Você está na página 1de 2

Dirigido por Catherine Hardwicke.

 Com: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Billy


Burke, Nikki Reed, Ashley Greene, Jackson Rathsbone, Kellan Lutz, Peter Facinelli,
Cam Gigandet, Elizabeth Reaser. 
Edward Cullen tem um problema: embora profundamente apaixonado pela jovem Bella, ele
evita beijá-la por temer que a intensidade do momento vá levá-lo a desejar algo mais da
garota, que, igualmente apaixonada, certamente permitiria que ele a penetrasse – mas
Edward sabe que, depois de começar, não conseguiria se obrigar a retirar a tempo, indo
até o final e trazendo sérias conseqüências para ambos. Ah, sim: quando digo “penetrar” e
“retirar”, estou me referindo às presas de Edward, que é um vampiro. No entanto, se você
interpretou o que escrevi de maneira errada, não se preocupe: Crepúsculo usa, sim, sua
trama de amor vampiresca como uma metáfora óbvia do desejo sexual adolescente e da
necessidade imperativa de se praticar a abstinência.
(“Imperativa”, claro, de acordo com o roteiro escrito por Melissa Rosenberg a partir
do best-seller de Stephenie Meyer, já que, particularmente, não tenho a menor ilusão
quanto a eficácia desta pregação junto aos adolescentes, que estariam mais bem servidos
com aulas sobre métodos anticoncepcionais e de prevenção a DSTs.) 
Mas divago: dirigido por Catherine Hardwicke (Aos Treze, Jesus – A História do
Nascimento), Crepúsculo acompanha a adolescente Bella (Stewart), que, obrigada a
mudar-se para a pequena cidade do pai, logo se torna bastante popular em sua nova
escola – que, apesar de atender a uma cidade com apenas 3.120 habitantes, é imensa,
conta com aparentemente centenas de alunos e, claro, é convenientemente diversificada
em seu corpo estudantil, exibindo asiáticos, negros, latinos e qualquer outra minoria que
faça os produtores se sentirem orgulhosos de si mesmos por sua visão globalizada.
Sentindo-se pouco à vontade perto do pai (por motivos que o filme jamais procura
esclarecer), Bella tem seu interesse despertado por Edward (Pattinson), um rapaz pálido e
arredio que vive com os vários irmãos adotivos numa casa localizada nas montanhas.
Contudo, ainda que obviamente encantado pela moça, Edward insiste que não devem se
aproximar – algo que ele reforça de maneira curiosa ao procurá-la durante o almoço na
cantina apenas para repetir, embora ela tivesse mantido a distância exigida. Esta dinâmica
se repete dezenas de vezes ao longo da projeção até que, finalmente, Bella descobre por
que Edward a teme tanto – o que, claro, não impede que ele continue a dizer que
deveriam se afastar embora jamais o faça. Rapazinho confuso, este. 
Uma espécie de Harry Potter pouco imaginativo e excessivamente água-com-açúcar para
adolescentes românticas (Pattinson, curiosamente, interpretou Cedrico Diggory em O
Cálice de Fogo), esteCrepúsculo também se passa num mundo com elementos
fantasiosos, concentrando sua narrativa em uma escola e investindo num protagonista
deslocado, apelando até mesmo para sua versão pobrinha do quadribol: no caso, uma
partida risível de “baseball vampiro”. Enquanto isso, os Cullen percorrem os corredores e a
cantina do colégio olhando de baixo para cima, ameaçadores, sem que ninguém jamais
questione a palidez cadavérica de toda a família (ou talvez todos percebam se tratar de
uma maquiagem incrivelmente artificial que não se preocupa sequer em cobrir direito os
pescoços e membros dos tais vampiros). Aliás, por que os imortais Cullen ainda
freqüentam a escola depois de centenas de anos? Certamente não é para disfarçar sua
verdadeira natureza, já que chamam mais atenção do que se simplesmente se
mantivessem distantes de todos ou se alegassem receber educação particular –
principalmente em função do fato de faltarem à aula sempre que o dia está ensolarado. Ou
talvez eles tenham dificuldade em trigonometria e simplesmente não consigam passar de
ano.  
Mais preocupado em se estabelecer como galã do que como ator, Robert Pattinson é
auxiliado em sua tarefa pela diretora Catherine Hardwicke e pelo ótimo compositor Carter
Burwell, que, não à toa, investe num crescendo romântico assim que Edward é visto pela
primeira vez com sua pele pálida, as sobrancelhas cuidadosamente desenhadas, os lábios
destacados por batom e o cabelo milimetricamente despenteado (ele deve passar horas
diante do espelho, despenteando o cabelo. Ainda bem que, como imortal, tem todo o
tempo do mundo.). Infelizmente, como ator, Pattinson se revela um belo adorno, já que,
além de inexpressivo, suas tentativas de atuar soam embaraçosamente ruins – com
destaque para a cena em que, ao perceber que sua estratégia para enganar o vilão não
funcionou, ele aparentemente investe numa piscada estranha para evocar todo o
desespero do personagem ao dizer: “Ele mudou de direção!” (um momento que, por
contraste, transforma Keanu Reeves em Marlon Brando). 
Por outro lado, Kristen Stewart, uma atriz interessante, faz o que pode para transformar
Bella numa figura tridimensional, sendo constantemente sabotada pelo roteiro de
Rosenberg (que se saiu muito melhor na série Dexter, diga-se de passagem): obrigada a
atuar em cenas constrangedoramente expositivas – como na montagem em que “deduz”
que Edward é um vampiro, repetindo várias “pistas” em voz alta -, Stewart ainda é levada a
protagonizar um draminha artificial com o pai, magoando-o propositalmente apenas para
“protegê-lo” (o problema, aqui, é ela não precisava realmente magoá-lo; esta é apenas
uma estratégia barata do filme para tentar criar algum conflito dramático, fazendo-me
lembrar daquelas cenas em que alguém tenta afastar um cãozinho e, para tanto, finge
detestá-lo, atirando pedras e por aí afora. Infelizmente para Crepúsculo, o pai de Bella não
se chama Benji nem Lassie.). 
Estes conflitos implausíveis, aliás, formam a base das tentativas do filme em criar algum
tipo de tensão ou incerteza quanto ao final – e, como já dito, freqüentemente Edward diz
para Bella que não podem ficar juntos apenas para, na cena seguinte, voltar a procurá-la
para repetir sua decisão. Isto atinge o auge da artificialidade numa cena ambientada num
quarto de hospital, quando, depois de ouvir o amado falar pela milésima vez que devem se
afastar, a moça protesta apenas para escutar, em resposta, que o outro realmente não
consegue se manter distante – ignorando, assim, o queacabara de dizer. E o que posso
falar do vilão, um vampiro caçador que só é apresentado ao espectador com 80 minutos
de projeção (e, mesmo assim, surgindo como o menos interessante do trio ao qual
pertence)? Possivelmente introduzido na trama depois que a roteirista (ou a autora do
livro, que não li) se deu conta de não ter criado um único antagonista, o tal James
(Gigandet) é um estereótipo de vampiro mau que passa a caçar a mocinha sem nenhuma
razão aparente – e se a resposta para esta obsessão se encontra no livro, o erro
permanece, já que o filme deveria se sustentar sozinho. 
Abusando das câmeras lentas e de planos que beiram o ridículo em sua obviedade (como
aquele em que a mocinha compra um livro e, então, vemos o balconista entregando o
volume com uma mão e pegando o dinheiro com a outra, como se temesse ser roubado),
Catherine Hardwicke ainda peca por não perceber a qualidade pedestre dos efeitos visuais
que retratam a velocidade e a força dos vampiros e que seriam mais apropriados a uma
produção de tevê da década de 70. E o que dizer de diálogos como “Então o leão se
apaixonou pelo cordeiro”, que parecem ter saído de uma fotonovela? 
Embora ganhe alguns pontos pelo conceito interessante da família de vampiros que tenta
levar uma vida razoavelmente normal ainda que a simples visão de sangue humano
pareça levar seus integrantes a um quase frenesi, Crepúsculo merece mesmo distinção
por sua profunda incoerência: apesar de roteirizado e dirigido por mulheres a partir de um
livro escrito por outra, o filme é surpreendentemente machista ao transformar em heroína
uma garota disposta a abrir mão de tudo para seguir um homem, abandonando família,
seus projetos pessoais e até mesmo a vida apenas para poder contar com o privilégio de
ser a esposa de um macho-alfa. 
Ao que parece, Bella nunca ouviu falar de Betty Friedan ou mesmo de Simone de
Beauvoir. Mas, pensando bem, talvez isto seja apropriado, já que as adolescentes que
gritam histericamente ao ver Robert Pattison também não.
 18 de Dezembro de 2008

Você também pode gostar