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MIRANDA, José Augusto Ribas.

Brasil e Peru: análise comparada das estratégias de obtenção de


capital em Londres 1850-1880. 2017. 176 f. Tese (Doutorado em História) – Escola de
Humanidades, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

A análise da tese a seguir prostrada aparentemente se destina a duas questões: a primeira diz
respeito a um método comparativo de relações econômica entre países, o que concebe,
necessariamente, um conjunto de acepções amplas como, por exemplo, na noção geral de
negociações de um Estado-Nação com outro, em macroeconomia; a segunda, um recorte específico
que talvez tenha mais proeminência no decorrer cronológico da economia. Não que isso seja um
tipo de desvalorização da tese (jamais), o que seria criticar algumas considerações de grandes
historiadores, mas entender que o autor, logo na introdução, parte da premissa de um dado
concretizado posteriormente, qual seja as renegociações do período pós-guerra, para partir para seu
recorte analítico. Pode ser também, já que me coloquei a divagar, uma expressão das nuances
históricas de um dado: não se sabia o que poderia ocorrer e, assim, foi-se tomada decisão que levou
a uma posterior necessidade. Ainda há algo mais a acrescentar: compreende-se que há trajetórias
interligadas que podem ser analisadas (racionalizadas) através da pesquisa histórica, isto é, na
concepção de temporalidades (ala Braudel) que ultrapassem o mero detalhismo do factual. A
necessidade de obtenção de capitais para investimento na produção e desenvolvimento de uma
cadeia exportadora baseada na divisão internacional do trabalho aos moldes ditados pelo centro
capitalista (no contexto, a Europa) foi uma constante histórica para a América Latina e, neste caso,
pretende-se entender as estratégias de dois países para conseguir essas vantagens financeiras: Brasil
e Peru.
O recorte cronológico tem uma estruturação de longa duração, como já apontado. A
perspectiva de se estudar um fluxo de capitais em um determinado período nada mais parece ser que
uma ferramenta historiográfica para dar corpus ao interesse geral da tese que é compreender, ao
menos parcialmente, que há uma construção histórica de ligação entre as estratégias de recebimento
de recursos por meio do “investimento em títulos de dívidas ou ações de empresas listadas em
bolsas de valores” (p. 15) conectados à dinâmica do mercado global. Como afirmado, “a aplicação
deste capital no aparato produtivo ou no desenvolvimento social dos dois países está (…) para além
do escopo do presente trabalho” (p. 14), ou seja, não se quer conceber um entendimento do
direcionamento dos capitais recebidos, mas as formas de recebê-lo. Voltando ao recorte, baseando-
se em Carlos Marichal e as seis distintas fases da relação entre a região latina e o fluxo global de
capitais, na qual o autor apresenta quais são os recortes especificamente (resumindo: das
independências até 1850; de 1850 a 1890; de 1890 a 1914, primeira guerra; entreguerras;
reorganização global até a década de 1980; de 1980 até a primeira década do século XXI), quer-se
compreender uma das temporalidades (1850-1880) para o Brasil e o Peru. A escolha do período
baseia-se então em um momento de já consolidação das independências e em uma ávida inserção no
mercado global dos países da América Latina, já a comparação entre os dois países possui dois
motivos apresentados: o primeiro que extrapola as comparações mais triviais entre Brasil, México e
Argentina, as maiores economias; e também que se dá com “dois exemplos de sucesso” (p. 19), ou
seja, que conseguiram, a partir de possibilidades e estratégias divergentes, alcançar uma larga
receptividade do fluxo de capitais, revelando possibilidades comparativas pouco exploradas.
Os caminhos que o autor ressalta para a construção da tese, pensando metodologicamente,
são importantes de serem detalhados: primeiro que se baseia em um grande número de fontes como
publicações oficiais, revistas especialistas, cotações de mercado na bolsa de valores,
correspondências, artigos de jornal, guias financeiros e do Council of the Corporation of Foreign
Bondholders, associação de investidores britânicos em títulos estrangeiros. Para a compreensão
dessas fontes ele parte da estruturação textual em três capítulos que se interconectam (nada
diferente do que se espera de uma tese): primeiro analisar em como eram observados o Brasil e Peru
como “lugares de investimento, finanças públicas e estabilidade político-institucional” (p. 19). Com
isso, quer-se compreender a forma que se concebiam as possibilidades do fluxo de capitais a partir
das representações econômicas e políticas dos países (haveria investimento em contextos de crise
financeira e incapacidades governamentais?), nas diferenças que apresentavam ao investidor; o
segundo, de observar como os investidores observavam essas possibilidades. Aqui há um certo
destaque para as publicações financeiras, os jornais especializados e os dados oficiais dos Estados
na qual o autor afirma conceber uma “perspectiva do investidor” em lugar da propaganda oficial,
ressaltando, ainda, as semelhanças concebidas para os países comparados; o terceiro capítulo, em
uma análise geral de como a forma que os países eram entendidos em planos de investimento, em
diferenças numerais (1), e as perspectivas dos atores financeiros com relação a ambos e as
semelhanças que apresentam (2), baseando-se em estratégias diferentes de negociação e recepção de
capitais, isto é, o atendimento ao principal objetivo da tese.
Antes de partir para a tese, um destaque deste leitor: pouco tenho conhecimento (confesso)
de economia em seus âmbitos macro e micro. A maior parte das leituras que faço estão voltadas ao
social, cultural e político e o econômico acaba por ser um dos meus problemas. Isso não quer dizer,
todavia, que tratarei de relevar os dados econômicos que uma pesquisa apresente ou ainda que
ignore a importância da economia nas suas ações políticas, sociais ou culturais, mas destaco que
alguns problemas com termos técnicos e números gerais representam uma particularidade do leitor.
Espero conseguir superar parte dessas dificuldades no decorrer da leitura e adianto que qualquer
erro pragmático pertence a este que aqui escreve.
O primeiro capítulo apresenta, como destacado na introdução, uma concepção geral dos
estados e possibilidades de investimentos ante os países que se quer comparar. Essa concepção
passa, necessariamente, por entender um histórico de investimentos na América Latina e as
condições políticas do mesmo. O autor, assim, vai entender, primeiro, em como Londres (a City) se
forma como centro global de investimentos, a partir das ações do Council, dos pormenores que
envolviam a publicação inicial de um investimento, da análise financeira pelos especializados, seja
no Times ou The Economist, sempre destacando um certo modus operandi que envolvia os
conhecimentos econômicos, passando pela entrada da América Latina nas páginas de financiamento
e na abertura comercial das nações recém-libertas e entendendo o primeiro recorte de Marichal,
quando do default entre as independências e a década de 1850. Assim, Peru se demonstra como um
dos primeiros países a declarar a crise e a renegociar suas dívidas enquanto o Brasil Imperial
mantenedor de suas contratações, refletindo em uma disparidade notável entre ambos que se
observava nos perfis de investimento, inclusive, sendo os big players e os conservadores
(economicamente falando) mais próximos do investimento no Brasil e os arriscados, em busca de
maiores juros e retornos a curto prazo, os que se debruçavam sobre o Peru. A análise, ainda,
perpassa compartimentações das publicações especializadas em três pontos: Espaços e
Infraestrutura; Finanças; e Instituições.
O primeiro se fixa aos termos geográficos e de estabilidade estrutural, na qual, em tempos
anteriores à construção do Canal do Panamá, referenciavam uma importante questão a ser levada
em conta, ou ainda na possibilidade da construção ferroviária em montanhas andinas ou litorais
brasileiros. Outro ponto ainda era a capacidade comunicativa que, no período, era referenciada
pelos telégrafos; as Finanças, por outro lado, buscava compreender a capacidade de pagamento e
riscos que o país apresentava. O Brasil aportava boa parte dos investimentos em possibilidades
rentáveis que levavam a uma expansão do financiamento da dívida para empreitadas estatais e a
maior parte dos empréstimos advinham da compra de títulos de dívida pública. Já o Peru buscava
capitalizar as dívidas através da expansão do guano como produto valorizado no mercado exterior.
A utilização dessa estratégia acabou por render boa parte da dependência financeira do capital
externo, representado pela dívida contraída pelo Estado para sanar empréstimos; em termos de
instituições, diferenças acentuadas também podem ser encontradas. Enquanto o Brasil representava
um processo menos traumático e relativamente estável, o qual dissidências políticas representavam
mais estabilidade e controle dos setores civis ao Império, além do controle territorial continental, o
Peru era representado pelo caos político. Guerras, disputas revolucionárias, alternâncias constantes
de governos ou promulgações de leis e constituições eram notadamente percebidas e marcadas na
cultura política militarista, com governos advindos desse estrato belicoso. Ou seja, os países
demonstravam perfis divergentes de confiança e estabilidade que eram traduzidos em números, em
lucros e aportes financeiros. Não que todas as diferenças notadas sejam representadas apenas nesses
motes, mas estes eram importantes figuras nas publicações especializadas.
Há sempre uma relação entre as comparações apontadas com um contexto externo de
globalização (confuso tal termo para este momento, mas tem como único objetivo entender a
expansão para diversas partes do globo) da economia liberal financeira e especulativa. Se no
primeiro momento (capítulo) percebe-se uma formulação/estruturação dos países latinos ante os
processos de independência e seus reflexos no mercado internacional, no segundo percebe-se uma
condicionante expansiva do padrão ouro (na libra) e no aumento dos preços das commodities, o que
representava um momento de expansão comercial e econômica, além de demográfica. Seguindo a
mesma estrutura textual, percebe-se, depois de uma investigação contextual, a apresentação das
formas, mecânicas e dinâmicas dos mercados financeiros aos acontecimentos históricos, um modus
operandi que refletia a dinâmica financeira.
Algumas proximidades, portanto, podem ser percebidas pelos países comparados: a primeira
diz respeito à recepção de fluxos de capitais a partir de investimentos externos. Peru representava
31% do recebimento de capitais de toda a América Latina e o Brasil, 18% (p. 69). O aumento no
preço das commodities que refletiam uma integração definitiva da região ao comércio global
demonstravam solidez para a recepção de investimentos. O uso de estratégias financeiras diversas
(como o autor afirma que apresentará no terceiro capítulo) demonstram, todavia, as possibilidades
ante os produtos primários tão buscados pelo ocidente. Assim, o autor elenca algumas
características aproximativas como o fez no primeiro capítulo: Balanças comerciais e oferta de
crédito, na qual um constante superávit com ponto de inflexão em 1859 fornecia possibilidades
ascendentes de recebimento de recursos pautados em dois produtos expressivos, o café e o guano
(praticamente monopolizado no case daquele e efetivamente neste em relação ao período tratado),
diferentemente de outros países latinos, como Argentina, Chile, Colômbia e México; a força e
expressividade dos capitais estrangeiros, na recepção dos empréstimos (como apontados na p. 69) e
como posição privilegiada na venda de títulos de dívida pública eram semelhanças notáveis entre os
dois países que se refletiam na solidez do negócio e nos juros cobrados sobre os títulos ou nos
spreads (risco-país). Assim, ambos os países refletiam uma certa proximidade quando estabelecidos
estes critérios o que levaram ao posicionamento do objetivo da tese: por qual motivo?
Para entender esse processo (apontado no decorrer do capítulo 3) o autor novamente vai
seguir a linearidade de apresentação, partindo de um contexto econômico para posterior
particularidades, no caso as estratégias dos países estudados. Assim, compreendendo o contexto o
autor afirma que foi possível a expansão do crédito e a preferência pela compra de títulos de dívida
pública por parte dos investidores britânicos na década de 1870 por três motivos: o primeiro foi a
influência dos investimentos em ferrovias para o esgotamento da compra de títulos de dívida de
empresas/privados; a quebra/falência da Overend, Gurney & Co em 1866; o aumento da
competitividade financeira em Londres, centro comercial do globo; que fizeram o mercado de
títulos ter um boom a partir de 1870 até a década de 1890, representando até mesmo uma nova
moeda ante o padrão ouro. Além disso, o autor ainda destaca em como há uma mudança no quadro
financeiro com leis mais amplas de participação no mercado e abertura de bancos de capital aberto.
No entanto, toda essa estrutura passava ainda por uma dinâmica que envolvia corrupção, sedução,
jantares e o papel de diplomatas, banqueiros, investidores, capitalistas e até mesmo almirantes.
Para o caso brasileiro (pensando na investigação das estratégias), o autor apresente três
elementos centrais, além do contexto que envolve a integridade dos pagamentos pelo governo
central e o aumento da exportação e do lucro sobre o café: o arranjo interno estável com o controle
financeiro da dívida; a parceria com grandes casas/bancos, principalmente os Rothschild; a atuação
de Francisco Inácio de Carvalho Moreira, Barão de Penedo, ministro do império brasileiro e
responsável pelos acordos de empréstimos.
Com relação ao primeiro, percebe-se um arranjo institucional pautado na própria
Constituição de 1824 que delegava ao legislativo o controle sobre as solicitações de empréstimos e
os pagamentos da dívida. Também, em 1827, a própria Câmara criou a Junta Administrativa da
Caixa de Amortização, um tipo de “conselho para fiscalizar o serviço da dívida interna e externa”
(p. 123). Por isso boa parte dessa dívida era controlada pelos setores internos, o que garantia tanto o
controle financeiro do Estado, até mesmo na estabilidade cambial da moeda ante a libra esterlina,
quanto a manutenção dos pagamentos e da continuidade da presença brasileira na city; o segundo, a
histórica ligação com os Rothschild, acabavam por lograr de enorme credibilidade as vendas de
títulos brasileiras. O banco era conhecido por sua confiança internacional e “selo de qualidade” que
raramente se fazia inviável/rentável. Assim, a ligação de mais de sessenta anos demonstrava a
credibilidade do Brasil e dava lucros aos negócios dos Rothschild; Francisco Inácio de Carvalho
Moreira foi embaixador do Império em Londres de 1855 a 1889, participando de boa parte das
negociações e demonstrando habilidade mesmo em momentos de rompimento das relações
diplomáticas e nas dificuldades do período de guerra (Tríplice Aliança).
Diferentemente do Brasil, o Peru seguiu um outro caminho e outras estratégias, pois não
tinha a credibilidade brasileira após o default de 1825 e a volta aos centros londrinos somente em
1849. Todavia, três elementos também foram centrais para os peruanos: o papel do guano como
garantia do serviço da dívida, na qual o histórico ruim do Peru acabou por fazer com que a
exploração do guano se atrelasse a empresas britânicas, em especial na figura de Gibbs e na
expressividade que o fertilizante adotou para a produção agrícola; a troca de bancos que
subscreviam os papéis a partir do uso estratégico do guano como prêmio com o fim do contrato com
Gibbs e, portanto, a entrada de novos atores que fossem, num primeiro momento nacionais e
posteriormente pertencentes aos centros financeiros da Europa, como foi com Dreyfus; e a
utilização de relatórios dos depósitos de guano para buscar elevar a cotação dos papéis, já que a
commoditie demonstrava, assim, abundância que daria carga a grandes empréstimos. Nada mais que
uma boa estratégia por parte do governo que via a cada nova descoberta uma valorização de seus
títulos, fomentando uma ilusória capacidade produtiva do guano. De toda forma, percebe-se a
centralizada arrasadora do fertilizante para o mercado financeiro (possivelmente mais até mesmo
que os aparatos institucionais) e toda a formulação do mesmo como garantia para os empréstimos.
A importância do guano como produto monopolizado pelo Peru acabou por se demonstrar
fundamental na etapa de consolidação de seus empréstimos como país mais receptivo aos mesmos.
Como conclusão, percebe-se o sucesso de ambos os países na capitação de recursos
financeiros por meio de diferenças marcantes, semelhanças principalmente produtivas e estratégias
financeiras bastante diversificadas. O grande destaque da conclusão é o que havia notado e
destacado no início do capítulo dois e três: o uso de um recurso estrutural para a construção do
texto, envolvendo apresentação do contexto por meio do decorrer das análises elaboradas. Essa
estrutura levou a uma não linearidade monolítica, nas palavras do autor, o que representou uma
forma marcante de montar o texto e a tese como um todo.

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