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nella Chiesa e nel mondo

na Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreotti

SANTA PÁSCOA 2011

“E, se Cristo não ressuscitou,


vazia também é a vossa fé”
São Paulo, Primeira Carta aos Coríntios 15, 14

MENSILE SPED. IN ABB. POST.


Tar. Economy Taxe Percue Tassa Riscossa Roma.
ED. TRENTA GIORNI SOC. COOP. A R. L. ISSN 1827-627X

ANO XXIX - N.3 - 2011 R$ 15,00 - € 5


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Ano XXIX
N. 3 - Ano 2011
Na capa: Cristo no trono,
Sumário
Basílica de São Paulo fora dos Muros, Roma

EDITORIAL

EDITORIAL
Os cento e cinquenta anos da Unificação da Itália
— por G. Andreotti 4

NESTE NÚMERO

LÍBIA

Líbia p. 20 A África aos africanos


— por Giovanni Innocenzo Martinelli 20
Giovanni Innnocenzo Martinelli,
vigário apostólico de Trípoli, TUNÍSIA
fala sobre os dias da guerra
As revoltas árabes e a opção turca
Entrevista com Maroun Elias Lahham — por G. Valente 22

3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
IGREJA
A unidade dos cristãos habita na oração
Diretor Giulio Andreotti Entrevista com o cardeal Kurt Koch — por G. Cubeddu 26

REDAÇÃO Secretaria de redação


Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma 30giorni@30giorni.it ECCLESIA SUAM
Tel.+39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95
Internet: www.30giorni.it 3OGIORNI “Um olhar sobre o Jesus dos evangelhos
E- mail: 30giorni@30giorni.it nella Chiesa e nel mondo
é uma publicação mensal registrada e uma escuta d’Ele”
Vice-Diretores junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993
Roberto Rotondo - rotondo@30giorni.it n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios — pelo cardeal Georges Cottier, O.P. 34
Giovanni Cubeddu - g.cubeddu@30giorni.it públicos diretos de acordo com a lei
de 7 de agosto de 1990, n. 250
Redação
Alessandra Francioni - a.francioni@30giorni.it SOCIEDADE EDITORA
O ÚLTIMO LIVRO DE BENTO XVI
Davide Malacaria - d.malacaria@30giorni.it
Paolo Mattei - p.mattei@30giorni.it
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Massimo Quattrucci -m.quattrucci@30giorni.it 00173 Roma — por Riccardo Di Segni 38
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Conselho de Administração A linha demarcatória passa entre a confiança
Gráfica Giampaolo Frezza (presidente),
Marco Pigliapoco - marcopgl@30giorni.it Massimo Quattrucci (vice-presidente), e o ceticismo — por Rainer Riesner 42
Vincenzo Scicolone - Enzo@30giorni.it Giovanni Cubeddu, Paolo Mattei,
Marco Viola - marcoviola@30giorni.it Roberto Rotondo, Michele Sancioni,
Gianni Valente
Imagens FÉ E DEVOÇÃO
Paolo Galosi - galosi@30giorni.it Diretor responsável
Roberto Rotondo “Nada temas. Eu reinarei,
Colaboradores
Pierluca Azzaro, Françoise-Marie Babinet, Tipografia apesar dos meus inimigos” — por G. Ricciardi 48
Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi, Arti Grafiche La Moderna
Lorenzo Bianchi, Massimo Borghesi, Via di Tor Cervara, 171 - Roma
Lucio Brunelli, Rodolfo Caporale,
Pina Baglioni, Lorenzo Cappelletti, Gianni ESCRITÓRIO PARA ASSINATURA E DIFUSÃO
NOVA ET VETERA
Cardinale, Stefania Falasca, Giuseppe Frangi,
Silvia Kritzenberger, Walter Montini,
Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 Roma
Tel. +39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95
“... e Ele partiu como vencedor
Jane Nogara, Stefano M. Paci, Felix Palacios,
Tommaso Ricci, Giovanni Ricciardi
E-mail: abbonati30g@30giorni.it
De segunda a sexta-feira das 9h às 18h
para tornar a vencer” — por L. Cappelletti 54
e-mail: abbonati30g@30giorni.it Ecce crucem Domini: fugite partes adversae...
Colaboraram neste número
Cardeal Georges Cottier, Riccardo Di Segni — por L. Cappelletti 57
Giovanni Innocenzo Martinelli, Este número foi concluído na redação
Rainer Riesner dia 2 de abril de 2011

Escritório Legal Impressão concluída


Davide Ramazzotti - d.ramazzotti@30giorni.it no mês de abril de 2011 SEÇÕES

CARTAS DOS MOSTEIROS 6


CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS: Foto Vasari, Roma: Capa; Ansa: pp.5,20; DeA Picture Library,
concedido sob licença a Alinari: p.5; por gentil concessão da sala de imprensa da mostra LEITURA ESPIRITUAL 10
Lorenzo Lotto-Scuderie del Quirinale: pp.7,8,16,17,18,19,20; Reuters/Contrasto: pp.20-21,21;
Associated Press/LaPresse: pp.21,22,23,32,33; Corbis: p.21; Afp/Getty Images: pp.23,25;
Osservatore Romano: pp.26,29,30; Romano Siciliani: pp.26,27; N. Manginas/Patriarcado
CARTAS DAS MISSÕES 16
ecumênico de Constantinopla: p.28; por gentil concessão da Congregação para o Culto Divino:
p.31; Archivi Alinari, Firenze: pp.35,37; Tania/Contrasto: p.38; Foto Scala, Firenze: p.40; CARTAS DOS SEMINÁRIOS 18
Franco Capovilla: p.42; Giorgio Deganello Editore: pp.43,44,45,46,47; Ilustrações de Mauro
Cavallini por gentil concessão de Editions du Signe, França: pp.48,49,50,51,52,53; CORREIO DO DIRETOR 19
Paolo Galosi: pp.55,56,57,58,59,60,61,62,63,64,65
30DIAS NA IGREJA E NO MUNDO 30

30DIAS Nº 3 - 2011 3
Editorial

Os cento e cinquenta anos


da Unificação da Itália
por Giulio Andreotti

Roma, 15 de março de 2011

A comemoração da Unificação da Itália recorda os acontecimentos de cento e


cinquenta anos atrás, através das heroicas empresas do ressurgimento, que le-
varam à proclamação da independência e da unificação do país.
Ao recordar esse sesquicentenário, o nosso pensamento é dirigido aos que
possibilitaram a ocorrência daquele grande evento. E a nossa recordação é fru-
to de uma avaliação serena, objetiva, a ponto de colocar aqueles grandes per-
sonagens acima de qualquer espírito parcial, pois toda a obra que realizaram
teve apenas um objetivo: construir a Itália.
Cada um dos grandes personagens da Unificação da Itália, nos próprios
limites e segundo os próprios princípios, empenhou-se e prodigou-se para a
realização do mesmo empreendimento: deste modo, foi tão legendária a
ação de Garibaldi, assim como foi eficaz e decisiva a obra unitária de Vitto-
rio Emanuele II, a sagaz política do Conde de Cavour e o ardor patriótico de
Giuseppe Mazzini.
Junto destes grandes homens uniu-se também um grande grupo de italianos
de todas as classes e de todas as idades, incansáveis em coadjuvar, em encora-
jar e animados pela vontade da unificação nacional.
Celebrar solenemente a Unificação é um dever porque através das celebra-
ções pode-se construir uma base de discussão sobre o futuro do nosso país e
apenas com uma atenciosa meditação e com um rigoroso estudo dos eventos
que ocorreram passo a passo até alcançar a unificação as nossas jovens gera-
ções poderão idealmente sentirem-se partícipes destes mesmos eventos.

4 30DIAS Nº 3 - 2011
Acima, A abertura do primeiro Abaixo, o presidente da República
Parlamento italiano em Turim Giorgio Napolitano, o primeiro-ministro
a 18 de fevereiro de 1861, Silvio Berlusconi e os presidentes do
Théodore Tetar van Elven, Senado e da Câmara, por ocasião
Museu Nacional das celebrações dos 150 anos da
do Ressurgimento, Turim Unificação da Itália, Altar da Pátria,
Roma, 17 de março de 2011

I 50 ° aniversário da Unificação da Itália

30DIAS Nº 3 - 2011 5
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

Nestas páginas, algumas obras de Lorenzo Lotto provenientes


de várias localidades e expostas na mostra realizada
nas Escuderias do Quirinal, em Roma, de 2 de março
a 12 de junho de 2011; ao lado, Anunciação (c. 1534-1535),
Museu Cívico, Recanati

CARMELITAS DO CONVENTO THAPELONG


Mafikeng, África do Sul

Agradecimentos da África do Sul

Mafikeng, 25 de dezembro de 2010

Caro senhor diretor,


mais uma vez lhe agradecemos por sua grande ge-
nerosidade e gentileza ao nos enviar 30Days. Possa
o nosso bom Deus recompensar abundantemente
ao senhor e à sua família sobretudo por seu bom tra-
balho.
Possa a vinda do Menino Jesus trazer-lhe e aos
seus entes queridos muita paz e felicidade e todas as
bênçãos no novo ano que virá.
Possa Deus abençoá-lo sempre,

as carmelitas de Thapelong

FILHAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES


Tarbes, França

Agradeço-lhes pelo envio gratuito


CLARISSAS DO CONVENTO DE SANTA CLARA da bela revista 30Jours
Pacet, Indonésia
Tarbes, 5 de janeiro de 2011
Obrigada por sua maravilhosa revista
Bom dia; eu gostaria que me enviassem vinte exem-
Pacet, 25 de dezembro de 2010 plares de Qui prie sauve son âme em francês e as
coordenadas para realizar o pagamento.
Prezado senador Andreotti e colaboradores, nossos Agradeço-lhes pelo envio gratuito, há anos, da bela
votos de um feliz Natal de 2010 e de um bom ano no- revista 30Jours, tão aprofundada sobre a Igreja. So-
vo de 2011. mos as Filhas de Nossa Senhora das Dores, originárias
Muitíssimo obrigada por sua generosidade aos nos da diocese de Tarbes e Lourdes. Cuidamos de casas de
enviar sua maravilhosa revista. Obrigada também por repouso para idosos na França e no Oriente Médio (no
nos ter comunicado seu novo endereço. Líbano, em Israel e no Egito), além de acolher doentes
Que Deus os abençoe! que vêm em peregrinação a Lourdes.
Em união de amor e oração, Rezamos, de modo particular, pelos cristãos do
Oriente que sofrem, mas que estão prontos a testemu-
as clarissas de Pacet nhar sua fé até o martírio.

6 30DIAS Nº 3 - 2011
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

Que Deus o abençoe e a todos aqueles que colabo- mos pelo senhor, senador, e por sua estimada famí-
ram com a revista! Bom e santo ano de 2011. lia, como também por seu trabalho de homem políti-
co e de ajuda à bela Itália.
Irmã Isabelle-Marie Com muito afeto e gratidão, a sua

irmã María Josefina de Jesús Apango, O.C.D.


CARMELITAS DESCALÇAS DE SANTA MARÍA DE LA FE
Ciudad del Carmen, Campeche, México
CARMELITAS DO CONVENTO DE NHA TRANG
“Que Deus o recompense” pela revista Nha Trang, Vietnã
com que nos presenteia
De um carmelo no Vietnã
Ciudad del Carmen, 15 de janeiro de 2011
Nha Trang, 22 de janeiro de 2011
Caríssimo senador Andreotti,
escrevo-lhe no início deste 2011 dizendo-lhe “que Caro senhor diretor,
Deus o recompense” pela revista com que nos pre- há muito tempo não lhe escrevemos. Peço que nos
senteia. Uma bela, belíssima revista, com artigos tão desculpe. Todavia, não esquecemos de rezar pelo se-
importantes sobre os santos Padres da Igreja, com os nhor e por todos... “O Espírito vem em auxílio da nos-
artigos tão profundos sobre Santo Agostinho, sobre sa fraqueza... o próprio Espírito intercede por nós
Santa Teresinha ou sobre o estadista alemão Konrad com gemidos inefáveis”.
Adenauer; ou com os artigos de atualidade, como so- Por mais de cinco anos, sua revista 30Giorni che-
bre a recente visita do Papa à Grã-Bretanha. Quere- gou-nos um pouco irregularmente, mas... nenhum
mos também agradecer-lhe pelo bem que faz no problema. Sabíamos por quê. Tudo é graça e o nosso
mundo inteiro, por intermédio deste meio de comu- Pai Celeste nos dá sempre a melhor parte. Depois de
nicação, a tantas comunidades religiosas, aos semi- lê-la, nós a repassamos a um padre franciscano; ficou
nários e a tantas pessoas. Que Deus o abençoe, o re- felicíssimo e nos perguntou: “Como vocês recebem
compense, dando-lhe uma vida mais profunda em uma revista tão preciosa e interessante?”. Deo gratias.
amizade, amor e conhecimento da Trindade. Reza- Recebemos também Qui prie sauve son âme e o
demos a uma religiosa que
se encontra atualmente
num carmelo na França
Muito obrigada por tu-
do o que nos enviou.
Em união no seio glorio-
so do Pai, que o encha de
graças por intercessão de
Nossa Mãe e Rainha do
Monte Carmelo,

as carmelitas de Nha Trang

Adoração dos pastores (1530),


Museus Cívicos de Arte
e História, Bréscia
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

Transfiguração de Cristo
(c. 1511-1512),
Museu Cívico, Recanati

8 30DIAS Nº 3 - 2011
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

plares do livrinho Quem reza se salva, tanto em lín-


CASA DE FORMAÇÃO DAS IRMÃS CAPUCHINHAS gua italiana quanto em francês, pois nós rezamos
Fianarantsoa, Madagascar em três línguas.
Há um ano ou mais temos a graça de ser assinan-
30Giorni nos ajuda muito tes de sua revista, graças à caridade de nossas irmãs
a conhecer e viver o momento italianas. Gostaria ainda de aproveitar para pedir-
presente da Igreja lhe que me envie algum livrinho-presente da sua co-
leção já publicado em francês, para dá-lo como ali-
Fianarantsoa, 6 de março de 2011 mento às nossas jovens malgaxes. Tenho confiança
em sua resposta positiva e agradeço-lhe desde já de
Senhor senador Giulio Andreotti, todo o coração.
fico muito contente por lhe escrever duas simples pa- Sou uma freira missionária capuchinha italiana e
lavras de agradecimento e de admiração pelo serviço trabalho aqui em Madagascar há cerca de quinze
que presta a todos aqueles que têm a graça de poder anos; estou muito contente por dar a vida a estes ir-
ler e reler as páginas de sua revista 30Giorni. Tenho mãos e irmãs malgaxes e sobretudo por formar nos-
grande admiração pelo senhor, conheço-o desde que sas futuras irmãs missionárias malgaxes. Peço-lhe que
era pequena, pois meus pais lhe tinham grande esti- reze por mim e por elas. Asseguro-lhe a minha e a
ma e confiança e ao mesmo tempo rezavam pelo se- nossa oração e ainda lhe agradeço profundamente e a
nhor, para que pudesse ser sempre um verdadeiro todos os benfeitores que nos ajudam.
cristão-católico-democrata; meus pais acreditavam Com todo o meu afeto, no Senhor,
muito em sua política limpa e acompanhavam muito obrigada!
suas ideias. Passaram-se tantos anos e hoje sou eu
que o admiro e rezo pelo senhor para que Deus lhe Irmã Maria Amata, capuchinha
dê ainda muita saúde para poder fazer um grande
bem por intermédio de sua revista. Lamento que
meus pais já não sejam vivos, mas do céu, onde te- CARMELITAS DO CONVENTO DE LISIEUX
nho certeza que se encontram, continuam a rezar pe- Lisieux, França
lo senhor e a protegê-lo, para que siga fazendo o
bem a todos nós. Do carmelo da pequena Teresa
Obrigado por sua revista, da qual tanto eu quanto a
minha comunidade de formação, composta de jovens Lisieux, 17 de março de 2011
postulantes e noviças malgaxes em busca de uma vida
melhor no seguimento de Cristo, tiramos muito provei- Senhor diretor,
to espiritual e cultural por todas as informações que ne- é com o coração cheio de gratidão que desejo agrade-
la encontramos. Sobretudo, ajuda-nos muito a conhe- cer-lhe, em nome de todas as minhas irmãs, por sua
cer e viver o momento presente da Igreja, a palavra do bela revista 30Jours, que o senhor nos envia tão fiel e
Magistério e de nosso amado Papa e Pastor; realmente gratuitamente.
nos faz sentir mais estreitamente unidas à Igreja e ao Gostaria de garantir-lhe nossa oração toda espe-
mundo atual, com todos os problemas em que nos en- cial dirigida ao Senhor e à pequena Teresa, para que
contramos; isso nos dá a oportunidade de trazer em uma “chuva de rosas” chova sobre cada um de seus
nossas orações as intenções pelo mundo, e sobretudo colaboradores.
por nossa santa madre Igreja. Muitas vezes fazemos a Gostaria de receber o livrinho Qui prie sauve son
leitura à mesa, explicando o significado dos temas mais âme em francês, inglês, espanhol, alemão e árabe.
atuais e importantes, especialmente a palavra do Papa. Os peregrinos que nos vêm encontrar de todo o mun-
Nós rezamos muito pelo senhor, por sua equipe, do ficariam seguramente interessados em seu precio-
por sua redação, por seus jornalistas, para que Deus so livrinho.
os abençoe e ao seu trabalho, e os recompense por Mais uma vez nossos agradecimentos,
todo o bem que fazem por intermédio de sua revista.
Peço-lhe que me envie, se for possível, alguns exem- irmã Dominique, O.C.D.

30DIAS Nº 3 - 2011 9
Leitura espiritual Leitura espiritual

Leitura espiritual/41

por Paolo Mattei

m setembro de 2006, inaugurando a se-

E ção “Leitura espiritual”, começamos a


publicar os documentos mais impor-
tantes do magistério da Igreja a respeito da
doutrina da graça. Sobre “o mistério e a ação
da graça”, como diz Péguy. Começamos com
passagens do Credo do povo de Deus, de Paulo
VI (setembro de 2006 a maio de 2007), para
depois continuar com os cânones do Concí-
lio de Cartago, de 418 (junho a setembro de
2007), com o Indiculus, o pequeno catecismo
romano da primeira metade do século V (ou-
tubro de 2007 a janeiro de 2008), com os câ-
nones do Concílio de Orange, de 529 (feve-
reiro de 2008 a setembro de 2009), até chegar
aos textos de Santo Ambrósio, que expres-
sam, na transparência imediata da oração, os
conteúdos dessa mesma doutrina (outubro
de 2009 a novembro de 2010).
Voltamos, nesta edição, a publicar os docu-
mentos do Magistério, apresentando os de-
cretos do Concílio de Trento que de modo de-
finitivo preservam santamente e propõem
fielmente a doutrina da Igreja sobre a graça.
Começamos com a introdução e com os dois
primeiros cânones do Decreto sobre o pecado
original, aprovado em 17 de junho de 1546
(com uma breve nota histórica que ilustra a
gênese do texto conciliar).
O Decreto do Concílio de Trento tem, entre
outras coisas, uma atualidade “jornalística”,
dada a publicação recente na imprensa, de al-
guns artigos nos quais são apresentadas inter-
pretações que negam a realidade histórica do
pecado original, considerando-o uma inven-
ção teológica de Santo Agostinho.
Tendo sempre em mente que os simples
fiéis reconhecem por experiência o quanto é

10 30DIAS Nº 3 - 2011
Leitura espiritual Leitura espiritual

plenamente razoável “permanecer na dou-


trina de Cristo” (2Jo 9), revelam-se um con-
forto ao entendimento da fé as observações
que Augusto Del Noce publicou em seu livro
Il problema dell’ateismo (Bolonha, 1964), a
respeito justamente do pecado original. O
filósofo católico – depois de afirmar que o
ateísmo moderno não se explica tanto como
uma “laicização radical” do cristianismo,
mas muito mais como uma “nova com-
preensão da novidade cristã segundo catego-
rias antigas”, para a qual “o mal se inseriria
na própria finitude da existência” – escreve:
“A opção que condiciona todas as categorias
e todo o desenvolvimento do racionalismo é
a recusa da visão do pecado tal como se en-
contra exposta no Gênesis. A crítica religiosa
que demole a Bíblia, reduzindo-a a relatos
legendários, é na realidade consequência
dessa opção. A explicação da Bíblia, que diz
que o mal foi introduzido por nós no mun-
do por um ato de liberdade, é substituída
por outra, segundo a qual a relação de finitu-
de e de morte é considerada como necessá-
ria. Assim, voltamos substancialmente à ex-
plicação do mal contida no fragmento de
Anaximandro”.
Ou o mal que constatamos no mundo foi
introduzido por um ato da liberdade do ho-
mem, por “um pecado grave de soberba e de
desobediência”, como diz o Catecismo de São
Pio X, ou o mal coincide com a própria cria-
ção e portanto “vem de Deus e está em Deus”,
como diz Hegel. Tertium non datur.
Empregando as palavras do apóstolo pre-
dileto em sua segunda carta, podemos dizer
(cf. 2Jo 9): ou permanecemos na doutrina de
Cristo e assim permanecemos em Deus, ou
dela saímos e caímos assim no gnosticismo
ou na gnose, ou melhor, como é mais exato
dizer, na falsa gnose.
O pecado original, Capela Palatina, Palermo

30DIAS Nº 3 - 2011 11
Leitura espiritual Leitura espiritual

Eva, detalhe de O pecado original, Capela Palatina, Palermo

Nota histórica*

O pecado original foi a primeira questão dogmática enfrentada pelo Concílio de Trento. O estímulo a tratar dela
veio dos legados papais Del Monte, Pole e Cervini, em 21 de maio de 1546; só a eles era dado o direito de propor
os temas do Concílio. Naturalmente, ao frisar a doutrina do pecado original, pretendia-se rechaçar os erros dos
protestantes em torno dela, que estes haviam tomado de empréstimo dos gnósticos e dos pelagianos. Seguin-
do os procedimentos dos trabalhos, a questão foi discutida primeiramente na “congregação dos teólogos”, con-
vocada para bem cedo (às 5 da manhã!) em 24 de maio. Os trinta e dois teólogos, quase todos pertencentes às
grandes ordens religiosas, concluíram a discussão no dia seguinte. Em 28 de maio deu-se a “congregação ge-
ral”, a reunião dos padres conciliares que tinham direito de voto, na qual Del Monte apresentou aos padres o es-
quema-base. Trabalharam sobre este de 31 de maio a 5 de junho, em sucessivas congregações gerais. A pri-
meira redação do decreto apareceu em 8 de junho, preparada, com a ajuda de alguns bispos e teólogos, pelos
próprios legados, que se esforçaram por só usar expressões dos concílios e dos doutores católicos já aprova-
dos. Após alguns retoques, o texto definitivo do decreto foi promulgado em 17 de junho de 1546, na quinta ses-
são solene do Concílio, realizada em Trento, na Catedral de São Vigílio.

* Por Lorenzo Cappelletti, publicada em 30Giorni, n. 1, janeiro de 1994, p. 71.

12 30DIAS Nº 3 - 2011
Leitura espiritual Leitura espiritual

Decretum de peccato originali Decreto sobre o pecado original

Ut fides nostra catholica, “sine qua Para que a nossa fé católica, sem a qual
impossibile est placere Deo” (Hb “é impossível agradar a Deus” (Hb
11,6), purgatis erroribus in sua sinceri- 11,6), continue, removidos os erros,
tate integra et illibata permaneat, et ne íntegra e intacta em sua pureza, e para
populus christianus “omni vento doc- que o povo cristão não fique “ao sabor
trinae circumferatur” (Ef 4,14), cum das ondas, agitado por qualquer sopro
serpens ille antiquus, humani generis de doutrina” (Ef 4,14), uma vez que a
perpetuus hostis, inter plurima mala, serpente antiga, inimiga perene do gê-
quibus Ecclesia Dei his nostris tempo- nero humano, entre os muitíssimos
ribus perturbatur, etiam de peccato males pelos quais é agitada a Igreja de
originali eiusque remedio non solum Deus nestes nossos tempos, suscitou
nova, sed etiam vetera dissidia excita- não apenas novas, mas também anti-
verit: sacrosancta oecumenica et gene- gas disputas mesmo a respeito do pe-
ralis Tridentina Synodus in Spiritu cado original e de seu remédio, o sa-
Sancto legitime congregata, praesi- crossanto ecumênico e geral Concílio
dentibus in ea eisdem tribus Apostoli- Tridentino, legitimamente reunido no
cae Sedis legatis, iam ad revocandos Espírito Santo, sob a presidência dos
errantes et nutantes confirmandos ac- três legados da própria Sé Apostólica,
cedere volens, sacrarum Scripturarum querendo agora dispor-se a chamar a
et sanctorum Patrum ac probatissimo- atenção dos errantes e a confirmar os
rum conciliorum testimonia et ipsius incertos, seguindo os testemunhos das
Ecclesiae iudicium et consensum secu- Sagradas Escrituras, dos santos Padres
ta, haec de ipso peccato originali sta- e dos concílios mais venerandos, e o
tuit, fatetur ac declarat: juízo e o consenso da própria Igreja,
estabelece, confessa e declara o que se-
gue sobre o pecado original.

30DIAS Nº 3 - 2011 13
Leitura espiritual Leitura espiritual

Deus chama Adão e Eva depois do pecado, Capela Palatina, Palermo

14 30DIAS Nº 3 - 2011
Leitura espiritual Leitura espiritual

1. Si quis non confitetur, primum 1. Se alguém não admite que o pri-


hominem Adam, cum mandatum meiro homem Adão, tendo transgredi-
Dei in paradiso fuisset transgressus, do no paraíso o mandamento de Deus,
statim sanctitatem et iustitiam, in perdeu de imediato a santidade e a jus-
qua constitutus fuerat, amisisse in- tiça, nas quais tinha sido constituído, e
currisseque per offensam praevarica- por tal pecado de prevaricação incor-
tionis huiusmodi iram et indignatio- reu na ira e na indignação de Deus, e
nem Dei atque ideo mortem, quam portanto na morte com que Deus pri-
antea illi comminatus fuerat Deus, et meiramente o ameaçou, e, com a mor-
cum morte captivitatem sub eius po- te, na escravidão sob o domínio daque-
testate, “qui mortis” deinde “habuit le que a partir daí teve “o império da
imperium, hoc est diaboli” (Hb morte, isto é, o demônio” (Hb 2,14); e
2,14), totumque Adam per illam que Adão inteiro, por esse pecado de
praevaricationis offensam secundum prevaricação, ficou piorado, de corpo e
corpus et animam in deterius com- alma, seja excomungado.
mutatum fuisse: anathema sit. 2. Se alguém afirma que a prevarica-
2. Si quis Adae praevaricationem si- ção de Adão prejudicou a ele apenas, e
bi soli et non eius propagini asserit não à sua descendência, e afirma que a
nocuisse, acceptam a Deo sanctita- santidade e a justiça que este recebeu
tem et iustitiam, quam perdidit, sibi de Deus, e que perdeu, ele as perdeu
soli et non nobis etiam eum perdidis- para si só, e não também para nós; ou
se; aut inquinatum illum per inoboe- que ele, manchado pelo pecado de de-
dientiae peccatum mortem et poenas sobediência, transmitiu a todo o gêne-
corporis tantum in omne genus hu- ro humano apenas a morte e as penas
manum transfudisse, non autem et corporais, e não também o pecado,
peccatum, quod mors est animae: que é a morte da alma, seja excomun-
anathema sit, cum contradicat Apos- gado, pois contradiz o Apóstolo, que
tolo dicenti: “Per unum hominem afirma: “Como por um só homem en-
peccatum intravit in mundum, et per trou o pecado no mundo, e pelo peca-
peccatum mors, et ita in omnes ho- do a morte, assim a morte passou a to-
mines mors pertransiit, in quo om- do o gênero humano, porque [nele]
nes peccaverunt” (Rm 5,12). todos pecaram” (Rm 5,12).

30DIAS Nº 3 - 2011 15
Cartas das missões Cartas das missões

Nestas páginas, algumas obras de Lorenzo Lotto provenientes de várias localidades e expostas na mostra realizada nas Escuderias
do Quirinal, em Roma, de 2 de março a 12 de junho de 2011; acima Cristo carrega a cruz (1526), Museu do Louvre, Paris

LEIGOS MISSIONÁRIOS DA CARIDADE cantados. Todos os membros do nosso grupo vocacio-


Cárdenas, Cuba nal gostaram. Nunca tínhamos visto uma revista que
falasse da Igreja no mundo dessa forma. Gostaríamos
Gostaríamos de receber um exemplar de receber, se possível todos os meses, pelo menos
de Quien reza se salva, um exemplar para compartilhar com as religiosas,
que poderíamos fotocopiar mas gratuitamente, dado que a nossa situação econô-
mica não é muito boa. Se não for um incômodo muito
Cárdenas, 9 de fevereiro de 2011 grande, gostaríamos também de receber um exem-
plar do livrinho Quien reza se salva, que poderíamos
Caros irmãos, fotocopiar para as nossas missões em “bateyes”, para
somos um grupo de jovens da igreja de Santo Antônio as regiões rurais e para as nossas casas de missão.
de Cárdenas, na província de Matanzas (Cuba). Per- Com Maria, nossa Mãe, Deus nosso Pai abençoe a
tencemos aos leigos Missionários da Caridade e, todos os colaboradores da sua redação.
quando estávamos na biblioteca paroquial, vimos al-
gumas velhas edições da revista 30Días e ficamos en- Seus irmãos de Cuba

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Cartas das missões Cartas das missões

PARÓQUIA DO SAGRADO CORAÇÃO MISSIONÁRIO NO JAPÃO


Porto-Novo, Benin Hyúga, Japão

Dois mil exemplares De um missionário que trabalha


de Qui prie sauve son âme no Japão há vinte e cinco anos

Porto-Novo, 9 de março de 2011 Hyúga, 22 de março de 2011

Obrigado, senhor diretor, Prezado diretor Giulio Andreotti, e respeitável reda-


por Qui prie sauve son âme, que o senhor enviou ção de 30Giorni,
para os catecúmenos deste ano. sou um missionário que trabalha no Japão há vinte e
É bom ver como, de maneira unânime, eles mani- cinco anos. Sou também leitor apaixonado e assíduo
festaram sua satisfação e sua alegria por contar com da revista, de que gosto muitíssimo. Antigamente, eu
esse precioso instrumento de trabalho. Nós os demos pagava a assinatura, mas, quando vocês começaram
de presente também aos estudantes anglófonos que gentilmente a enviar a revista aos meus confrades de
estão fazendo um “mergulho” linguístico na universi- forma gratuita, solicitei, por vontade de meu supe-
dade situada no território da nossa paróquia. rior, recebê-la também gratuitamente.
Este pequeno livro é tão bom e oportuno, que as Desde então, recebo-a sem despesas e com regula-
associações e os grupos de crianças presentes na pa- ridade, e lhes agradeço de coração. Escrevo-lhes agora
róquia também desejam beneficiar-se dele. também para notificar a mudança de meu endereço.
É, portanto, por essa razão e em nome deles que Muitíssimo obrigado por tudo; eu os lembrarei em mi-
desejamos solicitar respeitosamente a doação de nhas orações, e que o Senhor abençoe o seu trabalho.
duas mil cópias desse pequeno livro. Boa Páscoa.
À espera de uma resposta favorável ao nosso pe-
dido, nós lhe asseguramos a nossa disponibilidade Padre Severino Mastrotto
pastoral no campo do Senhor.
Cristo morto, sustentado por um anjo, São José de Arimateia,
Nossa Senhora e Maria Madalena, detalhe do
Padre Paul Akplogan Políptico de São Domingos (1506-1508), Museo Cívico, Recanati
Cartas dos seminários

das dioceses de Carabayllo e Huacho; os bispos os en-


viam para o nosso seminário, para que formemos os
futuros sacerdotes.
Nossos seminaristas vêm de famílias pobres, que
não podem arcar com as despesas para sua formação.
Nós, sacerdotes da equipe de formadores, compreen-
demos que, quando Deus nos confiou a preparação
dos futuros sacerdotes, confiou-a completamente a
nós; e essa missão seria impossível sem a ajuda que o
Senhor nos dá por intermédio de pessoas e institui-
ções generosas.
É por isso que, conhecendo o seu espírito de cola-
boração, tomo a liberdade de pedir-lhe uma assinatura
gratuita de sua revista, que é um meio fantástico de
educação para os nossos seminaristas que se encon-
tram no caminho do sacerdócio.
Com a certeza de que Deus os abençoará pela obra
de evangelização que vocês realizam, despeço-me en-
tregando-os aos cuidados de Nossa Senhora, a Vir-
gem do Carmelo, padroeira de Callao.
Com afeto, em Cristo,

padre Carlos Esparza Gómez, reitor

SEMINÁRIO SAINT FRANCIS XAVIER


Lahore, Paquistão

Trindade (1523-1524), igreja de Santo Alexandre da Cruz, Uma carta do Paquistão


Bérgamo
Lahore, 10 de março de 2011

SEMINÁRIO DIOCESANO CORAZÓN DE CRISTO Caro Giulio Andreotti,


Callao, Peru receba os melhores votos do seminário Saint Francis
Xavier. Munido de orações e de uma gratidão ilimitada,
Sua revista é um meio fantástico tenho o prazer de agradecer-lhe em nome dos estudan-
de educação para tes e do reitor pelo envio dos exemplares da revista
os nossos seminaristas 30Days e por sua atenção e interesse para conosco.
Além disso, todos os estudantes estão profunda-
Callao, 1º de fevereiro de 2011 mente afeiçoados a essa revista, que nos torna mais
fácil reforçar a nossa fé e nos põe a par das recentes
Caro senhor Giulio, novidades enfrentadas pela Igreja.
receba o cordial cumprimento dos formadores e semi- Esteja certo de que o senhor está sempre em nossas
naristas do seminário diocesano Corazón de Cristo. súplicas e orações. Possa Deus abençoá-lo e preservá-
Escrevo-lhe deste seminário que este ano acolhe, por lo sob a Sua presença. E que a sua “rede” de evangeliza-
graça de Deus, 111 jovens que, com grande entusias- ção conserve a alegria divina nas lidas deste mundo.
mo, deixaram tudo para seguir a Jesus Cristo, o Bom Afeiçoadíssimo, em Jesus e Maria,
Pastor. Eles vêm de Callao e de outras jurisdições ecle-
siásticas: das arquidioceses de Piura e de Arequipa e Waqas Sadiq

18 30DIAS Nº 3 - 2011
Correio do Diretor
e graças. Como bispo de Balanga, sou mais uma vez
DIOCESE DE BALANGA constante leitor de 30Giorni. Mesmo que quilômetros
Balanga, Filipinas de distância e oceanos nos separem, 30Giorni nos
permite estar em contato com Roma e ficar a par das
30Giorni nos mantém em comunhão atividades e dos ensinamentos da Igreja. 30Giorni
com a sé de Pedro nos mantém em comunhão com a sé de Pedro.
Esteja certo das orações cotidianas e da celebração
Balanga, 14 de março de 2011 diária da santa missa pelo senhor e por todos os seus
colaboradores. Peço sempre a nosso Senhor que o
Caro senador Andreotti, guie e o cubra de Suas maiores graças. E possa a nos-
afetuosas saudações, cheias de paz e respeito! sa Santa Mãe, a quem imploro com ternura como
Durante o período em que fui reitor do Pontifício Co- Nossa Senhora de Guadalupe, manter-nos sob o seu
légio Filipino, pude constatar e fazer experiência ao manto de proteção materna. Sempre com profunda
lado de meus sacerdotes de sua constante gentileza e gratidão e constantes orações.
solicitude pastoral. Deus nos concedeu um dom com Sinceramente seu, em Cristo Jesus,
sua inspirada e realmente iluminadora revista. Tive-
mos a bênção de receber 30Giorni gratuitamente. E Ruperto Cruz Santos
ainda hoje Deus continua a nos oferecer suas dádivas bispo de Balanga

Nossa Senhora no
trono com o Menino
e os santos José,
Bernardino
de Sena,
João Batista,
Antônio abade,
e anjos (o Pala
de São Bernardino,
1521), igreja
de São Bernardino
in Pignolo, Bérgamo
Líbia

A África aos africanos


O vigário apostólico de Trípoli fala sobre os dias da guerra

por Giovanni Innocenzo Martinelli

m sacerdote fidei donum

U de Trento, logo que enten-


deu o que estava para
acontecer, conseguiu pegar o últi-
mo voo para Trípoli, e voltou para
cá, para ficar ao lado dos que pre-
cisavam dele. Uma família de mu-
çulmanos de Beida fez, a seu mo-
do, ainda mais do que isso. Per-
correu centenas de quilômetros
até a fronteira com o Egito para
esperar irmã Lucia, uma amiga
que voltava para trabalhar no hos-
pital. Não tendo a possibilidade
de um voo direto para Bengasi, ir-
mã Lucia teve que passar pela
fronteira do Egito, onde estava Monsenhor Giovanni Innocenzo Martinelli, vigário apostólico de Trípoli,
hospedada na casa de parentes com alguns refugiados eritreus na casa canônica da igreja de São Francisco,
dos mesmos amigos líbios que de- em Trípoli, 28 de fevereiro de 2011
pois a acolheram na fronteira. Ela
também agora está aqui, agora nhecimento de numerosos teste- lica é afro-asiática, representada
que se espalhou muita dor e as munhos dignos de fé e repeti isso principalmente pelos trabalhado-
pessoas não entendem realmente publicamente. Como se pode pre- res filipinos, empregados nos hos-
o porquê. tender atingir um objetivo militar pitais, e pelos imigrantes africa-
Em outubro, no 25º aniversá- que está ao lado das casas das pes- nos, francófonos e anglófonos. Os
rio da nomeação episcopal do vi- soas sem imaginar as consequên- ocidentais que trabalhavam nas
gário apostólico de Trípoli [o pró- cias? Por causa das bombas “hu- companhias concessionárias es-
prio Giovanni Innocenzo Marti- manitárias” caíram edifícios levan- trangeiras foram embora logo que
nelli], realizou-se uma festa es- do com eles famílias inteiras; so-
pontânea, serena e compartilha- freram danos até mesmo alguns
da entre cristãos e muçulmanos, hospitais. Um bombardeio da coalizão
com muita cordialidade entre to- Agora temos uma camionete ao longo da estrada entre Bengasi
dos. Ninguém imaginava que viria da polícia em frente ao portão da e Ajdabiya, 20 de março de 2011
uma guerra. nossa casa franciscana, tornamo-
Depois dos primeiros momen- nos objeto de maior proteção por
tos da rebelião contra o regime, parte do governo, e é mais do que
em Trípoli a vida continuava quase óbvio dada a situação.
como sempre, enquanto que os De modo geral, todavia, a Igre-
combates aconteciam longe. Ha- ja Católica não foi tocada, ao con-
via um silêncio fora do normal, trário, foi protegida.
uma tranquilidade aparente e pro- As atividades da nossa comuni-
curada para espantar o medo e a dade diminuíram... mas conti-
tristeza. Há os que, compreensi- nuam. Nesta “normalidade”, com
velmente, fugiram, esperando po- os poucos católicos que permane-
der voltar logo. A presença dos ceram conseguimos ainda cele-
postos de controle recordava que brar a santa missa nas manhãs das
no país aconteciam violentas bata- sextas-feiras, dos sábados e dos
lhas. Depois vieram os bombar- domingos. A maior parte dos fiéis
deamentos da coalizão, que causa- é composta por estrangeiros; sa-
ram muitas vítimas civis: tive co- be-se que a nossa identidade cató-

20 30DIAS Nº 3 - 2011
Acima, à esquerda, rebeldes líbios na cidade de Ajdabiya, ao sul de Bengasi, a 26 de março de 2011 depois da retomada do controle da
cidade; à direita, o funeral de um rebelde morto pelas forças fiéis ao líder líbio Muammar Kadafi, em Ajdabiya, a 23 de março de 2011

cessaram as atividades, ao primei- propiciar uma atividade de media- Por outro lado, há países da
ro rumor de armas. ção, na medida do possível, nesta coalizão que querem, ao contrá-
Nesta guerra o islã não tem guerra. A Dawa, com efeito, em rio, dar armas aos rebeldes. As
qualquer participação e nós nunca sintonia com a Santa Sé, apela armas não levam à paz, qualquer
tivemos problemas com os nossos por uma saída o mais cedo possí- um que as use. O que se quer?
amigos muçulmanos. Pelo contrá- vel desta guerra. Que os líbios continuem a mata-
rio. O islã líbio nunca foi uma Enquanto falo ainda se pode rem-se entre eles? Aqui o povo é
preocupação para nós. esperar por uma solução política e unido por sua natureza – eu não
Com a guerra em curso, no fi- diplomática. Isto é, que aconteça encontrei ninguém que me tenha
nal de março, mantivemos os nos- um verdadeiro diálogo entre as dito que queira o país dividido em
sos regulares encontros com a facções e que se possa com realis- dois – e dar armas é contra o po-
Dawa al Islamiya, conhecida co- mo oferecer uma solução honrá- vo. Até parece que se queira eli-
mo World Islamic Call Society, a vel a todos. Deve-se contar obriga- miná-lo. É preciso fazer de tudo
célebre entidade governamental toriamente com a participação da para favorecer um diálogo entre
de diálogo religioso. Inicialmente União Africana e da Liga Árabe. as partes, em um clima sereno,
tive uma conversa pessoal com o Nestes dias parece que vejo al- com pessoas aptas, é preciso
secretário-geral Mohamed Ah- guns sinais de reconciliação, seja chegar a um acordo com com-
med Sherif, e alguns dias depois no país como fora. Há tentativas promisso.
se realizou um encontro com o em ação. Gostaria de agradecer a todos
grupo de religiosos cristãos e ca- A União Africana (UA) não é os bispos que me telefonaram, e
tólicos presentes em Trípoli. Den- seriamente interpelada, não de antes de tudo agradecer ao Papa
tro de minhas possibilidades, pro- maneira que possa levar adiante Bento que nos confortou e assumiu
movi esta iniciativa. São visitas as negociações. Talvez alguém te- uma posição simples e precisa.
úteis, vividas com espírito frater- nha complexo de superioridade. Da Praça de São Pedro pediu
no, e agora servem também para Os africanos, da sua parte, não se “que um horizonte de paz e con-
expõem, mas sabemos que dentro córdia surja o mais cedo possível
da UA há os que solicitaram ação sobre a Líbia e sobre toda a região
para a Líbia. norte-africana”. Chega de armas;
Há décadas que dizemos a sim imediatamente ao diálogo e à
“África aos africanos”. Por que paz. Traduzimos as suas declara-
isso não deve valer justamente ções em inglês e em árabe e difun-
agora? dimos o máximo possível. Temos
lido o texto em todas as nossas
missas e entreguei-o pessoalmen-
te a alguns amigos líbios.
O que me sustenta a cada dia é
o testemunho dos cristãos que es-
tão aqui, às enfermeiras filipinas e
às religiosas que trabalham nos
hospitais em Tripolitânia, e muitas
outras que estão em Cirenaica,
nas cidades dos revoltosos. Todos
eles cuidam das vítimas, de um la-
do e de outro da barricada.
Trabalhadores emigrantes
da África subsaariana na igreja (texto reunido
de São Francisco, em Trípoli por Giovanni Cubeddu)

30DIAS Nº 3 - 2011 21
Tunísia

Refugiados líbios
no campo de Ras Ajdir,
na fronteira entre
a Líbia e Tunísia,
12 de março de 2011

As revoltas árabes
e a opção turca
A evolução do cenário político nos países árabes poderá acontecer
com a passagem do islã através da democracia. Seguindo o exemplo
do que está acontecendo na Turquia de Erdogan.
Entrevista com Maroun Lahham, arcebispo de Túnis
por Gianni Valente

s acontecimentos pega- sua residência, as manifestações, Na Tunísia, a centelha que

O ram-no de surpresa. Ma-


roun Lahham, palestino da
Jordânia, arcebispo de Túnis desde
gás lacrimogênio e os tanques blin-
dados parados bem em frente à Ca-
tedral, na Place de l’Indépendance.
fez explodir a revolta foi de ca-
ráter social: o aumento dos pre-
ços, o desemprego, a pobreza.
outubro de 2005, realmente não Mas agora a situação está tranquila. MAROUN ELIAS LAHHAM:
esperava que justamente dali fosse Dificuldades, incógnitas e o rumor Sim, mas depois de dois dias a
iniciada a grande transformação da guerra que acontece na vizinha frente dos protestos já tinha se
que há dois meses está abalando os Líbia acabam com o sonho de uma alargado a questões políticas, co-
países árabes. Para o bispo, os dias chamada “primavera árabe”. E po- meçando pela intolerância à cor-
de fevereiro foram dias de incerteza de-se tentar fazer um primeiro ba- rupção. A velocidade com a qual
e de preocupação, com estado de lanço provisório do que aconteceu as revoltas se propagaram de um
sítio que o limitava no perímetro de até agora. país a outro são o sinal de que evi-

22 30DIAS Nº 3 - 2011
Entrevista com Maroun Lahham arcebispo de Túnis

dentemente a tensão estava se Para o governo italiano e acolhida. As pessoas preparavam


acumulando sob a calma aparen- também outros governos eu- comida em casa e levavam aos re-
te imposta pelos regimes. Houve ropeus, os tunisianos que che- fugiados. As nossas irmãs tam-
a centelha, mas os amontoados gam em barcas não são refu- bém foram aos campos de refu-
de lenha com as folhas secas já giados, mas clandestinos que giados para preparar refeições to-
estavam ali prontos há muito devem ser recusados ou repa- dos os dias para dez mil pessoas.
tempo, em toda a área. triados no seu país. Quais são as perspectivas
As revoltas no mundo ára- O aspecto político e jurídico para o futuro? Há uma classe
be têm realmente semelhan- não é de minha competência. dirigente em condições de
ças? Mas na minha opinião também o substituir o regime de Ben
Obviamente as várias situa- aspecto humano deve ser levado Ali?
ções têm muitas diferenças. Mas em conta. Os que tentam chegar Desde a queda de Ben Ali, se-
ao menos há um coisa em co- na Europa não são terroristas, a guiram-se três governos, e o atual
mum: há uma geração de jovens grande maioria são jovens que es- resiste porque em seu grupo não
árabes que não suporta mais vi- tudaram e muitos deles são gra- há expoentes do velho regime.
ver em uma condição de silencio- duados. É gente que perdeu o em- Em julho teremos a eleição para a
sa submissão em regimes opres- prego. O turismo dava trabalho a Constituinte. A vontade de parti-
sivos, com nomenclaturas cor- 450 mil jovens que agora estão cipar é grande e pode-se ver pela
ruptas que bloqueiam os proces- desempregados. Muitos deles explosão de partidos e siglas polí-
sos de desenvolvimento econô- sempre sonharam em ir à Europa, ticas, por enquanto já aparece-
mico, político e social. Muitos de- e agora fazem isso porque as fron- ram mais de cinquenta.
les estudaram, e conhecem muito teiras estão menos controladas. Nesta situação, não há o
bem as dinâmicas globais do Se foram repatriados tentarão risco de uma fragmentação
mundo atual. Este elemento des- voltar novamente. sectária, como aconteceu no
ta geração é um dado histórico Com isso se poderá ver se a Iraque?
que deve ser levado em conside- Europa realmente é uma entidade Agora tudo é possível. Prevejo
ração, sem ênfases. política e cultural com condições e espero que com o tempo muitas

Acima, Mohamed Ghannouchi, então primeiro-ministro com o arcebispo Maroun


Lahham em Túnis, 20 de fevereiro de 2011, depois do assassinato de padre Marek
Rybinski; à esquerda, uma manifestação contra o governo de transição diante
da sede do primeiro-ministro em Túnis, em 21 de janeiro de 2011

Hoje, como está a situação de enfrentar os problemas. En- dessas siglas se reagrupem em
na Tunísia? quanto isso a Tunísia acolheu 170 torno de uma perspectiva mais
Agora a situação social está mil refugiados que escapavam da clara e definida de interesse e de
calma, mas a economia está no Líbia: primeiro chegaram os filipi- bem nacional. O governo disse
ponto zero e o setor turístico, nos, paquistaneses, eritreus, que durante a campanha eleitoral
grande recurso do país está prati- egípcios, e depois começaram a não apoiará nenhum partido
camente parado. Isso explica a chegar os líbios... Os tunisianos concorrente. Muitas siglas que
fuga em massa dos jovens. deram uma prova formidável de nasceram na onda do entusias- ¬

30DIAS Nº 3 - 2011 23
Tunísia
mo desaparecerão, porque não existido um partido islâmico mo- diante da intervenção militar
têm dinheiro. Todavia seria uma derado, todas as siglas do islã polí- guiada pelo Ocidente na Lí-
honra para a Tunísia se tornar o tico, de fato, tinham como objeti- bia. “Sabemos que a guerra
primeiro país árabe com uma vo a criação de um regime islâmi- não resolve nada e, quando
Constituição realmente leiga e co. A novidade é que agora há no explode, é tão incontrolável
democrática. cenário político um modelo histó- quanto a explosão de um rea-
Um cenário tão incerto e rico diferente, o do partido de Er- tor nuclear... As primeiras ví-
fragmentado pode favorecer dogan que na Turquia está reali- timas são sempre os mais po-
o partido islâmico local. zando um encontro entre islã e de- bres e os menos favorecidos”.
O partido islâmico Ennahdha, mocracia. Esperemos que aquele A intervenção militar pode rea-
com efeito, parece bem organiza- exemplo seja também seguido por cender os sentimentos antiociden-
do, apesar de ter sido autorizado outros. A evolução do cenário po- tais do povo, os quais até agora es-
apenas em primeiro de março lítico no Oriente Médio poderá tavam ausentes nas revoltas ára-
passado. Tinha sido proibido des- acontecer somente com a passa- bes. Queira ou não, isso será visto
de 1991, mas evidentemente con- gem do islã através da democra- como uma nova cruzada. E pode-
tinuava sua atividade em clandes- cia, ou seja, através de uma evolu- rá ressoar o apelo à guerra santa
tinidade. Por enquanto usa uma ção do islã político. Com parcial contra os “invasores” um forte ar-
linguagem pluralista e democráti- analogia do que aconteceu no gumento usado sempre como mo-
ca, reivindicando novos espaços e Ocidente, no encontro entre cris- tivação dos integralistas.
novas formas para exprimir publi- tianismo e democracia moderna. Como viveram este período
camente a própria visão religiosa. De qualquer modo vocês, os católicos na Tunísia? Pou-
Pode-se acreditar neles, mas se bispos católicos do Magreb, cos dias depois da revolta
deve manter os olhos bem aber- fizeram um apelo comum ma- houve o bárbaro homicídio do
tos. Por enquanto nunca tinha nifestando a sua preocupação salesiano padre Marek...

Padre Marek, que amava a Tunísia

O salesiano polonês Marek Rybinski foi morto em Manouba dia 18 de fevereiro passado. Naqueles
dias, o resultado da chamada “revolução dos jasmins” ainda era incerto e a Tunísia ainda estava
abalada com incessantes protestos e contrastes entre a polícia e manifestantes. Em tal clima, o bárba-
ro assassinato do sacerdote polonês tinha alimentado as preocupações sobre a sorte dos cristãos em
um mundo árabe onde as revoltas acabavam com antigos equilíbrios e enchiam o futuro de incertezas.
Mais tarde, as investigações excluíram qualquer motivação “religiosa” para o homicídio. E o bispo
Maroun Lahham escreveu aos fiéis uma carta que exprime de maneira simples e imediata um olhar co-
movido e agradecido diante de um fato de ordinária gratuidade cristã, usque ad sanguinem.

Seguem alguns trechos.

Caríssimas e caríssimos, não cessamos de viver Por que padre Marek foi assassinado? Por dois mil
acontecimentos (deixo a palavra sem adjetivo). Agora foi dinares! Mal podemos acreditar. Certamente há deta-
o padre Marek, salesiano de 34 anos, na Tunísia desde lhes que não conheço. No entanto, há coisas que eu sei:
2007, degolado em um depósito da escola dos salesia- – Sei que padre Marek tinha escrito, duas semanas
nos em Manouba. antes do seu assassinato, a propósito do povo tunisiano:
O Ministério do Interior divulgou um comunicado segun- “É uma nação jovem, inteligente, incapaz de violência
do o qual o assassino é um carpinteiro da escola. Os padres [sic!], profundamente bondosa, incapaz de odiar”.
salesianos afirmam que o assassino tinha feito um emprés- – Sei que tinha terminado de escrever o seu primeiro
timo, no passado Eid (três meses atrás), dois mil dinares tu- livro sobre a Tunísia, do qual diz, entre outras coisas:
nisianos, para comprar material de trabalho. Parece que ti- “Durante a minha permanência na Tunísia, o meu com-
nha usado o dinheiro para outras coisas, assim o fornece- portamento para com meus irmãos muçulmanos mudou
dor recusava-se a entregar o material que não tinha sido pa- muito. Esse medo de terrorismo e de extremismo desa-
go e padre Marek insistia com ele, para que devolvesse o di- pareceu completamente. Os tunisianos são muito aco-
nheiro da escola. Dominado pelo pânico, e temendo ser lhedores, amistosos e cordiais. Ensinam-me este com-
descoberto, confirma o comunicado do Ministério do Inte- portamento”.
rior, “o assassino surpreendeu o sacerdote, atingindo-o re- – Sei que se propôs voluntariamente para vir a Tuní-
petidamente com violência com um objeto contundente na sia quatro anos atrás, quando tinha sido recém ordena-
nuca e no pescoço provocando a sua morte” [...]. do sacerdote.

24 30DIAS Nº 3 - 2011
Entrevista com Maroun Lahham arcebispo de Túnis

Isso nos deixou realmente aba- árabes? Pode acontecer de se E então?


lados [cf. quadro na p. 24]. Nos pri- dizer que era melhor antes? Os cristãos podem simplesmen-
meiros dias da revolta havia preo- Eu não sei o que pode aconte- te permanecer onde estão, parti-
cupação. A Igreja católica na Tuní- cer. Mas creio que se realmente lhando as esperanças e os temores
sia é formada quase toda por es- foram ativados processos de alar- de todos. Como aconteceu em ou-
trangeiros, portanto ninguém esta- gamento democrático, não con- tras circunstâncias, por exemplo no
va envolvido nos protestos em pri- vém e não é correto que os cris- tempo do nacionalismo árabe. Par-
meira pessoa. tãos fiquem do lado oposto, ou ticipando aos processos históricos,
De modo geral, para os que cultivem nostalgias anacro- poderão também colaborar com os
cristãos, que consequências nistas. Nem mesmo a busca de irmãos muçulmanos na tentativa de
podem ter as mudanças que proteções no Ocidente me parece assegurar no mundo árabe os me-
estão acontecendo nos países oportuna ou adequada à situação. canismos de um sistema democráti-
co adaptado à situação local.
Entre os comentaristas há os
que imaginam que as minorias
cristãs possam ensinar aos paí-
ses árabes a laicidade da políti-
ca e a democracia. Não há o ris-
co de cultivar ilusórias preten-
sões de influência social?
Não vejo este risco. Na Tunísia
e de modo geral nos países árabes,
nós cristãos somos humildes por
natureza... q

Uma criança homenageia com flores


padre Marek Rybinski, diante do altar
da Catedral de Túnis a 20 de fevereiro
de 2011

“Se a semente caída na terra


não morre...”. Caiu, morreu, e se-
guindo o exemplo de Cristo, ao
qual padre Marek tinha se consa-
grado, trouxe frutos. Todas as
mensagens de solidariedade, to-
das as participações, as flores co-
locadas na porta da Catedral, os
tunisianos e as tunisianas que ma-
– Sei que tinha pedido dinheiro por todo lugar para nifestaram diante da Catedral com os slogans “Marek,
criar novos espaços para a escola que amava muito e da perdão!”, os jovens tunisianos vindos à Catedral no do-
qual era ecônomo. mingo 20 de fevereiro com as flores, as lágrimas nos
Imagino estar diante de seu assassino para propor- olhos... “Não o matamos, diziam, essa não é a Tunísia...
lhe algumas perguntas: por que você matou, realmen- Perdoe-nos!”; e foram embora abraçando as irmãs. [...]
te, padre Marek? E por que deste modo tão bárbaro? A Precisava do assassinato de um sacerdote para dar-
sua jovem idade e a sua inocência não lhe inspiraram mo-nos conta de toda essa participação e desse afeto?
nenhum sentimento de piedade? Nem o seu físico frá- O preço é muito alto. Apreciamos enormemente todos
gil? Matou-o com marteladas, não era suficiente? Pre- estes gestos de amizade, mas estes não valem uma go-
cisava realmente degolar-lhe e deixar-lhe numa poça ta de sangue do nosso Marek.
de sangue? Como pôde dormir depois de ter feito is- E agora? Sigamos em frente. Não é o momento do
so? Do que você é feito? Que religião você professa? pânico, é o da fé, da paciência, da precaução. Ir embo-
Você é dos que acreditam no Deus da compaixão e da ra? Nem pensar nisso, os tempos difíceis não são tem-
misericórdia (Al Rahman Al Rahim)? Como você con- pos de fuga. Digo isso principalmente em meu nome, e
segue fazer conviver seu crime com a sua fé? penso que posso dizê-lo em nome de todos os religiosos
Responda a essas perguntas, tranquilize-nos, tran- da Igreja da Tunísia e em nome dos cristãos presentes
quilize o nosso coração de pai e de irmãos... Depois eu no país. Digo também em nome dos nossos irmãos mu-
prometo seu perdão. Antes deve pedi-lo a Deus, e de- çulmanos e judeus. Nós ficaremos neste país que nos
pois terás o da Igreja católica da Tunísia. acolhe, que nos ama e que nós amamos.

30DIAS Nº 3 - 2011 25
Igreja

A unidade dos cristãos


habita na oração
Entrevista com o cardeal Kurt Koch,
presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos
por Giovanni Cubeddu

omeado cardeal pelo Papa KURT KOCH: Os compromis- dade para a Igreja de um protos, ou

N Bento XVI no consistório


de 20 de novembro de
2010, Kurt Koch foi bispo de Basi-
sos não faltam, e é preciso dividi-los
entre a sessão oriental e a ocidental
do nosso Pontifício Conselho.
seja, de uma cúpula local, regional
e universal, e de aprofundar tam-
bém os estudos históricos sobre a
leia a partir de 1995 e por três Começaria com a primeira, re- modalidade com a qual o primado
anos, de 2007 a 2010, presidente cordando o encontro do bispo de Roma exis-
da Conferência Episcopal da Suí- com todas as Igrejas tia no primeiro milênio
ça. No dia 1º de julho passado, o Ortodoxas, em Viena, da Igreja não dividida.
Papa nomeou-o presidente do em setembro de 2010, São os mesmos argu-
Pontifício Conselho para a Unida- no âmbito da Comis- mentos do nosso prece-
de dos Cristãos. E neste encargo o são Mista Internacio- dente encontro em Chi-
cardeal Koch já fez uma visita ao nal para o Diálogo pre em 2009. Porém,
patriarca ecumênico de Constanti- Teológico entre a Igre- em seguida, os ortodo-
nopla, Bartolomeu I, e ao patriarca ja Católica e a Igreja xos decidiram não con-
de Moscou e de todas as Rússias, Ortodoxa, ocasião na tinuar este estudo histó-
Kirill. Isso não diminui, são suas qual demos um passo rico, considerando-o
palavras, o seu interesse essencial importante: consegui- objetivamente comple-
pelas Igrejas nascidas da Reforma. mos definir a necessi- Kurt Koch xo e impróprio à Co-

26 30DIAS Nº 3 - 2011
Entrevista com o cardeal Kurt Koch

missão. No entanto iniciou o apro- E a sessão ocidental? como um fim do movimento ecu-
fundamento teológico e sistemáti- Atualmente, nas Igrejas nasci- mênico a unidade visível na fé, nos
co da relação entre primado e sino- das da Reforma está acontecendo sacramentos e no ministério, mas
dalidade, que será objeto do encon- uma grande fragmentação. Então reclamam a permanência de uma
tro do ano próximo. a primeira necessidade é discutir pluralidade de Igrejas que se reco-
Em janeiro deste ano foi com os reformados sobre a nature- nheçam uma com as outras, cuja
realizado um congresso com za da Igreja, porque a declaração totalidade produziria enfim a Igreja
os ortodoxos orientais, duran- da Congregação para a Doutrina de Cristo. Mais ou menos como as
te a Semana de Oração pela da Fé Dominus Iesus afirmou que casas-famílias, que de vez em
Unidade dos Cristãos. no mundo protestante não há Igre- quando enviam um convite aos vi-
Na ocasião concentramo-nos jas no sentido próprio, mas comu- zinhos para alguma festividade.
em primeiro lugar nas questões nidades eclesiais. E no livro Luz do Aos católicos e aos ortodoxos esta
cristológicas, dado que algumas Mundo, Papa Bento XVI diz que posição não agrada. Este não é o
Igrejas ortodoxas orientais não aqui nos encontramos diante de único e indivisível corpo de Cristo,
aceitaram o Concílio de Calcedô- um outro tipo de Igreja. De fato é isto não corresponde à oração de
nia de 451 e que a partir deste assim, e não cabe a nós definir o Jesus para que todos os discípulos
ponto era necessário recomeçar. conceito eclesial das Igrejas da Re- sejam unidos, assim como o Pai, o
Concluímos este encontro reco- forma, mas a elas mesmas. Por is- Filho e o Espírito Santo.
nhecendo que as diferenças entre so nossa tarefa é dialogar sobre a Qual é a resposta adequada?
nós não concernem à fé, mas a natureza da Igreja: com efeito, ca- Nenhum caminho comum po-
certas modalidades de expressão. da denominação tem sua própria derá ser realizado fora da espiritua-
Em 1984 o Papa e o Patriarca Sí- concepção do que seja a unidade lidade ecumênica, isto é, sem a
rio-Ortodoxo de Antioquia ti- dentro de si mesma. oração.
nham assinado uma profissão de O movimento ecumênico tem O movimento ecumênico nas-
fé conjunta sobre a encarnação entre os seus objetivos o de redes- ceu com a proposta de realizar no
de Nosso Senhor Jesus Cristo e a cobrir esta multiplicidade, visto mês de janeiro a Semana de Ora-
hospitalidade recíproca nos sa- que sobre o tema da unidade exis- ção pela Unidade. A ideia foi de um
cramentos da reconciliação, da tem e competem as diversas ideias anglicano convertido ao catolicis-
eucaristia e da unção dos enfer- confessionais. mo, Paul Wattson, e de um episco-
mos, em casos urgentes. Agora, Um segundo aspecto é a gran- paliano americano, Spencer Jones,
ao invés, queremos aprofundar as de mudança que está se arraigando e foi apoiada aos poucos pelos pon-
questões eclesiológicas e o prima- no pensamento das comunidades tífices em tempos mais recentes, e
do petrino. reformadas: estas não veem mais aprofundada por Paul Couturier,
um protagonista da espiritualidade
Na página ao lado, ecumênica. A Semana deve recor-
um momento da celebração dar-nos que nós homens não pode-
das Vésperas, presidida mos realizar esta unidade, mas po-
por Bento XVI, na festa da demos, talvez, colocar alguma tran-
Conversão de São Paulo sitória condição histórica, que de-
Apóstolo, na conclusão pois o Espírito Santo usa.
da Semana de Oração pela Este é o fundamento do ecume-
Unidade dos Cristãos, Basílica nismo, e isso eu gostaria de apro-
de São Paulo fora dos Muros, fundar durante o meu mandato.
Roma, 25 de janeiro de 2011; O senhor afirmou que no
na foto ao lado, alguns diálogo entre cristãos, uni-
representantes das outras Igrejas dade não tem uma acepção
e Comunidades Eclesiais partilhada. Qual a sua pro-
assistem à celebração posta? ¬

Nenhum caminho comum poderá ser realizado fora da espiritualidade


ecumênica, isto é, sem a oração.O movimento ecumênico nasceu
com a proposta de realizar no mês de janeiro a Semana de Oração pela
Unidade. Ela deve recordar-nos que nós homens não podemos realizar
esta unidade, mas podemos, talvez, colocar alguma transitória condição
histórica, que depois o Espírito Santo usa

30DIAS Nº 3 - 2011 27
Igreja

A unidade na mesma fé, na ce- dade pela Anglicanorum coeti- existem os meios de salvação. É
lebração dos sacramentos e no re- bus; o Pontifício Conselho para a um fato objetivo. Então, quando
conhecimento dos ministérios na Promoção da Unidade dos Cris- ouço que há fiéis protestantes que
Igreja não significa uma homolo- tãos continua com o diálogo ecu- pretendem tornarem-se católicos
gação, porque as diferenças entre mênico. digo-lhes: “Vocês não devem dei-
as Igrejas existem e não é neces- Voltemos às diversas con- xar nada, mas receberão alguma
sário eliminá-las. Devemos elimi- cepções de unidade. coisa a mais”, ou seja, os meios de
nar apenas as que causaram uma Existem, dizíamos, dois estilos salvação presentes na Igreja Cató-
ruptura entre nós e precisam de de ecumenismo. Um busca a uni- lica. Que não são um mérito da
uma cura. As outras... podem até dade visível, trabalha e reza por Igreja, mas um dom do Senhor.
continuar. Papa Bento repetiu ela. O outro mantém a pluralidade Com isso já está subentendido
aos anglicanos que querem entrar atual, codifica-a, e pede o reconhe- que também nas outras Comuni-
na Igreja Católica: vocês podem cimento final de todas as Igrejas dades Eclesiais existem meios de
conservar as suas tradições. Eis a como cotas-partes da Igreja de salvação.
unidade na diversidade e diversi- Cristo. Os bispos católicos, orto- Qual é o ponto do diálogo
dade na unidade: de outro modo doxos e luteranos que sustentam a com as Igrejas da Reforma?
há apenas uma unificação homo- primeira via são felizes que a Santa Com eles, certamente não po-
logante, alheia à substância mes- Sé proponha a unidade e a plurali- demos começar pelo primado.
ma do catolicismo. O conjunto dade; os outros menos. Na homilia Com a Reforma nasceu uma outra
das ordens religiosas e das formas para as Vésperas da festividade da Igreja, e isso não era o que Lutero
de vida eclesial compõem tam- Conversão de São Paulo, na con- esperava, ele pedia a renovação da

Acima, à esquerda, o cardeal Kurt Koch com o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, por ocasião da divina
liturgia da Festa de Santo André, na igreja de Fanar, em Istambul, dia 30 de novembro de 2010; à direita, com o patriarca
de Moscou e de todas as Rússias, Kirill, em Moscou, dia 16 de março de 2011

bém na história da Igreja um jar- clusão da Semana de Oração pela Igreja Católica. O ecumenista pro-
dim com muitas flores e nós não Unidade dos Cristãos, Papa Bento testante Wolfhart Pannenberg dis-
queremos substituí-lo com uma disse que não podemos renunciar se que a existência de novas Igrejas
monocultura, a Igreja não é as- ao objetivo do ecumenismo, ou se- não é o sucesso, mas o insucesso
sim. O mesmo deve valer no cam- ja, à unidade visível na fé, nos sa- da Reforma. Este juízo ajuda-me
po do ecumenismo. cramentos e no ministério. muito em vista do ano 2017, o
Com a constituição apostó- No texto do Diretório Ecu- quingentésimo aniversário da Re-
lica Anglicanorum coetibus mênico, recorda-se em mais forma, porque me pergunto como
o caminho comum realizado de uma passagem que exis- os próprios protestantes vejam ho-
com os anglicanos progrediu. tem meios de salvação além je a Reforma: um empenho pela
A Igreja da Inglaterra nasceu dos limites visíveis da Igreja renovação da Igreja ou uma ruptu-
porque o Papa não aceitou as se- Católica. ra? Pessoalmente interessa-me
gunda núpcias do rei, e isso garan- A Igreja de Jesus Cristo não é muito que os reformados falem
tiu que os anglicanos se mantives- uma ideia abstrata, que ainda não não só dos quinhentos anos trans-
sem, no fundo, mais católicos que existe, mas está na Igreja Católica, corridos depois da ruptura, mas
os outros. Na Cúria Romana te- entendida como sujeito histórico. também e principalmente dos dois
mos uma separação clara das com- E isso não implica que os católicos mil anos da vida da Igreja, dos
petências. A Congregação para a sejam melhores do que os outros, quais mil e quinhentos transcorri-
Doutrina da Fé tem responsabili- mas apenas que na Igreja Católica dos juntos. Fico muito contente

28 30DIAS Nº 3 - 2011
Entrevista com o cardeal Kurt Koch

Existem dois estilos de ecumenismo. Um busca a unidade visível,


trabalha e reza por ela. O outro mantém a pluralidade atual, codifica-a,
e pede o reconhecimento final de todas as Igrejas como cotas-partes
da Igreja de Cristo. Na homilia para as Vésperas da festividade
da Conversão de São Paulo, na conclusão da Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos, Papa Bento disse que não podemos renunciar
ao objetivo do ecumenismo, ou seja, à unidade visível na fé,
nos sacramentos e no ministério
que o novo presidente da Comuni- No diálogo com os judeus, Gostaria de compreender me-
dade Evangélica da Suíça, o pastor elementos não faltaram. Co- lhor o que signifique para um ju-
Gottfried Locher, tenha-se defini- mecemos com a indicação deu a fé cristã e a relação entre ju-
do não um protestante, mas um proveniente do livro-entrevis- deus e cristãos. O diálogo do Pa-
católico reformado. Isto é, católico ta do Papa, isto é, de uma ade- pa Bento com o rabino Neusner,
com a experiência da Reforma, são ao que São Paulo confes- no primeiro livro Jesus de Naza-
mantendo assim o fundamento da sava sobre a relação entre ré, para mim é relevante, é exata-
própria fé apostólica, comum até cristãos e judeus. mente o diálogo teológico que
1517. Gostaria que as coisas fos- Confio totalmente na bondade imagino. E sobre a missão siste-
sem vistas deste modo. dos ensinamentos que nos foram mática para com os judeus... a
O senhor acha que poderá transmitidos por São Paulo, ele Igreja não a procura. Mas nós
trabalhar também pela unida- nos ajuda até hoje. Assim como cristãos confessamos a fé em Je-
de da Igreja na China? confio que o Papa tenha seguido sus, e a depomos gratis diante da
Até agora não tivemos a possi- São Paulo ao redigir a nova versão liberdade do outro.
bilidade. É competência principal- da oração da Sexta-Feira Santa. Existe um leitmotiv que o
mente da Secretaria de Estado. Co- Papa Bento é muito sensível ao te- acompanha desde o início do
nhecemos bem a delicadeza daque- ma judaico, começando pelo fato seu trabalho em Roma?
la realidade e a delicadeza da carta, de que não chama mais os judeus Há quem diga que Bento XVI
cheia de compaixão, que o Papa de “irmãos maiores”, sabendo não se interesse pelo ecumenismo
Bento escreveu aos fiéis chineses muito bem o quanto seja proble- com as Igrejas nascidas com a Re-
em 2007. Se o nosso Conselho pu- mática a definição de “ir mão forma, dado que as Igrejas Orto-
der facilitar alguma coisa no futuro, maior” no Antigo Testamento. Eu doxas estão mais próximas de
faremos de boa vontade... teria muito prazer em aprofundar nós, e esta afirmação não corres-
Como? um diálogo teológico. ponde à verdade. Quando o Papa
Isso dependerá do que os orga- Sobre quais temas? pediu-me para assumir este cargo,
nismos da Cúria poderiam solici- Os cristãos acreditam na uni- disse que era necessário ter uma
tar. Mas para a China, na minha versalidade da salvação em Jesus pessoa que conhecesse as comu-
oração pessoal, já cumpro tudo o Cristo, porém por outro lado, diz- nidades eclesiais nascidas com a
que posso fazer. se que uma missão para com os ju- Reforma não apenas através de
deus é absolutamente estudos, mas graças à experiên-
impossível. Como estas cia. O Papa alimenta uma grande
duas afirmações podem esperança no movimento ecumê-
não ser incompatíveis? nico. De fato, temos esse texto, o
Também por isso a no- Diretório ecumênico, que nos re-
va oração da Sexta-feira corda que cada bispo na sua dioce-
Santa causou tantas dis- se é o principal responsável pelo
cussões. ecumenismo.
Será sempre útil a todos reler e
Bento XVI cumprimenta usar este documento. Em cada dio-
Riccardo Di Segni, cese existem realidades ecumêni-
rabino-chefe da cas particulares, e o bispo local
Comunidade Judaica de tem a primeira responsabilidade
Roma, por ocasião com relação a isso. O nosso Ponti-
da visita ao Sacrário das fício Conselho quer estar também
Fossas Ardeatinas a serviço da Igreja local quando is-
a 27 de março de 2011 so for solicitado e desejado. q

30DIAS Nº 3 - 2011 29
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

toda a nossa salvação se en-


contra na oração’. Daqui de-
riva o seu famoso axioma:
‘Quem reza se salva’ (Del
gran mezzo della preghiera
e opuscoli affini. Opere as-
cetiche II, Roma, 1962, p.
171). A este propósito, vol-
ta-me ao pensamento a
exortação do meu predeces-
sor, o Venerável Servo de
Deus João Paulo II: ‘As nos-
sas comunidades cristãs de-
vem tornar-se ‘escolas de
oração’ [...]. Entre as formas
de oração aconselhadas fer-
vorosamente por Santo
Afonso sobressai a visita ao
Santíssimo Sacramento ou,
como diríamos hoje, a adora-
ção, breve ou prolongada,
pessoal ou comunitária,
diante da Eucaristia. ‘Sem
dúvida’, escreve Afonso, ‘en-
tre todas as devoções, a de
adorar Jesus sacramentado é
Bento XVI rezando a primeira depois dos sacra-
mentos, a mais querida a
PAPA /1 corações, revelada plena- Deus e a mais útil para nós.
Santo Afonso: mente por Cristo e inter- [...]. Oh, como é bom per-
“Quem reza se salva” pretada respeitavelmen- manecer diante de um altar
te pela Igreja, e os dina- com fé... e apresentar-lhe as
Bento XVI dedicou a cate- mismos da consciência e próprias necessidades, como
quese de quarta-feira, 30 de da liberdade do homem faz um amigo a outro amigo,
março, a Santo Afonso Ma- que, precisamente na no qual se tem toda a con-
ria de Ligório, o santo napo- adesão à verdade e ao bem, fiança!’ (Visitas ao Santíssi-
litano autor, como recordou permitem o amadurecimen- As capas das edições em inglês,
mo Sacramento e à Santís-
o Papa, de um dos mais po- to e a realização da pessoa. espanhol, francês, português
sima Maria para cada dia
pulares cânticos de Natal Aos pastores de almas e aos e alemão do livro do mês. Introdução)”.
mais populares na Itália, e confessores, Afonso reco- Quem reza se salva
não só: Tu scendi dalle stel- mendava que fossem fiéis à
le. “Na sua época difundiu-se doutrina moral católica, as- consciência moral e – é ne- PAPA/2
uma interpretação muito ri- sumindo ao mesmo tempo cessário reconhecê-lo – de São Lourenço
goroista da vida moral, tam- uma atitude caritativa, com- uma certa falta de estima pe- de Bríndisi e o
bém por causa da mentalida- preensiva e dócil, a fim de lo Sacramento da Confissão, “doce jugo” de Jesus
de jansenista que, em vez de que os penitentes pudessem o ensinamento de Santo
alimentar a confiança e a es- sentir-se acompanhados, Afonso ainda é de grande Na catequese de quarta-feira
perança na misericórdia de sustentados e encorajados atualidade [...]”. 23 de março, dedicada a
Deus, fomentava o medo e no seu caminho de fé e de vi- No seu discurso o Papa São Lourenço de Bríndisi,
apresentava um rosto de da cristã. Santo Afonso nun- também recordou a insistên- Bento XVI disse: “Falando
Deus áspero e severo, muito ca se cansava de repetir que cia do santo pela oração, ex- aos sacerdotes e aos semina-
distante daquele que nos foi os sacerdotes são um sinal vi- plicando: “No que se refere à ristas na catedral de Bríndisi,
revelado por Jesus. Sobretu- sível da misericórdia infinita oração, ele escreve: ‘Deus cidade natal de São Louren-
do na sua obra principal, inti- de Deus, que perdoa e ilumi- não nega a ninguém a graça ço, recordei que ‘o momen-
tulada Teologia moral, San- na a mente e o coração do da oração, com a qual se ob- to da oração é o mais impor-
to Afonso propõe uma sínte- pecador a fim de que se con- tém a ajuda para vencer qual- tante na vida do sacerdote,
se equilibrada e convincente verta e mude de vida. Na nos- quer concupiscência e tenta- aquele em que a graça divina
entre as exigências da lei de sa época, em que existem ção. Digo, reitero e repetirei age com maior eficácia, dan-
Deus, esculpida nos nossos claros sinais de perda da sempre, enquanto viver, que do fecundidade ao seu minis-

30 30DIAS Nº 3 - 2011
urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO

tério. Rezar é o primeiro ser- presidente da Federação


viço a prestar à comunidade. das Monjas Agostinianas,
Por isso, os momentos de residente no mosteiro dos
oração devem ter na nossa Santos Quatro Coroados,
vida uma verdadeira priori- em Roma. As imagens que
dade... [...]’”. ilustrarão as várias estações
Ao concluir a sua cate- são desenhos realizados pe-
quese, o Papa recordou a la irmã Elena Manganelli,
grande devoção de São Lou- também monja agostiniana,
renço ao Espírito Santo: “O do mosteiro de Lecceto (Se-
Espírito Santo torna dócil o na, Itália).
jugo da lei divina e leve o seu
peso, a fim de que observe-
mos os mandamentos de IGREJA/1
Deus com enorme facilida- Cañizares e
de, e até com amabilidade”. a Virgem Maria,
agora também Nossa Antonio Cañizares Llovera no vicariato apostólico do Kuwait
Senhora da Arábia
PAPA/3 todos os países do Golfo, ou homilia do cardeal Cañiza-
As meditações “‘Proclamo Nossa Senhora seja: Kuwait, Bahrein, Qa- res de janeiro passado:
da Via-Sacra escritas da Arábia padroeira dos tar, Arábia Saudita, Emira- “Possa a Vir gem Maria,
e desenhadas por dois vicariatos apostólicos dos Árabes Unidos, Iêmen e Nossa Senhora da Arábia,
monjas agostinianas do Golfo’. Com esta solene Omã. Esse ‘novo’ título de ajudar-nos a seguir Jesus, a
declaração, o cardeal Anto- Nossa Senhora tocou o co- permanecermos fiéis e fir-
No dia 25 de março a Sala nio Cañizares Llovera, pre- ração das gentes. Agora, ao mes na fé e a olhar sempre a
de Imprensa do Vaticano feito da Congregação para lado de gloriosos títulos co- Jesus fonte da nossa fé”.
comunicou que os textos o Culto Divino e a Disciplina mo ‘Nossa Senhora de
das meditações para as esta- dos Sacramentos, a 16 de Lourdes’, ‘Nossa Senhora
ções da Via-Sacra no Coli- janeiro de 2011, procla- de Fátima’ e muitos outros, IGREJA/2
seu da Sexta-feira Santa mou, na Catedral de Ku- podemos humildemente Tettamanzi,
deste ano foram compostas, wait, a Bem-Aventurada acrescentar também ‘Nossa São João Crisóstomo
a pedido do Papa, pela Ma- Virgem Maria Nossa Senho- Senhora da Arábia’. No Ku- e o Evangelho
dre Maria Rita Piccione, ra da Arábia, padroeira de wait, Nossa Senhora não fez do bom cristão
aparições como em Lour-
des, Fátima e outros luga- “Poderíamos dizer assim: a
res, mas aqui sempre esteve a crença implica de algum
presente, e aqui conseguiu modo a posse de um ideal,
trazer Jesus ainda antes da ou de um Deus, que acaba
chegada do islã. De fato, na por ser colocado ao pró-
ilha de Failaka, que perten- prio serviço. Aquele que é
ce ao Kuwait, há restos de animado pela fé, ao invés,
uma igreja, provavelmente entrega si mesmo ao ou-
nestoriana, do século V. tro, abandona a ideia de
Também existem outros im- domínio sobre a realida-
portantes sítios arqueológi- de”. São palavras do car-
cos com igrejas destas épo- deal Dionigi Tettamanzi
cas em outros países do Gol- em uma entrevista publica-
fo. A Ela, com grande vene- da no La Repubblica de
ração, quisemos dedicar to- 14 de março. A uma per-
do o Golfo para que seja ela gunta sobre o que significa
a preceder e a acompanhar crer em Deus, o cardeal
todo o nosso ministério”. respondeu: “Significa não
Este é o início de um artigo tanto fazer referência a um
publicado no L’Osservatore ser absoluto e transcen-
Romano de 11 de março dente, mas a um ser que
escrito pelo vigário apostóli- tem um nome, um rosto e
co no Kuwait, o combonia- um coração. Significa crer
no Camillo Ballin. O artigo em alguém que me nota,
O mosteiro de Lecceto, Sena concluía com uma frase da que me acompanha, me ¬

30DIAS Nº 3 - 2011 31
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

quanto que no dia 1º de tãos e muçulmanos, segui-


março, o Papa aceitou a re- das por apreensões entre os
núncia ao governo pastoral islamistas [...]. E o desapare-
da arquidiocese de Los An- cimento de documentos tor-
geles (EUA) apresentada na mais acreditável o inqué-
pelo cardeal Roger Michael rito contra o ministro do In-
Mahony, que tinha comple- terior de Mubarak, o onipo-
tado 75 anos dois dias an- tente Habib al-Adly. No dia
tes. Seu sucessor é o arce- 7 de fevereiro a procurado-
bispo José Horacio Gómes, ria do Cairo inscreveu-o en-
59 anos, do clero do Opus tre os indiciados por ter or-
Dei, que era coadjutor da ganizado o atentado de Na-
mesma arquidiocese desde tal contra a Igreja copta de
abril de 2010. Alexandria”.

NORTE NORTE
DA ÁFRICA/1 DA ÁFRICA/2
O Egito e os Os nazistas, as
semeadores de cizânia bombas inteligentes e
entre cristãos e as guerras preventivas
muçulmanos
Em um artigo publicado no
No La Repubblica de 8 de Corriere della Sera de 21
março foi publicado um arti- de março, Armando Torno,
go no qual se explica com partindo do atual conflito lí-
detalhes, como durante a re- bio, faz uma reflexão sobre
cente insurreição egípcia, os as sutis fronteiras entre con-
revoltosos, ao invadirem os flitos justos e injustos. As-
Obama visita o túmulo de Romero. No dia 23
palácios do poder, teriam sim escreve: “No primeiro
de março, o presidente dos Estados Unidos da reunido fichários com infor- conflito do Golfo, espalhou-
América, Barack Obama, durante a visita a San mações reservadas, para de- se o conceito de ‘bombas
Salvador, prestou uma homenagem ao bispo pois colocá-los na rede, os inteligentes’ e em 2002 o
Óscar Arnulfo Romero, morto em 24 de março quais documentariam alguns presidente George W. Bush
crimes por obra do passado falou de ‘guerra preventi-
de 1980 enquanto celebrava a missa. A visita, regime. Esta é a conclusão va’, mas estes termos não
em programa pelo 31º aniversário do assassina- do artigo: “Particularmente eram novos: já tinham sido
to do bispo, foi antecipada por causa da partida graves são as acusações so- usados por Joseph Goeb-
antecipada do presidente americano. bre as tensões criadas pro- bles em 1940 e 1941 para
positadamente entre cris- os bombardeios sobre Lon-

desafia, me consola. E obri- Evangelho vivo”.


ga-me a comportar-me de SAGRADO
outro modo. Enfim, a fé COLÉGIO
mais do que um conceito é A morte do cardeal
um encontro, uma comu- Vithayathil. As
nhão. E isso não vale apenas demissões de Mahony
para o católico ou o cristão”.
Enfim, para explicar no que No dia 1º de abril faleceu o
consiste o testemunho cris- cardeal indiano Varkey Vit-
tão, recordou o ensinamen- hayathil, de 84 anos, re-
to de São João Crisóstomo dentorista, desde 1999 ar-
“o qual afirma que não há cebispo-mor de Er naku-
necessidade de anunciar o lam-Angamaly dos Sírio-
Evangelho. Se a fé vive nos malabares. Na data o Sa-
gestos mais humildes e sim- grado Colégio resulta com-
ples do bom cristão, ele mes- posto por 200 cardeais,
mo torna-se Evangelho: um dos quais 116 eleitores. En- O cardeal Varkey Vithayathil

32 30DIAS Nº 3 - 2011
urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO

dres – ‘somente’ onde havia canonicamente eleito pa-


arsenais – e para o ataque à triarca de Antioquia dos
Rússia, desencadeado para Maronitas em 15 de março
prevenir a ofensiva de Sta- no Sínodo dos Bispos da
lin”. Em seguida, entre as Igreja Maronita, reunido
perspicazes ar gumenta- em Bkerké no Líbano. Raï,
ções pró e contra a guerra 71 anos, da Ordem Maro-
ali apresentadas, pode-se nita da Bem-Aventurada
ler: “Tito Livio intuiu a sua Virgem Maria, desde 1986
natureza: ‘Bellum se ipse era vigário patriarcal e em
alet’, ou seja, ‘A guerra nu- 1990 foi transferido à epar-
tre a si mesma’ (Ab urbe quia de Jbeil (Byblos). Ain-
condita XXXIV, 9); talvez da no dia 25 de março o Pa-
por isso a justa e a injusta às pa concedeu a confirma-
vezes se confundem”. ção solicitada-lhe por Svia-
toslav Shevchuk, que em
23 de março tinha sido elei-
IGREJAS to canonicamente arcebis-
CATÓLICAS po-mor de Kyiv-Haly no Sí-
ORIENTAIS nodo dos Bispos da Igreja
Raï o novo patriarca greco-católica ucraniana,
maronita e Shevchuk reunida em Lviv. Shev-
novo arcebispo-mor chuk, 41 anos, desde 2009
de Kiev era auxiliar da eparquia de
Santa Maria do Patrocínio
No dia 25 de março o Papa de Buenos Aires, na Argen-
concedeu a Ecclesiastica tina, da qual, desde 2010,
Communio solicitada-lhe era administrador apostóli-
por Béchara Boutros Raï, O patriarca libanês Béchara Raï co sede vacante. q

ORIENTE MÉDIO
A paz se faz com os inimigos

Causou muitas polêmicas no mundo judaico o gesto de mos com ele. Por ‘nós’
abertura do escritor Amos Oz, ao presentear um exem- entendo o Estado de Is-
plar de um de seus últimos livros, De amor e trevas, ao rael. Mais cedo ou mais
líder palestino Marwan Barghouti, detento em uma pri- tarde Israel deverá falar
são israelense. Chamado a explicar o seu gesto, em uma com Barghouthi mesmo
entrevista concedida a Elena Loewenthal no jornal ita- sendo ele o mandante da
liano La Stampa de 30 de segunda Intifada e que
março, o escritor israelen- tenha em sua consciên-
se afirmou: “Eu queria que cia um grande número
Marwan Barghouti lesse de atendados suicidas e
De amor e trevas, porque outras tantas vítimas de Marwan Barghouti
sei que este livro ajudou ataques terroristas. O
muitos árabes a entende- meu romance traduzido em italiano [pela editora Feltri-
rem Israel. E porque tenho nelli, ndr] é uma história profundamente individual e fa-
certeza de que mais cedo miliar, mas é também e talvez principalmente a epopeia
ou mais tarde nós falare- do sionismo visto de dentro, com as suas razões e as
suas raízes [...]”. E concluindo a entrevista, aludindo à
motivação do gesto, repetiu: “Fiz isso em plena cons-
A edição italiana do livro ciência. Armado principalmente de uma certeza que
de Amos Oz, Una storia di amore não faz mal lembrar: ou seja, que a paz se faz com os ini-
e di tenebra, ed. Feltrinelli, migos. Com os amigos não se faz paz, com os inimigos
Turim, 2005, 627 p. sim. Não é verdade?”.

30DIAS Nº 3 - 2011 33
“Um olhar sobre
o Jesus dos evangelhos
e uma escuta d’Ele”

pelo cardeal Georges Cottier, O.P.


teólogo emérito da Casa Pontifícia

A segunda parte do livro Jesus de Nazaré, escrito cia racionalista a contrapor aquilo que é possível
por Bento XVI-Joseph Ratzinger, é certamente saber de científico a respeito de Jesus Cristo e o
uma obra importante. Não é uma leitura fácil, por que a Igreja ensina. Segundo essa linha de pensa-
sua complexidade. O autor desenvolve um diálogo mento, o ensinamento da Igreja sobre Cristo seria
aprofundado e intenso com o ambiente dos exege- um acréscimo posterior, uma construção mítica
tas, mesmo não sendo exegeta. Já esse aspecto criada pela comunidade cristã independentemen-
tem sua relevância, dado que às vezes, no mundo te dos fatos.
teológico, parece perpetuar-se uma certa distância O livro de Bento XVI, fazendo referência cons-
entre os exegetas e os teólogos dogmáticos. Mas tante à historicidade de Cristo, responde também à
não nos devemos deter demais nesse ele- tentação oposta, a da gnose, que transparece ain-
mento, se quisermos ir além da pu- da hoje nos escritos de alguns teólogos.
ra erudição. O próprio autor expli- Quando lemos o Evangelho – o
ca nas primeiras páginas que não autor o sublinha em muitas pági-
era essa a sua intenção. Ele queria nas – temos de lidar com fatos, que
simplesmente escrever algo “útil a to- continuam como tais mesmo quan-
dos os leitores que queiram encontrar do são misteriosos, como a eficácia
Jesus e acreditar n’Ele” (p. 12). redentora da paixão ou a ressurrei-
Na base do livro está justamente o ção. “Há muitos detalhes que podem
dado reconhecido de que o Jesus da continuar em aberto”, escreve Joseph
história e o Jesus da fé são a mesma Ratzinger na página 93, “mas o fac-
pessoa. Uma constatação corajosa, se tum est do ‘Prólogo’ de João (1, 14)
considerarmos a penetração desastro- não só vale como categoria cristã funda-
sa, também entre os crentes, da tendên- mental para a encarnação como tal, mas
também deve ser reivindicado para a últi-
À direita e nas páginas seguintes as capas do livro ma ceia, a cruz e a ressurreição”. Deus
de Joseph Ratzinger-Bento XVI, Jesus de Nazaré. entrou na história. A Bíblia fala da histó-
Da entrada em Jerusalém à ressurreição ria de Deus com a humanidade. Mas ¬

34 30DIAS Nº 3 - 2011
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

Jesus no jardim das oliveiras, Barna de Sena, Colegiata de San Gimignano, Sena

O livro de Bento XVI, fazendo referência constante à historicidade de Cristo,


responde também à tentação oposta, a da gnose. Quando lemos o Evangelho
temos de lidar com fatos, que continuam como tais mesmo quando são
misteriosos, como a eficácia redentora da paixão ou a ressurreição

30DIAS Nº 3 - 2011 35
não no sentido hegeliano de uma gnose que incor- de outro lado, o laço de prefiguração que existe
pora o dado histórico numa construção teológico- entre os fatos do Velho e do Novo Testamentos.
lógica. Falando da ressurreição, o autor sublinha Essa relação, dentro da história da salvação, não
que “o terceiro dia não é uma data ‘teológica’, mas acontece como desenvolvimento imanente e
o dia de um acontecimento que se tornou, para os progressivo de um princípio salvífico predispos-
discípulos, a viragem decisiva depois da catástrofe to, à maneira hegeliana. É o próprio Deus que in-
da cruz” (p. 210). tervém e, na continuidade da história da salva-
Nessa perspectiva histórica, Joseph Ratzinger ção, prepara e leva à realização mediante, por
retoma a própria posição da Igreja primitiva, que assim dizer, “saltos qualitativos” gratuitos, ou se-
olhava para os fatos de Cristo à luz do Antigo Tes- ja, por intermédio de ações sempre novas. Essa
tamento. A unidade dos dois Testamentos parece- unidade estreita entre a Lei antiga e a Lei nova do
me ser um dos eixos fundamentais em torno dos Evangelho, marcada pelas intervenções gratuitas
quais o livro se desenvolve. de Deus, é uma trama que se desenrola por todo
Os primeiros cristãos tinham como Sagrada Es- o livro. Por exemplo, no capítulo sobre a oração
critura o Antigo Testamento. Para eles, foi uma sacerdotal de Jesus, Bento XVI cita o exegeta
surpresa e um conforto de fé quando se deram con- André Feuillet, para sublinhar que essa oração
ta de que os textos misteriosos das antigas Escritu- “só é compreensível tendo como cenário de fun-
ras eram elucidados plenamente pela vida, pela do a liturgia da festa judaica da Expiação (Yom
paixão, pela morte e pela ressurreição de Jesus. O Kippur). O ritual da festa, com o seu rico conteú-
autor faz várias vezes, de modo eficaz, um paralelo do teológico, realiza-se – literalmente – na ora-
entre a leitura cristã e a leitura rabínica do Velho ção de Jesus: o rito é traduzido na realidade que
Testamento, sem esconder as diferenças. ele mesmo significa. Aquilo que aí era represen-
Indo mais a fundo, a íntima união entre o Velho tado em ações rituais acontece agora de modo
e o Novo Testamentos é percebida na própria pes- real e definitivo” (p. 72).
soa de Jesus. Jesus reza usando os Salmos. A rela- Enfim, também neste livro aparece aquela
ção mais íntima do Filho com o Pai também se dá “questão metodológica” que já tinha sido analisada
por intermédio das orações dos pobres de Israel. no primeiro volume, com a crítica – que não é uma
Escreve o autor: “Mesmo na sua Paixão – tanto no rejeição – do método histórico-crítico. Novamente,
monte das Oliveiras como na cruz – Jesus fala de Si Bento XVI evidencia que a exasperação da questão
e fala a Deus-Pai com palavras dos salmos. Mas es- do método pode facilmente conduzir a uma forma
sas palavras tiradas dos salmos tornam-se total- de superstição metodológica. Nas ciências natu-
mente pessoais, palavras absolutamente próprias rais, se o método é bem aplicado, funciona quase
de Jesus na sua tribulação: Ele é realmente o verda- que por si só. Mas isso não se dá nas ciências hu-
deiro orante desses salmos, o seu verdadeiro sujei- manas, em que o método, ainda que responda às
to. Aqui identificam-se a oração muito pessoal e o exigências do rigor científico, tem seus próprios
rezar com as palavras de súplica do Israel crente e critérios. De fato, o objeto possui sua singularidade
sofredor” (p. 129). e o intérprete, historiador ou exegeta, se empenha
Jesus viveu na Sagrada Escritura de Israel. Se, pessoalmente. No caso da Palavra de Deus, o intér-
de um lado, o livro rechaça qualquer redução prete, assistido pelo Espírito, acima do cientista, é
gnóstica dos fatos a símbolos, evidencia também, a Igreja como sujeito vivo. q

A Bíblia fala da história de Deus com a humanidade. Mas não no sentido


hegeliano de uma gnose que incorpora o dado histórico numa construção
teológico-lógica. Falando da ressurreição, o autor sublinha que “o terceiro dia
não é uma data ‘teológica’, mas o dia de um acontecimento que se tornou,
para os discípulos, a viragem decisiva depois da catástrofe da cruz”

36 30DIAS Nº 3 - 2011
Jesus rezando no jardim das oliveiras, detalhe, Barna de Sena, Colegiata de San Gimignano, Sena

30DIAS Nº 3 - 2011 37
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

Fiel à declaração
Nostra aetate
Em seu último livro, tratando das
responsabilidades na morte
de Jesus, Bento XVI explica, com reconhecida
doutrina, o que o Concílio Vaticano II
declarou solenemente.
As reflexões do rabino-chefe de Roma

Riccardo Di Segni

Vaticano II: a declaração Nostra aetate, na qual é


explicado, ou melhor, é declarado solenemente que
a responsabilidade pela morte de Jesus não pode ser
atribuída a todos os judeus de seu tempo, nem muito
menos aos das gerações seguintes. Dessa forma, cai
a terrível acusação de deicídio que se arrastou por sé-
culos, constituindo uma das bases e das justificativas
para o ódio e para a perseguição cristã contra os ju-
deus. Mais de quarenta e cinco anos depois daquela
declaração, um livro que trata da história da paixão
de Jesus, que leva a mais autorizada assinatura do
universo católico, só pode acolher essas ideias, e no
por Riccardo Di Segni máximo explicá-las com sua reconhecida doutrina.
Foi justamente o que aconteceu no livro do Papa.
Surpreendente seria se Bento XVI tivesse tomado
outro rumo, empregando outras teses e argumen-
uito se falou nestes dias a respeito do novo tos. Ou se o que ele escreve tivesse sido escrito por

M livro do Papa, e isso é normal e necessário.


Mas a coisa mais estranha, embora não de
todo insólita, é que tenham falado quase tão somen-
um papa antes do Concílio. Mas, então, por que tan-
to alvoroço? Há diversas respostas possíveis para is-
so, que não se excluem; proporei duas. A primeira é
te do capítulo em que se discutem as responsabilida- que era preciso fazer um lançamento publicitário,
des judaicas na morte de Jesus. Digo que não é algo que requer sempre uma isca atraente, e, quando não
insólito porque é comum que a mídia dê destaque a há notícia, é preciso inventá-la. A segunda resposta
um dado que poderia ser marginal em relação a ou- mostra como o que deveria ser simples e óbvio não o
tros, que mereceriam maior atenção; acontece na é de modo algum; no sentido de que, apesar das dé-
informação em geral, e ainda mais na ligada ao atual cadas passadas, do amplo esforço educativo e da
Papa, cujas grandes posições doutrinais são ignora- mudança real de clima nas relações cristão-judaicas,
das, para dar atenção apenas a detalhes que desper- a questão do deicídio parece continuar sempre e de
tam a curiosidade. Mas não deixa de ser estranho, qualquer forma a ser um nó não resolvido ao menos
pois tanto alvoroço nasce em torno de uma questão na parte mais profunda das consciências. Portanto,
que já deveria ser pacífica e óbvia. A revolução nas há a necessidade de enfrentar o problema todos os
relações cristão-judaicas tem como referência sim- dias, com novos instrumentos. O alvoroço não vem,
bólica um texto oficial, promulgado pelo Concílio portanto, do fato de o papa ter apresentado uma ¬

38 30DIAS Nº 3 - 2011
Crucificação branca, Marc Chagall, The Art Institute of Chicago

30DIAS Nº 3 - 2011 39
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

A deposição da cruz, Marc Chagall, Musée National d’Art Moderne, Centre Pompidou, Paris

certa explicação, mas de haver a necessidade dessa de na contribuição atual e o prosseguimento coeren-
explicação. Pois, se as coisas estão nesse pé, há ra- te de uma linha. Isso, todavia, não diminui a impor-
zão para nos preocuparmos. tância do novo livro. Para evitar os dramas do passa-
Um dos problemas difíceis de resolver, na origem do é necessário desmontar as antigas conclusões e
da questão, é a dureza dos textos evangélicos, cada as aproximações hostis, comentar, distinguir, expli-
um dos quais, a seu modo, lança mensagens que, car cada frase e cada detalhe, inserindo-os no con-
juntas, compõem o quadro tradicional dos judeus texto específico. Operação que o professor Ratzin-
hostis que gritam “crucifige” e assumem a responsa- ger sabe executar magistralmente. Um observador
bilidade sobre eles e as gerações futuras. Muito se de- atento, o professor Ugo Volli, sugeriu que essa ope-
ve ao clima em que nasceram esses textos, que refle- ração exegética, antes de ser uma apologia dos ju-
tem o que inicialmente era apenas uma polêmica in- deus, é uma defesa dos Evangelhos contra a acusa-
terna do mundo judaico. Mas uma leitura simplifica- ção de serem antijudaicos. Seja como for, é relevan-
da e não comentada dos textos evangélicos corre o te. Como também é relevante que certas técnicas de
risco de apresentá-los como textos antijudaicos e de comentário que subvertem os significados aparente-
avalizar uma imagem negativa dos judeus, que pode mente óbvios dos textos, e que são características da
levar à hostilidade e ao ódio. Uma das tarefas do diá- tradição rabínica, entrem a fazer parte dos modos de
logo é justamente combater o ensino do desprezo. pesquisa e expressão da tradição católica.
Paralelamente, os biblistas católicos se esforçam por Quem frequenta os blogs e os sites tradicionalis-
negar ou redimensionar o aparente antijudaísmo dos tas pode facilmente observar como essas páginas do
Evangelhos. Um importante documento oficial nes- Papa são desconsideradas, contestadas, rejeitadas,
se sentido, produzido pela Pontifícia Comissão Bíbli- em favor da visão clássica do judeu deicida. O que
ca já há dez anos, em 2001, traz o título significativo precisamos entender, com um pouquinho de curiosi-
O povo judaico e suas Sagradas Escrituras na Bí- dade, quando não de ansiedade, é quais são as ideias
blia cristã e o prefácio assinado pelo então cardeal sobre a questão realmente mais arraigadas no mun-
Ratzinger. Também isso demonstra a falta de novida- do católico. q

40 30DIAS Nº 3 - 2011
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JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

A linha demarcatória
passa entre a confiança
e o ceticismo
“As contraposições inconciliáveis que se encontram
hoje na exegese do Novo Testamento não se
originam de divergências confessionais.
A linha demarcatória situa-se entre os exegetas
que abordam o Novo Testamento munidos de
substancial confiança ou de um ceticismo histórico
de fundo”. A recensão de um teólogo luterano
por Rainer Riesner

novo livro do Papa não é uma dádiva apenas pa-

O ra quem tem fé. É uma dádiva para todas as pes-


soas que buscam a verdade. O papa Bento XVI
é a voz cristã mais ouvida no mundo inteiro. Nesse livro,
ele não fala de um tema qualquer, mas do âmago da fé
cristã. Trata-se da figura de Jesus de Nazaré. Mais preci-
samente, de dois momentos em sua vida nos quais se de-
cide se Jesus Cristo tem ou não tem um significado irre-
cusável também para o século XXI. No centro do segun-
do livro do papa Bento XVI sobre a figura de Jesus estão
a cruz e a ressurreição1.
Num espaço breve como este, não é possível salien-
tar adequadamente a riqueza dos pensamentos profun-
dos que se encontram neste livro. Posso apenas desta-
car algumas das peculiaridades que considero impor-
tantes para a nossa condição pós-moderna e, em parte,
também pós-cristã.
Rainer Riesner, professor de Novo Testamento no Instituto de
A última ceia e a exegese histórico-crítica Teologia Protestante da Faculdade de Ciências Humanas e
O livro do Papa sobre Jesus não é, como ele mesmo sa- Teológicas da Universidade das Técnicas de Dortmund,
lienta, uma publicação magisterial. Esse livro não foi pre- por ocasião da apresentação do livro de Bento XVI,
parado em conjunto com comissões teológicas; o Papa, Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém à ressurreição,
nele, transcreve a sua imagem pessoal de Jesus. Dessa for- no teatro da Faculdade Teológica do Trivêneto,
ma, sem dúvida embarcou numa empreitada arriscada. em Pádua, a 16 de março de 2011
Ao apresentar o primeiro volume, o cardeal de Viena,
Christoph Schönborn, traçara uma comparação: tal co- não constitui de modo algum uma realidade unitária.
mo o apóstolo Paulo, em Atenas, o Papa ousou ir à ágora, Todavia, se existem hoje contraposições inconciliáveis
à praça do mercado do embate de opiniões2. na exegese do Novo Testamento, estas não se originam
Nessa praça do mercado, hoje, não se encontram de divergências confessionais. A linha demarcatória,
apenas os filósofos, mas também os exegetas histórico- hoje, situa-se entre os exegetas que abordam o Novo
críticos. Tal como, na época de Paulo, havia correntes fi- Testamento munidos de substancial confiança e aqueles
losóficas contrapostas, como os estoicos e os epicuristas que, no fundo, carregam consigo um ceticismo históri-
(At 17,18), da mesma forma a exegese histórico-crítica co. O Papa sabe bem disso e, assim, não se baseia ape-

42 30DIAS Nº 3 - 2011
Nestas páginas,
afrescos de Giusto de’ Menabuoi
no Batistério de Pádua;
aqui, ao lado, os milagres de Jesus

nas nos estudiosos católicos. O fato


de ter convidado Martin Hengel e
Peter Stuhlmacher, estudiosos
evangélicos do Novo Testamento, a
encontrar-se com ele em Castel
Gandolfo em 2008 para discutir
com eles a respeito do segundo vo-
lume de sua obra sobre Jesus é uma
demonstração indubitável de sua
excepcional humildade3. Os dois,
de quem fui aluno, tinham sido cole-
gas do jovem professor Joseph Rat-
zinger na Universidade de Tübin-
gen. Com seu convite, Bento XVI
deu um sinal ecumênico de enorme
alcance, pedindo que cristãos de di-
ferentes confissões se aproximem
uns dos outros para escutar com se-
riedade a Sagrada Escritura.
No modo como trata da última
ceia, fica claro o quanto o Papa leva
seriamente em consideração a exe-
gese histórico-crítica, ainda que ao
mesmo tempo indique o limite ideo-
lógico de determinados estudiosos
pertencentes a essa corrente. As-
sim, Bento XVI admite que há pro-
blemas de caráter histórico nos
Evangelhos, para os quais são pos-
síveis respostas científicas diferen-
tes. É por isso que deixa em aberto a
questão a respeito da relação que existiria entre a ceia tem toda a razão, portanto, quando escreve: “Olhando
de despedida de Jesus e a ceia pascal judaica. Todavia, os dados históricos, não há nada de mais original do que
existe outra questão que o Papa não deixa absoluta- precisamente a tradição da Ceia. Mas a ideia de uma ex-
mente sem resposta. Hoje, muitos exegetas duvidam de piação é qualquer coisa de inconcebível para a sensibili-
que Jesus tenha pronunciado na última ceia as palavras dade moderna. No seu anúncio do Reino de Deus, Je-
que lhe são atribuídas. Justificam seu ceticismo com ba- sus deve estar nos seus antípodas. Em questão está na-
se no fato de que o anúncio do reino de Deus feito por da mais, nada menos do que a imagem que temos de
Jesus não se conciliaria com o pensamento da expia- Deus e do homem. Por isso, toda a discussão só aparen-
ção. Geralmente trazem como exemplo a parábola do temente é um debate histórico” (p. 103).
filho pródigo, que obtém o perdão do pai sem cumprir
nenhuma expiação (Lc 15,11-24). Mas já Paulo apre- A Sexta-Feira Santa como grande dia da expiação
senta as palavras da última ceia como uma tradição fir- Outra objeção à historicidade das palavras da última ceia
memente consolidada, que ele mesmo teria apreendido é que estas seriam impensáveis num contexto judaico.
da comunidade primitiva de Jerusalém, por intermédio Um dos pontos fortes do livro do Papa é a demonstração
da comunidade de Damasco (1Cor 11,23-24). O Papa de que as afirmações do Novo Testamento a respeito ¬

O Papa tem toda a razão, portanto, quando escreve: “Olhando os dados


históricos, não há nada de mais original do que precisamente a tradição da Ceia.
Mas a ideia de uma expiação é qualquer coisa de inconcebível para
a sensibilidade moderna. No seu anúncio do Reino de Deus, Jesus deve estar
nos seus antípodas. Em questão está nada mais, nada menos do que a imagem
que temos de Deus e do homem. Por isso, toda a discussão só aparentemente
é um debate histórico”
30DIAS Nº 3 - 2011 43
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

Jesus viveu na Sagrada Escritura de Israel, como o Papa. Nem todas as


descobertas sobre as referências ao Antigo Testamento puderam ser deduzidas
da literatura exegética. Algumas coisas derivam evidentemente da meditação
que Bento XVI fez sobre a Sagrada Escritura ao longo da vida

da morte de Jesus como expiação do pecado do homem uma relação interna. Essa relação é ao mesmo tempo
só se tornam compreensíveis, precisamente, com a ajuda plausível do ponto de vista histórico e altamente signifi-
do Antigo Testamento e de sua explicação em hebraico cativa em termos teológicos. A chamada purificação do
antigo. Aqui também se expressa a grande estima do Pa- templo não representou apenas um gesto de crítica so-
pa pelo judaísmo, que com razão obteve repercussão cial à classe dos sumos sacerdotes, que enriquecia com o
muito positiva na imprensa internacional. Faz parte des- comércio das ofertas. Mediante um simples gesto sim-
ses fenômenos difíceis de compreender o fato de certos bólico profético, Jesus anunciou, antes, que tinha che-
exegetas sublinharem de modo particular a religiosidade gado ao fim o culto sacrifical no templo de Jerusalém (Jo
judaica de Jesus, mas ao mesmo tempo quererem tirar- 2,14-22). Isso é confirmado pelo discurso sinóptico so-
lhe quase todos as referências à Sagrada Escritura de Is- bre o tempo final e pela predição a respeito da destrui-
rael. Essas referências não se limitam a citações diretas. ção do templo (Mc 13,14-17). Todavia, a tese de fundo
As palavras de Jesus são permeadas de alusões ao Antigo não corresponde nem de longe à opinião de que os sa-
Testamento. Se quisermos eliminar todas elas, não so- crifícios do Antigo Testamento tenham sempre carecido
brará muita coisa. Jesus viveu na Sagrada Escritura de Is- de valor. Ao contrário, tais sacrifícios, remetiam com o
rael, como também o Papa. Nem todas as descobertas apoio do anúncio de um profeta como Jeremias, a algo
sobre as referências ao Antigo Testamento puderam ser que ia além deles mesmos, prenunciando a estipulação
deduzidas da literatura exegética. Algumas coisas deri- de uma nova aliança (Jr 31,31).
vam evidentemente da meditação que Bento XVI fez so- A figura misteriosa do “servo de Deus” sofredor e mo-
bre a Sagrada Escritura ao longo da vida. ribundo do Livro de Isaías esclarece sem sombra de dúvi-
Essa abordagem permite ao Papa demonstrar, na da que a expiação só é possível graças à função vicária de
apresentação que faz de Jesus, que no desenrolar dos um especial enviado de Deus (Is 53). Jesus ligou a si mes-
eventos que acontecem entre a entrada de Jesus em Je- mo a profecia do servo de Deus, já a partir da formulação
rusalém e sua crucifixão no Gólgota podemos encontrar das palavras da última ceia (Mc 14,24). O sumo sacerdó-

A última ceia

44 30DIAS Nº 3 - 2011
cio também não é de modo algum questionado por Jesus,
mas encontra n’Ele sua plena realização. A chamada ora-
ção sacerdotal, no Evangelho de João (capítulo 17), só
pode ser compreendida a partir da liturgia da celebração
judaica do Yom Kippur. Nisso, o Papa segue a interpreta-
ção do ilustre exegeta católico André Feuillet4, cujas obras
são muitas vezes amplamente ignoradas até mesmo pela
exegese católica contemporânea, o que é um erro. Por
ocasião do “grande dia da Expiação”, o sumo sacerdote
atravessava, na única vez em que fazia isso ao ano, o li-
miar do Santo dos Santos no templo, e purificava o povo
de Israel de seus pecados aspergindo a Arca da Aliança
com sangue (Lv 16). Em sua resposta ao sumo sacerdote
Caifás, que o interroga perguntando-lhe se é o Messias,
Jesus proclama-se “sacerdote segundo a ordem de Mel-
quisedec” (Mc 14,62), lembrando o Salmo 110. O véu do
templo rasgando-se em dois no momento da morte de
Jesus remete simbolicamente ao fato de que no Gólgota A subida do Calvário
realizou-se na cruz o grande dia final da expiação (Mc
15,38). A interpretação da morte de Jesus como expia- se vale das descobertas do estudioso evangélico do Novo
ção vem, portanto, do próprio Jesus. Paulo conhecia es- Testamento Joachim Jeremias5, que em meados do sécu-
sa interpretação, pelo que recebera da comunidade pri- lo passado foi um dos críticos mais eminentes da concep-
mitiva de Jerusalém (Rm 3,24), e a Carta aos Hebreus de- ção cética de Rudolf Bultmann. O evangelista Marcos sa-
senvolveu notavelmente esse tema. Na vida dos primei- bia que antes de Jesus nenhum judeu devoto se dirigira
ros cristãos, esse significado da morte de Jesus oriundo assim a Deus, nem tampouco qualquer profeta. Portan-
da comunidade primitiva de Jerusalém transformou-se to, só Ele, que era realmente o filho de Deus, podia falar
numa realidade viva graças à celebração regular da ceia dessa forma. O papa Bento XVI comenta assim: “Preci-
do Senhor (At 2,42; 1Cor 11,25). samente porque é o Filho, sente profundamente o hor-
ror, toda a imundície e perfídia que deve beber naquele
O Getsêmani e as duas naturezas de Jesus ‘cálice’ que Lhe está destinado – todo o poder do pecado
A formulação do Concílio de Calcedônia (451), pelo qual e da morte. Ele tem de acolher tudo isso dentro de Si mes-
Jesus é reconhecido “verdadeiro homem e verdadeiro mo, para que n’Ele fique despojado de poder e superado”
Deus”, une os católicos, os ortodoxos, os anglicanos e os (pp. 130-131). Todavia, o Getsêmani impõe também a
evangélicos. Já as Igrejas copta e síria não aceitaram a seguinte pergunta: existe algo que vá além do juízo divino
chamada doutrina das duas naturezas. Elas atribuem a Je- sobre a culpa do homem? É a mesma pergunta que nos
sus apenas a natureza divina. Ao lado desse antigo mono- fazemos quando nos interrogamos a respeito da realida-
fisismo, existe também a variante moderna, muito difun- de da ressurreição de Jesus.
dida, segundo a qual Jesus possuía somente uma nature-
za puramente humana. Ao recordar os episódios evangé- A realidade da ressurreição
licos da tentação e da oração de Jesus no jardim do Get- Também ao tratar desse tema o Papa mostra estar extre-
sêmani, o papa Bento XVI esclarece por que essas duas mamente a par dos problemas históricos e exegéticos que
visões de Jesus não são corretas. O Getsêmani mostra os textos do Novo Testamento apresentam. Todavia, ele
Jesus, sobretudo na lição do Evangelho de Lucas (22, 44) faz uma distinção entre as questões secundárias, de deta-
e da Carta aos Hebreus (5, 7-8), em toda a sua vulnerável lhe, e a questão principal, da qual tudo depende. A propó-
e atemorizada humanidade. Todavia, o Pai celeste espera sito disso, Bento XVI escreve com extrema clareza: “So-
dele que beba “o cálice” (Mc 14,36), que aqui significa, na mente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verda-
linguagem veterotestamentária, a ira destrutiva de Deus deiramente novo, que muda o mundo e a situação do ho-
(Is 51,17). Isso indica que Jesus deve ser mais que um mem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos po-
simples homem. Propositalmente, sem dúvida alguma, o demos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadei-
evangelista Marcos transmitiu justamente nesse ponto a ramente. Por isso, na nossa pesquisa sobre a figura de Je-
íntima invocação “Abba, pai”, em sua forma semítica, tal sus, a ressurreição é o ponto decisivo. Que Jesus tenha
como foi ouvida da boca de Jesus. Nesse aspecto, o Papa existido só no passado ou, pelo contrário, exista tam- ¬

“Por isso, na nossa pesquisa sobre a figura de Jesus, a ressurreição é o ponto


decisivo. Que Jesus tenha existido só no passado ou, pelo contrário,
exista também no presente depende da ressurreição. No ‘sim’ ou no ‘não’
a essa questão, pronunciamo-nos não sobre um acontecimento particular
ao lado de outros, mas sobre a figura de Jesus enquanto tal”
30DIAS Nº 3 - 2011 45
JESUS DE NAZARÉ. Da entrada em Jerusalém à ressurreição

“Só um acontecimento real de uma qualidade radicalmente nova era capaz


de tornar possível o anúncio apostólico, que não se pode explicar mediante
especulações ou experiências interiores, místicas. Na sua audácia e novidade,
o referido anúncio ganha vida a partir da força impetuosa de um acontecimento
que ninguém tinha ideado e que ultrapassava toda a imaginação”

bém no presente depende da ressurreição. No ‘sim’ ou no cluir a possibilidade de novas experiências na história que
‘não’ a essa questão, pronunciamo-nos não sobre um vão além daquilo a que até agora estamos habituados. E
acontecimento particular ao lado de outros, mas sobre a fi- escreve: “É certo que, nos testemunhos sobre a ressurrei-
gura de Jesus enquanto tal” (p. 198). Nesse inevitável aut ção, se fala de algo que não ocorre no mundo da nossa ex-
aut, o Papa tem do seu lado o apóstolo Paulo, que na pri- periência. Fala-se de algo novo, algo que, até então, era
meira carta à comunidade cristã de Corinto escrevia: “E se único: fala-se de uma nova dimensão da realidade que se
Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem funda- manifesta. A fé na ressurreição não contesta a realidade
mento, e sem fundamento também é a vossa fé. Se os existente, mas diz-nos que há uma dimensão ulterior, para
mortos não ressuscitam, estaríamos testemunhando con- além das que conhecemos até agora. Porventura estará is-
tra Deus que ele ressuscitou Cristo enquanto, de fato, ele so em contraste com a ciência? Só poderá verdadeira-
não o teria ressuscitado” (1Cor 15,14-15). mente existir aquilo que desde sempre existiu? [...] Se
Mas em que medida é crível o tes-
temunho apostólico da ressurreição?
O Papa se questiona sobre isso tanto
do ponto de vista histórico quanto do
ponto de vista filosófico. Ele critica
justamente a ideia de que a formula-
ção “Jesus ressuscitou no terceiro
dia” (1Cor 15,4) possa representar
uma pura e simples derivação do An-
tigo Testamento. O “terceiro” dia re-
presenta a indicação de uma data his-
tórica. No terceiro dia após a crucifi-
xão de Jesus, seu sepulcro é encon-
trado vazio. O Papa observa a respei-
to disso que, “se o sepulcro vazio, co-
mo tal, não pode certamente provar
a ressurreição, permanece porém
um pressuposto necessário para a fé
na ressurreição, uma vez que esta se
refere precisamente ao corpo e, por
seu intermédio, à pessoa na sua tota-
lidade” (p. 208). No “terceiro dia”,
Jesus encontrou, como pessoa viva,
testemunhas com um nome, ho-
mens como Pedro ou o irmão do Se-
nhor, Tiago, e mulheres como Maria
Madalena. Nesse sentido, constata o
Papa, “também isto é importante –
os encontros com o Ressuscitado
são uma realidade distinta de aconte-
cimentos interiores ou de experiên-
cias místicas – são encontros reais
com o Vivente que, de um modo no-
vo, possui um corpo e permanece
corpóreo” (p. 218).
O Papa trata também da objeção
filosófica segundo a qual a ressurrei-
ção de Jesus contrariaria as leis que
regem a natureza. Exorta a não ex-

A crucifixão

46 30DIAS Nº 3 - 2011
Deus existe, não poderá Ele criar também uma dimensão
nova da realidade humana? Da realidade em geral?” (p.
202). Portanto, questionar a realidade da ressurreição de
Jesus significa questionar a realidade de Deus.
Com a ressurreição de Jesus, a pergunta sobre Deus
deixa de estar confinada aos limites da especulação inte-
lectual, mas passa a nos perseguir como pergunta sobre a
realidade histórica do corpo. O Papa lembra, com razão,
que as aparições de Jesus ressuscitado “no conjunto miste-
rioso de alteridade e identidade” têm como paralelo mais
próximo as teofanias do Antigo Testamento (p. 217). Aqui
encontramos uma razão convincente para o fato de já des-
de a Páscoa se evidenciar claramente que Jesus pertence
ao modo de ser de Deus (cf. Jo 20,28). O Papa conclui a
argumentação escrevendo: “A ressurreição de Jesus ultra-
passa a história, mas deixou o seu rasto na história. Por is-
so pode ser atestada por testemunhas como um aconteci-
mento de uma qualidade completamente nova” (p. 223).
Bento XVI prossegue assim: “Só um acontecimento
real de uma qualidade radicalmente nova era capaz de tor-
nar possível o anúncio apostólico, que não se pode expli-
car mediante especulações ou experiências interiores,
místicas. Na sua audácia e novidade, o referido anúncio A descida de Jesus ao Limbo
ganha vida a partir da força impetuosa de um aconteci-
mento que ninguém tinha ideado e que ultrapassava toda Os leitores ali encontram uma imagem de Jesus Cristo his-
a imaginação” (p. 223). Mas como pode esse evento al- toricamente crível e relevante para a sua vida. Mas encon-
cançar os homens do século XXI? tram também uma indicação da fé pessoal do papa Bento
XVI. No primeiro volume, ele indicava como “ponto de
A necessidade de uma nova evangelização referência mais autêntico” da fé cristã “a íntima amizade
Com sua interpretação das palavras de Jesus: “Mas pri- com Jesus, da qual tudo depende”8. Estou convicto de
meiro é necessário que o Evangelho seja pregado a to- que, com o segundo volume, o Papa tenha conseguido
das as nações” (Mc 13,10), o papa Bento XVI evoca à realizar o que na premissa indica como seu desejo. Efetiva-
memória um episódio significativo da história da Igreja mente, a ele foi dado aproximar-se “da figura de Nosso
(p. 46). Bernardo de Claraval teve de passar um sermão Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores
no papa Eugênio III. Bernardo lhe escreveu: tu tens “um que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele” (p. 12).
dever também para com os infiéis, os judeus, os gregos e
os pagãos. [...] Admito, relativamente aos judeus, que
tens a desculpa do tempo; para eles foi estabelecido um Notas
determinado momento, que não se pode antecipar. Pri- 1
Gesù di Nazaret. Dall’ingresso in Gerusalemme fino alla ri-
meiro devem entrar os pagãos na sua totalidade [cf. Rm surrezione. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2011.
11,25-27]. Mas que dizes tu precisamente sobre os pa- Trad. portuguesa: Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém
gãos? [...] Que tinham em mente os teus predecessores até à ressurreição. Cascais (Portugal): Princípia, 2011.
para [...] interromper a evangelização, enquanto está 2
Der Papst auf der Agora. In: “Jesus von Nazareth” kontro-
ainda difundida a incredulidade? Por que motivo [...] foi vers. Berlin: Lit-Verlag, 2007, p. 9-17.
parada a palavra que corre veloz?”6. 3
Gespräche über Jesus: Papst Benedikt XVI. im Dialog mit
Ao papa Bento XVI não é preciso passar um sermão Martin Hengel und Peter Stuhlmacher. Hrsg. P. Kuhn. Tübin-
sobre o tema da evangelização. Como demonstra, entre gen: Mohr Siebeck, 2010.
outros fatos, o livro entrevista Luz do mundo, ele tem 4
Feuillet, André. Le sacerdoce du Christ et de ses ministres:
uma visão muito realista das coisas7. Sabe muito bem que d’après la prière sacerdotale du quatrième Évangile et plu-
em amplas regiões da Europa e da América do Norte hou- sieurs données parallèles du Nouveau Testament. Paris:
ve uma queda dramática da fé cristã. Bento XVI não só es- Pierre Téqui Éditeur, 1972.
tá a par da necessidade de uma nova evangelização, mas 5
Abba. Studien zur neutestamentlichen Theologie und Zeit-
também adotou providências organizativas nesse sentido. geschichte. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
Com seu livro sobre Jesus, oferece todavia também uma 6
De consideratione III, 1, 2-3.
contribuição muito pessoal à difusão da fé. Os cristãos de- 7
Bento XVI. Luce del mondo. Il Papa, la Chiesa e i segni dei
veriam ajudá-lo nesse esforço. Uma possibilidade poderia tempi. Una conversazione con Peter Seewald. Città del Vati-
ser dar seu livro sobre Jesus de presente aos amigos cuja fé cano: Libreria Editrice Vaticana, 2010.
vacila ou que estão em busca de um caminho para a fé. O 8
Iesus von Nazareth. Erster Teil: Von der Taufe im Jordan
importante é que esse presente se transforme em oportu- bis zur Verklärung. Freiburg: Herder, 2007, p. 11. Trad. bra-
nidade para uma conversa em que nós também falemos sileira: Jesus de Nazaré. Primeira parte: Do batismo no Jor-
sobre a nossa fé. Um ponto particularmente forte do livro dão à transfiguração. Trad. José Jacinto Ferreira de Farias.
do Papa consiste no fato de a obra aproximar duas coisas. São Paulo: Planeta, 2007, p. 10.

30DIAS Nº 3 - 2011 47
Fé e devoção

“Nada temas.
Eu reinarei, apesar
dos meus inimigos”
Foi o que disse Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque

por Giovanni Ricciardi

is o meu Coração, onde

“E nascestes, vós, fiéis,


vós, minha Igreja, como
Eva nasceu do costado de Adão.
Vede como a lança o abriu, para
que vos fosse aberta a porta do
Paraíso.” Na primeira metade do
século XIV, Santo Antônio de Pá-
dua, numa homilia, parece anteci-
par a devoção ao Sagrado Cora-
ção, que teve nos últimos séculos
da história da Igreja uma enorme
difusão, ligada à figura de Santa
Margarida Maria Alacoque.
Essa religiosa da Ordem da Vi-
sitação, fundada em 1610 por
São Francisco de Sales, nos 43
anos de sua breve vida conheceu
graças extraordinárias. Jesus apa-
receu-lhe várias vezes: Ele a esco-
lheu, como lhe disse, para dar a
conhecer ao mundo inteiro Seu
Sagrado Coração, fonte de Seu
amor infinito pelos homens.
Margarida nasceu em 1647,
em Lauthecourt, um vilarejo no
coração da França, a poucos qui-
lômetros de Paray-le-Monial, lo-
cal onde depois passou sua vida
religiosa. Era a quinta filha de
Claude Alacoque, advogado e ta-
belião do rei Luís XIV. Nestas páginas, algumas imagens de Mauro Cavallini,
Cresceu primeiro no castelo de extraídas do livro Sainte Marguerite Marie,Strasbourg, Éditions
Corcheval, na casa de uma madri-
nha, e depois num colégio dirigido du Signe, 2000. Acima, Margarida, com apenas quatro anos,
pelas irmãs clarissas de Charolles. aprende a rezar no castelo de Corcheval

48 30DIAS Nº 3 - 2011
Santa Margarida Maria Alacoque

Com o olhar fito no campanário da igreja, onde sabe que Jesus está presente,
Margarida está absorta na oração e não ouve o irmão chamá-la

A adoração do Santíssimo Sacramento, o Rosário: isso era o que mais


comovia e atraía a pequena Margarida. “A Santíssima Virgem”,
escreve, a propósito de sua infância, “sempre teve um grande
cuidado comigo; eu recorria a ela em todas as minhas necessidades,
e ela me tirou de grandes perigos”

Ali aprendeu a rezar e a amar Je- e ela me tirou de grandes perigos”. para administrar seus bens na ver-
sus tão ardentemente, que as reli- A proteção especial de Nossa dade privaram a ela e a Margarida
giosas lhe concederam fazer a pri- Senhora a acompanharia sobre- de toda e qualquer liberdade, tra-
meira comunhão aos nove anos, tudo durante a longa doença que tando-as como servas. Quando
uma exceção naquele tempo. A a obrigou a ficar de cama por qua- Margarida pedia um vestido de-
adoração do Santíssimo Sacra- tro anos, dos dez aos catorze, e cente para ir à missa, eles o recu-
mento, o Rosário: isso era o que nos anos que se seguiram, até sua savam e ela era obrigada a pedi-lo
mais comovia e atraía a pequena entrada no mosteiro. emprestado de uma amiga. Além
Margarida. “A Santíssima Vir- Foram tempos difíceis, em que disso, muitas vezes não lhe permi-
gem”, escreve, a propósito de sua Margarida perdeu o pai e uma ir- tiam nem mesmo sair. “Eu não sa-
infância, “sempre teve um grande mã e se tornou, por assim dizer, bia onde me refugiar”, escreve a
cuidado comigo; eu recorria a ela “estranha” em sua própria casa. santa, “a não ser em algum canto
em todas as minhas necessidades, Os parentes que a mãe chamou do jardim ou da cocheira onde ¬

30DIAS Nº 3 - 2011 49
Fé e devoção
fosse possível ficar de joelhos e Margarida Maria entra no mosteiro da Visitação,
abrir o coração a Deus em meio em 25 de maio de 1671
às lágrimas.”
Depois, a mãe também adoe-
ceu e só se pôde curar graças ao
amor, aos cuidados e às orações
de Margarida, que nesse meio-
tempo crescia e começava a se
perguntar qual era a vontade de
Deus para ela. A mãe teria gosto
em vê-la casada e mãe de família,
mas o desejo mais profundo de
Margarida era consagrar-se ao
Senhor: “O desejo de amá-lo me
consumia”, diria mais tarde.
Aos 22 anos, recebeu a crisma,
acrescentando a seu nome de ba-
tismo o de Maria, e alguns anos
mais tarde, vencendo finalmente
as resistências da família, conse-
guiu coroar o sonho de fazer-se re-
ligiosa, com sua entrada no mos-
teiro da Visitação de Paray-le-Mo-
nial, em 25 de maio de 1671.

“Como uma tela à espera


do pintor”
Ao entrar no mosteiro, viu-se per-
dida em meio aos ritos e às fórmu-
las latinas que não entendia. Pe-
diu então à mestra das noviças
que lhe ensinasse a rezar. Ela lhe
respondeu: “Ponha-se diante de
Nosso Senhor, como uma tela à
espera do pintor”. Irmã Margari-
da Maria não entendeu de imedia-
to, e tempos depois, enquanto ia
refletindo em seu coração sobre o
sentido daquelas palavras, ouviu
uma voz interior que lhe disse:
“Vem, eu te ensinarei”. Naquele
momento, como se lembraria a
santa, Jesus tornou-se próximo
dela, concedendo-lhe uma grande
paz. A partir daí tudo ficaria por
conta d’Ele.
Seu amor por Jesus a impelia a
passar em oração, diante do San-
tíssimo Sacramento, muito mais
horas que suas irmãs de profis-
são, que começavam a olhá-la Aos 22 anos, recebeu a crisma, acrescentando
com desconfiança e suspeita;
pensavam que quisesse aparecer, a seu nome de batismo o de Maria, e alguns
e assim lhe davam os trabalhos
mais humildes, para mantê-la anos mais tarde, vencendo finalmente
“com os pés no chão”. Por exem-
plo, mandavam-na ao quintal do as resistências da família, conseguiu coroar
mosteiro para vigiar uma asna e
seu potro, para que não fossem
o sonho de fazer-se religiosa, com sua entrada
pastar na horta. Uma vez, irmã no mosteiro da Visitação de Paray-le-Monial,
Margarida Maria, mergulhada na
oração, se esqueceu de vigiá-los, em 25 de maio de 1671
50 30DIAS Nº 3 - 2011
Santa Margarida Maria Alacoque

mas, apesar disso, para espanto difundi-las por teu intermédio e mo fabricar uma imagem do Sa-
das outras freiras, os animais não de manifestar-se a eles para enri- grado Coração e expô-la publica-
danificaram nada. quecê-los com seus preciosos te- mente. Mas Jesus a encorajava.
A vida continuava, dividida en- souros, que te revelarei e que con- Numa de suas aparições, Ele lhe
tre oração e trabalho. Irmã Mar- têm graças santificantes”. disse: “Nada temas. Eu reinarei,
garida Maria foi encarregada da A partir daquele dia, Jesus lhe apesar dos meus inimigos e de
enfermaria do mosteiro, e era às apareceu muitas outras vezes. qualquer um que tentar se opor”.
vezes obrigada a sofrer com a du- Durante uma aparição, em 1674, “Isso me consolava muito”, acres-
reza com que as superioras a tra- pediu-lhe duas coisas simples e centou a santa em sua autobiogra-
tavam. Margarida não respondia concretas: comungar toda primei- fia, “pois eu não desejava nada
às acusações e procurava ser obe- ra sexta-feira do mês e passar além de vê-Lo reinar. Deixei, por-
diente em cada pequena coisa. uma hora em oração todas as tanto, em Suas mãos o cuidado de
quintas-feiras, das 23 à meia-noi- defender a Sua causa, enquanto
Discípula predileta te, em lembrança de seus sofri- eu sofreria em silêncio”.
do Sagrado Coração mentos no Horto das Oliveiras, e De fato, bem cedo recebeu au-
Tudo isso foi o prelúdio para a pri- para pedir misericórdia para os xílio, na pessoa do padre jesuíta
meira aparição e revelação do Sa- pecadores. Oração e sacramen- Claude La Colombière, que foi
grado Coração a irmã Margarida tos: os caminhos ordinários que por muitos anos seu orientador
Maria, e para a missão que lhe foi abrem à graça de Deus. Ou seja, espiritual, reconheceu como real-
confiada, de dá-lo a conhecer ao ao seu Sagrado Coração. mente inspiradas por Deus as re-
mundo, o que ocorreu em 27 de A essas práticas, Jesus acres- velações recebidas por irmã Mar-
dezembro de 1673: “Meu divino centou promessas a todos aqueles garida Maria, encorajou-a,
Coração”, disse-lhe Jesus, “está que as seguissem, pedindo a irmã apoiou sua causa junto às superio-
tão apaixonado de amor pelos Margarida Maria que as difundisse ras da Visitação e fez-se ele mes-
homens e por ti em particular, no mundo. Margarida não sabia o mo apóstolo da devoção do Sa-
que, não podendo mais conter em que fazer, cercada como estava da grado Coração.
si mesmo as chamas de seu amor desconfiança das outras irmãs, Pouco a pouco, primeiro seu
ardente, sente a necessidade de que não lhe permitiam nem mes- mosteiro, depois algumas famí- ¬

Margarida Maria, mergulhada na oração,


esquece-se de cuidar para que a asna e o potro
não pastem na horta do mosteiro.
Mas os animais não causam nenhum problema

30DIAS Nº 3 - 2011 51
Fé e devoção

Numa de suas aparições, Ele lhe disse: “Nada temas. Eu reinarei, apesar
dos meus inimigos e de qualquer um que tentar se opor”.
“Isso me consolava muito”, acrescentou a santa em sua autobiografia,
“pois eu não desejava nada além de vê-Lo reinar. Deixei, portanto, em Suas
mãos o cuidado de defender a Sua causa, enquanto eu sofreria em silêncio”

lias e, enfim, muitíssimas pessoas, mensagem de Santa Margarida por conselhos espirituais e por
já durante a vida de Santa Margari- Maria, consagrando o mundo in- um número cada vez mais amplo
da Maria, aderiram à devoção ao teiro ao Sagrado Coração em 11 de pessoas que queriam ver e to-
Sagrado Coração, que depois de de junho de 1899. Vinte anos de- car aquela que tinha visto e toca-
sua morte difundiu-se de maneira pois, em Paris, na colina de Mont- do, como Tomé, o Coração de Je-
extraordinária, tanto que, menos martre, onde São Dionísio sofrera sus. Mas isso só fazia aumentar
de cem anos depois do falecimen- o martírio com seus companhei- seu desejo de viver à parte, aspira-
to de Margarida Maria, Clemente ros, foi consagrada a grande Basí- ção que resumiu numa frase: “Tu-
XIII, solicitado a instituir para toda lica do Sagrado Coração, que do- do vem de Deus e nada de mim;
a Igreja uma festa do Sagrado Co- mina a capital da França. tudo é de Deus e nada de mim; tu-
ração, ficou sabendo com surpresa Paralelamente a esses atos pú- do para Deus e nada para mim”.
que já existiam no mundo 1.090 blicos, difundiu-se cada vez mais Essa frase era a simples resposta
confrarias a este consagradas, e se em todo o mundo católico a devo- às palavras amorosas que Jesus
convenceu a estipular essa festa, ção ao Sagrado Coração. lhe dirigira diretamente pouco
em 6 de fevereiro de 1765. Quanto a Margarida Maria, os tempo antes: “Eu sou a tua vida e
Foi o papa Leão XIII, mais tar- últimos anos de sua vida foram de agora em diante tu só viverás
de, quem acolheu plenamente a marcados pela crescente procura em mim e para mim”. q

Margarida Maria, mestra das noviças,


recebe delas como presente um desenho
do Sagrado Coração

52 30DIAS Nº 3 - 2011
Santa Margarida Maria Alacoque

Jesus aparece a Margarida Maria

Papa Clemente XIII institui em 6 de fevereiro de 1765 a festa


do Sagrado Coração e Paray-le-Monial se torna meta
de peregrinações

Promessas do Sagrado Coração


Nos escritos de Santa Margarida Maria Alacoque se encontram numerosas promessas feitas por
Jesus aos devotos de seu Sagrado Coração. As relacionadas abaixo, extraídas das cartas da santa,
nos lembram de modo sintético e fácil as graças ligadas a essa devoção

 Concederei as graças necessárias a seu estado de vida.


 Trarei e conservarei a paz em suas famílias, e os consolarei nas aflições.
 Serei seu refúgio em vida e especialmente na hora da morte.
 Derramarei abundantes bênçãos sobre todos os seus trabalhos e empreitadas.
 Os pecadores encontrarão em meu Coração a fonte e o oceano infinito da misericórdia.
 As almas tépidas se tornarão fervorosas.
 As almas fervorosas se elevarão logo a grande perfeição.
 A minha bênção descerá sobre os lugares onde for exposta e venerada a imagem
de meu Sagrado Coração.
 Aos sacerdotes e àqueles que trabalharem pela salvação das almas,
darei a graça de comover os corações mais endurecidos.
 As pessoas que divulgarem esta devoção terão seu nome escrito
para sempre em meu Coração.
 A todos aqueles que comungarem na primeira sexta-feira do mês durante nove meses
consecutivos darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

30DIAS Nº 3 - 2011 53
ARTE SACRA

“... e Ele partiu como


vencedor para tornar
a vencer” (Apocalipse 6, 2)

por Lorenzo Cappelletti

C
itar a si mesmo é sempre embaraçoso. Escrever uma introdução para si mes-
mo, ainda mais. Mas, deixado de lado o embaraço, pois não se trata de uma
causa pessoal, vamos logo ao ponto: por que reapresentamos este artigo,
que originalmente foi motivado pela publicação de um livro sobre a cripta da Cate-
dral de Anagni, numa época de trágicos acontecimentos bélicos? Porque, para
além daquela contingência, este artigo, na medida justamente em que retoma de
maneira literal uma das mais belas representações pictóricas dos versículos do
Apocalipse de João relativos à abertura dos selos (excluindo o sétimo, significati-
vamente), pode-nos ajudar a ler também o momento presente. Afinal, esse é o mo-
tivo pelo qual, sobretudo durante o primeiro milênio cristão, recorreu-se ao Apo-
calipse de João como chave de leitura do tempo que passa entre a ressurreição de
Nosso Senhor e seu retorno. Portanto, do tempo que é também o nosso.
Pois bem, o que nos diz hoje o texto joanino acompanhado daquela doce e poé-
tica matéria pictórica?
Muitas coisas, mas em primeiro lugar que os acontecimentos da história, miste-
riosa mas realmente, têm como único fio condutor a reação à inexorável vitória de
Jesus Cristo (que venceu e vence ainda) sobre a guerra fratricida dos homens, so-
bre o inferno e sobre a morte. Além de legitimamente buscar múltiplas causas e
efeitos para os fatos históricos, é preciso levar em conta que neles se reflete sem-
pre uma contenda que tem a ver com a rebelião e a acolhida da vitória de Cristo.
Contenda que é tão profunda e universal a ponto de não poder ser expressa nem
entendida toda em prosa, mas na forma das imagens superdimensionadas do
Apocalipse de João.

54 30DIAS Nº 3 - 2011
Nova et
vetera

Cristo vitorioso sobre a guerra fratricida, o inferno e a morte, na figura do primeiro dos quatro cavaleiros do
Apocalipse, afresco do século XIII conservado na cripta da Catedral de Anagni, Frosinone

Paradoxalmente, o motivo da reação à vitória inexorável de Cristo é que essa vi-


tória revela Ele mesmo, não como mistério de morte, mas de salvação; não mete
medo, mas põe fim ao medo; é inexorável mas é misericordiosa; é definitiva mas é
paciente. Eis por que “Jesus convida a não nos deixarmos espantar”, escrevia o car-
deal Martini em 27 de março na primeira página do Corriere della Sera.
É interessante, desse ponto de vista, que, segundo a letra do texto do Apocalip-
se de João, à abertura do sexto selo, que marca a iminência do fim (cf. Ap 6,12-17),
siga-se não o fim, mas a ordem dada aos quatro anjos posicionados nos quatro can-
tos da terra de que detenham os ventos de destruição, para que não devastem nem
a terra, nem o mar, nem as plantas, enquanto não tiver sido impresso o selo do Se-
nhor na fronte de seus servos (cf. Ap 7,1-3). Que o Senhor, que é paciente e miseri-
cordioso, nos dê paz. Boa leitura.

30DIAS Nº 3 - 2011 55
ARTE SACRA

O S V E R S Í C U L O S 6 , 1 - 7 , 3 D O A P O C A L I P S E

i quando o Cordeiro abriu o primeiro dos A cada um deles foi dada, então, uma veste

V sete selos, e ouvi o primeiro dos quatro Se-


res vivos dizer como o estrondo dum tro-
vão: “Vem!”. Vi então aparecer um cavalo branco,
branca e foi-lhes dito, também, que repousas-
sem por mais um pouco de tempo, até que se
completasse o número dos seus companheiros
cujo montador tinha um arco. Deram-lhe uma co- e irmãos, que iriam ser mortos como eles.
roa e ele saiu vitorioso para vencer ainda. Vi quando ele abriu o sexto selo: houve um
Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo grande terremoto; o sol tornou-se negro como
Ser vivo dizer: “Vem!”. Apareceu então um outro ca- um saco de crina, e a lua inteira como sangue;
valo, vermelho, e ao seu montador foi concedido o as estrelas do céu se precipitaram sobre a terra,
poder de tirar a paz da terra, para que os homens se como a figueira que deixa cair seus frutos ainda
matassem entre si. Entregaram-lhe tam- verdes aos ser agitada por um forte
bém uma grande espada. vento; o céu afastou-se, como um
Quando abriu o terceiro selo, livro que é enrolado; as mon-
ouvi o terceiro Ser vivo dizer: tanhas todas e as ilhas fo-
“Vem!”. Eis que apareceu ram removidas de seu lu-
um cavalo negro, cujo gar; os reis da terra, os
montador tinha na mão magnatas, os capitães,
uma balança. Ouvi então os ricos e os poderosos,
uma voz, vinda do meio todos, escravos e ho-
dos quatro Seres vivos, mens livres, esconde-
que dizia: “Um litro de ram-se nas cavernas e
trigo por um denário e três p e l o s r o c h e do s d a s
litros de cevada por um de- montanhas, dizendo aos
nário! Quanto ao óleo e ao montes e às pedras: Desmoro-
vinho, não causes prejuízo”. nai sobre nós e escondei-nos da
Quando abriu o quarto selo, face daquele que está sentado
ouvi a voz do quarto Ser vivo que dizia: no trono, e da ira do Cordeiro, pois
“Vem!” Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu chegou o Grande Dia da sua ira, e quem poderá
montador chamava-se “a Morte” e o Hades o ficar de pé?
acompanhava. Foi-lhe dado poder sobre a quar- Depois disso, vi quatro Anjos, postados nos
ta parte da terra, para que exterminasse pela es- quatro cantos da terra, segurando os quatro ven-
pada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra. tos da terra, para que o vento não soprasse so-
Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as bre a terra, sobre o mar ou sobre alguma árvore.
vidas dos que tinham sido imolados por causa Vi também outro Anjo que subia do Oriente
da Palavra de Deus e do testemunho que dela ti- com o selo do Deus vivo. Esse gritou em alta
nham prestado. E eles clamaram em alta voz: voz aos quatro Anjos que haviam sido encarre-
“Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, gados de fazer mal à terra e ao mar: “Não dani-
tardarás a fazer justiça, fiqueis a terra, o mar e as árvores, até que te-
vingando nosso sangue nhamos marcado a fronte dos servos do nosso
contra os habitantes da terra?”. Deus”.

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Nova et
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vetera

A abóbada de ângulo da abside principal, no centro, o Cordeiro apocalíptico circundado pelos quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos

ECCE
CRUCEM DOMINI
FUGITE
PARTES ADVERSAE...
O ciclo apocalíptico afrescado na cripta da catedral de Anagni
representa a um só tempo a vitória já conquistada por Cristo e sua
batalha ainda em andamento contra a guerra, o inferno e a morte
por Lorenzo Cappelletti
pocalípticos ou conformis- história: um ponto de vista inco- A palavra “apocalipse”, como

A tas? Perante essa alternati-


va, nem um pouco alterna-
tiva, entre a utopia e a aquiescên-
mensurável, no entanto extrema-
mente realista, nem apocalíptico
nem conformista. Hoje, ante os
sabem até mesmo aqueles que
têm um conhecimento superficial
da Sagrada Escritura, significa re-
cia, o Apocalipse sempre preten- tambores de uma guerra maior do velação, demonstração, desvela-
deu lançar uma luz mais verdadei- que nós, sentimos mais do que mento. “Revelação de Jesus Cris-
ra sobre os acontecimentos da nunca a necessidade dessa luz. to: Deus lha concedeu para que ¬

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ARTE SACRA

A abertura dos quatro primeiros selos, representada à direita da abóbada de ângulo da abside principal

mostrasse aos seus servos as coi- retomamos há alguns anos: cf. difundir as elucubrações sobre a
sas que devem acontecer muito 30Dias nº 6, junho de 1995, pp. história de Joaquim de Fiore († 30
em breve”, diz o primeiro versícu- 65-68), “o Apocalipse de João é de março de 1202), conserva-se a
lo programático, retomado de o único livro do Novo Testamento magnífica ilustração de uma
for ma quase idêntica na con- que tem por tema a história. Foi, concepção da história que ainda
clusão do livro (Ap 1,1 e 22,6). portanto, meditando essencial- brota da tradicional meditação
Jesus Cristo, “a Testemunha fiel, mente sobre ele que se desenvol- sobre o Apocalipse, que tem co-
o Primogênito dos mortos, o Prín- veu a reflexão cristã em torno da mo paradigma o De civitate Dei
cipe dos reis da terra” (Ap 1,5), história”. Reflexão que se expri- de Agostinho. Até a ruptura reali-
após sua vitória, mostra ao após- miu ao longo dos séculos não ape- zada por Joaquim, com sua tripar-
tolo João, “arrebatado em espíri- nas por palavras, mas também tição da história em eras que se su-
to” para fora da história, o que por imagens e cores. cediam, do Pai, do Filho e do Espí-
nesta realmente acontece. Como Na cripta da catedral da fatídica rito, não se podia nem mesmo
escrevia o grande exegeta Heinri- cidade italiana de Anagni, numa conceber que o acontecimento
ch Schlier no início de um famoso série de afrescos iniciados na mes- histórico de Cristo pudesse ser su-
ensaio sobre o Apocalipse (que ma época em que começavam a se perado ao longo do tempo da

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vetera
história por uma pos- medo. De fato, em tro seres vivos e os vinte e quatro
terior era do Espírito, ECCE Anagni a guerra e a anciãos, está o vencedor, o Cor-
portadora de uma gra- CRUCEM DOMINI morte (Ap 6,4-8) fe- deiro, no momento em que abre
ça maior. O aconteci- FUGITE cham os olhos de os sete selos que fechavam o livro
PARTES ADVERSAE...
mento de Jesus Cristo medo, os astros que que ninguém antes de sua vitória
era concebido como o mudam de cor (Ap era capaz de abrir.O que fizera
início do fim do mun- 6,12) são apenas João chorar, faz-nos chorar tam-
do. Para a reflexão de duas bolinhas sub- bém sempre de novo, diante do
caráter agostiniano e metidas ao sopro pa- mistério humanamente inexplicá-
tomístico, “Cristo não cato de um anjo, o vel da história. Mas “o Leão da
é o eixo da história, dragão de dez chifres tribo de Judá, o Rebento de Davi,
com o qual tem início (Ap 12,3) é um venceu para poder abrir o livro”
um mundo mudado e dragãozinho sob os (Ap 5,5), lê-se nas páginas escan-
remido e é abandona- pés de um terno ar- caradas do livro. Não devemos
da uma história não- canjo. Toda a honra, chorar!
remida que durou até aquele mo- a força e a beleza são reservadas À direita e à esquerda da absi-
mento; para essa reflexão, Cristo Àquele que se assenta ao trono e de central, sobre um atípico arco
é muito mais o princípio do fim. ao Cordeiro, e àqueles que com- triunfal e as abóbadas e arcos a
Ele é ‘redenção’, na medida em partilharam sua vitória e carre- ele adjacentes, são representadas
que com Ele o ‘fim’ começa a res- gam a coroa real dos vencedores, as cenas que correspondem à
plender na história. A redenção os vinte e quatro anciãos, os vir- abertura de cada um dos selos.
consiste (de um ponto de vista gens e os mártires alinhados nu- Começa-se, à direita, pela repre-
histórico) nessa fase iniciada en- ma ordem quase musical. sentação dos quatro cavaleiros,
quanto a história, por assim dizer, que aparecem quando são aber-
procede ‘per nefas’ ainda por um Cristo é a manifestação tos os quatro primeiros selos. Ca-
certo tempo, conduzindo a antiga de uma força valeiros bem pouco apocalípti-
idade deste mundo a seu fim” (J. que vence o mundo cos, no sentido de que não ser-
Ratzinger. San Bonaventura. La No centro de todo o projeto vem como símbolo de quatro for-
teologia della storia, p. 211). pictórico, no coração da abóbada ças destrutivas equivalentes e so-
Justamente por querer ser de ângulo da abside, entre os qua- beranas. Quase como se o des- ¬
uma leitura do tempo da Igreja co-
mo tempo final sub gratia e não a
imagem da superação desse tem- A catedral de Anagni e sua cripta
po, o ciclo apocalíptico anagnia-
no é constituído apenas de cenas O início da construção da cate-
extraídas dos primeiros doze dral de Anagni na sua forma
capítulos do Apocalipse. E, dos atual se deve a São Pedro de
três setenários (dos selos, das
trombetas e das taças), opta por Salerno, bispo de Anagni de
representar apenas o dos selos, 1062 a 1105.
detendo-se quando está para ser Sua cripta guarda um dos
aberto o sétimo. Ou seja, opta mais importantes ciclos afresca-
por deter-se na proclamação do dos da Idade Média italiana. São
juízo; não se interessa em investi-
mais de 50 quadros, além de
gar as inúmeras imagens que po-
dem ser exploradas em sua pro- inúmeros frisos, que pertencem
mulgação e execução. (Provavel- a um único projeto, obra de
mente não estavam ainda aperfei- mestres e ateliês diversos. Ao
çoados os “instrumentos políticos ateliê do chamado Primeiro
e espirituais cheios de força e de Mestre deve-se integralmente o
degeneração” [Schlier] que hoje
parecem levar ao pé da letra algu- ciclo apocalíptico, e é possível
mas das visões proféticas dos também que a ele tenha sido en-
capítulos 13-18 do Apocalipse). comendada inicialmente a reali-
Assim, numa versão pictórica zação de todo o projeto. É
cheia de graciosidade, represen- plausível que tenha trabalhado
ta-se com suprema compostura a
inexorabilidade da vitória obtida na época de Inocêncio III (1198-
por Jesus Cristo, ao lado dos ele- 1216), em linha com a sensibili-
mentos de uma luta que, embora dade e o magistério desse Papa.
continue, já não pode mais meter

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ARTE SACRA

velamento final coincidis- der seus preconceitos,


se com uma destruição fi- trata-se, segundo a in-
nal, quase como se seu terpretação tradicional
objetivo fosse o fim. Não. baseada na coordena-
Diferentemente do que ção entre os versículos
continua a repetir uma crí- Ap 6,1-2 e Ap 19,11-
tica temerosa até de obser- 16, da luta instaurada
var a realidade, de tanto que pelo primeiro cavaleiro
tem medo de perder-se ao per- contra os outros três. O
primeiro dos quatro cavalei-
ros (que monta um cavalo bran-
co, é coroado e recebe um arco,
segundo Ap 6,2) é também reves-
tido de um manto, vermelho da
cor de seu sangue, e da diadema
da glória divina, segundo Ap
19,13: é o Verbo de Deus, o Rei
dos reis, o Senhor dos senhores,
que, segundo o que reza a Vulgata
(Ap 6,2), exivit vincens ut vince-
ret, saiu vitorioso para vencer o
que resta a ser vencido. Cristo
venceu, é Cristo que vence ainda.
“De onde saiu, senão do selo
aberto?”, escrevia Ambrósio Aut-
perto, abade do grande mosteiro
carolíngio de São Vicente al Vol-
turno, cuja cripta encerra outro
estupendo ciclo afrescado na Alta

Acima, na frente do arco, o anjo que sobe


do oriente grita que nada seja devastado
enquanto o selo do Deus vivo não
for impresso na fronte de seus servos;
ao lado, na abóbada acima do arco,
os anjos posicionados nos
quatro cantos da terra seguram
os ventos da destruição

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vetera
Idade Média, inspira- ECCE
designado como a sim, a barreira contra os ventos
do em seu comentário CRUCEM DOMINI concepção apocalíp- da destruição, que ameaçam as
sobre o Apocalipse. O FUGITE tica em plena Idade condições que permitem a vida
cavalo branco parece PARTES ADVERSAE... Média, mas, na ver- nesta terra, como diz Ap 7,1. Tal
quase sair da abside dade, coincide no como a paz, da mesma forma a
principal, onde o Cor- máximo com o pre- realidade natural é preservada pe-
deiro abre os selos, e valecimento da leitu- lo Rei vitorioso e misericordioso:
está para disparar ra milenarista e gnos- Tu, victor Rex, miserere. Há
uma flecha na direção ticizante retomada de uma enorme distância entre a le-
do segundo cavaleiro, Joaquim), estamos tra do Apocalipse e as elucubra-
que, fugindo, volta-se aqui diante da repre- ções alucinadas que pretendem
apavorado. sentação de uma for- atribuir-lhe pessoas que têm fan-
Para o primeiro ca- ça que venceu o mun- tasmas na cabeça e ódio no cora-
valeiro, trata-se de dar do, e que, vencendo ção: “Vi quatro Anjos, postados
prosseguimento a uma vez mais, prote- nos quatro cantos da terra, segu-
uma inexorável vitória. O cavalo ge em primeiro lugar a paz. rando os quatro ventos da terra,
segue a passo firme, o cavaleiro Esse tema continua e se torna para que o vento não soprasse
enverga o arco sem agitação, com mais preciso na abóbada que está sobre a terra, sobre o mar ou
firmeza, mas nenhuma agressivi- encima da representação dos sobre alguma árvore. Vi também
dade no olhar. Ao segundo cava- quatro cavaleiros. Aqui, quatro outro Anjo que subia do Oriente
leiro resta apenas galopar em fu- anjos, postos dos quatro lados de com o selo do Deus vivo. Esse gri-
ga. Não é a guerra que aterroriza, um quadro pontilhado de flores, tou em alta voz aos quatro Anjos
ela é que parece aterrorizada e derrubam quatro figuras munidas que haviam sido encarregados de
tem de fugir, girando com as duas de chifres e asas. Não se trata da fazer mal à terra e ao mar: ‘Não
mãos a grande espada para se de- luta alegórica entre o bem e o danifiqueis a terra, o mar e as ár-
fender. Mas a espada, por mais mal, como tantas vezes a crítica vores, até que tenhamos marcado
que seja mastodôntica, não defen- repetiu, acreditando serem reali- a fronte dos servos do nosso
de, pois lhe fora concedida para o dades os fantasmas da sua pré- Deus’” (Ap 7,1-2). De fato, outro
ataque, para “tirar a paz da terra, compreensão maniqueísta. É, anjo, como se subisse das co- ¬
para que os homens se matassem
entre si” (Ap 6,4). Como defen- Abaixo, a abóbada VIII, onde é representada a promessa de uma descendência
der-se agora contra uma flecha? numerosa como as estrelas do céu (recebida por Abraão após a bênção
No canto baixo do mesmo de Melquisedec, representada na abóbada adjacente)
quadro, a morte tem também o
olhar aterrorizado da guerra. Ca-
valga em fuga, galopando num
cavalo de cor esverdeada, perse-
guida pelo demônio nu e alado,
que monta o inferno tenebroso,
segurando uma grande balança
que pesa sem piedade. Tal como
a guerra é perseguida e procura
fugir do Rei vitorioso, da mesma
for ma a morte é perseguida e
tenta escapar do inferno, da se-
gunda morte. Quem projetou o
ciclo explica diligentemente,
com um verso transcrito sob o
quadro, que são duas duplas de
cavaleiros: Has per picturas bis
binas disce figuras (entendas de
duas em duas as figuras represen-
tadas nestas pinturas). Mas o pa-
ralelo é parcial: o infer no e a
morte também são, por sua vez,
perseguidos pelo primeiro cava-
leiro. Seu destino é acabar no la-
go de fogo (Ap 20,14).
Portanto, em vez de um pano-
rama de destruição e medo que a
tudo transtorna (que comumente é

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ARTE SACRA

Ao lado, os santos mártires Nemésio,


Saturnino e Abrão, parte do cortejo de 18
santos mártires postos aos pés do dragão
apocalíptico

é representado. O objetivo da ba-


talha que o Rei vitorioso promo-
ve contra guerra, como também
da ordem peremptória de sus-
pender qualquer destruição, dada
pelo anjo detentor do selo (que é
apenas outra forma de dizer no-
vamente “Cristo ressuscitado”,
como afirmam Beda, Ambrósio
Autperto e tantos outros), é per-
mitir, graças ao batismo, que
uma sublime descendência, nu-
merosa como as estrelas, segun-
do a promessa, goze de uma feli-
cidade celeste, incomensurável:
promissa posteritas caelesti fe-
licitate sublimis, escreve Agos-
tinho (De civitate Dei 16, 23).
Mais de uma vez (ao menos
três) reaparece na cripta ana-
gniana o selo batismal em forma
stas do arco inferior, indica o de- tificador do anjo? Mero detalhe? de monograma do nome de Cris-
senho de uma carta, na qual estão Não, essa cruz estreita (que “é o to, mas nenhum crítico nunca o
escritas essas palavras, e segura sinal da Trindade que todos rece- considerou digno de nota. Quase
uma cruz-estandarte, da qual pen- bemos no batismo”, escrevia São como se a promessa feita a
dem o alfa e o ômega. Bruno, bispo de Segni, comen- Abraão de que seria pai de mui-
Esse último pormenor é ape- tando esse versículo do Apocalip- tos povos, de uma descendência
nas o atributo iconográfico iden- se), é a razão última de tudo o que tão grande quanto as estrelas do
céu, se realizasse em algo dife-
rente do batismo (por outro lado,
a própria promessa a Abraão ja-
mais foi reconhecida pela crítica
na abóbada VIII de Anagni, o que
rompe todo o “mecanismo” do
cristianismo, diria Péguy). O ba-
tismo, sussurrado por Jesus a Ni-
codemos naquela noite em Jeru-
salém, que Pedro repetiria em
voz alta depois da morte e ressur-
reição do Senhor: “Arrependei-
vos, e cada um de vós seja batiza-
do em nome de Jesus Cristo para
a remissão dos vossos pecados.
Então recebereis o dom do Espí-
rito Santo. Pois para vós é a pro-
messa, assim como para vossos
filhos e para todos aqueles que
estão longe, isto é, para quantos
o Senhor, nosso Deus, chamar”
(At 2,38s).

Ao lado, a representação
da abertura do quinto selo:
Jesus Cristo doa as vestes gloriosas
às almas dos mártires

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vetera

Dentro de mento de sua promessa.


breve tempo [...]. Esse breve intervalo de
Simetricamente, em tempo nos parece longo, pois
relação a esse conjunto dura até agora; quando tiver
de cenas, na outra parte acabado, nos daremos conta do
do arco triunfal que emol- quanto foi breve” (Santo Agos-
dura a abside principal, é tinho. Comentário ao evange-
representada a abertura do lho de João 101,6). O tempo
quinto e do sexto selos. fez-se breve depois da vitória
O tempo ainda é de Cristo. Assim, na abertura
concedido, não apenas do sexto selo, o sol e a lua na
para que sejam marcados frente do arco da esquerda mu-
com o selo batismal todos dam de cor e um anjo se prepa-
aqueles que o Senhor cha- ra para soprar um vento que
mar, mas também para que se precipita as estrelas do céu, tal
complete o número daqueles como a tempestade faz com os
que devem ser mortos propter frutos da figueira; e outro anjo Acima, na frente do arco,
Verbum Dei et propter testimo- traz o turíbulo de ouro, por meio a representação da abertura do sexto
nium quod habebant. Às almas do qual, da mesma forma como selo; abaixo, na abóbada de ângulo
daqueles que foram imolados, que sobe o perfume das orações dos da direita, o arcanjo Miguel submete
receberam o batismo de sangue santos, descerá dali a pouco o dragão apocalíptico
do martírio e gritam que a justiça sobre a terra o fogo da ira dAque-
finalmente seja feita, é dito “que le que se assenta no trono e do
repousassem por mais um pouco Cordeiro.
de tempo [tempus modicum], até Se a brevidade do tempo exer-
que se completasse o número dos cita a paciência daqueles que es-
seus companheiros e irmãos, que peram justiça, suscita no dragão
iriam ser mortos como eles” (Ap uma “raivosa vontade de potência
6,11). Para que possam ter pa- que nasce da ânsia do tempo que
ciência, Aquele que está assenta- lhe escapa”, escrevia Schlier no
do no trono os veste com vestes ensaio citado. Ao lado do dragão
de glória alvejadas no da pequena abside da
sangue do Cordeiro. direita, houve tempo
Tendo-as recebido, ECCE em que havia em
poderão esperar em CRUCEM DOMINI Anagni também uma
FUGITE
paz que outros ven- representação hoje
PARTES ADVERSAE...
ham completar o nú- perdida da Ascensão
mero dos mártires, do Senhor, como a
apressando assim o que existe no estu-
resgate definitivo. pendo afresco da
De qualquer for- contra-fachada da
ma, o tempo de espe- igreja de Civate, no
ra é breve, o tempo da monte Pedale, pouco
história é um tempus distante de Leco. Es-
modicum: “O Senhor sa cena descreve o
não retarda o cumpri- que o Apocalipse ¬

30DIAS Nº 3 - 2011 63
ARTE SACRA

Na abside da esquerda, Maria Virgo virginum é rodeada por duas santas virgens
e pelas duas testemunhas do Apocalipse, os virgens João Batista e João Evangelista,
posicionados no arco triunfal; abaixo, as santas virgens peregrinas Aurélia
e Noemísia, representadas na parte inferior da abside da esquerda

chama “o arrebatamento do filho o Testemunho de Jesus” (Ap


para junto de Deus e de seu trono” 12,17). De fato, o dragão, em
(cf. Ap 12,5). De fato, é “com a Anagni, encontra-se ao lado de
Ascensão de Jesus Cristo ao céu”, 18 santos mártires, ou seja, da-
continua Schlier, “que o dragão, queles que detêm o testemunho
figura ideal do que é satânico, da de Jesus, sendo, como repetem
força absoluta do egoísmo, é lan- todos os Padres e escritores me-
çado por terra”. dievais, 18 o valor numérico das
Já precipitado à terra por força iniciais IE do nome Iesus (do qual
da Ascensão do Senhor, o dragão o número da besta é uma falsifica-
“pôs-se a perseguir a Mulher” (Ap ção grosseira: 666). Em Civate,
12,13), que, porém, lhe escapa são também 18 os santos mártires
com asas de águia (nós a encon- afrescados dentro da pequena cú-
tramos com o filho, perto de pula do cibório: “É por isso que
João, na pequena abside da es- estão diante do trono de Deus,
querda). Então o dragão vai “guer- servindo-o dia e noite em seu tem-
rear contra o resto dos seus des- plo. Aquele que está sentado no
cendentes, os que observam os trono estenderá sua tenda sobre
mandamentos de Deus e mantêm eles” (Ap 7,15).
Nova
et
Arquivo de 30Dias - Março de 2002
vetera

Mas não são apenas os mártires baixo: “Quanto te imploram,


que morrem, ou seja, que revelam quanto te louvam e te veneram, ó
de modo real, como escreve Virgem. Enquanto se submetem a
Schlier, “o anacronismo de um ti, morrendo acompanham teu Fi-
mundo que ainda hoje pretende lho”. É o que, no fundo, deseja e vi-
afirmar a si mesmo”, e que, com ve qualquer pobre pecador, nem
sua morte, tornam “acessível, tam- virgem nem mártir, que, partici-
bém a seus inimigos, o futuro aber- pando do vitorioso amor de Cristo,
to por Cristo”. Os virgens também olhou durante séculos, arrependi-
morrem, obedecendo. A eles é de- do e devotado, para os rostos da
dicada toda a parte da pequena ab- cripta de Anagni. “Quando penso
side da esquerda em torno de Ma- que um homem, um jovem, um in-
ria, Virgem dos virgens. Te nimis divíduo, só pode se casar com uma
implorant virgo iubilant et ado- mulher por amor a Cristo – pare-
rant. Dum tibi subduntur natum ce-me já ter dito esta frase: só por
moriendo secuntur. Esses ver- amor a Cristo –, quando uma pes-
sos, que relembram o hino ambro- soa diz isso, sente toda a imen-
siano “Iesu corona virginum”, cor- sidão – imensidão quer dizer que
rem na pequena abside da esquer- algo não é comensurável –, a inco-
da pela faixa que divide Nossa Se- mensurabilidade de um ponto de
nhora com o Menino (rodeada por vista, que é ‘o’ ponto de vista, mas
duas santas virgens e pelos dois também o ponto de renascimento,
João, no alto) da história da virgin- de nascimento do renascimento”
dade e martírio de Secundina, em- (L. Giussani).
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Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição deste
pequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longo
dos séculos. Elas nos acompanham durante todas as vicissitudes da nossa vida e nos aju-
dam a celebrar a liturgia da Igreja rezando. Faço votos de que este pequeno livro possa se
tornar um companheiro de viagem para muitos cristãos.
da apresentação do cardeal Joseph Ratzinger
(eleito Papa em 19 de abril de 2005 com o nome de Bento XVI)

QUEM REZA SE SALVA


O livrinho Quem reza se salva
que 30Dias já distribuiu
centenas de milhares de exemplares,
contém as orações mais simples
da vida cristã como as da manhã
e da noite, e tudo o que ajuda
para uma boa confissão.

CUSTA APENAS 1€
o exemplar mais despesas
de expedição.

AS OUTRAS EDIÇÕES
EM LÍNGUA ITALIANA, FRANCESA,
ESPANHOLA, INGLESA,
ALEMÃ E CINESA

É possível solicitar
exemplares de todas as edições
(a edição italiana apresenta-se
em dois formatos, grande e pequeno),
escrevendo a 30GIORNI via Vincenzo Manzini,45 - 00173 Roma
Ou ao endereço e-mail: abbonati30g@30giorni.it

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