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Caso HBR: Candidata a posto cobiçado deve contar que está grávida?

Escrito por: Victoria W. Winston Tiziana Casciaro - quarta-feira, 9 janeiro, 2013 - 15:06

E você, vai beber o quê? — perguntou o garçom à mulher. Ela e Zach trocaram olhares.
— Nada, estou bem assim — disse Betsy Sugarman. — Só o cardápio, por favor.
Com um suspiro, virou para o marido. — Comemorar sem um vinhozinho não dá.
— Se você quiser, não bebo também, em solidariedade — disse Zach.
Betsy deu um sorriso amarelo. Não que não quisesse estar grávida. Queria, e muito. Sempre sonhara em ter um
bebezinho. Só não esperava que fosse ser tão depressa.
— Você devia estar contente, amor. Com ou sem vinho. É muito bacana, é a próxima etapa da nossa vida.
Zach pegou a mão da mulher. Tinha sugerido o jantar ali, no restaurante favorito do casal, porque era onde tinham
celebrado todo marco importante na vida dos dois: o noivado, a admissão de Betsy à escola de negócios, o primeiro grande
cliente de Zach já com sua própria produtora de mídia. Comemorar a notícia do bebê ali parecia lógico. Mas Betsy parecia
estar sentindo mais ansiedade do que euforia.
— Estou contente, é claro — disse. — Estou mesmo. Só não sei se é o melhor momento. Eu sei que essa coisa de
momento certo não existe, mas esse cargo, puxa, é o emprego dos meus sonhos.
— Tá bom, mas você vai conseguir — disse Zach. — Quem disse que a diretora de operações internacionais não pode ser
uma mulher com filhos?
Betsy tinha trabalhado na Caston Pharma, uma empresa de biotecnologia na região de San Francisco, na Califórnia, desde
que se formara na Stanford Business School, cinco anos antes. No início, ficara meio decepcionada com a empresa. O
ritmo ali dentro não era tão acelerado quanto esperava, havia muito pouca oportunidade para alguém como ela subir
profissionalmente. Seus mentores tinham sugerido que confiasse no sistema, que tivesse paciência, que aguardasse a
oportunidade certa. Meses antes, finalmente, tinha encontrado.
Tom DeHart, cabeça da divisão internacional da Caston, queria alguém para dirigir as operações do laboratório no exterior.
A pessoa passaria os 18 a 24 meses seguintes em visitas frequentes a subsidiárias da Caston em outros países. A missão
desse executivo seria forjar laços e se familiarizar com os meandros de operações internacionais para ascender a um posto
ainda maior e melhor: o comando de alguma das operações no exterior. Betsy tinha sido entrevistada por Tom e, duas
semanas antes, o chefe dissera que era a candidata favorita.
E não era só a oportunidade perfeita para a carreira de Betsy. Era o que ela e Zach sempre quiseram da vida: morar,
trabalhar e, quem sabe até, criar os filhos no exterior. Zach era da Austrália. Tinham se conhecido na Indonésia, no Corpo
da Paz, logo após a faculdade. Na cozinha do apartamento atual, tinham um mapa-múndi salpicado de alfinetes coloridos
— um para cada lugar em que aceitariam morar. Havia tantos que Zach sugerira, meio brincando, que assinalassem com
um alfinete os lugares em que não morariam.
O garçom voltou com o Pinot Noir de Zach, que ergueu a taça para um brinde. Cabisbaixa, Betsy fitava a mesa.
— Meu bem, deixa disso — disse o marido. — Se tem alguém capaz de achar uma saída, é você. Vou te ajudar, vamos
achar. Enfim, você não disse que o Tom tinha filhos? Será que ele não vai entender?
— Pode até ser. Não conheço ele tão bem assim. Ele parece um sujeito legal. O que eu não quero é ser uma decepção
para ele. Na nossa última conversa, ele estava tão animado com a possibilidade de eu assumir o cargo. Aliás, nós dois
estávamos.
— O que ele disse, exatamente?
— Ah, falou muito sobre as viagens que o posto exigia, queria saber se não havia problema para mim. Ele disse que pode
ser bem difícil, que é uma coisa que exige muita energia. Vou dizer o que a ele?
— Bom, vamos pensar. Quais os prós e contras de você contar que está grávida?
Zach pegou um guardanapo de papel e traçou uma linha no meio. De um lado, escreveu “Prós”. Do outro, “Contras”. Em
várias ocasiões no passado, Betsy tinha feito o mesmo para ele. A pessoa organizada do casal era ela. Betsy montava uma
planilha para planejar as férias, fazia planos de carreira, dividia o guarda-roupa em roupas de verão e inverno.
Betsy ficava feliz em ver Zach tentando ajudar, mas não tinha energia para entrar no jogo. — Não sei se vou conseguir
fazer esse trabalho com bebê novinho — disse.
Exigência maior
Assim que chegou ao trabalho na manhã seguinte, Betsy deixou o laptop na mesa, pegou um café descafeinado (embora
tudo o que quisesse fosse uma injeção de cafeína) e subiu até o terceiro andar. Queria falar com Carol Quinn, uma das
diretoras de RH. Ofegante, parou um minuto na frente da porta de Carol, surpresa com o cansaço que já sentia nesse
comecinho de gravidez.
— E aí, Betsy, está perdida? — perguntou Carol, botando a cara para fora da porta. Na empresa, todo mundo achava Carol
uma mulher durona, mas eficientíssima. Sua sala era impecável, sem um papel fora do lugar. Perto dela, Betsy parecia
relaxada — o que não era fácil.
— Oi, queria ver se você sabe quando o Tom vai tomar uma decisão — disse Betsy.
— Por quê? Você mudou de ideia?
— Não. Só queria estar preparada.
Betsy olhou para a cadeira vazia na sala. Carol interceptou o olhar, mas não convidou a funcionária para entrar.
— Que bom — disse a diretora. — Porque sou da opinião de que você é a pessoa certa para esse cargo — disse Carol. —
Aliás, é perfeita. Você é empenhada, é focada, é comprometida, sabe lidar com a pressão. O Tom precisa de alguém que
consiga tomar as rédeas desse projeto.
— Bom, é como eu já disse: é exatamente o que eu estava querendo.
— Ótimo. A agenda do Tom ainda está meio no ar, mas ele deve estar de volta na semana que vem. Se eu fosse você,
estaria com tudo bem preparadinho até lá. O Tom gosta muito de você, conhece o seu currículo, mas ainda assim você
precisa se provar. Tem muita gente interessada nesse posto. Sei que não é justo, mas a gente, por ser mulher, precisa
fazer um esforço maior do que os outros. A exigência sobre nós é maior. E não só na Caston, mas em toda parte.
Betsy não sabia ao certo se concordava. Preferiu não responder nada.
— Bom, tenho uma reunião agora — disse Carol. — Era só?
Sou uma mentirosa
De volta à mesa, Betsy mandou um e-mail para uma amiga, Marisa Guallart. Queria almoçar com ela. As duas tinham
começado a trabalhar na Caston no mesmo dia e, ainda que agora estivessem em divisões distintas, uma ainda buscava o
conselho da outra em temas profissionais. Assim que Marisa chegou a sua sala, Betsy pediu que entrasse e fechasse a
porta.
— Ai, ai. Você nunca me pediu para fechar a porta — disse a amiga, já sentada.
Betsy contou sobre a gravidez.
— Parabéns! — disse Marisa, se levantando para abraçar a amiga. — Que lindo!
— É, né? Estou contente... Quer dizer, estou meio contente e meio apavorada.
— Não era isso que vocês dois queriam?
— É. Mas o momento não é bom.
— Nunca é — disse Marisa. Ela e a companheira tinham dois bebês com menos de dois aninhos. Como as duas queriam
dar à luz, tinham dado um jeito de engravidar ao mesmo tempo e acabaram tendo as duas meninas com três meses de
intervalo. — Bom, mas você vai seguir trabalhando?
Betsy achou ótimo Marisa ter passado rapidinho para o lado prático da coisa. Era por isso, em parte, que se davam tão
bem.
— Acho que sim — respondeu. — Passei a noite pensando nisso. Eu começaria no novo posto no mês que vem. Podia
viajar durante os próximos três meses, pelo menos, e trabalhar direto até a licença-maternidade. Supondo que tudo corra
bem, claro.
— E você tiraria os quatro meses de licença? — perguntou Marisa. A Caston tinha uma política de licença-maternidade
bastante generosa para os padrões americanos.
— A princípio, sim. E aí, já de volta, voltaria a um ritmo pesado de viagens. Mas a agenda do Zach é flexível. De repente,
ele podia vir comigo e com o bebê. Ela já falou que topa.
— Já vi que você pensou em tudo — disse Marisa. — Mas, então, qual o problema?
— Só não sei o que dizer ao Tom.
— Diga o que você me disse. Que está grávida, mas que está muito animada com o novo cargo e que vai dar conta do
recado assim e assado. O que mais há para dizer?
— Mas minha gravidez mal começou! Não contei nem para minha irmã ainda. Não queria contar para o Tom.
— Bom, você me conhece. Sou um livro aberto, até no trabalho. Agora, sei que você é mais discreta com essas coisas. —
Por que você não conversa primeiro com o pessoal do RH, para ver o que eles dizem?
— A Carol está ajudando o Tom na busca.
— Ah! Que medo!
— Além disso, eu não quero contar para ninguém. Minha irmã perdeu dois bebês no comecinho da gravidez. Antes de
contar, quero ter certeza de que vai correr tudo bem.
Betsy colocou a cabeça entre as mãos. — Mas se eu não contar agora para o Tom e ele me escolher, vou me sentir uma
mentirosa. Se eu contar daqui a dois meses, ele obviamente vai achar que eu sabia que estava grávida.
— Puxa — disse Marisa. — Ninguém ensina a gente a lidar com isso na faculdade!
Não é da conta dele
Quando viu que era a mãe no BlackBerry, Betsy atendeu rapidinho. Desde que Betsy contara da gravidez, uma semana
antes, as duas vinham tentando em vão se falar.
— Oi mãe.
— Oi, filha. Estou indo para Boston, tenho uma reunião. Pode falar agora?
Betsy disse que precisava de um conselho. E não só da mãe, mas da empresária. Tanto a mãe como a avó sempre tinham
trabalhado fora, ajudando a tocar o negócio da família: uma rede de lojas de ferragens no nordeste dos Estados Unidos.
Para Betsy, as duas sempre tinham sido um modelo. Com elas, tinha aprendido que ser mãe e trabalhar fora nem sempre
era fácil, mas definitivamente valia a pena.
— Acabei de ficar sabendo que o Tom vai voltar na segunda — disse Betsy. — E que vai tomar uma decisão até o final da
semana. Preciso decidir o que vou dizer a ele.
— Diga que está pronta para a oportunidade e que não vê a hora de começar — respondeu a mãe.
— Mas, mãe... Não seria quase como que mentir? Não estou contando toda a verdade.
— Ai, Betsy, por favor. Uma coisa é ser honesta, outra é puxar o próprio tapete.
— E se a Martha estivesse grávida, você não ia querer saber? Digamos que ela fosse precisar se ausentar por um tempo?
Martha era a diretora de compras da rede de varejo da família. Passava a maior parte do tempo na estrada, em feiras.
— Sim, ia querer saber, mas quando ela estivesse pronta para me contar. Considerando o que aconteceu com sua irmã,
você precisa ter mais certeza. E se disser ao Tom e, daqui a umas semanas, tiver uma má notícia? Isso não é da conta
dele.
— Eu sei, eu sei. É o que o Zach diz.
— Betsy, você não é a primeira mulher que trabalha fora e engravida! É a coisa mais normal do mundo, todo mundo dá um
jeito. Você disse na semana passada que você e o Zach tinham achado uma saída. Achei que você tinha um plano.
— Pois é, mas eu não sei se o Tom vai encarar a coisa dessa forma. E tem muito mais gente, gente sem filhos, querendo
esse cargo.
— Mais uma razão para você ficar na sua, por enquanto. Você deu um show desde que entrou na Caston. O Tom pode até
ficar meio contrariado quando você contar da gravidez, lá na frente, mas aí você já vai estar no cargo, e fazendo um
trabalho melhor do que qualquer outra pessoa. Dali a pouco, ele nem vai lembrar que você não contou. Vai estar felicíssimo
de contar contigo na equipe. E vai fazer de tudo para te segurar.
Betsy sabia que a mãe era suspeita, mas apreciava o incentivo. Ainda assim, não tinha certeza. — Talvez eu devesse
deixar para lá — disse a filha. — Vai ver que não é a hora.
— Ai, filhinha, não é a sua cara. Você adora um desafio. Você mesma disse que esse posto é uma oportunidade única na
sua carreira. Seria muito chato ver você desistindo dele.
Fonte: http://www.hbrbr.com.br/materia/candidata-posto-cobicado-deve-contar-que-esta-gravida#sthash.ckGDc2Sv.dpuf

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