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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO/Campus I

Departamento de Letras e Artes/Coordenação do Curso de Letras-Português

Componente Curricular: Literatura Portuguesa da Mod. e Contemporânea


Professor: Diógenes André Vieira Maciel

Aluna: Rideusa Caroline C. Do Nascimento

Avaliação II (Parte II)

QUESTÃO 1

A confissão de Lúcio, obra escrita por Mário de Sá Carneiro em 1914, nos


apresenta uma instigante narrativa, que inicia-se despertando a atenção em torno da
confissão propriamente dita que é iniciada no princípio do primeiro capitulo, mas que
é sobreposta por uma rica diversidade de novos interesses à medida em que se segue
o enredo da obra.

Por tratar-se de uma confissão, um depoimento, a obra é narrada em primeira


pessoa, a partir das impressões do próprio Lucio, que nos apresenta sua perspectiva
de tudo que acontece, dos seus pensamentos, sentidos e delírios, podemos por assim
dizer.

O episódio da festa orgíaca da americana, nosso objeto de destaque nesta


análise, aborda diversos elementos de uma forma simbolística. A festa por si nos
apresenta diversos componentes, que a priori nos parecem confusos e sem tanta
ligação, exceto pelo fato de que é nesta noite que os personagens Lucio e Ricardo de
Loureiro se conhecem e iniciam a parte mais instigante da narrativa. Contudo, após
uma leitura mais atenta e com olhos mais críticos é possível para nós identificarmos
elementos que dão indícios ou justificam fatos que acontecerão posteriormente.
Toda a noite dentro desta festa, tem uma abordagem erótica, lasciva e sensual,
justificada pelo fato exposto pela anfitriã ao conhecer Lucio e seu amigo Gervásio, de
que esta acredita que a voluptuosidade é uma das faces da arte e deveria ser vista e
apreciada como tal. De acordo com a visão da americana, em paralelo com as artes, o
erótico é algo belo, sendo o prazer visto como a própria perfeição. Com o intuito de
comprovar e expor sua perspectiva artística, a americana oferece aos convidados da
sua soirée uma diversidade de elementos que despertam os sentidos para uma
sensação de êxtase, descrita por Lucio. “Quis condensar nele as minhas ideias sobre a
voluptuosidade-arte. Luzes, corpos, aromas, o fogo e a água — tudo se reunirá numa
orgia de carne espiritualizada em outro!” [p.26].

Os elementos do erótico vão além do campo visual, são despertados através das
sensações, luzes e cheiros, conforme nos narra o próprio Lucio em uma descrição
detalhada e milimétrica. Todos os elementos ali postos e apresentados carregam a
função, no enredo, de justificar a perspectiva artística da americana, mas funcionam
também e principalmente como chaves de leitura e compreensão dos acontecimentos
futuros. Conforme nos fala Teresa Cerdeira “A experiência homoerótica feminina –
maravilha / mirabilia para espectadores eleitos – é o que dará suporte à experiência de
afeto dos dois protagonistas masculinos”. [p.33]

As experiencias homoeróticas são abordadas pela primeira vez neste episodio da


festa, sendo protagonizadas por meio das mulheres, sendo este o primeiro indicio de
uma possível transgressão entre os dois personagens principais, Lucio e Ricardo.
Embora tais elementos despertem certo estranhamento em Lucio, proporcionam também
uma sensação de êxtase e um despertar dos sentidos carnais.

Outro indicio para a possível transgressão ocorrida a posteriori é o relato de


Lucio ao descrever as sensações despertadas “O que oscilávamos, provinha-nos de uma
sensação total idêntica à que experimentamos ouvindo uma partitura sublime executada
por uma orquestra de mestres. E os quadros sensuais valiam apenas como um
instrumento dessa orquestra.” [p.30]. Neste fragmento, o narrador e protagonista nos
confidencia o desejo aflorado pelos elementos sensoriais, como tudo está conectado de
uma forma muito singular, deixando a pista de que embora as cenas sejam
protagonizadas por mulheres não são elas que ativam o seu desejo carnal, elas apenas
fazem parte de um perfeito conjunto, mas o que o atrai são as sensações, cheiros, luz e o
estranhamento que tudo lhe causa, o ar de mistério representado pelo elemento do fogo.
Sensações estas tão surpreendes que pareciam distantes da realidade “um sonho que os
três houvéssemos sonhado” [p.33].

Quanto a americana seu desaparecimento é tão repentino e misterioso quanto seu


surgimento. Um outro levantamento sobre sua persona, não ligado a construção erótica
em si, mas de importante representação, está atrelado a representação da vanguarda
latino-americana surgida mais ou menos na época da criação desta obra. Podemos
assim, relacionar a personagem americana como a representação da vanguarda, vinda
das américas rompendo com os padrões estabelecidos pelas escolas anteriores. E o
personagem Gervásio como a representação simbolista conservadora dos padrões
estéticos.

Um outro ponto ligado à relação dos protagonistas dar-se-á pelo sentimento


demonstrado por Lucio nas linhas seguintes à festa:

“Se a sua lembrança me ficou para sempre gravada, não foi por a ter vivido
— mas sim porque, dessa noite, se originava a minha amizade com Ricardo
de Loureiro.[...] De resto, no caso presente, que podia valer a noite fantástica
em face do nosso encontro — desse encontro que marcou o princípio da
minha vida?” [p.34]

O desejo despertado na festa da americana e os sentimentos evidenciados por Lucio


depois dela, culminam com a criação de Marta como realização deste desejo dos dois.

Referências bibliográficas

CARNEIRO, M.S. A confissão de Lúcio. Luso Livros.

CERDEIRA, T. A confissão de Lúcio: Narciso, o espelho e a morte. 2018.

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