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Jovanir Lage
Resumo
O modo como Israel encarou suas crises e relembrou seu passado moldou
profundamente o monoteísmo bíblico e a memória de Deus na Bíblia. Em reação às
mudanças trazidas do exterior para Judá, os líderes do século VII, em Jerusalém,
governados por Josias, reforçaram o desenvolvimento do monoteísmo e rejeitaram
qualquer forma estrangeira de culto.
Introdução
Até então, para entender a história do monoteísmo, muitas das discussões, giravam em
torno do contraste dos textos bíblicos com os textos do antigo Oriente Próximo.
Assumia-se que Israel era essencialmente monoteísta e quando cedia às práticas
politeístas, era porque tinha sido tentado pelos costumes de seus vizinhos.
1
cf. FOHRER, Georg. 2006. p54, BROWN, Raymond E. 1986. p 20 e VAUX, R. De,
2003. p 477.
porque sempre se pressupunha que o politeísmo era uma forma inferior da cultura destes
povos.
Muitos caminhos se abriram nesta nova abordagem, e uma delas foi a localização de
elementos comuns às muitas outras religiões semitas da Síria e da Palestina. Estas
religiões tinham em comum, as características e personalidade das divindades:
Ugarit era uma cidade-estado portuária localizada na costa norte da Síria, floresceu no
final do segundo milênio e foi destruída em 1200 a.C. Os achados em Ugarit dão uma
visão aproximada das questões políticas, sociais, econômicas, religiosas e artísticas, a
partir de descobertas de documentos da vida popular como monumentos arqueológicos
de representação cúltica, representação de divindades esculpidos em pedra, metal e
marfim, templos, locais de sepultamentos e de sacrifícios.
Assim a religião cananéia revela pontos de contato com muitas outras formas religiosas
do Antigo Oriente Médio sendo em muitos setores influenciada, mas também marcando
sua presença e influência em outras culturas que manteve contato. Israel é um claro
exemplo.
A religião ugarítica estava centrada no deus-chefe, El, o "pai da humanidade", "criador
da criação". A corte ou os súditos de El eram chamados de Elohim, (heb. = deuses). Os
mais importantes entre os principais deuses eram Baal , o rei dos Céus, Asherá, a
consorte de el, Yam (ou "Mar", o deus do caos primordial, das tempestades e da
destruição em massa) e Mot ("morte"). Outros deuses venerados em Ugarit eram Dagon
("grão"), o artesão Kothar-wa-Khasis ("hábil e esperto"), Shahar ("amanhecer")
e Shalim ("anoitecer").
A religião de Ugarit e a religião da antiga Israel não eram a mesma, mas existiam
algumas notáveis coincidências. Por exemplo, o nome da suprema autoridade divina em
Ugarit El, era também, um dos nomes do Deus de Israel (Gênesis 33:20). El era descrito
como um deus de idade avançada, com cabelos brancos, sentado em um trono. No
entanto, em Ugarit, El era o soberano, mas outro deus administrava as coisas na terra
por El como seu vizir. O nome deste deus era Baal, um nome muito familiar para
qualquer um que tenha lido o Antigo Testamento. Em Ugarit Baal era conhecido por
diversos títulos: "rei dos deuses", "o altíssimo", "príncipe Baal" (baal zbl), e "o
cavaleiro das nuvens".
A posição de Baal como "rei dos deuses" em Ugarit, o vizinho do norte de Israel, ajuda
a explicar o "problema de Baal" no Antigo Testamento. A religião de Jeroboão no reino
do norte absorveu o culto de Baal, e em pouco tempo parecia não haver diferença entre
os dois cultos ou, se ela existia, era tão ínfima que venerar um ou o outro era apenas
uma questão teológica; foi com este tipo de problema que profetas como Elias tiveram
que lidar. O povo não tinha nenhum tipo de restrição ou algum livro sagrado, como a
Bíblia, que proibia o culto a outras divindades, apenas os profetas e suas palavras.
Quando não havia um profeta por perto para esclarecer o assunto, era mais fácil seguir o
que os vizinhos estavam fazendo - especialmente se o seu rei não se importava, ou até
mesmo preferisse isto.
O Deus Javé se distingue de outros deuses já por seu nome, composto por uma forma
verbal que denota ação, presença efetiva, dinamismo e eficácia. Javé foi adotado como o
único para Israel, como único que poderia atender às solicitudes do povo, mas em
contrapartida exige exclusividade. Isso não quer dizer que a fé em Javé era monoteísta,
pois, inicialmente, a existência de outros deuses não é negada em Israel.
Como patriarca da família divina, El governa e preside o panteão e este modelo divino é
também conhecido como assembléia de El ou concílio dos deuses. A literatura bíblica
também apresenta uma estrutura semelhante de assembléia divina e pode ser
representado da seguinte forma:
1. El e asherá
2. Baal, astarte, Shalim, Reshep e Deber. Javé é o estrangeiro de Edom / Sinai
2
CAT – The Cuneiform Alphabetic Texts from Ugarit.
3. Mensageiros (anjos)
4. Servos
O nome El, na palavra Israel já sugere que este deus e não Javé, era o cabeça do
panteão, o salmo 82 deixa bem evidente este modelo de panteão “El preside a
assembléia divina, no meio dos elohim, ele é o juiz”. Javé aparece inicialmente
como um estrangeiro, um deus guerreiro, um elohim na assembléia de El.
O fato de Javé ser um deus guerreiro, com o passar do tempo, pelo fato de ser mais
lembrado do que El, começa a ocupar lugar de destaque no panteão. Torna-se ainda
mais comum em Javé, a transposição das funções dos outros deuses. Na primeira
metade da monarquia, as mudanças começam a ficar mais acentuadas, Javé e El
começam a ser identificados em muitas partes do antigo Israel, até que Javé assume
a posição daquele que preside o panteão. (1Reis 22.19)
Javé começa a ganhar prestígio entre os profetas e com o evento das invasões dos
povos dos impérios mesopotâmicos, torna-se cada vez mais necessária a presença
de um deus único que garantiria a coesão do povo.
A noção de família divina entra em colapso com as muitas guerras e invasões, surge
então uma visão de mundo monoteísta com base nos modelos de monarquia. O
povo então se vê sob os cuidados de um deus único que governa soberanamente os
impérios de todo o mundo.
Finalmente, o monoteísmo surge então como uma lente interpretativa onde noções
religiosas antigas são refratadas e reinterpretadas, proporcionando um sistema de
interpretação da realidade que continua em pleno desenvolvimento. Num perfeito e
rematado contraste com outros incontáveis santuários do Antigo Oriente Próximo,
com suas disposições ecumênicas de conduzir as relações internacionais por meio
da adoração dos deuses e dos símbolos dos aliados, o Templo de Jerusalém
permaneceu solitário.
Contrariamente ao estilo vigente, o rei Josias e seus líderes religiosos declaram que
a adoração aos ídolos estrangeiros eram a causa das desgraças que ocorriam em
Judá e iniciam uma enérgica campanha de purificação em todo o território do reino.
Dali em diante, o Templo de Jerusalém passou a ser reconhecido como único lugar
legítimo de adoração, visto que todos os santuários rurais também foram destruídos
e declarados fontes do mal. O monoteísmo nasce desta inovação.
O arqueólogo Israel Finkelstein3 observa que o monoteísmo surge ao mesmo tempo
em que as ambições políticas dos líderes de Judá cresceram, pois almejavam fazer
do templo de Jerusalém, o centro de um sonhado amplo reino pan-israelita.
Bibliografia
ALT, Albrecht. A Terra Prometida. Ensaios sobre a história do Povo de Israel. São
Leopoldo: Sinodal, 1987. 236p.
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos , vol I. São Leopoldo:
Sinodal, 2004. 320 p.
FOHRER, Georg. História da religião de Israel. Trad. Josué Xavier: São Paulo:
Academia Cristã / Paulus, 2006. 607 p.
3
FINKELSTEIN, Israel e Neil Ascher Silberman. A Bíblia não tinha razão. Tradução: Tuca Magalhães. São
Paulo. Editora Girafa. 2003. p14.
LAGE, Jovanir. As influências cananéias e dos povos vizinhos sobre a cultura e religião
de Israel. São Bernardo do Campo, 2009. 56 f. Dissertação (Bacharelado em Teologia)
— Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2009.
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. Teologia das tradições históricas
de Israel, Vol I. São Paulo: ASTE, 1973. 482 p.
SCARPI, Paolo. Politeísmos: As religiões do mundo antigo. São Paulo: Hedra, 2004.
245p.