investi-
mais de 50 quadros, além de
gar as inúmeras imagens que po-
dem ser exploradas em sua pro- inúmeros frisos, que pertencem
mulgação e execução. (Provavel- a um único projeto, obra de
mente não estavam ainda aperfei- mestres e ateliês diversos. Ao
çoados os “instrumentos políticos ateliê do chamado Primeiro
e espirituais cheios de força e de Mestre deve-se integralmente o
degeneração” [Schlier] que hoje
parecem levar ao pé da letra algu- ciclo apocalíptico, e é possível
mas das visões proféticas dos também que a ele tenha sido en-
capítulos 13-18 do Apocalipse). comendada inicialmente a reali-
Assim, numa versão pictórica zação de todo o projeto. É
cheia de graciosidade, represen- plausível que tenha trabalhado
ta-se com suprema compostura a
inexorabilidade da vitória obtida na época de Inocêncio III (1198-
por Jesus Cristo, ao lado dos ele- 1216), em linha com a sensibili-
mentos de uma luta que, embora dade e o magistério desse Papa.
continue, já não pode mais meter
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Idade Média, inspira- ECCE
designado como a sim, a barreira contra os ventos
do em seu comentário CRUCEM DOMINI concepção apocalíp- da destruição, que ameaçam as
sobre o Apocalipse. O FUGITE tica em plena Idade condições que permitem a vida
cavalo branco parece PARTES ADVERSAE... Média, mas, na ver- nesta terra, como diz Ap 7,1. Tal
quase sair da abside dade, coincide no como a paz, da mesma forma a
principal, onde o Cor- máximo com o pre- realidade natural é preservada pe-
deiro abre os selos, e valecimento da leitu- lo Rei vitorioso e misericordioso:
está para disparar ra milenarista e gnos- Tu, victor Rex, miserere. Há
uma flecha na direção ticizante retomada de uma enorme distância entre a le-
do segundo cavaleiro, Joaquim), estamos tra do Apocalipse e as elucubra-
que, fugindo, volta-se aqui diante da repre- ções alucinadas que pretendem
apavorado. sentação de uma for- atribuir-lhe pessoas que têm fan-
Para o primeiro ca- ça que venceu o mun- tasmas na cabeça e ódio no cora-
valeiro, trata-se de dar do, e que, vencendo ção: “Vi quatro Anjos, postados
prosseguimento a uma vez mais, prote- nos quatro cantos da terra, segu-
uma inexorável vitória. O cavalo ge em primeiro lugar a paz. rando os quatro ventos da terra,
segue a passo firme, o cavaleiro Esse tema continua e se torna para que o vento não soprasse
enverga o arco sem agitação, com mais preciso na abóbada que está sobre a terra, sobre o mar ou
firmeza, mas nenhuma agressivi- encima da representação dos sobre alguma árvore. Vi também
dade no olhar. Ao segundo cava- quatro cavaleiros. Aqui, quatro outro Anjo que subia do Oriente
leiro resta apenas galopar em fu- anjos, postos dos quatro lados de com o selo do Deus vivo. Esse gri-
ga. Não é a guerra que aterroriza, um quadro pontilhado de flores, tou em alta voz aos quatro Anjos
ela é que parece aterrorizada e derrubam quatro figuras munidas que haviam sido encarregados de
tem de fugir, girando com as duas de chifres e asas. Não se trata da fazer mal à terra e ao mar: ‘Não
mãos a grande espada para se de- luta alegórica entre o bem e o danifiqueis a terra, o mar e as ár-
fender. Mas a espada, por mais mal, como tantas vezes a crítica vores, até que tenhamos marcado
que seja mastodôntica, não defen- repetiu, acreditando serem reali- a fronte dos servos do nosso
de, pois lhe fora concedida para o dades os fantasmas da sua pré- Deus’” (Ap 7,1-2). De fato, outro
ataque, para “tirar a paz da terra, compreensão maniqueísta. É, anjo, como se subisse das co- ¬
para que os homens se matassem
entre si” (Ap 6,4). Como defen- Abaixo, a abóbada VIII, onde é representada a promessa de uma descendência
der-se agora contra uma flecha? numerosa como as estrelas do céu (recebida por Abraão após a bênção
No canto baixo do mesmo de Melquisedec, representada na abóbada adjacente)
quadro, a morte tem também o
olhar aterrorizado da guerra. Ca-
valga em fuga, galopando num
cavalo de cor esverdeada, perse-
guida pelo demônio nu e alado,
que monta o inferno tenebroso,
segurando uma grande balança
que pesa sem piedade. Tal como
a guerra é perseguida e procura
fugir do Rei vitorioso, da mesma
for ma a morte é perseguida e
tenta escapar do inferno, da se-
gunda morte. Quem projetou o
ciclo explica diligentemente,
com um verso transcrito sob o
quadro, que são duas duplas de
cavaleiros: Has per picturas bis
binas disce figuras (entendas de
duas em duas as figuras represen-
tadas nestas pinturas). Mas o pa-
ralelo é parcial: o infer no e a
morte também são, por sua vez,
perseguidos pelo primeiro cava-
leiro. Seu destino é acabar no la-
go de fogo (Ap 20,14).
Portanto, em vez de um pano-
rama de destruição e medo que a
tudo transtorna (que comumente é
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Ao lado, a representação
da abertura do quinto selo:
Jesus Cristo doa as vestes gloriosas
às almas dos mártires
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Na abside da esquerda, Maria Virgo virginum é rodeada por duas santas virgens
e pelas duas testemunhas do Apocalipse, os virgens João Batista e João Evangelista,
posicionados no arco triunfal; abaixo, as santas virgens peregrinas Aurélia
e Noemísia, representadas na parte inferior da abside da esquerda
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