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Tayó tem 6 anos. É uma menina de beleza rara.

Encantadora, sua alegria contagia a todos que perto


dela ficam.
Seu rosto parece uma moldura de valor, que
destaca belezas infinitas .
Seus olhos são negros , tão negros como
as mais escuras e belas noites que do alto miram com
ternura qualquer ser vivo.
Do fundo desses olhos escuros saem faíscas de um
brilho que só as estrelas são capazes de emitir.
Seu nariz parece mais uma larga e
valiosa pepita de ouro .
Grossos e escuros como o orobô,
seus lábios encantam, só se movendo
para dizer palavras de amor .
Sobre a cabeça, a parte do corpo de que ela mais
gosta, ostenta seu enorme cabelo crespo, sempre com
um penteado chamado black power .
Seu penteado faz o maior sucesso, porque Tayó
costuma escolher os enfeites mais divertidos.
− Mamãe, hoje quero meu black power
repleto de florzinhas.
E lá se põe a mãe a procurar florzinhas para
enfeitar o penteado da filha.
− Mamãe, hoje quero meu black power
repleto de borboletinhas .
E lá se põe a mãe a procurar borboletinhas para
enfeitar o penteado da filha.
− Mamãe, hoje quero meu black power
com uma tiarinha de tranças feitas com fios de lã
coloridos, arrematada com uma linda flor.
E lá se põe a mãe a trançar seus cabelos com fios
de lã, para enfeitá- los com uma belíssima flor
colorida .
O black power de Tayó é enorme ,
do tamanho da sua imaginação. Ela ama tanto os
bichos, a natureza, os alimentos, as pessoas e os
planetas que, por vezes, projeta todo esse universo
em seu penteado.
Bem- humorada, quando seus colegas de classe dizem
que seu cabelo é ruim, ela responde:
− Meu cabelo é muito bom porque é
fofo, lindo e cheiroso. Vocês estão com dor de
cotovelo,
porque não podem carregar o mundo nos cabelos
como
eu posso.
Quando retorna para casa pensativa com toda a falta
de
gentileza de seus colegas, Tayó projeta em seu
penteado,
mesmo sem se dar conta disso, todas as memórias do
sequestro dos
africanos e das africanas, sua vinda à força para o
Brasil nos navios
negreiros, os grilhões e correntes que aprisionavam
seus corpos.
Tudo isso está bem guardadinho lá no fundo da sua
alma.
Mas, quando recupera seu bom humor, é capaz
de transformar todas as lembranças tristes em
pura alegria, projetando em seu penteado todos os
sons e cores alegres das tradições que negros e negras
conseguiram criar e preservar, como as danças, os
jogos, as religiões de matriz africana, as brincadeiras,
os cantos, as contações de histórias e todos os saberes,
demonstrando que nem correntes nem grilhões
conseguiram aprisionar a alma potente dos
seus antepassados .
Incrível mesmo é Tayó . Nem enquanto dorme
seu penteado fica desabitado. Por vezes, ele é
povoado por seus ancestrais, os zelosos orixás ,
que a protegem e não a deixam se esquecer de
que é descendente da mais nobre casta real
africana .
Quando amanhece, Tayó acorda com uma
alegria capaz de contagiar toda a cidade onde mora.
Seu corpo se ilumina. Olha para sua mãe, linda como
ela, e tem a certeza de que nasceu mesmo de uma
rainha .
Assim faz Tayó : todas as manhãs ela se levanta
da cama com a certeza de que é uma princesa
e, como de costume, projeta em seu penteado a mais
exuberante coroa de palha da costa,
búzios e ouro .
Tayó é o que todas as outras meninas como
ela são: princesas que vivem a carregar, sobre seus
penteados, suas coroas reais , mesmo que não
as vejam quando estão acordadas.
SER BELA E SER FELIZ
Não é por acaso que os cabelos black power têm o formato circular do
universo. A
circularidade é a base fundamental das culturas de matriz africana. Deixar os
cabelos
crescerem livres, soltos, redondos, harmônicos em todos os sentidos, foi a
forma encontrada,
na distante década de 1960, pela juventude afro- americana, e depois por
homens e mulheres
afros do mundo todo, de marcar sua identidade e o orgulho de sua origem
africana.
Mesmo tão pequenina, sem esses conhecimentos históricos, Tayó sente isso
– sentir é
muito mais profundo do que saber. E sente porque se espelha nos cabelos da
mãe, para quem
“ ser bela” é sinônimo de se reconhecer e de ser feliz. Para as pessoas
realmente felizes não há
limites na criatividade de “ brincar” com a própria beleza, tornando- a ainda
mais esplendorosa.

Sentir a necessidade de buscar outros padrões de beleza pode estar associado


a uma
insatisfação causada pelo desconhecimento de referências positivas em nossa
própria origem.

E o black power de Tayó é uma boa referência.


Tayó é uma princesinha que chega em forma de espelho para que outras
princesinhas se
mirem, se reconheçam e cresçam, cumprindo a única missão que nos foi
dada, ao virmos viver
neste planeta: a de sermos felizes.

Mais uma vez Kiusam de Oliveira nos presenteia com uma linda história de
princesa, como
aquelas que ela já contou e muitas outras que, certamente, nascerão da
criatividade e dos
conhecimentos dessa grande escritora, que, há muito tempo, também se
descobriu Tayó.
OSWALDO FAUSTINO, jornalista e escritor
glossário
Tayó: nome próprio africano ( iorubano) feminino e masculino que significa
“ da alegria”.
Orobô: fruto africano de gosto forte, parecido com uma castanha.
Black power: penteado que representa o povo negro, muito usado nos anos
1960, 1970
e 1980 nos Estados Unidos e no Brasil. Voltou a ter força em nosso país no
século 21.
Ancestral: nome que se dá, na representação da árvore genealógica, a um
antepassado/
ascendente morto há várias gerações.

Orixás: do original orisa . Ori = cabeça e sa = protetor. Orixá significa


protetor da cabeça.
Palha da Costa: fi bra de ráfia conhecida pelo nome original de ìko,
extraída de uma
palmeira chamada Igí- Ògòrò pelo povo africano.
Búzio: molusco aquático semelhante a um caracol de água. Na África, essa
concha serviu
como dinheiro por muito tempo. Transmite notícias do mar, além de ser
objeto sagrado, fonte
de notícias ligadas aos ancestrais.
Kiusam de Oliveira é artista multimídia, arte- educadora, bailarina,
coreógrafa e
contadora de histórias. Doutora em Educação e mestre em Psicologia pela
USP, tem ampla
experiência em sala de aula, da educação infantil ao nível superior.
Especialista nas temáticas
das relações étnico- raciais, de gênero, da corporeidade e do candomblé de
ketu, é ativista
do movimento negro há quase 30 anos. Sobre o tema, ministra cursos,
palestras, oficinas e
workshops em congressos e universidades em todo o país. Criadora e
diretora do programa
de rádio Povinho de Ketu – as africanidades brasileiras no ar , transmitido
pelas rádios públicas
nacionais, é bailarina e coreógrafa no show Tecnomacumba , de Rita
Ribeiro, e autora de
Omo- Oba: histórias de princesas ( 2009), recomendado pela FNLIJ/ 2010 e
selecionado para o
PNBE/ 2011.
Taisa Borges é natural de São Paulo, onde mora atualmente. Após cursar
artes plásticas
na capital paulistana, mudou- se para a França, onde deu continuidade aos
estudos de pintura
na faculdade de Beaux- Arts de Paris. No mesmo período cursou estilismo
no Studio Berçot.

De volta a São Paulo, desenvolveu desenhos de estamparia para diversas


confecções e para
sua própria marca, a “ Motivos Brasileiros”. Desde 2006 dedica- se à
ilustração. É autora de
cinco livros de imagem e um livro em HQ, Frankenstein em quadrinhos ,
que integra a coleção
Clássicos em HQ da Editora Peirópolis. Para conhecer mais o trabalho de
Taisa Borges, navegue
pelo site < taisaborges.com
>.
O MOVIMENTO BLACK POWER
Black power ( em português: poder negro) é um movimento surgido entre
pessoas
negras no fim da década de 1960, especialmente nos Estados Unidos, e que
propõe
orgulho racial e autonomia para os negros. O cabelo, como símbolo da
negritude, ganhou
força no padrão de penteado crespo, alto e arredondado, passando a se
chamar black
power, mesmo nome do movimento. Tanto homens como mulheres usam
esse penteado,
e o que era questão política hoje se tornou moda e sinônimo de atitude, sem
perder sua
característica básica de protesto e afirmação.
KIUSAM DE OLIVEIRA
Copyright © 2013 texto Kiusam de Oliveira
Copyright © 2013 ilustração Taisa Borges
Editora
Renata Farhat Borges
Editora assistente
Lilian Scutti
Produção gráfica
Alexandra Abdala
Assistente editorial
César Eduardo de Carvalho
Ilustrações e projeto gráfico
Taisa Borges
Revisão
Laura Moreira e Jonathan Busato
Impressão
Ipsis Gráfica e Editora
Editado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Editora Peirópolis Ltda.
Rua Girassol, 310F– Vila Madalena
05433- 000 – São Paulo – SP
tel.: ( 11) 3816- 0699
www.editorapeiropolis.com.br - vendas@editorapeiropolis.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP)
Angélica Ilacqua CRB- 8/ 7057

Oliveira, Kiusam de
O mundo no black power de Tayó / Kiusam de Oliveira;
ilustrado por Taisa Borges. - São Paulo: Peirópolis, 2013.
Il.; color.
Bibliografia
ISBN 978- 85- 7596- 309- 8
1. Literatura infantojuvenil I. Título II. Borges, Taisa
13- 0223 CDD 028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantojuvenil
AGRADECIMENTO
Para escrever uma história como esta, precisei percorrer caminhos com o
coração nos pés.

E caminhar com o coração nos pés não é fácil, você bem deve saber. Exige
um caminhar que
valorize a jornada épica de cada um, reconhecendo a si próprio como herói
ou heroína que
luta bravamente para manter- se firme diante de tudo e de todos.

É com o coração nos pés que pulso, agradecendo fontes cristalinas de


inspiração: crianças
adultas e adultos crianças que me impulsionaram de alguma forma nesse
sonho: Dona Erdi ( in
memorian ), Ciciá, Kayo Odê, Iasmin, Isabella, Jardel Coimbra, King Nino
Brown, Airton Santos
Pinto, José Geraldo Neres, Heloísa Pires Lima, Edleuza Ferreira A. Silva e
Oswaldo Faustino,
além de todas as crianças que compartilham seus conhecimentos comigo,
como educadoras
e aprendizes que são, e todas as vozes do outro mundo que povoam o meu
black power até
mesmo quando escrevo.
MISÃO
Contribuir para a construção de um mundo
mais solidário, justo e harmônico, publicando
literatura que ofereça novas perspectivas
para a compreensão do ser humano
e do seu papel no planeta.
A gente publica o que gosta de ler:
livros que transformam.
Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo,
Secretaria da Cultura, Programa de Ação Cultural 2012.
Disponível em ebook nos seguintes formatos:
KF- 8 ( ISBN 978- 85- 7596- 493- 4) e ePub ( ISBN 978- 85- 7596- 492- 7)
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