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PRISCILA NASCIMENTO

2010
POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO
PRISCILA NASCIMENTO
QUANDO MICHAEL JACKSON MORREU

Falsa folha

Texto e Foto:
Priscila Nascimento
Foto Erma Bombeck:
divulgação
Revisão:
Bianca Nascimento
Orientadora:
Érica Andrade
Diagramação e arte:
Marconi Martins

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2010
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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO

Agradecimentos

A
neliese Maria Martins, minha
mãe, minha amiga, minha gran-
de inspiração. Dedico esse Tra-
balho de Conclusão de Curso
a ela por sempre defender a bandeira do
Terceiro Setor e me fazer acreditar que,
apesar das dificuldades apresentadas por
essa minoria, é necessário olhar, por trás da
fechadura e ver a grande valia de entidades
como a Apae.

Aproveito para agradecer a oportunidade


que a Apae de Bebedouro (SP) me deu ao
abrir as portas e me mostrar como é apai-
xonante e admirável o trabalho que a en-
tidade vem fazendo há 38 anos. Também
gostaria de agradecer ao meu pai, por sem-
pre acreditar no meu trabalho e no meu
sucesso, aos meus irmãos, que apesar da
distância sempre me entusiasmaram com
o caminho que escolhi para seguir. A todos
meus amigos e colegas, que me ajudaram e
me incentivaram a realizar esse sonho.

Agradeço ao meu diagramador que tirou o


sonho do papel e o fez tornar-se realidade e
à minha orientadora que com muita paciên-
cia e sabedoria me auxiliou ao longo desses
seis meses de dedicação e trabalho árduo.

E por fim, a Deus.

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO

Ser uma pessoa especial,


com deficiências intelectual
e múltipla, consiste antes de
tudo em realizar, independente do grau
de aspiração, da condição física e mental,
o seu propósito de vida, aproveitando
e criando oportunidades para o seu
desenvolvimento pessoal e do ambiente
no qual se encontra inserido, construindo
e aprimorando o acesso aos
direitos de uma vida com
dignidade e cidadania.

- Aneliese Maria Martins

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Sumário
Quando a Apae se abre para Bebedouro .............................13

Quando Erma Bombeck fala sobre deficiência .....................17

Quando o menino coleciona canetas e papéis .....................23

Quando o Michael Jackson morreu ......................................29

Quando o contador de história ensina a não mentir............35

Quando o espanhol não é suficiente ....................................41

Quando a menina quer casar ...............................................47

Quando o tear começa a dar trabalho .................................53

Quando feriado se estende até Aparecida do Norte ...........57

Quando os peixes se suicidaram ..........................................63

Quando a vida se vira para outro lado .................................69

Quando os desenhos invadem a vida real ............................75

Quando a jornalista chega para fazer as entrevistas ............81

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO QUANDO MICHAEL JACKSON MORREU

Quando a Apae
se abre para
Bebedouro

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E
m 1954, o trabalho destinado a pessoas com A inclusão social é a palavra-chave de todo o
deficiência intelectual e múltipla ganhou sistema de proteção institucional da pessoa
novo aliado: a Associação de Pais e Amigos com deficiência. É a ideia de se resgatar
dos Excepcionais (Apae), fundada no Rio de pessoas com um débito social e reintroduzi-
Janeiro. Até 1962, outras 16 Apaes surgiram. las na convivência com outros indivíduos.
Entre elas, 12 estavam no estado de São
Paulo. Naquela época, era a primeira vez A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
que a questão da pessoa com deficiência era de Bebedouro, fundada em 16 de setembro de
discutida em grupo por famílias e técnicos da área. 1972, é uma sociedade civil de caráter assistencial,
sem fins lucrativos, sem distinção alguma quanto à raça,
Depois de 50 anos, já existem mais de duas mil Apaes presentes em cor, condição social e credo religioso.
municípios de todo o Brasil, oferecendo atendimento educacional a
mais de 230 mil pessoas com deficiência mental, segundo dados da Em Bebedouro, a Apae é responsável pelo atendimento
Federação Nacional das Apaes. de aproximadamente 87% dos portadores de deficiência
intelectual e múltipla, sendo que praticamente 90% dos
Em Bebedouro (SP), há uma população aproximada de 80 mil atendidos estão expostos a riscos pessoais e sociais graves
habitantes. Destes, de acordo com os dados quantitativos da e são oriundos de famílias com dificuldades econômicas e
Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% possui alguma sociais. A entidade presta atendimento a 500 indivíduos,
deficiência, física ou mental. do início ao fim da vida, sendo 356 diariamente.

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Quando Erma
Bombeck fala
sobre deficiência

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E
rma Bombeck foi uma jornalista, colunista, De alguma forma, eu visualizo Deus
escritora, humorista, mãe e esposa. Morreu passeando sobre a Terra, selecionando seus
aos 67 anos em decorrência de um câncer de instrumentos para a preservação da espécie
mama. Após se descobrir doente, Erma decidiu humana com grande cuidado e deliberação.
escrever sobre a vida, sobre como ser mãe e À medida que vai observando, Ele manda seus
sobre como é ter uma doença. Responsável por anjos fazerem anotações num bloco gigante.
grandes best-sellers, a escritora transmite em
seus textos a vida. - Elizabete Souza, vai ter um menino. Santo
protetor da mãe: São Mateus.
A escolha do texto foi uma homenagem às mães que auxiliaram
a produção deste material, às famílias que abriram suas portas e, - Maria Ribeiro, menina. Santa protetora da mãe: Santa
principalmente, às mulheres que lutam, junto aos seus filhos, à vitória Cecília.
pela vida. O texto adaptado a seguir é dela, Erma Bombeck, e exprime - Cláudia Antunes terá gêmeos. Santo protetor: mande São
a escolha de Deus por uma mãe de uma criança especial, melhor Geraldo protegê-la. Ele está acostumado com quantidade.
dizendo, excepcional:
Finalmente, Deus dita um nome a um dos anjos, sorri e diz:
“A maioria das mulheres torna-se mãe por acidente, muitas por opção,
algumas por pressões sociais e umas poucas por hábito. - Para esta, mande uma criança Especial.

Este ano, aproximadamente 100 mil mulheres serão mães de crianças O anjo cheio de curiosidade, pergunta:
com algum tipo de deficiência física ou mental. Alguma vez você já se
perguntou como Deus escolhe as mães de crianças deficientes? - Por que justamente ela, Senhor? Ela é tão feliz.

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO QUANDO ERMA BOMBECK FALA SOBRE DEFICIÊNCIA

- Exatamente, respondeu Deus, sorrindo. Eu poderia confiar uma - Se ela não for capaz de se separar da criança de vez em quando, ela
criança deficiente a uma mãe que não conhecesse o riso? Isto não vai sobreviver. Sim, aqui está a mulher a quem vou abençoar
seria cruel. com uma criança menos “perfeita” do que as outras. Ela ainda
não tem consciência disso, mas ela será invejada. Ela nunca vai
- Mas será que ela vai ter paciência suficiente?, pergunta o anjo. considerar banal qualquer palavra pronunciada por seu filho. Por
- Eu não quero que ela tenha paciência demais, senão vai acabar se mais simples que seja um balbucio dessa criança, ela o receberá
afogando num mar de desespero e autocompaixão. Quando o choque como um grande presente. Nenhuma conquista de criança será
e a tristeza iniciais passarem, ela controlará a situação. Eu a estava vista por ela como corriqueira. Quando a criança disser “mamãe”,
observando hoje. Ela tem um conhecimento de si mesma e um senso de pela primeira vez, esta mulher será testemunha de um milagre
independência que são raros e, ao mesmo tempo, tão necessários para e saberá reconhecê-lo. Quando ela mostrar uma árvore ou um
uma mãe. Veja, a criança que eu vou confiar a ela tem seu mundo próprio. pôr-do-sol ao seu filho e tentar ensiná-lo a repetir as palavras
Ela tem que trazer essa criança para o mundo real e isto não vai ser fácil. “árvore” e “sol”, ela será capaz de enxergar minhas criações como
poucas pessoas são capazes de vê-las. Eu vou permitir que ela
- Mas Senhor, eu acho que ela nem acredita em Deus. veja claramente as coisas que Eu vejo – ignorância, crueldade,
preconceito – e vou fazer com que ela seja mais forte do que tudo
Deus sorri. isso. Ela nunca estará sozinha. Eu estarei aqui ao seu lado.
- Isto não importa, dá-se um jeito. Esta mãe é perfeita. Ela tem a dose - E qual será o santo protetor desta mãe?, pergunta o anjo com a caneta
exata de egoísmo que vai precisar. na mão.
O anjo engasga. Deus novamente sorri.
- Egoísmo? Isto é virtude? - Nenhum. Basta que ela se olhe num espelho.”
Deus balança a cabeça afirmativamente.

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Quando o
menino coleciona
canetas e papéis

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M
ania cada um tem uma. Na Apae, pertencem a ele e que ninguém ouse
é possível encontrar todas. As bagunçar a sacola de tecido. Os pontos
doenças intelectuais e múltiplas se são milimetricamente simétricos, os
apresentam de formas diferentes. papéis cortados do mesmo tamanho
Sintomas, neuras e problemas e colados em formato de mosaico com
se instalam em cada paciente uma precisão invejável. Tudo tem o seu
de diversos modos, apesar da lugar, tudo tem a sua hora e tudo deve
essência ser a mesma. Como se ser organizado. Organização é a sua mania.
fossem os dedos das mãos, cada um diferente dos outros. Por isso, Canetas e papéis, os seus amores.
na Apae, todas as manias do mundo se encontram em uma única
sala de oficina. Papel e caneta são moeda de troca para quase
tudo que se faz necessário. Na casa dele existe
Fabiano Maldo, 33 anos, é o aluno mais antigo da Apae de um armário cheio desses itens. E, claro, separados
Bebedouro (SP). Frequenta diariamente as oficinas e as salas por cor, tipo, tamanho e formato. Enquanto a
do lugar. É quase o chefe. Tem acesso a todos os cantos. Pode mãe joga fora uma porção deles, Fabiano chega
não estar trabalhando em uma oficina, mas é livre pra entrar, diariamente em casa com um punhado de novos.
reclamar, sugerir e, principalmente, mandar. Mas é preciso alguém para alimentar o vício
pela quinquilharia. E ele se aperfeiçoou na
Incrivelmente perfeccionista, se ele decide fazer um tapete
arte de pedir canetas ou papéis.
azul, a única variante é o tom. Assim, todas as cores azuis

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- Nossa! Como você está bonita com essa caneta! Sabia que o sucumbem ao Fabiano. E não precisa
Fabiano não tem uma dessa? comprar uma caneta cara, banhada a
ouro e cravejada de diamante. Ele não
- Nossa! Você é tão rica, tem duas canetas pretas. O Fabiano não tem preconceito. Pode ser uma simples,
tem nenhuma. estilo Bic, ou uma de laser para palestras.
- Olha, eu achei essa caneta perto da sua bolsa, mas agora ela é Ele vai agradecer da mesma forma e ficará
minha, tá? feliz na mesma intensidade.

- Aposto que dentro da sua bolsa tem uma caneta pro Fabiano, Ao longo de sua vida, Fabiano juntou papéis e
vai lá olhar! canetas. Hoje, a dona Mãe, como ele a chama, só
autoriza o rapaz a receber canetas e papéis no seu
- Você precisa de tantos papéis assim? Lá na minha casa tem uma aniversário. Poucas pessoas obedecem à dona Mãe, nem
estante só para papéis desse jeito, sabia? ele obedece. A paixão supera em muito a vontade de
obedecer à dona Mãe.
- Cadê o meu presente?
Para Fabiano, dono de papelaria é o homem mais rico
Com ele não tem tempo ruim, muito menos uma pessoa que do mundo. Lá na Apae o dono da Bic é rei!
não sirva pra lhe dar um presente. Do padre ao prefeito, todos

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Quando o
Michael Jackson
morreu

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A
morte do grande astro do pop Michael Ao som do radinho que nunca parava de
Jackson comoveu o mundo. Em 25 de junho tocar, sem importar a melodia, o que os
de 2009, em meio aos preparativos para um alunos queriam mesmo saber é como
retorno triunfal aos palcos com a turnê This uma pessoa pode nascer negra e morrer
is It, o cantor morreu em casa, vítima de branca. A dúvida que a ciência explicava,
uma overdose de anestésicos. Naquele dia, era para eles uma questão de Deus e não
o músico ocupou lugar central em todos os da Medicina. Neste momento, os médicos já
noticiários. Em Bebedouro, a 380 km de São se preparavam para complicadas análises que
Paulo, não foi diferente. O lugar amanheceu ao som de Michael e pudessem esclarecer as estranhezas que tornavam
todos só falavam nele. a realidade de Michael Jackson incompreensível para
os meninos da Apae.
Mas, na Apae, a notícia divulgada naquela sexta-feira teria um
impacto diferente. Ela traria mais confusão às salas de oficina do A produtividade esperada nas oficinas não seria atingida
que se podia prever. A história do menino Michael, que iniciou sua naquele dia. Os alunos só queriam saber de Michael
carreira aos cinco anos junto aos irmãos e acabou por se tornar um Jackson. Caminhadas estilo moonwalk, gritinhos iguais
dos maiores ícones da música pop do planeta, atormentava a cabeça aos que o astro fazia. A falação era tamanha que as
dos alunos. Além do notório dom musical, era portador de vitiligo – professoras gritavam: “chega disso, deixa o cara
doença autoimune que reduz a formação da melanina (pigmentação quieto”, ou, “de tanto que vocês falam do Michael
da pele) – e no caso do astro a doença avançara e afetara o corpo todo. Jackson vão acabar sonhando com ele.”
A mudança da cor da pele assustava mais os jovens da associação do
que o fato do artista ter se abarrotado de medicação, parecida com Inesperadamente, a algazarra foi suspensa pela
aquela que eles mesmos tomavam diariamente. interrupção da música que tocava no rádio. Se

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por queda de luz ou alguma coisa parecida, pouco importava. Para Por força do hábito, eis que a professora
os alunos, a verdade cristalina era que o falecido estivera ali e, solta: “Jesus, apaga a luz”, única expressão
cansado de tanta falação, desligara a música. Michael desligara o que representou o estado de êxtase dela.
eletrodoméstico. Sem que ninguém naquela sala conseguisse
parar de rir, a frase foi, exatamente, o
Pronto. Confusão estabelecida. Era tanto medo que, naquele suspirar entre uma gargalhada e outra. Mal
momento, se uma mosca pousasse neles, seria aniquilada com tanta sabia ela que de espírito naquele lugar bastava
rapidez e força que fé nenhuma salvaria a coitada. Uns choravam, o do Michael Jackson.
outros davam risada, outros se faziam de forte e ainda zombavam
dos medrosos. Mas a realidade era que todos estavam apreensivos. “Por favor, Jesus Cristo, não desça até aqui, deixa
que eu apago a luz”, todos afirmavam, quase que em
Os professores caíram na gargalhada. Como a ingenuidade daquelas uma só voz. Na cabeça dos jovens, Michael Jackson ali,
crianças poderia levá-las a crer que uma queda de energia seria, no desligando o som, já era um fato bastante inovador. Jesus
mundo fantasioso delas, o Michael Jackson? Cristo, então, descer até a Terra para apagar uma única luz,
Jornais do mundo inteiro debatiam o assunto, a comoção mundial verdade seja dita: “Apaguemos nós”.
era tamanha que havia um congestionamento de informação em Para a Apae, o grande astro Michael Jackson descansa em
TVs, rádios, jornais, revistas e internet. Todo o planeta falava disso. paz e os alunos e professores é que desligam a luz.
Por que Michael iria, justamente na Apae, desligar e atormentar a
manhã dos alunos?

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Quando o
contador de
história ensina a
não mentir

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A
realidade da Apae não é nada fácil de ser que o assistem. A didática de utilizar cenas
encarada de frente. Os profissionais lidam do cotidiano misturadas dos contos de fa-
não apenas com o desafio da deficiência. das faz com que os alunos se sintam mais
Na verdade, a deficiência é um dos menores interessados pela história e consigam en-
problemas a serem solucionados. A família, xergar um pouco deles dentro do conto.
a comunidade, a falta de oportunidade in-
fluenciam muito a vida e a sobrevivência dos Foi assim no caso do menino que roubava os
alunos. Dos que ali estudam, grande parte é colegas dentro da sala de aula. O incidente acon-
pobre. Pobre de um jeito que só a vaga na Apae garante, pelo me- tecia sorrateiramente, mas trazia consequências
nos, a comida do dia a dia. graves. Em meio ao desafio de comunicar ao alu-
no e mostrar que não era correto, Lucas recorre ao
Bebedouro, assim como qualquer outra cidade brasileira, tem desi- personagem Pinóquio.
gualdade social. E que as desigualdades, às vezes são bem mais difíceis
do que a deficiência intelectual ou múltipla. Apesar do alto Índice de De- O menino mentiroso do nariz grande ilustraria as lições como
senvolvimento Humano (0,819), maior do que a do estado de São Paulo, contar sempre a verdade ou pedir autorização do dono an-
a pobreza, o uso incontrolável de drogas, a prostituição são temas do coti- tes de pegar qualquer objeto. Desta forma, eles estariam li-
diano daquelas crianças e, principalmente, problema social da cidade. vres da possibilidade de verem o nariz crescer. Professores
e assistentes se fantasiaram e começaram a contracenar
Com esse cenário alguns profissionais se empenham em descobrir uma história muito próxima de todos aqueles alunos.
formas para sanar a questão. É o caso do professor Lucas Alves de
Oliveira, 25 anos, que, além de ministrar aulas para os alunos da Naquela quinta feira, quem assistia à peça via que o
Apae há três anos, também é contador de histórias. O faz de conta Gepeto, criador do Pinóquio, ensinou muito mais
sai da cortina e entra, sem nem pedir licença, na vida das crianças do que a não mentir. As professoras viraram alu-

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nas e os alunos expectadores. As professoras fariam a cena do rou- O que faltava o Gepeto saber era que Pinó-
bo. Os alunos assistiam como se aquilo realmente fizesse parte do quio aprendeu o errado com amigos ruins.
cotidiano. Que na verdade quem roubava era muito mais esperto Ali, muitos aprendem com a família o que
do que quem falava a verdade. Sem a compreensão da gravidade e não é certo. Pensavam que o Gepeto daria
do equívoco do ato, os alunos que assistiam ao teatrinho aplaudi- um recado para as crianças, mas havia mui-
ram o feito esperto. tos outros que deveriam enxergar o proble-
ma. A Apae é um reflexo e uma válvula de
Aquela encenação tinha dono e passava um só recado. Que se arre- escape para muitas daquelas crianças. O que é
pender dos atos errados é muito melhor. O menino que roubava na bom só lhes é apresentado tardiamente.
vida real olhava atentamente como se reconhecesse aquele episó-
dio. Os olhos atentos denunciavam o arrependimento e a vontade Gepeto, que ali estava para ensinar, aprendeu a lição
de dizer a verdade e assumir o feito. de vida que aqueles olhos arrependidos passavam. E
os olhos arrependidos trocariam a tristeza por um sorriso
Um olhar entristecido provava que não era pela maldade, era de quem poderá ter um futuro diferente do que era esperado.
pela simples vontade de ter. Os professores reconheciam na- Mesmo com a barba branca pelo tempo, Gepeto tem muito a
queles olhos não a crueldade de tirar algo de alguém, mas sim aprender. Assim como todos da Apae. Uma história nova por
a carência de ter o mínimo. Um caderno para se estudar, uns dia, uma superação nova a cada momento.
óculos para enxergar melhor ou um lápis inteiro. Enquanto o
Gepeto explicava a eles que não é certo roubar, nem mentir, Na Apae o Gepeto sempre será muito bem recebido,
e que se arrepender do errado é tão nobre quanto pedir des- que sua experiência de vida traga muitos ensinamen-
culpas ou agradecer, os olhos arrependidos do menino mostra- tos àqueles meninos. E que a cada um que coloque a
vam que a peça ensinava muito mais de cidadania do que de mão no fantoche do personagem aprenda ali as dife-
um jeito malandro de se conseguir as coisas. renças do mundo. E que o simples gesto de manuse-
ar o Gepeto faça a diferença todos os dias.

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Quando o
espanhol não é
suficiente

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J
aponês, mandarim, polonês, russo, alemão, italiano, alunos, não seria uma língua estrangeira que
grego, todas essas línguas podem. Espanhol, não! inibiria a autossuficiência daqueles meninos.
Alternativa melhor é o inglês. Aquela manhã Para eles, darem conta do que sabem serem
começou como todas as outras. Os alunos chegaram capazes de fazer, seja bordar, falar, andar,
a Apae e logo recomeçaram os trabalhos inacabados amarrar um bits1 ou, simplesmente, colocar
do dia anterior ou começaram os novos produtos. Eis uma miçanga na linha, é fundamental para a
que chega uma estrangeira. Vinda da Espanha, alta, autonomia e, principalmente, para a autoestima.
vistosa, ela queria conhecer um pouco mais o trabalho
Você, leitor, acredita que um aluno desses vai
da instituição. Mulher bem diferente das brasileiras que circulavam por
aceitar não entender a gringa e ficar por isso mesmo?
ali. Já chamava atenção pelo seu tamanho e pelas roupas alternativas.
NUNCA, não na história deste país!
Quando deu bom dia, ninguém entendeu nada do que ela dizia.
Dito isso, começa a busca pela solução. Fabiano Maldo,
A gringa bem que arriscava um portunhol muito bem aprumado.
33 anos, é aluno da Apae há quase 30 anos. Ele, que tem
Descolada, cheia de gírias, daquelas com samba no pé. Mas não
síndrome de down - doença que compromete, entre
adiantou. Nenhum aluno era capaz de entender uma só palavra que a
outras funções do corpo, a dicção - logo se meteu a
turista pronunciava. Ela tentava falar mais alto, falar pau-sa-da-men-te,
ensinar a gringa a falar direitinho, com toda a brasilidade
gesticular com as mãos.
adequada à situação. Fabiano simplesmente não
Não se sabe se por causa da língua latina pronunciada pela moça ou pela compreendia como era possível uma mulher, na idade
novidade que aquele dia reservara, a falta de comunicação não impediu adulta, não saber falar corretamente. Para ele, a
a vontade incontrolável de conhecê-la. Enquanto ela gesticulava de cá, língua estrangeira era só uma desculpa para uma
eles gesticulavam de lá. Assim como tentar se comunicarem sozinhos
é uma habilidade básica e fundamental para a independência dos 1 - Enrolados de tecidos utilizados como miçanga na produção de artesanato.

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alfabetização mal feita. Mas, no fim das contas, nem a estrangeira A aula de inglês não durou muito, claro.
entendia o que ele queria dizer, muito menos ele entendia o que ela A estrangeira não conseguia entender
gostaria que fosse entendido. de forma nenhuma, e o recém chegado
professor, Fabiano, não conseguia ensinar.
Exaurido de tantas tentativas frustradas, Fabiano decidiu: “Vou te Nem um simples comando de repetir, a
apresentar o meu professor de inglês, assim você vai conseguir falar “pobre” conseguia seguir. Tentaram mudar
direito.” Seria mais fácil se o Fabiano não falasse o idioma que ele de assunto, tentaram mudar o rumo da
acredita que fala e sim um inglês convencional. Percebendo que a prosa, mas de nada adiantou.
espanhola não ia muito longe e que esperar pelo professor de inglês
seria tempo perdido, decidiu ele mesmo ensinar a moça, a quem não Até que ele decidiu dar fim àquela peleja. Quem
souberam ensinar a falar e muito menos escrever, ou seja, se comunicar nasce na Espanha não sabe falar. E o Fabiano não sabe
de uma forma mais clara. Coitada! ensinar sua língua mirabolante. No entanto, a desistência
dos dois não foi um fracasso, e sim, uma aceitação das
A aula começou com sílabas soltas, sem sentido e nem lógica. Era um diferenças como elas são.
tipo de bla, ble, bli sem fim. Mas Fabiano falava com propriedade,
como quem estivesse ensinando o básico da língua inglesa, Fica a dica: Se é de um país diferente, aprenda a falar o
gesticulava com as mãos, forçava a voz, colocava interpretação bla ble bli do Fabiano ou então tente outra associação,
naquela língua, da qual nem o professor de inglês, naquela sopa de porque na Apae os alunos são poliglotas, cada um à
letrinhas, colocaria em ordem. sua própria língua.

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Quando a
menina
quer casar

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO QUANDO A MENINA QUER CASAR

T
oda menina sonha em um dia se casar, ter com a aluna paqueradora. Não bastasse
uma família, ser feliz para sempre. Com o o amor ser dentro da entidade, pelo me-
passar do tempo, o príncipe encantado pode nos podia ser secreto para causar menos
dar lugar a um camponês e, dependendo da constrangimento. Mas não, é descarado
pressa, até a um sapo feio da lagoa. Lívia, por para todos que querem saber.
exemplo, espera pelo príncipe encantado,
pelo camponês ou até mesmo pelo sapo Galanteadora declarada, Lívia sempre
feio. A única exigência é que eles precisam leva recortes de presentes que gostaria de
estar cheios de amor para dar. ganhar do seu amado e com os quais gostaria
de presenteá-lo. Anda sempre com folhetins de
Lívia Toller, 33 anos e aluna da Apae desde 1996, é muito bem supermercado cheios de ofertas. Recorta taças de
aprumada, unhas feitas, roupas muito bem passadas e engoma- vinhos para que os dois possam passar uma noite de
das, cabelos penteados. Todo dia vai bonita para tentar conquis- amor ou chocolates para comemorar o relacionamento.
tar a sua grande paixão na Apae: Rodrigo Panzelli, o moço que “Pobre” do Rodrigo que todos os dias precisa explicar
cuida do setor financeiro. A sala de Rodrigo fica distante da sala que é casado e não pode se relacionar com ela.
da oficina de costura, onde Lívia trabalha, mas a distância física
é o menor dos problemas para os dois. Para ele, homem sério Mas Lívia marca forte o seu espaço. A esposa de
e tímido, o compromisso com a aluna não passa de uma confu- Rodrigo nem pensa em se meter, deixa que o marido
sões, pois ele é muito bem casado, por sinal. A esposa é uma seja seu marido apenas em casa, pois na Apae ela
funcionária da Associação e que sofre por dividir seu marido é a outra.

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO

No aniversário de Rodrigo, todos vieram logo contar para Lívia Para os alunos da Apae, a sexualidade é
a novidade. Desde quando uma amante esquece o aniversário inocente como todas as outras coisas.
do seu grande amor? Ela debochava dos que vinham contar. “Eu Eles pouco entendem o que é sexo, como
já sei, já levei o jornalzinho com os nossos presentes”, falava. e porque deveria ser feito. O que Lívia
Rodrigo, nesta altura, já estava tão corado com a situação que gosta mesmo é do clima romântico e de
nem saía da sala. Neste ano, Lívia presenteou-o com uma cama vivenciar as histórias de amor das novelas,
de casal para passar a noite regada a rosas, vinhos e, claro, muito por mais irreal que seja o seu amor. Rodrigo é
amor. Por essa ele não esperava! o príncipe do faz de conta que ela leva para as
salas de aula.
Não é qualquer uma que namora um funcionário exemplar como
Rodrigo. Namorar outro aluno, qualquer uma consegue. Lívia suava Lívia sonha todos os dias com o beijo tão esperado que
a camisa para conquistá-lo: manicure, pedicure, escova bem feita, transformará Rodrigo num belo príncipe de uma vez por
roupas bem passadas. Ela tem que trabalhar muito para conseguir todas. No entanto, Rodrigo está mais para sapo. Não por
esse amor. Não que ela não pudesse namorar alunos. Sim, poderia. ser feio, mas sim escorregadio. Quanto mais ela luta para
Mas o que ela quer mesmo é o Rodrigo. Dedicação assim só por ele. conquistar, mas ele cria maneiras de se esquivar e fugir
desse amor das histórias de princesa.

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO QUANDO MICHAEL JACKSON MORREU

Quando o tear
começa a dar
trabalho

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M
anias, jeitos. Uns agressivos, outros Enquanto um ensinava de um jeito, o outro ia lá e
impacientes. Uns são mais gentis ao ensinava completamente diferente. Uns manda-
educar, outros bem menos didáticos. vam apertar o ponto, outros achavam que estava
Uns preguiçosos e outros cheios de frouxo demais. Se apertar de um lado entorta do
vontade. A diversidade dá um toque outro. Mas se elas, as visitantes, dessem atenção
especial na Apae. Qualquer um pode a um e não a todos os outros, certamente a con-
entrar, olhar e tentar fazer o artesana- fusão seria menor.
to que eles dominam.
Para os visitantes, é uma boa oportunidade para
E é assim que funciona: a associação sempre recebe visitantes que vão aprender. Para os alunos, é a chance de fugir do ba-
aprender com as oficinas de tear, papel reciclado, costuras ou qualquer tente. Todos querem mandar, uns mais e outros menos.
outra. Foi assim quando três senhoras resolveram aprender a fazer Mas todos querem se passar por chefe. Dar ordem. “Faz
tear. O entrelaçar da linha é uma tarefa fácil e mecânica. O descer e assim, faz assado, pega aquilo, pega aquele outro”, dizem os
o subir do pente vai tecendo com a linha do carretel uma mistura de alunos. Aprender tear na Apae é mais difícil do que pode pare-
cores e texturas, trazendo vida ao produto. cer. Conseguir fazer uma peça então, leva horas de trabalho árduo.

Não tem quem entre na Apae e não seja recepcionado por beijos e Mas é encantador e apaixonante tentar. Carinho e atenção tem
abraços. A vontade de ajudar, pegar água, fazer e acontecer é maior até demais. Histórias malucas e divertidas fazem à tarde de vi-
do que a vontade de trabalhar. O negócio é fugir da rotina e fazer uma sita mais fácil do que pode parecer. As senhorinhas sairam de
coisa diferente a cada nova oportunidade. lá apaixonadas pela Associação e sem nem um pedaço de
tear para carregar para casa.
Em uma sala com dez alunos, onde todos dominam muito bem a téc-
nica, diga-se de passagem, todos ali são capazes de ensinar. O proble- Melhor assim, em vez de fazer com as próprias mãos, por
ma é quando todos ensinam simultaneamente e cada um com a suas que não comprar pronto? Enquanto isso: encomendas
manias, jeitos, defeitos e qualidades. As três senhoras não sabiam a para o próximo ano, bolsos recheados de dinheiro e vi-
confusão que esperava por elas. sitantes satisfeitos e amigos dos excepcionais. Assim
que deveria ser.

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Quando feriado
se estende até
Aparecida do
Norte

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T
odo feriado prolongado dá um gostinho de viajar, Viajar de ônibus não é nada fácil, ainda mais para
conhecer novos lugares e ter experiências diferentes. As uma pessoa que conversa em demasia, como
grandes memórias são de viagens. Na Apae não pode ele. Segundo o artesão, a viagem não começou
nem deveria ser diferente. No feriado da Independência bem, nada bem. Logo de cara, quando fizeram a
(7 de setembro), Vitor Hugo Paleari, 25 anos, praticante primeira parada, a sua digníssima mãe resolveu
de tear, artista, aluno da Apae há 14 anos e deficiente comer um ovo, daqueles cozidos, feitos na
intelectual, conheceu a cidade de Aparecida do Norte manhã do dia anterior, que todo mundo duvida
(SP), que fica a 554km de Bebedouro. da procedência. Ela comeu o ovinho como se fosse
o único, com a boca cheia de vontade.
A história da santa é antiga: a imagem apareceu no rio Paraíba do Sul em
meados de 1717, numa época de pouco peixe, três pescadores ao lançar a rede Ele logo saiu falando:
pescaram uma imagem, negra e sem cabeça. Quando jogaram novamente
a rede, tiraram do rio a cabeça da imagem, que se encaixava perfeitamente - Não é bom comer alimentos dos postos, né?,
ao corpo. A pesca foi milagrosa! A imagem de Nossa Senhora Aparecida era questionou o menino.
um sinal de que a cidade seria abençoada. Atualmente, com 35 mil habitantes - É, Vitor, não faz bem, respondeu sua mãe antes de engolir por
a cidade recebe visitantes de todo o país, inclusive de Bebedouro. Uns para completo o ovo.
agradecer e outros para pedir graças à santa padroeira do Brasil.
A mãe de Vitor passou o resto da viagem se comportando
Não que o Vitor tivesse muitas promessas a pagar ou que sua mãe tivesse como uma “rainha”: do trono para a poltrona, da poltrona
muitas graças para agradecer, mas diante de tantos romeiros, Nossa Senhora para o trono. A coitada passou mal durante as seis horas
Aparecida deveria merecer uma trégua. E há quem diga que nos apegar às de viagem. Ele ficou impressionado como um simples
crenças e rezar por uma vida boa e justa é a melhor solução. O que importa, na ovinho pode causar tamanho estrago e acabou por
verdade, é que o Vitor não foi lá pra rezar. Não se sabe muito bem a razão da decorar logo a lição de que comida de posto faz mal.
viagem, mas as histórias que ele voltou contando não foram poucas.

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Passado esse infortúnio, outros aconteceriam. Dali para frente deveria Ah, ele havia trabalhado tanto e não ganharia
ser só alegria. Chegando à cidade da padroeira, a quantidade de gente nenhum trocado pelo pertence? Vitor é bom
passeando pela praça e pelas igrejas lotadas de fiéis trariam ao Vitor negociante, tanto para pedir, quanto para vender.
uma experiência inusitada. Na nova cidade, fazendo novos amigos, Já que dinheiro não era o que os colegas podiam
Vitor colocava em prática sua atividade predileta: Contar as suas oferecer, Vitor começou a cobrar favores: como
peripécias na Apae de Bebedouro. pedir para pegar água, para urdir o tear, para
trocar de música e por aí vai.
Mas rezar, comer e passear não eram as grandes novidades que ele
traria de Aparecida. A principal ele ostentava no pulso. Apaixonado por Os professores tentavam explicar que não tinha
música e relógios, o menino tinha ganhado, dos professores da Apae, problema nenhum ele ter dois relógios em vez de um. E
no último Natal, um relógio moderno que, além de mostrar as horas, que o relógio que ele havia ganhado no último Natal era
tocava música e acendia luz. bem mais caro do que o que ele comprou em Aparecida. O
pior é que sua mãe ficaria “fula da vida” se ele desfizesse de
Todo Natal na Associação os professores se reúnem para presentear um presente por tão pouco e sem nenhuma cerimônia.
os alunos com objetos de desejo. Vitor ganhara um relógio. O que
não se esperava é que em poucos meses ele pudesse abandonar um Mas Vitor não desistiu da ideia. Deu o relógio e em troca ficou o
relógio por outro. Nem era por que o artefato comprado em Aparecida dia sem fazer nada, de pernas para o ar, contando suas histórias
fosse mais bonito ou com novas funções. A única diferença era que o na cidade da Santa milagreira. O entusiasmo era tanto que, por
relógio presenteado no Natal era conhecido. O importado da cidade da fim, ele perguntou:
padroeira era novidade.
- Ano que vem tem mais?
O relógio que ele tinha comprado era muito mais importante do que
qualquer milagre que a santa pudesse ter feito. Assim, logo que ele pôs - Será que todo ano vai ser assim?
os pés na Apae, foi promovido um leilão com o relógio antigo. Pena que Respostas: A cidade não deve sair de lá, mas com as ideias
o dinheiro arrecadado seria pouco. Os amigos queriam mesmo era o inusitadas que podem surgir a cada segundo, uma viagem
objeto sem nenhum esforço. No grito! nunca será como a outra.

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Quando os
peixes se
suicidaram

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E
m meados de setembro de 2009, a cidade nada de tapar o buraco e os meninos
de Bebedouro (SP) sofreu um golpe da não conseguiam conceber a ideia de
natureza. O lago represado artificialmente, não se fazer nada.
nos moldes do Lago Paranoá, em Brasília,
ruiu. Com isso, um buraco gigantesco Todos os alunos costumavam levar
inviabilizava a travessia de um lado para o garrafinhas de água para beber durante
outro da cidade. O “buraco da avenida do o dia. O que não se esperava é que essas
lago” virou quase título de novela. Para a garrafinhas poderiam servir de última
travessia, era necessário utilizar caminhos alternativos, passando esperança para os peixes que sucumbiam
por vielas ou ruas paralelas para chegar ao destino final. Fora o pela falta de água. Então, por dias eles
transtorno para a população que a obra para sanar o problema enchiam as garrafinhas, paravam diante
causava, a água secava, e sem água os peixes morriam... e os da matança coletiva, e despejavam ali a água
alunos da Apae, choravam. travestida de vida. Mas as dez ou doze garrafinhas
não sanaram o problema. Os questionamentos não
Por diversos dias os meninos pensaram que os peixes estavam cessaram e muito menos o choro das crianças.
infelizes e, portanto, tentaram se matar. Enquanto os bichinhos
saltavam no último suspiro de vida pela pouca água que restava, Até que surge “A Ideia”: convidar o prefeito para explicar
os alunos, inconformados, sofriam com a suposta depressão dos as obras do buraco. Ideia boa? Não para o gestor. O
nadadores e buscavam urgentemente alternativas para poupar que a assessora do prefeito não previu era que os
tamanho sofrimento. alunos da associação, com deficiência intelectual
e múltipla, sabatinariam seu assessorado com
Por diversos dias a novela se repetia: os peixes suspiravam antes perguntas não só sobre o buraco, mas sobre tudo
da morte, dando saltos ao estilo ginástico rítmica, o prefeito o que os afligia na gestão.

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Nada mais a ser feito, a macaca estava solta. O prefeito, achando Da história dos peixes sobra uma comparação
que uma simples explicação de que os peixes não estavam se irônica: para aqueles meninos a dura
matando, que o buraco seria fechado o mais rápido possível e que realidade dos bichinhos era parecida com
tudo voltaria ao normal seria suficiente, estava redondamente a deles. Para muitos, o dinheiro escorre da
enganado. A chacina dos peixes era só a desculpa pra cobrar as mesma forma que a água. Os pais de alguns
casas prometidas durante o período eleitoral e também para têm subempregos, uns nem emprego têm.
perguntas sobre a razão de na rua de um não ter asfalto e na do Para todos, o último suspiro de vida é diário.
fulaninho do lado ter até água encanada; ou por que os policiais Sobreviver ali não é uma opção, assim como
batiam neles sem explicar nada, entre outras questões do tipo. para os peixes. A Apae é a principal fonte de
alimento, renda e higiene para a maioria. É a
Não dava pra saber quem estava mais constrangido, o prefeito água de muitos desses meninos e meninas.
pelas perguntas inconvenientes, ou a diretoria da Apae, que
havia permitido essa sabatina sem aviso prévio. Esperto como Mas o que o prefeito não sabia é que os alunos de lá não
todo bom político, o prefeito deu respostas genéricas, saiu pela são como os peixes que logo sucumbiram às diversidades.
tangente e quando menos se esperou, já estava abraçando, Eles lutam, brigam e gritam pelo que precisam.
prometendo novas casas, asfalto, esgoto, comida, saúde e tudo
mais o que tinha direito. O que o senhor prefeito não lembrou foi Agora o senhor prefeito já sabe: Eleitor cobra. O que
de prometer vida longa aos peixes. ele ainda não aprendeu: não se promete o que não se
pode cumprir.

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Quando a vida
se vira para
outro lado

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E
ra uma vez uma menina com um futuro pro- e mais o mundo da Apae. Acreditava na ca-
missor. Nem tão rica, nem tão pobre, nem tão pacidade da entidade e sempre quis ajudar,
sofrida e sem tantas dificuldades. Menina es- mas nunca conseguira até há alguns anos.
forçada, trabalhadora, sonhadora e digna. Essa
é a Maria Cristina de Castro Guessi, 48 anos, Para Maria Cristina, a vontade de ver aque-
que tem uma enteada deficiente intelectual, a les meninos crescerem profissionalmente e
Graziela Guessi. Quando menina, o máximo de intelectualmente era um estímulo à vida. “O
contato com um deficiente foi com sua vizinha esforço para vencer as barreiras nos faz acredi-
que tinha síndrome de down. Só depois de casada aprendeu a conviver tar que é possível mudar o mundo com poucos
com a deficiência de perto. gestos”, afirma Cris.

Além de mãe atenciosa, excelente esposa e madrasta, ela também é Entre os projetos que abraçou teve o estágio monitorado
empresária. Possui uma loja de artigos infantis e adultos na cidade de de deficientes no mercado de trabalho comum. Ela, meio re-
Bebedouro e faz parte do quadro de diretores da Apae há oito anos. ceosa ainda, abrigou dois deficientes que, segundo ela, nun-
Não por ter um deficiente na família e sim por gostar de ajudar e con- ca imaginou dar tão certo. No inicio, Cris demorou a acei-
tribuir com o crescimento daqueles indivíduos. tar: “Não é fácil. É uma responsabilidade muito grande, as
pessoas se sentem intimidadas por não saber como fazer.
Como toda madrasta a aproximação com a enteada era lenta e cautelo- Não saberia a receptividade dos funcionários da loja e
sa. Não pela doença em si, mas por acreditar que conquista pelo amor muito menos dos meus clientes”.
deve ser assim: “comendo pelas beiradas”. Cris conquistou a Graziela

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Depois de decidir que aceitaria o projeto, a surpresa foi maior do que Além dessa, outras lojas aderiram ao pro-
o esperado: “Recebi um aluno que não falava e uma que falava e nin- jeto e acreditaram na proposta. “Não é di-
guém entendia. Minha empresa é uma loja, é fundamental a comuni- fícil se apaixonar pela causa. Os produtos
cação entre os funcionários e os clientes”, explica. são de qualidade e quem os faz, também.
Trazer a Apae para dentro da minha casa
Em horários alternados da Apae, os alunos dobrariam roupas e prega- ou empresa é uma conquista mais minha do
riam as etiquetas dos valores. “Parece ser um trabalho fácil e de sim- que deles”, completa.
ples execução. Mas para alguém que nunca trabalhou fora da Apae é
uma conquista e tanto e eles souberam fazer muito bem”, conta. O es- A vida de Maria Cristina virou para outro lado
tágio durou três meses, como o projeto previa, mas abriu portas para sem aviso prévio. Entrou no mundo dos excepcio-
novas propostas e para novos funcionários. nais por um golpe de sorte da vida. A paixão pela
diferença abriu portas, quebrou barreiras e extrapolou a
Com o sucesso do primeiro projeto, ela logo pegou o segundo: va- generosidade pelo outro. “Viver acreditando na Apae é um
lorizar os produtos da Apae e tornar possível revender em lojas da benefício fora do comum, um presente que serei sempre
cidade. Os alunos fizeram cachecóis para o inverno. O projeto inte- grata”, afirma.
graria todos os alunos e poderia agregar valor ao produto fabricado
pela entidade. Com uma decoração irreverente, os cachecóis vira- Sobre a dificuldade de ter uma enteada em casa conclui:
ram sucesso na loja e foi preciso mais uma porção deles para fazer “Quê? A Graziela tem alguma deficiência? Deficiência
parte dos artigos da loja. tem aquele que não é amigo do excepcional!”

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Quando os
desenhos
invadem
a vida real

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T
oda criança sonha em tornar reais os seus Como o caso de um desenho que é
maiores sonhos e suas maiores fantasias. cheio de palitos, bolas no lugar de bra-
Transformar o super homem em um ami- ços e cabeças. Tão diferente que mal
go, dar vida aos desenhos, conhecer e se via o boneco ali naquela confusão de
invadir o mundo imaginário. Poder voar, tamanhos e cores. Esse desenho saiu do
pular e correr muito rápido. Enfrentar os papel e virou um boneco de estimação.
maiores monstros e medos como se fosse Feito de feltro e algodão, o traço ganhou
um guerreiro. Na Apae esse desenho sai vida e o criador se emocionou diante da má-
do papel e vira pano e algodão. gica de tirar do papel um boneco e fazê-lo en-
trar na imaginação daquela criança. Assim, ele
Na aula de artes todos os alunos (crianças, jovens e adultos) pode levar para casa e provar para a família que
fazem desenhos do cotidiano de sua casa. Como qualquer o amigo que ele imaginou estava ali, em suas mãos,
criança, os desenhos às vezes são abstratos, por não sabe- como a realização de um sonho.
rem definir o traçado do lápis, bonecos com cabeças gigantes
e o corpo como se fossem palitos ou até mesmo desenhos Durante a produção do boneco, o olhar emocionado
tão compreensíveis que transmitem o sentimento do aluno da professora ao costurá-lo encantava quem assistia.
com as traçadas linhas. Moldar o corpo para ficar igual ao desenho do aluno

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da casa, cozinhar, lavar, passar, tomar


e assim conquistar o sonho de uma criança com um gesto simples,
conta do irmão, que também é defi-
que eterniza o momento feliz que ele gostaria de retratar.
ciente intelectual. Kátia viu a sua de-
Imaginar o casamento dos sonhos cheio de bandeirolas e flo- voção ser transformada em uma sa-
res, com a igreja lotada de amigos e todos festejando a feli- cola e aprendeu a realizar os sonhos
cidade dos noivos. É assim que a aluna sonhadora pensou o de outros amigos.
casório. Tamanho os detalhes que tornar o desenho uma bolsa
Kátia é apaixonada pela Apae e não vê lu-
foi um desafio para a costureira.
gar nenhum no mundo melhor do que lá.
Ou homenagear a devoção por uma santa em um desenho e Para ela e para o seu irmão. Realizar sonhos
conseguir carregá-la em uma sacola de compras. O ideal do então, nunca imaginou fazê-los. Chamar a Apae
faz de conta é fazer com que as outras pessoas admirem o tra- de segunda casa é fazer amigos e conseguir um tra-
balho e sonhem juntas. É mostrar ao público que esse sonho balho para ter a independência financeira tão sonha-
pode ter um pouco mais de realidade. Assim foi com Kátia Sil- da e muitas vezes distantes.
va, 33 anos. Aluna antiga da Apae e que já enfrentou grandes
Na Apae é assim: trazendo a imaginação para o mun-
dificuldades na vida. Além de trabalhar ela tem que cuidar
do real e a realidade para um passado distante.

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Quando a
jornalista chega
para fazer as
entrevistas

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E
sta semana seria diferente de todas as outras de dar confiança ao menino, entretê-lo. O artifício
sua vida. Uma semana inteira dedicada à observar utilizado pelo fisioterapeuta foi um fantoche.
e entender o cotidiano de um grupo diferente de Com o boneco seria possível provar que, por
pessoas. A realização de um projeto, ali, na Apae mais difícil que fosse a tarefa proposta naque-
de Bebedouro, era muito mais uma entrega pes- le momento, a fantasia poderia facilitar aquele
soal de uma pessoa que vê, naquela entidade, a sacrifício.
verdade, o compromisso, a integridade e, princi-
palmente, a vida como ela é Em meio à história e as palavras entusiasmadas
dubladas na boca do fantoche, Kauan sentia como
Logo no primeiro dia, a presença da repórter seria como de qualquer ou- se a dificuldade de passar pelos obstáculos para che-
tra visita: a grande novidade. O equipamento que ela portava era muito gar mais perto do bonequinho não fossem tão compli-
maior aos olhos dos alunos. A câmera fotográfica e o gravador seriam ob- cadas. E que o pulmão carregado e cheio de problemas
jetos diferentes das linhas e agulhas que estavam acostumados a manu- para filtrar o ar não era a única das dores. Os fortalecimentos
sear. Pouco sabia a jornalista que seria testemunha de uma prova de co- das pernas lhe causavam dor pelo excesso de força muscular e a
ragem e amor. O primeiro momento foi na sala de fisioterapia da Apae. infecção pela fragilidade daquele corpo magro causavam mais
dor do que ele podia suportar. Mas logo, seria substituído esse
O protagonista era um menino de quatro anos, com vestimentas velhas sofrimento pela vontade de encontrar e ter nas mãos o fanto-
e que não paravam quietas no corpo magro. Kauan Luiz Alves dos Santos, che. O encontro traria para aquele menininho o sentimento
como chamava o menininho, tinha em Síndrome de Down. Por causa da de ser capaz de caminhar com as próprias pernas, mostrar a
chuva do dia anterior, o pulmão do garotinho estava carregado e a difi- força e a vida que tinha dentro dele.
culdade de aprender a andar e respirar eram transmitidas a cada lágrima
que escorria no rosto. Suas pernas, às vezes, não funcionavam devido à O sorriso ao fazer os exercícios mostrava à jornalista que
flacidez. Parecia borracha derretida. Era preciso fortalecer os músculos, o trabalho pretendido ali seria um ensinamento de vida.

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Os dias foram passando, e ela foi conhecendo as histórias de superação, Depois dessa semana, a vida da jornalista não
de vida, fantasias, desejos, sonhos e aflições. Naquele momento era difí- seria como antes. Apesar de frequentar há seis
cil separa a jornalista da cidadã. Difícil era não se emocionar. anos a Apae, os dias ali são imprevisíveis, como
se fossem sempre o primeiro dia. O difícil exer-
A história de Crispim Santos da Paixão, 42 anos, aluno da Apae e res- cício de compreender a dor do próximo fez com
ponsável pela horta, também fisgou a atenção da repórter. Há alguns que ela não se queixasse tanto dos seus peque-
dias, ela havia fabricado enormes espantalhos que, à primeira vista, pa- nos problemas.
reciam pouco úteis. Não serviram nem para espantar os passarinhos que
insistiam em visitar e comer dos alimentos antes da hora. Para Crispim, O exercício de aprender a olhar e, principalmente,
o objetivo daqueles bonecos gigantes era alegrar e encher de orgulho enxergar a realidade de outra forma era o ingredien-
aqueles alunos que cuidavam e consumiam as verduras, frutas e legu- te que faltava para a sua vida jornalística. Era necessário
mes produzidas pela Apae. Para os alunos pouco importava se eram feios ver além da cena aparente, fugir da notícia sem sentimentos
ou úteis, bastavam serem bonecos dançantes. ou a preguiça da apuração sem detalhes. Aqueles ensinamentos
aprendidos na Apae, serviriam de instrumento de trabalho.
Amarrados nas árvores serviam de companhia ao Crispim e a quem mais
quisesse visitar o espaço. Embalados pelo vento, dançavam entrelaçados Ali, ela encontrou forças para apresentar a vida em outro for-
pelas cordas como se tivessem vida e vontade própria. A falta da cabeça mato, alheio para boa parte da população. Ao abrir o livro,
para se expressar não era o problema para aquele balanço que o vento talvez as pessoas pudessem atravessar o buraco da fecha-
e a mão dos que manuseavam, ao som da rua, pudessem transmitir. Era dura e enxergar a vida de uma forma mais simples, fácil
como um balé clássico. Os espantalhos dançando com os alunos e os e ingênua ou pelo menos refletir sobre a diversidade de
passarinhos voando pela horta. pensamentos, fantasias e opiniões. E isso o que se pro-
põe, daqui, de trás da fechadura.

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POR TRÁS DA FECHADURA - PRISCILA NASCIMENTO

A convivência de seis anos da


autora com alunos da Apae
de Bebedouro (SP) poderia
ter resultado em uma obra
politicamente correta e chata.
Não é isso que o leitor vai ver ao
ter em mãos este livro cheio de
um humor sério sobre o cotidiano
de quem tem na instituição de apoio
a excepcionais uma base para a vida.
As histórias, não somente baseadas em
fatos reais, mas elas próprias bem reais,
vão do hilário ao político, passando até pelo
metafísico. Elas constituem um olhar diferente
sobre pessoas que também têm uma visão
especial do mundo.

Por Dâmares Vaz

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