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Between literature and science: the rise of sociology

Between literature and science: the rise of sociology, Cambridge Press, 1992
Texto original de 1985
Wolf Lepenies

Facts and culture of the feelings


– Lepenies começa a apontar para uma dificuldade de expressão de sentimentos e emoções na
maioria dos ingleses a partir da história de John Stuart Mill: filho do filósofo utilitarista James
Mill, ele teve uma educação que, da mesma forma que as ideias do seu pai e do seu
companheiro, Jeremy Bentham, era extenuante em seus propósitos de utilidade: John estudava
grego e latim, leu a Ilíada mais de vinte vezes e ainda precisava escrever poemas. James queria,
a todo custo, evitar que o seu filho entrasse em contato com o "mundo vulgar" dos outros
garotos e com as "expressões sentimentais" das pessoas ao redor. John, porém, fez uma viagem
a França nos anos 20 do século XIX, onde descobriu "uma sociedade em que, ao contrário da
Inglaterra, ninguém considera o outro como um inimigo ou um chato" (p. 95, tradução minha).
Ainda assim, ele voltou ao seu país para fundar um clube de debate chamado Utilitarian Society
e para radicalizar a proposta do utilitarismo feita pelo seu pai e por Bentham. John, porém,
mudou de vida radicalmente quando, em um dia, respondeu a si mesmo: 'suponha que todos os
objetivos da vida fossem realizados; que todas as mudanças nas instituições e opiniões que
você está procurando pudessem ser completamente realizadas nesse mesmo instante: seria uma
grande felicidade para você? E uma consciência própria irrepreensível distintamente
respondeu: não'" (p. 95 e 96, tradução minha). Assim, ao reavaliar sua cultura de sentimentos e
remediar sua crise na poesia, John Stuart Mill percebeu que o intelecto inglês era distinguido
por um senso comum que se abstinha de qualquer extravagância: "ele direcionava a si mesmo
para tarefas que podiam ser melhor realizadas se fossem feitas com a precisão de uma
máquina, e fazendo isso, ele mesmo se tornava mais parecido com uma máquina. James Mill se
envergonhava de exibir emoções de qualquer tipo, assim como a maioria dos homens ingleses; e
quando os sentimentos não são exibidos, acabam atrofiando. [...] Tudo o que ele se preocupava
era com o desempenho de ações que se ligavam com os princípios da maior utilidade possível"
(p. 96, tradução minha). Mill, para nosso autor, descobriu que, além do intelecto, tinha emoções;
– Influenciado por Marmontel e Carlyle ("a felicidade só existe se você não se esforçar para tê-
la"), Mill tentou elaborar uma filosofia própria que equilibrasse a capacidade intelectual e os
sentimentos, como a prática de escutar música e ler literatura, como os poemas de Lord Byron,
Samuel Taylor Coleridge ("a imaginação é a verdadeira fundação da poesia") e de William
Wordsworth, onde ele "descobriu a cultura de sentimentos que estava procurando" (p. 98,
tradução minha), além dos de Goethe e dos romances de Ludwig Tieck e de Jean Paul. "À luz da
hostilidade para com a arte e a literatura evidenciada pelos primeiros utilitaristas, a conversão de
Mill à literatura e seu apoio público a Wordsworth e Coleridge tomou o aspecto de uma revolta"
(p. 99, tradução minha), porque James e Bentham seguiram preocupados com problemas
teóricos cujas soluções prometiam resultados práticos imediatos – e, assim, se alienaram da arte
e da literatura por sua óbvia abstração. Para Bentham, em especial, a poesia estava distante da
verdade, a relação entre ambas era de contradição, porque um poeta jamais poderia ser um
filósofo. De fato, se as constatações posteriores de que a cabeça do homem inglês possui muitos
fatos, mas poucas ideias, pouca capacidade de generalização e nenhum prazer pela literatura,
forem verdadeiras, elas devem muito aos utilitaristas. Homens literários, naquela época, eram
"doentes" que precisavam ser isolados, e romances e poemas só eram inofensivos se tratassem
do passado;
– Em Paris durante a Revolução de Julho, John escreveu vários artigos intitulados O espírito de
uma era, no qual chamou posteriormente de um misto de poesia e metafísica alemã, e que foi
recebido por Carlyle, na Inglaterra, como escrito por um novo "místico". Wordsworth, no
entanto, mostrou que o diagnóstico estava errado: se ele era o “poeta-terapeuta” de Mill, ele
exatamente representava que a descrição precisa da experiência pessoal constituía também a
base da poesia e, mais do que isso, aproximava a poesia com a ciência – assim, não tinha nada
de misticismo;
– Wordsworth não era um poeta fantástico, mas o que procurava retratar os "sentimentos
regulares" da vida rural inglesa do seu tempo, e que por isso procurou se distanciar dos
romances e das tragédias alemãs que faziam sucesso nas grandes cidades europeias. Para o autor
de Baladas Líricas (1800), "a poesia não era uma diversão um passatempo, mas uma árdua
busca pela verdade universal. A fidelidade ao fato era tão difícil de alcançar para um biógrafo
ou um historiador quanto para um poeta que levava seu trabalho a sério. O que o poeta
comunicava não era o conhecimento especializado de um advogado, um físico, um astrônomo
ou um cientista natural, mas um conhecimento que era útil porque evocava arrebatamento e
empatia. [...] O poeta se esforçava para trazer às descobertas da ciência uma reação emocional"
(p. 101, tradução minha). Wordsworth definiu a poesia, enfim, como uma "ciência dos
sentimentos" (idem, idem). Mil logo se colocou como testemunha dessa cultura de sentimento;
– Em um artigo escrito em 1828, Mill definiu a literatura inglesa de sua época não apenas os
livros imaginativos, os best-sellers, mas também aqueles direcionados ao leitor de "interesses
gerais" e preocupado com política e ética. A filosofia e as ciências naturais, porém, era distintas
da literatura, mas não tão distantes quando supunham seu pai e Bentham (que faziam uma
diferença entre utilidade e passatempo). Mill, achando que estava se distanciando do
utilitarismo, na verdade estava se amparando justamente no pensamento utilitário, portanto, ao
afirmar que a literatura era útil, importante, tinha o mesmo status dos cientistas e dos filósofos,
e não um passatempo. Ainda assim, da mesma forma que Wordsworth, ele colocou a poesia –
como expressão de sentimentos e emoções – em oposição ao conhecimento científico;
– Mill também fez uma distinção entre o ato de escrever poesia e o poema, dando ao primeiro
um caráter solitário e, ao segundo, um aspecto de monólogo. O poeta fala a si mesmo na escrita,
e o poema é lido para uma audiência. A poesia, para ele, é um fruto natural da solidão e da
meditação. Mill, porém, fez outra diferenciação: entre o poeta da cultura, que transforma
objetos prosaicos em poesia, e o poeta da natureza, que tem um "temperamento poético".
"Wordsworth [poeta da cultura] era um poeta porque tinha decidido ser um; Shelley [poeta da
natureza ou poeta natural] era um poeta porque não teve outra escolha" (p. 102, tradução
minha). Além disso, para ele, um filósofo jamais se tornaria um poeta, mas um poeta poderia ser
um filósofo – e isso acontecia quando os sentimentos que ele procurava expressar eram tão
fortes que apenas um intelecto com capacidade poderia compreendê-los;
– Era na historiografia, para Mill, que a poesia e a ciência se misturavam melhor, como
Revolução Francesa, de Thomas Carlyle, que tinha usado, para nosso autor, um "método de
artista, não de cientista", para produzir um poema épico histórico. "'Ao invés de dissecar os
elementos individuais em partes constituintes, ele as juntou para criar grandes unidades. Ele
trouxe à luz o aspecto poético da realidade, os sentimentos que estavam no fundo da atualidade'"
(p. 103, tradução minha). A França, nesse momento, ao contrário da Inglaterra, já considerava
poetas e política não como passatempo, mas eram tomados com seriedade – e a poesia tinha
influência sobre a política e vice-versa. Da mesma forma, os historiadores franceses não se
dedicavam apenas a contar a história, mas a escrevê-la bem do ponto de vista estético. Aqui
também havia uma grande distinção que Mill, Wordsworth e outros ingleses faziam entre a
poesia como força criadora e a prosa (ou o romance) como "histórias banais" ou "ficção
destinada a vender para a urbe das cidades;
– Para Lepenies, John Stuart Mill tentou tirar o melhor dos dois grandes filósofos ingleses do
século XIX: Jeremy Bentham e Samuel Taylor Coleridge – a quem os poetas se alinharam. A
filosofia do primeiro privilegiava os detalhes, devotava-se ao empirismo e, assim, perdia
consequentemente a visão do todo no processo. Por sua falta de imaginação e cultura poética,
não conseguia se colocar no lugar dos que pensavam diferente dele. O segundo, por sua vez, era
hermenêutico, romântico, reagindo a Bentham ao colocar a metafísica como um elemento
importante na compreensão do mundo. Mill, assim, acreditou ser possível unir o "cuidado com
os detalhes" e a "visão do todo", rigor no método e cultura de sentimento, conhecimento factua l
e poesia (p. 105, tradução minha);
– Mill, assim, tentou levar essa compreensão para a sociologia: assim como a química
experimental de Francis Bacon não era suficiente, a "geometria abstrata" que se fazia ao partir
de uma determinada afirmação geral para estudar um fenômeno particular. As teorias
sociológicas e a aplicação prática do conhecimento sociológico eram difíceis, para Mill,
porque os fatos sociais se entrelaçavam entre si e, assim, não era possível tratá-los de forma
isolada. Assim, cabia à sociologia os métodos históricos, porque a história era também uma
ciência válida – apontada pelos críticos como “mera literatura” –, no sentido de poder apontar
certos pontos do desenvolvimento humano. "Era somente com a ajuda da história que as
doutrinas e convicções podiam ser testadas e confirmadas" (idem, idem). Intelectuais fizeram da
história uma ciência não apenas por usá-la como método, mas porque conseguiram apontar a
significância de fatos e eventos do passado na evolução histórica e na produção do mundo do
presente. "Eles fizeram a história tão interessante como um romance e, ao mesmo tempo, uma
percepção possível do futuro ao qual os homens podiam se preparar. Eram as qualidades
literárias hermenêuticas que asseguraram à história um lugar entre as ciências" (p. 106, tradução
minha). O método inverso-dedutivo, enfim, que afirma que a história é importante na lógica das
ciências sociais, permitiu que a literatura e a sociologia também viessem juntas, presas, como
ciências possíveis;
– Mill, porém, tentou sempre elaborar um entendimento entre poesia e ciência – e isso era visto
como problemático pelo seus amigos, que viam nele um filósofo rigoroso e pouco inclinado à
poesia. No texto de Carlyle sobre a Revolução Francesa, por exemplo, ele apontou as falhas do
autor ao exagerar suas críticas sobre métodos científicos, análise e suas conclusões gerais,
argumentando que princípios gerais eram importantes para conhecer o que quer que seja. Para
Mill, o artista não era um símbolo de moral e excelência intelectual, porque esse papel ainda
era ocupado pelo filósofo e pelo cientista, os que podem permitir a verdade de ser expressa – o
que os artistas podem fazer é dar, à verdade, uma roupagem e símbolos expressivos. Segundo
Mill, Comte também tinha perdido a capacidade de construir pensamentos sistemáticos
conforme se aproximou dos sentimentos, e se não fosse seus discípulos, o positivismo teria sido
arruinado, porque ele passou a nutrir um ódio inexplicável pela ciência;
– Para Lepenies, tanto Comte quanto Mill passaram pelo mesmo processo: um excesso de
intelectualismo científico que, gerando crises "espirituais", foram resolvidas o aumento da
poesia em relação à ciência – e pode-se dizer de Mill que ele a usava mais como um remédio:
"os dois acreditavam que [as crises] foram causadas por intelectualizações exageradas de suas
vidas e de suas ocupações científicas. Eles reagir com uma reabilitação da cultura dos
sentimentos e uma mudança dramática nos seus valores: a literatura ganhou gradativamente em
significância quando comparada com as ciências. Nos dois casos, o processo de
'emocionalização' de suas vidas e a chegada da literatura em seus trabalhos foi acelerado e
reforçado por relações com mulheres" (p. 108): no caso de Mill, com Harriet Taylor, que
conseguia unir inteligência e fortes e profundos sentimentos ("sua grande importância para eles
está na humanidade e natureza poética por meio da qual ela apoiou e completou seu espírito
abstrato e científico"). No caso de Comte, com Clotilde de Vaux, que teve um papel similar;
– Para Lepenies, seja como for, Mill reclamou do fato de seu tempo não ser preenchido de
profundos e grandes sentimentos, mas de uma filosofia constituída por pensadores prosaicos que
não duvidavam da complexidade e da natureza misteriosa humana. Uma era de convicções
"desanimadas", de evitar qualquer extravagância, que era característica instintiva da Inglaterra.

The unwritten novel: Beatrice Webb


– Em Tempos Difíceis, Charles Dickens não é um narrador distante, mas um participante e
moralista contador que opõe os preceitos da economia política – uma ciência falsa que destrói a
imaginação e transforma os homens em máquinas – às instituições do coração. Os proletários,
objeto do romance e da economia em questão, eram aqueles que conseguiam se afastar dos
axiomas econômicos quando saíam da fábrica. James Mill é geralmente comparando com um
dos personagens do livro, um comerciante cujos números tomaram o lugar da afeição e dos
sentimentos, mas quando um professor sugeriu que a Universidade de Cambridge, na Inglaterra,
complementasse o currículo inglês com estudos não-literários, ele considerou usar os ensaios de
John Stuart Mill "não por ser um amante da poesia e da teoria poética, mas por ser um pensador
extraordinariamente disciplinado, um lógico hábil e um analista: ele poderia ser usado para os
estudos literários e o criticismo – disciplinas em pressão para trabalhar juntas com outras se elas
quisessem ser levadas a sério" (p. 113, tradução minha);
– Para Leavis, a continuação da autobiografia de Mill, em que isso aparece com força, era My
Apprenticeship, de Beatrice Webb, publicado em 1926 – uma socióloga socialista cuja obra já
tinha se tornado um clássico da literatura inglesa. Lepenies dedica várias páginas do capítulo em
contar a história entre Beatrice e Sidney Webb, que se conheceram em 1890, quando ele
pertencia a um grupo de radicais socialistas ingleses. Inicialmente disposta a não ter uma
"carreira" matrimonial, tendo que apresentar "qualidades masculinas" para isso, ela topou
trabalhar com ele com o propósito de colaborar na tradução de doutrinas socialistas em
linguagem política para os Fabians – grupo ao qual pertencia. Sidney, no entanto, se apaixonou
por Beatrice e passou a tentar cortejá-la de todas as formas possíveis, em uma relação complexa
e tortuosa que pode ser vista na autobiografia dela e em cartas que os dois trocaram na época:
em algumas delas, ele chega a se comparar a Comte e sua relação de adoração à Clotilde de
Vaux ("now you are to me the sun and the source of all my work") e, em outra, criticou Goethe
por planejar sua vida em alto nível de auto-controle ("he offered a warning example of how
intellect by itself could lead man into error. The correct course was to recognize that instinct and
feeling were equally significant motivations of human behaviour"). O autor tenta mostrar como,
nesses diálogos textuais, Sidney usou a literatura como uma expressão dos seus sentimentos,
deixou que ela falasse por ele, ainda que fosse insensível à arte. "Como Comte, que tinha feito
das mulheres as guardiãs da moral, ele obedeceu as regras de conduta que ela tinha estabelecido.
E como Comte, também, ele aprendeu que, no mundo real, nem tudo pode ser reduzido a
silogismos ou compreensões por força do intelecto, que existem imponderáveis que nossa razão
não pode alcançar, mas que são de grande significância para nós" (p. 120, tradução minha).
"Como Beatrice o proibiu de abrir expressões de seus sentimentos para ela, ele tinha que
encontrar um meio em que seria possível falar de si mesmo sem usar seu próprio nome. A
literatura foi o meio, e depois ele admitiu: 'nenhum romance me interessa mais profundamente
ao menos que eu aprenda, com ele, algo sobre mim'" (p. 121);
– Juntos, Beatrice e Sidney são reconhecidos por, entre outros feitos, terem fundado a London
School of Economics, em 1895. Eles esperavam que, em um longo período, poderiam fazer com
que suas pesquisas sociais se tornassem uma ciência descritiva – a sociologia, para eles, estava
longe de ter um objeto claramente delimitado ou de ter métodos claros de procedimento. Cada
pesquisa social, de certa forma, tinha que começar uma nova disciplina, mesmo tendo
predecessores, e foi isso que eles fizeram com a ideia de que não adiantava produzir teoria, mas
se concentrar em descrever a sociedade com precisão. Beatrice achava que a economia política
tinha tomado os ataques à opressão e à luta de classes no século XIX e transformado-os em uma
disciplina científica que fora adaptada como um "evangelho dos empresários". Sidney, por sua
vez, achava que os textos econômicos eram obsoletos porque os economistas tinham deixado de
classificar os fatos para reduzi-los a uma ordem sistemática. Dessa forma, Beatrice considerou,
por sua experiência anterior em pesquisas sociais, que alguém só poderia entender uma outra
classe "adotando sua fé e olhando as coisas com seus olhos" (p. 124, tradução minha). Em
outras palavras, era possível fazê-lo coletando e comparando dados, ainda que não houvesse um
método semelhante ao das ciências naturais – pegar os métodos delas não bastava. No limite,
eles criticavam os homens do século XIX que acreditavam que apenas os dados sozinhos
podiam constituir a base da pesquisa social – ela precisava de experiências como uma
observação que fosse próxima, participante. Em uma anotação de 1883, ela já tinha escrito que a
psicologia comparada era a base da sociologia;
– Beatrice tinha aprendido com Spencer, que frequentara a sua casa, que as instituições sociais
são como plantas os animais: podem ser vistas, classificadas e explicadas, e suas ações podem
ser previstas se alguém sabe o suficiente sobre elas. No entanto, ela se colocou a questão "se o
estudo das instituições sociais poderia ser feito de forma tão imparcial quanto o da flora e da
fauna. Para responder, parecia razoável unir a sociologia com descrição das ciências naturais
descritivas" (p. 126, tradução minha);
– Lepenies nota que os textos do casal Webb também foi permeado por tensões entre o objetivo
de estudar as instituições sociais humanas cientificamente e o desejo de mudar a sociedade por
meio da substituição dessas mesmas instituições motivadas pelo lucro por outras que se
preocupassem com o bem comum. Beatrice, especialmente, passou a fazer uma distinção entre a
ciência pura e sua aplicação na realidade – quando se tornaram comunistas, os dois ofereceram
pesquisas científicas sobre as propagandas dos soviéticos. "As descobertas da ciência podiam
ser colocadas a serviço de uma causa política, mas isso não significava que a prática da ciência
tinha que se tornar algo frio e mecânico: ao contrário, ela se assemelharia a um ato religioso. A
revelação de leis naturais era uma expressão de devoção, um dos meios pelos quais o reino de
Deus avançava em sua realização na Terra. A atividade científica era tanto um processo
intelectual quanto moral" (p. 127, tradução minha). Nos livros que publicaram, os dois se
preocupavam em aproximar a sociologia dessa "missão", mas sua aplicação foi apenas
metafórica, porque queria mostrar o objeto da disciplina: ao lado da biologia, da zoologia, da
botânica, seu trabalho era explicar a origem, o crescimento, as modificações e o declínio de
instituições sociais específicas;
– Sem qualificação para elaborar métodos estatísticos na percepção da realidade, no entanto,
eles também queriam que a sociologia fosse além: se não bastava o método biológico, era
possível observar as instituições participando ou trabalhando dentro delas – e por isso
nomearam autores como William Shakespeare e Goethe como exemplos de possibilidade de se
colocar no lugar de uma outra pessoa de diferente origem e de diferente classe social. " O
pesquisador social competente tinha também que que possuir as habilidades de um romancista
ou um dramaturgo: uma imperfeita simpatia com os objetos de suas investigações poderiam se
provar a melhor de todos os obstáculos no trabalho científico" (idem, idem). Um dos exemplos
dessa postura no campo metodológico era a predileção do casal por caderno de campo: cada
anotação de cada evento poderia realizar novas conexões entre o material estudado. A
sociologia, assim, estava longe de ficar presa ao status de ciência dura, como a física ou a
química, porque se ligava mais ao pré-modelo dessas ciências, que era mais literário – como o
provavam a história natural de Frédéric Cuvier ou Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon. A
questão posta, então, era metodológica: insuficientes como provedoras de instrumentos para
perceber a realidade, o casal Webb descobriu na atividade literária uma, digamos, postura que o
sociólogo poderia assumir no campo;
– A atividade política e as convicções sobre o que a sociedade deve ser, para os Webb, não são
suficientes para mudá-la, de fato: é preciso trabalho científico, classificação e sistematização
dos fatos sociais, isto é, empiria social ao invés de teoria sociológica. Sidney, especialmente,
acreditava que a expansão do conhecimento sociológico tinha trazido a humanidade para mais
perto da dominação das coisas e colocado-a mais no controle do seu destino social – mas sua
sociologia, segundo Lepenies, estava repleta de socialismo (ainda que conhecesse pouco de
Marx). Os Fabians, grupo do que qual ele pertencia, estavam próximos do movimento
trabalhista, para quem eles dedicaram seus cérebros e se tornaram "agentes sem armas". "As
massas deveriam servir uma elite de especialistas próprios exercendo seu poder em segredo. [...]
Nisso os Fabians ficavam perto de Marx e sobre toda a concepção leninista de partido político"
(p. 131, tradução minha);
– Se a atividade política depende de trabalho científico, os métodos do trabalho científico é a
fundação da atividade política. Eles não queriam forçar as pessoas inconscientes a aceitar
sociedades socialistas, mas queria tornar o pensamento delas socialista, colocá-las
conscientemente nessa sociedade, e para isso dependiam de um método que foi logo criado: o
de se infiltrar (permeating) e o “puxar o fio” (wire-pulling), que aparece mais tarde no texto de
Lepenies;
– Em 1912, a discussão pública na Inglaterra passou a ser se um homem deveria ser guiado pela
razão ou pelos sentimentos – algo que já havia tomado conta das perguntas de Beatrice a si
mesma. Desde que o intelecto havia suprimido sua devoção religiosa, ainda na juventude, ela
não deixava de pensar que, "por trás das coisas conhecidas por nós há algo absolutamente
inatingível para o conhecimento humano. [...] Ela estava convencida de que seus sentimentos
eram a melhor parte da sua natureza, e podia ver que suas necessidades emocionais eram
satisfeitas pela religião, e não pela ciência" (p. 133, tradução minha). Naquela época, segundo
Lepenies, os cientistas eram os grandes ídolos e a ciência já dominava a Inglaterra. Quando se
envolveu no trabalho prático social, ele logo se tornou o meio mais eficaz de satisfazer suas
exigências sentimentais, além das inclinações filantrópicas e dos interesses científicos. Beatrice
acreditava que ajudar os pobres ativamente poderia ser uma substituição para a religião e uma
proteção contra a frieza analítica que a ciência demandava, e nessa atividade sua posição como
mulher ajudava, já que o trabalho filantrópico era exclusivamente feminino e, assim, só uma
mulher poderia fazer pesquisa social entre essa classe de gente;
– Segue Lepenies: "era mais fácil para uma mulher possuir uma atividade de observação
participante do que para um homem. Essa pesquisa no meio do mundo real sempre tinha um
toque de aventura, e ainda existia, por esse motivo, sempre o perigo de mulheres comprometidas
com isso não fossem levadas a sério, mas repudiadas socialmente como 'excêntricas'. (p. 134,
tradução minha). O outro lado dessa realidade era que, confinando as mulheres ao trabalho
filantrópico, os únicos objetivos científicos com os quais elas podiam entrar em contato eram os
que tinham um "caráter fortemente afetivo" que concernia a elas. A vida de Beatrice foi devota a
superar essas barreiras, porque elas prejudicavam a realidade social: havia menos homens que
enfatizavam a necessidade e a utilidade de "pensar seriamente" nas ciências sociais com a
mesma determinação que ela tinha. Para ela, os pobres precisavam ser ajudados, e isso
aconteceria quando as causas de sua pobreza fossem determinadas e medidas efetivas para seu
fim fossem propostas e colocadas em operação: "a reforma social e a política social tinha que
ser provida com uma fundação científica" (p. 135, tradução minha). Para Lepenies, Beatrice
passou a ver sua ideia de pesquisa social como uma missão, no sentido religioso do termo: uma
atividade que envolvia não apenas o intelecto, mas os sentimentos;
– Beatrice acreditava na religião porque os métodos da ciência eram incapazes, para ela, de
ensinar valores últimos aos homens – e se a ciência tivesse se dedicado a isso estaria falida. Era
preciso, assim, fazer uma distinção entre o que poderia ser provado cientificamente e o que era
crença. A era da ciência alienou a grande massa da humanidade da religião sem dar um
substituto, porque as "bênçãos" da religião da ciência só poderiam ser desfrutados por quem a
praticava – os cientistas. Ainda que se via o sindicalismo ao lado da igreja, eles não tendiam a
permanecer unidos por toda a história. De qualquer forma, defender uma religião da ciência
não significava ser anti-religioso, mas devoto desta última;
– Houve um cientista, no entanto, que reconheceu a tensão entre ciência e religião e ofereceu
uma solução: Auguste Comte, que desenvolveu o positivismo como tal porque sabia que os
homens possuem não apenas necessidades intelectuais, mas sentimentais, ao contrário de
Spencer. Beatrice, no entanto, logo percebeu que o mesmo acontecia na URSS, em que o partido
tinha se tornado uma "ordem religiosa" com os mesmos objetivos da religião de Comte – e isso,
longe de desanimá-los, foi o que fez que se tornassem adeptos do comunismo: apesar do casal
ter estabelecido a sociologia como ciência, eles sabiam que, além disso, precisavam da religião,
e a encontraram no comunismo;
– A literatura, no entanto, também desempenhou um papel importante na sua vida: leitora de
Goethe, Ludwig Tieck e de Balzac – obra pela qual sabia que teria utilidade nas ciências
humanas do futuro, principalmente para a psicologia. Beatrice tinha a impressão que o desejo de
homens leigos em escrever romances era motivado pelos mesmos motivos que inspiravam
amantes da ciência a se devotarem à sociologia ou as humanidades, o que, para Lepenies, indica
que ela também desejava unir suas inclinações literárias ao seu interesse científico. Chamadas
de "ciências morais", a ciência e a literatura não podiam ser vistas de forma separada, porque
não apenas a pesquisa era importante, mas como ela era escrita – e não à toa ela, invejando os
autores que expressam seus fatos com uma prosa agradável e clara, tentou por si mesma
descobrir formas de escrever bem: "a ciência tinha que preceder a arte; a arte poderia consistir
apenas na perfeita representação dos fatos já reconhecidos pela ciência. O ideal de ser alcançado
era o casamento da ciência e da arte" (p. 139, tradução minha).
– Ainda que achasse que alguns romances fossem tão tediosos de escrever quanto projetos
científicos, Beatrice nunca escreveu o livro literário que sonhou: chamaria-se Sixty Years Hence
e seria uma utopia futurista do processo de evolução social com dois temas centrais: a
emancipação final das mulheres e a vitória do coletivismo como ideologia das instituições. No
entanto, os projetos em que ela e Sidney entravam, a London School of Economics e a
necessidade de esconder suas inclinações literárias acabaram por frustrá-la. Além disso, ela
tinha dificuldade em sair dos fatos reais e de reduzi-los para um molde textual mais fácil de ler,
o que dificultava também a possibilidade de dar vazão à imaginação. Curiosamente, o fato de
não se interessarem por arte e cultura era parte dos mitos do casal Webb, o que demonstra não
ser de todo equivocado;
– Sua autobiografia, já no final da vida, foi o máximo que conseguiu se aproximar da literatura,
quando admitiu para si mesma que não se preocupava mais com as situações da sociedade, mas
com as da mente. O título original, My Craft and My Creed ("Meu Ofício e meu Credo") já dava
mostras da tensão que fez parte de toda sua vida entre o trabalho científico e a sua "cultura de
sentimento", que, como se viu, teve uma inclinação à literatura e à religião. Ainda que não
gostasse de poemas – e de muitos dos seus autores –, Beatrice dava importância para um dos
métodos literários como descrição do mundo: "por cada descrição detalhada da complexidade
da natureza humana, da variedade e mistura de motivações humanas, da insurgência do instinto
na roupagem da razão, do jogo multifacetado do ambiente social no ego individual e do ego
individual no ambiente social, eu tive que recorrer para os romancistas e poetas, de Fielding a
Flaubert, de Balzac a Browning, de Thackeray a Goethe" (p. 143, tradução minha). Havia uma
especial devoção aos escritores franceses, como Voltaire e Diderot, além de Balzac, que tinha
apresentado a Comédia Humana como continuação da história natural de Buffon no domínio
humano – enfim, eram "romances sociológicos". Nosso autor nota, enfim, que Beatrice nunca
teve aversão pela literatura, mas apenas por autores que considerava inúteis, como Racine e
Corneille;
– Para Lepenies, portanto, a autobiografia de Beatrice se tornou um compromisso em que ela
pode, finalmente, unir suas inclinações literárias e científicas. Ao mesmo tempo em que
escrevia, percebeu que os romances sociais do século XIX tinham continuado nos romances
sociológicos do seu tempo – em que as ciências sociais e a literatura se complementavam. No
entanto, havia uma escola liderada por Virginia Woolf que, ao contrário do que ela tinha
imaginado, não se interessava pelo detalhamento dos homens e mulheres da sociedade – e que
por isso deveria ser atacada para não devorar, justamente, as sociological novels. O romance
sociológico, no entanto, logo viria a questionar a própria sociologia como disciplina.

The utopian novel as a substitute for sociology


– Nos anos 1920, a escritora Virginia Woolf propôs que os autores britânicos poderiam se
dividir em dois campos: os eduardianos (edwardians), como Herbert Wells, Arnold Forster e
John Galsworthy, e os georgianos (georgians), como Lytton Strachey, Morgan Forster e James
Joyce. Segundo ela, em dezembro de 1910 a humanidade tinha passado por uma mudança
decisiva nas relações humanas, na religião, na política e na literatura – transformação da qual os
georgians reconheceram e reagiram com toda a força de sua sensibilidade – ela não escondia sua
simpatia por eles. Nessa divisão, Woolf propôs as seguintes definições baseada em uma divisão
feita durante uma viagem de trem:
– Os eduardianos são os escritores que olham para fora do trem, para as fábricas que
passam, para as utopias, mesmo para o mobiliário do vagão, mas nunca para as pessoas
que estão nele. Não estão interessados na natureza humana ou na característica do
homem. O erro deles, para Woolf, era que aceitavam o mundo exterior como dado;
– Os georgianos, por sua vez, eram aqueles escritores que questionavam a si mesmo o
que a realidade era e viam, nessa pergunta, a própria fundação de sua literatura. Era o
seu caso;
– Beatrice Webb fez a mesma divisão entre os dois campos, mas ficava do lado contrário ao de
Woolf: para ela, os edwardians eram os responsáveis pelo romance sociológico: eles produziam
personagens fictícios com características sociais, eram filósofos dos fatos providos por
historiadores e sociólogos e tinham certa influência da obra de Herbert Spencer. O conceito de
romance sociológico, aliás, foi inventado justamente para descrever os romances de Herbert
Wells;
– O romance The New Machiavelli, de Wells, publicado em 1910, apresenta personagens que
classificam todo mundo que conhecem em tipos sociológicos e que não escondem sua acrítica fé
na ciência. Richard Remington, personagem central do livro, é um político de carreira que é, na
verdade, o alter ego do próprio Wells, enquanto Oscar é um personagem casado com Aurora
que, assim como ela, possui profundas ideias políticas e sociológicas, mas que é pouco refinado
– reconhecidamente são inspirados nas figuras de Sidney e Beatrice Webb. Segundo Lepenies, a
tensão que se apresentou diante dessa evidência foi uma demonstração de que pesquisadores
sociais como os Webb e romancistas sociológicos como Wells não viveram em harmonia entre
si;
– Wells havia feito parte do clube Co-Efficients, fundado pelos Webb, onde ocupou papel
semelhante ao que tinha nos Fabians, de Sidney. Anticipations, publicado por ele em 1901, foi
elogiado por Beatrice por sua capacidade de unir imaginação e conhecimento factual e pelo
uso de métodos das ciências naturais na solução de problemas sociais. Naquela época, a
literatura já era um instrumento de propaganda dos trabalhos científicos dos Webb: ela tinha
persuadido escritores próximos a escrever livros sobre os pobres e, para eles, o gênero utopia
parecia ser especialmente útil: "há temas, como a da reprodução da humanidade, que não
podem ser tratados com a ajuda de procedimentos indutivos, e por essa mesma razão devem ser
tomados pela imaginação dos escritores; nesse sentido, a literatura é um tipo de teste científico
e muito bem-vindo à pesquisa social", escreve Lepenies sobre a percepção dos Webb;
– A única fraqueza de Wells estava em seu pouco conhecimento dos fatos: eram um especulador
de ideias, para os Webb, um escritor consciente de que suas hipóteses não eram verificadas, e
que não sabia como as organizações sociais funcionavam. Sua importância para eles estava no
fato dos seus livros promoverem generalizações úteis para a pesquisa sociológica. Em 1905, ele
publicou A Modern Utopia, uma continuação da obra anterior que seria, para ele, a última vez
em que se"desviaria" sua real inclinação de escrever romances para fins sociais. Seu objetivo, de
acordo com nosso autor, era descobrir um gênero em que as discussões científicas pudessem ser
combinadas com a imaginação de um romancista. Na utopia esboçada por ele no livro, o aspecto
econômico constituía apenas uma parte da sociologia geral, um "tipo de física aplicado a
problemas sociológicos" (p. 147, tradução minha). O "samurai" do livro de Wells, o engenheiro
social do futuro, serviu de identificação para o casal Webb;
– Os Webb e Wells se distanciaram quando o escritor criticou os Fabians por dedicar demasiada
energia na pesquisa sociológica, deixando de atacar os problemas políticos – um estilo de fazer
política diferente. Em outras palavras, ele queria transformar o "respeitável socialismo" dos
Fabians em um movimento militante. Wells achava que a polidez das instituições estabelecidas
– o Partido Trabalhista tinha conquistado 53 assentos no parlamento naquele ano – era um
prejuízo para o mundo da literatura e, daquele período em diante, foi se distanciando cada vez
mais do casal – até deixar o grupo, em 1908. ;
– A crítica dos Webb ao escritor outrora amigo estava em seus objetivos de levar a sociedade
do futuro para os cientistas naturais sem considerar os sociólogos. "Ele proclamou um
evangelho cruel e perigoso que ameaçou diminuir a 'demanda por estudos cuidadosos dos fatos
da sociologia e da psicologia'. Wells [...] desagradável para os Webb e uma ameaça à pesquisa
social, porque se tratava de um romancista extremamente bem-sucedido que compactuava com
as ciências naturais e, com isso, rejeitava o papel da sociologia como mediadora. Apesar de não
saber nada das instituições da sociedade, ele não estava contente em ser simplesmente um
escritor, mas imaginou que estava livre para dispensar os conselhos dos cientistas sociais" (p.
148 e 149, tradução minha). Ou seja: a sociedade podia ser descrita por meio das ciências
naturais, não da sociologia, e ainda mais aquela feita pelos Webb;
– Wells encontrou nos Fabians, segundo suas críticas, uma complacência burguesa e um desejo
de formular compromissos políticos que excluíam toda a análise e o experimentalismo em
política. Respondeu a isso afirmando que seus estudos em ciências naturais foram decisivos no
seu caminho intelectual e que se irritava com o fato do movimento socialista inglês ser
determinado por poetas e trabalhadores artesão, além "intelectuais aventureiros", professores e
burocratas. Como não havia socialistas com formação científica, o socialismo inglês ainda
estava em um estágio pré-científico, do qual ele não fazia parte: era um cientista, não um
romancista – tinha sido por isso, inclusive, que ele tinha demonstrado interesse na sociologia no
começo do século XX, quando ajudou a fundar a Sociological Society, em 1903. No entanto,
quando da ruptura com os Webb, rompeu também com a disciplina – Lepenies desconfia que
sua mudança foi uma estratégia, já que tinha entrado no fórum com o intuito de transformá-lo:
"não apenas contestou a pretensão da sociologia ser uma ciência no sentido estreito das ciências
naturais, mas também manteve que ela não é uma ciência mesmo no sentido que a história
moderna é, e que essas inadequações se tornavam palpáveis quando a sociologia se aventurava a
imitar os métodos das ciências naturais" (p. 150, tradução minha). Outra falha que a sociologia
expressava em sua tentativa de ser ciência era que nenhum dos seus autores conhecia explicar
do que ela se tratava;
– Wells ainda defendia que a análise em larga escala dos fenômenos usada pelas ciências
naturais para classificar as coisas não tinha espaço na sociologia. Por isso, era impossível
tratar a humanidade como um objeto científico: esse procedimento necessitava de uma
combinação entre ciência e arte. Segue nosso autor: "Wells acreditava [...] [uma] sociologia em
que subjetividade e objetividade, beleza e a verdade, se unissem não seria nem a arte no
sentido tradicional nem ciência no sentido estrito, mas uma forma de conhecimento cheio de
ideias e colorido pela personalidade: a literatura" (p. 151, tradução minha). Concordando com
essa afirmação, Comte e Spencer deixavam de ser autoridades sociológicas e se tornaram
pseudo-cientistas, assim como o método classificatório dos Webb deixava de ser importante
para dar lugar a outro, em que se privilegiava as formas de expressão literária com objetivos
sociológicos. Dois gêneros existentes surgiam como alternativas: a reconhecida historiografia
narrativa, feita por Edward Gibbon e Thomas Carlyle, e a superestimada utopia;
– Wells argumentava que a sociologia não possibilitava distinções entre uma afirmação do que
era e uma afirmação do que deveria ser. Assim, se as ideias atuavam como fatos na sociologia,
o método apropriado para ela era trabalhar com ideias utópicas – algo que a disciplina poderia
ver em Platão, Thomas More e Francis Bacon. Mesmo Comte não tinha feito, para o escritor,
nada mais do que construir uma utopia ocidental. "Os sociólogos não poderiam evitar a tarefa de
forjar utopias, e Wells imaginou um enorme 'livro-sonho' delineando a sociedade ideal, o
testamento de uma sociologia futura" (idem, idem);
– Durante anos, Wells se dedicou a escrever artigos que confirmassem seu ponto de vista,
mostrando como grandes áreas da literatura moderna eram sociologias descritivas. Ao mesmo
tempo, o conteúdo sociológico da literatura inglesa crescia desde a metade so século XIX e
alcançava novos espaços na Inglaterra, como os livros de George Eliot (pseudônimo de Mary
Evans), cuja obra foi exaltada por Spencer e que tinha um método de validação dos fatos tão
complexo que, quando ela foi escrever um romance puro, encontrou dificuldades. "Os escritores
estavam convictos que eles tinham primeiro que adquirir um conhecimento sociológico antes de
começar a escrever, e essa visão era expressa na Sociological Review, em que autores como
Galsworthy e Wells eram, em primeiro lugar, sociólogos e, então, romancistas" (p. 153, tradução
minha);
– Um artigo na mesma Sociological Review, no entanto, chamava Wells de anti-sociólogo: o
argumento era que o escritor permanecia um "sonhador de catástrofes" e um "crente em
milagres" ao invés de se aplicar na análise das estruturas e dos processos sociais. A reputação de
escritor, tanto quanto a de sociólogo, se tornou controversa: embora sua abordagem sociológica
era considerada correta, ao mesmo tempo apontava-se sua falta de conhecimento sociológico.
Para Lepenies, apesar do desejo de Wells de transformar a sociologia em literatura nos seus
romances, elas foram cada vez mais sociológicas ("o romance moderno é o único meio por meio
do qual nós podemos discutir a grande maioria dos problemas surgidos pelo nosso
desenvolvimento social contemporâneo"). Ainda assim, ele acabou debatendo sua proposta com
poucos escritores do que sociólogos.

As três culturas, Edusp, 1996

Sociologia oculta: temas da literatura inglesa nos séculos XIX e XX


Duas culturas
– Em 1956, o físico e romancista inglês Charles Percy Snow publicou um artigo na revista New
Stateman, do casal Webb, chamado The Two Cultures, sobre a divisão entre as culturas de
literatos e cientistas – um tema que permanece atual. Nos seus livros, ele tratou dessa distinção
como uma relação entre duas tribos inimigas: agrupamentos que, por possuírem normas de
conduta e concepções de valor muito diferentes, não tinham qualquer comunicação possível e,
quando existia algo, era hostilidade. Isso, para ele, era o grande problema do mundo ocidental,
mas também tinha um lado: o dos físicos;
– Snow dizia que os grandes escritores do século XX na Inglaterra, além de desconhecedores
dos fatos científicos, eram "malfeitores", porque mantinham posturas antidemocráticas que
acabariam por levar ao Holocausto na Alemanha. Ao contrário deles, os cientistas sempre
foram éticos, e por isso, o argumento de Snow era que o Ocidente precisava afastar a
preponderância literária para evidenciar a cultura científica. A resposta viria de Leavis, de
Cambridge, que publicou um artigo chamando Snow de "arrogante" como todo cientista natural
e como todo homem literato inglês e como "filho espiritual de Wells" e argumentando que, para
contrapor a ameaça que o físico previa em seu texto, era necessário juntar todas as forças
intelectuais em uma escola que, por sua vez, seria responsável por formar o núcleo de uma nova
universidade inglesa. A compreensão da sociedade, para Leavis, dependia, ainda assim, da
literatura – outra reação porque Snow havia criticado o fato dos escritores do seu tempo (como
Thoureau) não compreenderem que, no limite, a Revolução Industrial tinha se tornado, ao
contrário do que diziam, a esperança para os pobres. Para Lepenies, eles "negavam um ao outro
a capacidade de compreender a Revolução Industrial e a sociedade do presente: com isso
disputavam um privilégio de interpretação que, desde a metade do século XX, os sociólogos
reivindicavam para si" (p. 159);
– As ciências sociais, neste conflito, aparecia ao lado de Snow, ao menos na percepção de
Leavis, porque compartilhavam um sentimento científico. Essa posição, no entanto, já havia
sido objeto controverso quando Thomas Huxley e Matthew Arnold estabeleceram a mesma
discussão no final do século XIX.

Crítica literária como doutrina de vida: Matthew Arnold


– O poeta, professor e crítico literário Matthew Arnold nasceu em 1822 e, durante boa parte da
vida, lecionou na escola em que seu pai, Thomas Arnold, foi diretor: a escola de latim de Rugby.
Em 1857, se tornou professor de poética em Oxford e passou a fazer pesquisas sobre sistemas
educacionais europeus com o propósito de reformar o ensino inglês. Lepenies diz que ele era
um poeta cujo "ponto forte estava na intuição e cujo ponto fraco estava na análise" (p. 160).
Ainda que fosse admirador de Wordsworth, em uma época em a Inglaterra era conhecida pela
ciência (o poeta dizia que a poesia era um meio de colocar e responder questões sobre como o
homem deveria viver que, no país do seu tempo, eram atividades de "profissionais", como os
cientistas sociais), Arnold criticava nele o exagero nas críticas à ciência;
– Para Arnold, a poesia é um "instinto de autopreservação" porque interpreta a vida e consola os
seres humanos. A poesia complementa a ciência, e logo substituiria a religião e a filosofia,
porque é uma moral, uma forma de viver a vida. "A força da poesia estava em seu vigor
interpretativo, revelador do mundo, próprio especialmente à obra lírica, mas também a muitas
obras em prosa. O objetivo da poesia não podia ser explicar, preto no branco, os mistérios do
universo; tratava-se antes de, através do sentido, tornar o mundo compreensível ao homem,
bem como seu lugar nele. A ciência jamais se dirigia ao homem em sua totalidade, e dessa
forma não eram Lineu, Cavendish ou Cuvier que lhe mostrariam onde se encontraria o
verdadeiro segredo da natureza, mas sim Shakespeare, Wordsworth e Keats..." (p. 162). Como
Goethe, ele acreditava, enfim, que as artes e a ciência são pensamento, e a poesia, inspiração;
– Arnold, além disso, colocava a poesia como a atividade mais intelectualizada que existia,
porque exigia que os poetas tivessem conhecimento suficiente da vida para escrever sobre ela –
e era essa sua crítica aos poetas ingleses do século XIX, mesmo Wordsworth e Byron. A
diferença entre os poetas e os cientistas era que os primeiros "pensavam emocionalmente", mas
para isso precisavam de esforço crítico e conhecimento do mundo. A poesia e a crítica literária
eram morais, não estéticas, isto é, tinha a ver com o caráter e a ação dos homens e, por isso,
era possível fundamentá-los sobre bases poéticas. Por isso, a poesia poderia competir com a
religião, assim como a ciência – se a superstição era a "poesia da vida", a religião também tinha
um fundamento poético;
– Por fim, Arnold contrapunha a análise científica natural à força da crítica literária usando
como exemplo a Bíblia cristã: como sua linguagem é aproximativa, fluída, poética –
principalmente as cartas de Paulo –, e não rígida, ela não poderia ser observada pela ciência,
mas pela literatura. Os teólogos ingleses de sua época, reclama, não queriam que seus ensaios
fossem conhecidos, porque os dogmas bíblicos deveriam aparecer em termos científicos, não
literários, tais como eram suas análises. Como fábula, expressão dos desejos mais caros do
homem, e como fábula capaz de criar uma moral do agir, a Bíblia não era compreendida pelos
termos científicos porque necessitava de críticos literários que conhecessem a vida real, algo
que só a literatura possui.

As duas culturas no século XIX


– A Revolução Industrial, para Lepenies, evidenciou o conflito entre as duas culturas para um
nível que ele jamais havia alcançado. Isso aconteceu por meio da ideia da civilização
tecnológico-científica e a educação pública alcançou a maior parte das pessoas. Nas
universidades, a pergunta central era se a educação deveria ser orientada pela ciência natural
ou pela literatura, isto é, se ela deveria formar profissionais (advogados, médicos, cientistas,
etc.) ou "homens preparados para conviver civilizadamente com os outros" (p. 165). O ponto
crítico desse debate, no entanto, foi entre Arnold e Huxley;
– Como moral, Arnold defendia que a poesia deveria vir antes do estudo das ciências naturais.
Em outras palavras: os resultados das ciências duras dependiam de moralização das pessoas,
alcançada pela religião e pela poesia. Se a economia política dizia que o padrão de vida das
pessoas precisava crescer, ele deveria fazê-lo com a ajuda da literatura, por exemplo;
– Suas críticas eram respostas a conferências de Huxley, um político e cientista que defendia
que a ciência fosse reconhecida socialmente e divulgada como tal. Para ele, o conhecimento
científico ampliava o senso comum e, por meio da educação – que consistia em conhecer as leis
da natureza – os indivíduos poderiam trabalhar em qualquer coisa. Naquela época, segundo
Lepenies, disciplinas como teologia e de línguas como latim e grego ainda estavam no currículo
das escolas e universidades inglesas;
– Arnold respondia que o erro de Huxley era entender literatura apenas como as belles-letres, e
não tudo o que era escrito "com letras" e impresso em livro – e aí estavam desde os poemas de
Wordsworth até os escritos de Darwin. Além disso, os cientistas naturais não eram os únicos no
domínio da ciência, porque a crítica literária e os estudos das línguas mortas (latim) também o
eram quando trabalhavam com textos originais. O problema para ele, porém, era a pretensão de
Huxley em garantir que as ciências naturais fossem mais importantes nas escolas e
universidades do que a literatura. "Evidentemente era importante conhecer os resultados das
ciências modernas; sem elas, não era mais possível uma compreensão adequada do homem e do
mundo. Todavia, essas disciplinas forneciam um saber apenas instrumental. Quem o possuísse
poderia ampliar sistematicamente seu conhecimento, mas ainda assim era e permanecia um
especialista. Havia algo de limitado, de mentalidade restrita, inerente ao homem da ciência
natural que permanecesse exclusivamente especialista da ciência natural, [...] o homem não se
contentava apenas em conhecer; queria compreender o que aprendia e entender que
consequências teria seu conhecimento sobre sua conduta. Em todo homem se escondia um
anseio profundo pelo bom e pelo belo, um instinto de autopreservação que visava não somente à
sobrevivência, mas também a uma vida autêntica. Necessidades fundamentais como essas não
poderiam ser satisfeitas pelas ciências naturais" (p. 167 e 168). Instinto de "autopreservação",
aqui, no sentido de conhecer o mundo criticamente para conhecer a si mesmo, algo que só a
literatura poderia dar;
– Ainda em Arnold, a crítica literária, se debruçando sobre a moral do agir, não estava
interessada apenas em sentimentos e emoções, mas em juntar os resultados das ciências naturais
e mostrar como eles eram importantes para o homem, ligar as pessoas a eles pela estética – ou
seja, a literatura podia ocupar um papel de intermediação;
– Huxley não via a literatura como inútil, porque pensava que ela podia ajudar a refinar o gosto,
e que o indivíduo cultivado precisava de uma "doutrina de vida", mas que não eram apenas os
textos clássicos permitiam isso. Segundo ele, a literatura nas universidades era um problema
porque era inútil: ao invés da moderna literatura inglesa, em língua inglesa, que admirava, elas
ainda se mantinham nos velhos ensinos de latim e grego para agradar antigos professores e
gramáticos. Para Lepenies, era até incompreensível ver Arnold defender tanto a literatura diante
de um adversário que a admirava – talvez ele o estivesse fazendo da sociologia;
– Huxley via a sociologia com bons olhos, porque, para ele, ela poderia dar uma noção melhor
de como os fenômenos sociais são expressões de leis naturais. Deveria se dedicar a ela apenas
pessoas que tivessem conhecimento dos princípios do seu funcionamento. A única dificuldade
para sua pretensão de colocar a sociologia no currículo das universidades era que não existia
professores suficientes – e aí residia o perigo para a crítica literária de Arnold;
– Se, como já havia dito Arnold, a crítica literária, como ciência moral, não temia as ciências
naturais, porque só ela poderia ajudar o homem a compreender a si mesmo e sua sociedade, a
sociologia tinha essa possibilidade e ainda tinha um método mais definido e um rigor científico
mais claro, o que a tornava mais simpática aos cientistas naturais. Portanto, se a crítica literária
tivesse seu monopólio da "crítica da vida" questionado pela sociologia, ele precisava mostrar
como ela era um instrumento tão adequado quanto: em Culture and Anarchy, de 1869, ele
defendia uma formação cultural que seria capaz de entregar ideais aos homens, isto é, de unir a
paixão científica e a de "fazer o bem" que está presente em todos os homens. Mais do que isso,
uma formação cultural poderia – ao contrário da doutrinação das massas pela cultura popular –
humanizar o conhecimento e abolir as classes sociais;
– Essa necessidade lhe surgia porque, segundo sua análise da sociedade de sua época, em que o
individualismo e o industrialismo ditavam as regras, a aristocracia inglesa deixara seu papel de
liderança das classes inferiores e, com isso, as camadas mais pobres se entrelaçavam entre
anarquia intelectual e inquietação social. A classe média, tomada pelos burgueses, não
substituira essa nobreza. Era preciso, enfim, uma reforma social que tentasse mudar a
concepção comercial pela sentimental e intelectual do mundo, e isso por meio da educação.
"Parecia precipitado iniciar reformas sociais em grande escala sem antes modificar a atitude dos
homens envolvidos. [...] A 'culture' era a tentativa de atingir a razão e conhecer a vontade de
Deus mediante leitura, observação e pensamento – um objetivo que podia ser atingido, não por
meio da ciência, mas talvez com a ajuda da poesia" (p. 173). A sociologia, principalmente a de
Comte, nesse sentido, aparecia como outra forma de racionalizar o mundo, de sistematizá-lo e
de planejar o futuro social – em suma, uma nova forma de ver o mundo por meio das ciências
naturais. Na época do industrialismo, no entanto, os escritos dele pareciam "toalhinhas rendadas
sobre uma máquina a vapor" (idem, idem);
– Arnold defendia que a única forma de realizar seu projeto cultural era por meio de um Estado
forte capaz de controlar as vontades individuais em nome de um bem maior do que elas . Ele
era, ao contrário do pensamento marxista, a única garantia da "moralização" da democracia, isto
é, de seu aperfeiçoamento moral, humano, superior. Para Lepenies, no entanto, Arnold era um
"péssimo filósofo" e cuja doutrina de vida, que consistia em ver as coisas como elas são, por
meio da literatura, "tentava o impossível, conforme Kant demonstrara em definitivo" (p. 175).
Ainda para nosso autor, o grande paradoxo dessa história é que a formação cultural e a crítica
literária que ele tanto defendeu tinha o mesmo objetivo que a sociologia positiva: compreender
a realidade. "Matthew Arnold tornou-se sociólogo contra a sua vontade, e sua crítica literária
era uma sociologia dissimulada" (idem, idem).

F.R Leavis: inglês como disciplina orientadora


– No pano de fundo do debate entre Arnold e Huxley estava a discussão de duas disciplinas
acadêmicas novas: o inglês, ao contrário das "letras mortas", e a sociologia. Se nas grandes
universidades inglesas o ensino da língua inglesa era considerado diletantismo, as novas
instituições (London University e King's College) eram mais radicais nesses aspectos. A
discussão sobre os "english studies" – a língua e a literatura – também permeou boa parte dos
debates daquela época, mas foi importante na formação de adultos (trabalhadores) e de
mulheres, que se tornavam alunos em instituições de aprendizado como o London Mechanics’
Institute. Os estudos da língua e de poetas ingleses deveriam atender necessidades das pessoas
na era industrial: elas precisavam de "formação estética, formação moral, [...] instrução e
formação política, isto é, [...] saber em que consiste sua relação com o Estado e quais seus
deveres como cidadãos; e além disso, é necessário levar em consideração seus sentimentos..."
(p. 177). Para Lepenies, quando Cambridge abriu seu programa chamado "Life, Literature and
Thought", ficou claro que o programa de "doutrina de vida" de Arnold tinha se tornado
institucional;
– Mesmo tendo estudado em Cambridge e se tornado um dos grandes nomes da crítica literária
inglesa do século XX, sua produção se dedicava também a apontar os erros da prestigiada
universidade: ele e sua esposa, Queenie Dorothy, argumentavam que o "carreirismo" e a
"indisciplina intelectual" tinham destruído os valores acadêmicos de Cambridge que, se antes se
baseavam em conhecimento, sensibilidade e integridade, haviam sido substituídos pelo critério
de relações pessoais. Sobre seu trabalho, nosso autor escreve o seguinte: "toda elaboração
artística que salientasse a forma em detrimento do conteúdo Leavis considerava como
irresponsável, tanto na literatura como na crítica literária. Porque sempre vinculou o estético
ao moral, Tolstói foi tão grandioso; porque deu vida a seu conhecimento mediante a empatia,
George Eliot deveria ser admirada; que um poeta a sensibilidade de se manifestava no fato de
responder a aspirações morais. Grandes romancistas não distraíam o leitor, mas permitiam-lhe
perceber as possibilidades da vida; os clássicos eram autores vivos e doadores de vida. Leavis
lia poemas e romances como fossem contribuições para uma antropologia que devia funcionar
como exemplo: a partir dela, o homem poderia conseguir entender sua natureza, suas
necessidades e sua história. Uma vez que a literatura se ocupava com as possibilidades do viver
corretamente [uma moral, conforme dizia Arnold], a crítica literária somente podia ser uma
disciplina normativa: ela julgava segundo padrões morais e interpretava os valores acumulados
pelas grandes obras" (p. 180). Por isso, ela jamais seria uma ciência stricto sensu;
– Portanto, se a crítica literária era uma doutrina do "ler e do viver", ela poderia ajudar a
Inglaterra a ter uma avaliação mais precisa de sua literatura, e os english studies podiam ser,
como moral, segundo Arnold, uma forma de substituir o já fraco pensamento religioso,
mantendo uma comunidade "religiosa" reunida em torno dos livros da "grande literatura".

Sociologia como estímulo e ameaça


– Leavis percebeu que, com o avanço da era da industrialização e da tecnologia, a grande
ameaça à crítica literária não eram as ciências naturais, mas um certo utilitarismo que via nas
ciências sociais uma forma de adaptar o homem às necessidades do mercado e da indústria
cultural. Nesse sentido, aprender "inglês" era pouco útil em relação às disciplinas ainda se
desenvolvendo nas universidades, e por isso que a crítica literária sentiu-se impelida a provar
sua utilidade diante de uma sociologia que aparecia como tal;
– Os membros da revista Scrutiny, fundada por Leavis e que sobreviveu por anos sem ajuda
institucional, passaram a argumentar que a sociologia era limitada quando colocada ao lado de
análises sociais precisas e realismos perfeitos feitos por Charles Dickens e George Eliot. Ou
seja: via-se nas obras dos escritores, justamente, grandes estudos da sociedade que poderiam dar
conta do que a sociologia pretendia. O que complicava a percepção de Leavis era My
Aprrenticeship, de Beatrice Webb, uma socióloga que se tornara um clássico da literatura
inglesa. Ele também admirava pesquisadores sociais, como Henry Mayhew e escritores com
obras "sociológicas", como T. S. Eliot, John dos Passos e Thomas Peacock – enquanto rejeitava
Wells por acreditar que ele sacrificava sua literatura para a sociologia. Sua crítica literária não
deveria se debruçar apenas sobre a literatura, mas justamente extrapolá-la, no sentido de ver em
que se "apegavam" os escritores na produção de suas obras. As condições extraliterárias era
"onde não mais se tratava de reconstruir conexões materiais e econômicas, mas de encontrar a
tradição intelectual à qual pertencia a poesia em questão" (p. 184);
– Leavis tentou inverter o jogo ao afirmar que as ciências sociais precisavam de indivíduos com
formação literária para analisar e refletir sobre os problemas sociais, e não a literatura que
precisava dos métodos sociológicos. Nesse sentido, a proposta de uma sociologia da literatura
formulada por Levin Schücking era terrível, porque só iria tirar proveito da literatura. Um
sociólogo poderia se tornar, melhor sendo, aliás, um crítico literário, porque "uma crítica
literária corretamente entendida não se ocuparia apenas com a literatura, mas também com o
homem e a sociedade, com a história e a civilização" (idem, idem). Ou seja, havia uma tentativa
de extrapolar a crítica literária como analista apenas da literatura, ou o inglês como o estudo da
língua, mas como disciplinas capazes de refletir sobre a própria sociedade ou de ter perguntas
que agregariam outras ao redor. A crítica literária, em resumo, poderia ser a sociologia – um
exemplo disso era Middletown, de Robert e Helen Lynd, que misturava dados com literatura
descritiva e, segundo Lepenies, tinha certo desprezo pela sociologia teórica. Assim, a revista de
Leavis "optava por uma determinada sociologia como aliada – na qual uma perspectiva
específica do desenvolvimento sócio-histórico fornecia os critérios de escolha" (p. 186).
Era pastoral e mundo das máquinas
– Leavis tinha uma visão negativa da história da Inglaterra: o utilitarismo de Bentham havia
alcançado seu auge, a produção em massa crescia, assim como a "americanização" da vida, a
indústria cultural impedia que os leitores tivessem acesso à grande literatura e promovia, assim,
uma decadência cultural aceita sem protestos pelos cientistas naturais. Apesar de ser
antimarxista, defendia um tipo de comunismo econômico distinto daquele proposto pelo autor
alemão: ele tinha nostalgia de uma época em que o homem, em sua propriedade comum, ainda
tinha harmonia com sua cultura. Isto é: a civilização tecnológica-científica havia destruído as
bases agrárias, únicas que satisfaziam as necessidades humanas;
– No período pré-Revolução Industrial, escritores como D. H. Lawrence tinham mostrado como
a vida agrária inglesa era feita de comunhão entre as pessoas – e como isso podia ser visto na
língua, expressão essa união. Para ele, essa "'cultura magnificamente suficiente' de uma época
pastoril e desaparecida fora substituída pelo mundo das máquinas, no qual o inglês, que uma vez
fora uma língua expressivamente rural, deteriorava-se num idioma mecanizado" (p. 187).
Lepenies salienta, no entanto, que pesquisas posteriores mostrariam como os trabalhadores
rurais ingleses trabalhavam tanto que tinham pouco tempo para desfrutar dessa "harmonia", e
que essa exaltação da vida agrária era, na verdade, uma forma de garantir a existência do seu
grupo acadêmico marginalizado e de se posicionar em relação à sociologia – a ciência da
sociedade industrial;
– Lepenies segue rebatendo Leavis: "suas simpatias e antipatias não eram difíceis de identificar:
eram adversários de toda teoria sociológica – mas utilizavam os resultados da pesquisa social
empírica, apoiada em observações exatas; odiavam os sociólogos, que se faziam cúmplices da
sociedade industrial, e admiravam aquele que se alçava a seu acusador. Estavam, como tanto
intelectuais da escrita do século XIX e XX, ao lado da solidariedade mecânica contra a
solidariedade orgânica, do lado da comunidade contra a sociedade. Com isso, o círculo da
Scrutiny, tanto no que referia a sua forma de organização quanto a suas ideias diretrizes, era
comparável menos com outros grupos de intelectuais da literatura que com várias escolas e
grupos teóricos de sociólogos. [...] Manifesta-se aqui uma forma curiosa de mimetismo. [...] A
crítica literária – essa disciplina intelectual e nostálgica, voltada para o período pré-industrial –
para se fazer ouvida, pretendia imitar a disciplina-chave da era industrial: a sociologia" (p. 188).

O sacerdócio dos literatos


– Na esteira de um enfraquecimento entre política e moral, entre religião e ciência e entre ela e a
literatura, Coleridge formulou o conceito de clerisy para se referir a uma classe intelectual
resistente à especialização e neutra moralmente no debate público. Ela deveria ser formada por
pessoas que cultivassem e ampliassem o conhecimento existente e percebessem os interesses
das ciências naturais e morais. No fim, esse grupo se tornaria uma espécie de igreja cujo clero
seria preenchido por pessoas das várias áreas do saber;
– Carlyle, em uma palestra, substituía o poeta, os deuses, profetas e sacerdotes do passado pelos
literatos no papel de heróis. Eles eram guias e líderes na sociedade moderna que, por meio de
sua literatura, inspiravam o mundo – cujo último homem era Goethe. Esses heróis tinham um
modo de vida muito próprio: pagavam com os livros a própria existência, enquanto, neles se
podia acessar uma doutrina de vida aos moldes de Arnold. As obras literárias eram, para ele,
poderiam conduzir tanto à iluminação quanto ao erro, mas não deixavam de ser revelações
divinas da vida terrena. Por fim, ele defendia que os escritores deveriam continuar pobres,
porque a "pobreza material acentuaria ainda mais sua influência espiritual" (p. 190);
– Carlyle profetizou que logo os escritores se organizariam em corporações, não para garantir
segurança financeira dos escritores, mas porque, numa época de máquinas e do utilitarismo de
Bentham, só uma associação como essa poderia resgatar o ceticismo intelectual e moral das
pessoas e sociedades – a Revolução Francesa fora culpa disso. Os escritores unidos, para
Carlyle, se tornariam uma "irmandade religiosa", uma fé.

Crítica literária e planejamento social


– O estadunidense T. S Eliot concordava com Arnold que os poetas eram os legisladores não-
reconhecidos do mundo, mas discordava da ideia de que a poesia poderia substituir a religião,
porque ela tinha um lugar próprio no mundo e uma forma própria de agir na sociedade. Apesar
de criticar a intromissão do sociólogo na poesia e da tentativa de Arnold de ser um crítico da
sociedade, ele levou a sociologia em conta em sua obra – principalmente por influência de
Émile Durkheim. Em 1928, enfim, ele se "tornava crítico social e teórico da sociedade e, sem
dúvida, estava mais interessado na discussão básica de princípios que na solução de problemas
sociais efetivos" (p. 193);
– Eliot foi um dos membros do grupo Chandos, que se colocou como objetivo "encontrar os
princípios absolutos e eternos da verdadeira sociologia" (idem). Foi nele que surgiu seu
interesse por uma sociologia cristã, isto é, uma crítica social conservadora que insistia em
formar uma elite inglesa no pós-guerra e na mudança das "técnicas de poder tradicionais" para
garantir a hegemonia ortodoxia inglesa politica e culturalmente;
– No final do século XIX, Arnold via a sociologia como rival da crítica literária, mas era um
medo do acaso, porque a Inglaterra demoraria muito para ter a sociologia como uma disciplina,
ao contrário do que aconteceu em outros países. O país acolheu a disciplina em outras áreas que
não a academia, como a filantropia e o serviço social, além de ser um conhecimento
complementar para certas carreiras. Ao contrário, a França e a Alemanha fizeram da sociologia
uma ciência legítima que via na Inglaterra sua existência apenas no senso comum;
– O marxismo viveu um fenômeno semelhante: base da oposição nos países vizinhos, na
Inglaterra a nova classe média alta era igual à aristocracia intelectual do passado: concordava
mais com a sociedade do que discordava dela. Era uma classe superior literária, acima de tudo, e
que por isso tinha na crítica literária sua grande disciplina. Para Lepenies, é possível dizer que a
sociologia sempre existiu nessa tradição inglesa, mas embutida na crítica literária;
– A sociologia inglesa como disciplina só surgiria na década de 1930, quando todo o contexto
sociopolítico internacional e nacional fizeram com que ela se tornasse necessária para além do
senso comum e da crítica literária. Sem identidade, ela só foi adquirir um rosto com os estudos
culturais, de Raymond Williams, nos anos 1960, que, ao final de tudo, mistura sociologia e
crítica literária.

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