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5/5/2017 Sistematizando nosso ‘lusotropicalismo’?

Considerações acerca da pesquisa sobre África no Brasil – 2a parte | Africanidade

Sistematizando nosso
‘lusotropicalismo’? Considerações
acerca da pesquisa sobre África no
Brasil – 2a parte
2 de maio de 2014 Sem categoria ddfcarvalho
por Victor Miguel Castillo de Macedo

             Dando continuidade à reflexão iniciada no ano passado, acerca das correspondências, que
nossas (brasileiras) leituras sobre o continente africano, têm com o projeto político-epistemológico
de Gilberto Freyre, conhecido como o “lusotropicalismo” – passo a um breve exercício analítico.

Na primeira parte desta reflexão, me dediquei a evidenciar – ainda que de forma mais ou menos gros-
seira – o que estava em jogo, quando se formularam as bases da política africana no Brasil.  Bem su-
cedido ou não, creio que ficou ao menos clara, a participação do ideário que foi modulado e defendi-
do por Freyre, na criação de uma África a ser compreendida e com papéis claramente definidos na
projeção do que seria (ou é atualmente) o Brasil. Partirei de um plano mais abstrato desta discussão,
pois já não pretendo, como o fez brilhantemente Jerry Dávila, explorar a influência do pernambuca-
no, tanto entre diplomatas e  intelectuais defensores do parentesco português, como entre aqueles
que reivindicavam os laços brasileiros com países africanos recém independentes. Será tomando jus-
tamente esta leitura de Dávila, enquanto uma premissa que desenvolverei o presente texto. Logo, se
a leitura de diplomatas e intelectuais brasileiros sobre o continente africano, é mediada por uma in-
terpretação do Brasil, é a ela que me volto. Ou como afirma Jerry Dávila “Os visitantes brasileiros
olhavam para a África e viam o Brasil”. (DÁVILA, 2011 p.15).

Se o ponto de partida é a lente da identidade brasileira ou a sua persistência, cabe usar um pouco
deste espaço dedicado a assuntos do continente africano, para exorcizar mais uma vez, o fantasma
da brasilidade. O ponto mais polêmico da compreensão lusotropicalista, para os diversos pensadores
brasileiros que discordaram de suas teses, foi especificamente a afirmação, ao longo das obras de
Freyre, de uma “democracia étnica” existente no Brasil. Esse tipo de democracia, era resultante, espe-
cialmente, da ação do homem branco português, ou o senhor de engenho. Os cadinhos de cultura –
negro, branco e indígena – tanto sob a leitura de Freyre, como sob a leitura de seus críticos (entre eles
Sérgio Buarque de Holanda, Roberto da Matta e Florestan Fernandes) foram termos de uma equação
que receberam diferentes valores. Se para Freyre, somente a herança indígena teve menor valor, em
Buarque de Holanda a cordialidade portuguesa é sinal de nosso atraso. No entanto, não se trata de
resumir as complexas análises de tais autores, senão evidenciar, sobretudo no caso de Buarque de
Holanda, Freyre e da Matta, que estas interpretações do Brasil, compõem também uma espécie de
“senso comum refinado”.  O único otimista (Freyre), era assim por encontrar nas relações muito próxi-
mas, porém hierárquicas, entre negros e brancos a especificidade brasileira (assumidamente conser-
vadora). O pessimismo de Buarque de Holanda, residiu (segundo leitura de Jessé Souza (SOUZA,
2001, p.78)) numa frustração análoga à de Max Weber com a falta de racionalismo ou protestantismo
ascético, na Alemanha de seu tempo. Ou melhor, a cordialidade em demasia que justificaria o atraso
brasileiro. Da Matta, chega a conclusões semelhantemente pessimistas, através de um distinto cami-
nho (Através das noções de indivíduo e pessoa, inspirado principalmente por Louis Dumont, nas
obras “Carnavais, malandros e heróis” e “Relativizando”).

A África (des)caracterizada nessas leituras tem espaço e papel delimitado. Ora ela é a contribuição
que nos trouxe a “plasticidade” do homem negro, com temperos, gostos e submissão, “tipicamente
africana”. Ora ela é o extrato que deu origem aos excluídos da modernização brasileira. Vê-se operar
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5/5/2017 Sistematizando nosso ‘lusotropicalismo’? Considerações acerca da pesquisa sobre África no Brasil – 2a parte | Africanidade

uma lógica, no interior do nosso discurso de identidade, na qual uma África substancializada, opera
sempre entre a positividade subalterna e a negatividade central. Em alguns momentos é a ancestrali-
dade, em outros (que ocorreram principalmente nos anos 1950 e 1960) o modelo de relações raciais –
democracia racial, ou de mistura que devemos mostrar aos africanos. E me parece ainda, que essa
mesma lógica, orientou também a posição relegada aos países do continente africano, nas relações e
projeções econômicas do governo brasileiro. Nesse ponto seria possível incorporar outra reflexão de
Souza, presente no livro “A ralé brasileira”. Mais especificamente em relação ao que o autor chama de
“mito São Paulo” – a construção ideológica simetricamente oposta ao “mito Brasil”. Essa versão de
um Brasil economicamente desenvolvido e cujo o Mercado tem uma relevância primordial sobre o
Estado, baseia sua gênese numa suposta analogia que a ação dos bandeirantes – durante a consoli-
dação do território brasileiro – teria com aquela dos protestantes na história estadunidense. Seria ne-
cessário aqui, um mergulho mais profundo nas teses de Souza, para propor efetivamente a possibili-
dade de uma sociologia dos princípios de expansão dos mercados brasileiros em África.

Penso que as questões as quais chamo a atenção aqui são relevantes para todos nós, brasileiras e
brasileiros, que pesquisamos realidades dos países africanos. Atentar para esse confortável lugar de
fala, em que não somos nem plenamente imperialistas, nem tampouco os pobres colonizados, não é
uma tarefa simples. É um exercício constante de questionamento das bases do nosso conhecimento,
e mesmo das linhas teóricas que compõem a nossa formação – especialmente no âmbito de nosso
blog e grupo de pesquisa, formado por historiadores, jornalistas, cientistas sociais e internacionalis-
tas, entre outros. Cuidando especialmente, para que em nossos estudos, não prevaleça o olhar brasi-
leiro (muito menos o dos organismos internacionais), senão, uma postura de compreensão e diálogo,
com as falas e leituras (múltiplas) de intelectuais e dos povos do continente africano.[2]

Na terceira e última parte desta reflexão, abordarei situações de minha própria pesquisa, mantendo
como ponto de partida a questão do olhar orientado pelo “mito Brasil”. No entanto, abrirei mão do
complexo constructo de Jessé Souza, para tomar como base a leitura empreendia por Lorenzo Ma-
cagno, a respeito da retórica de nação, quando se relacionada com o continente africano.

Referências:

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 3aed.
Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981.

DÁVILA, Jerry. Hotel Trópico. O Brasil e o desafio da descolonização Africana 1950-1980. Paz e Terra:
2011.

SAGGIORO GARCIA, Ana; KATO, Karina; FONTES, Camila. A história contada pela caça ou pelo caçador?
Perspectivas sobre o Brasil em Angola e Moçambique. Rio de Janeiro: PACS. Disponível em:
http://www.pacs.org.br/2013/03/08/pesquisa-do-pacs-sobre-a-relacao-brasil-africa-a-historia-conta-
da-pela-caca-ou-pelo-cacador-perspectivas-sobre-o-brasil-em-angola-e-mocambique/.

https://grupoafricanidade.wordpress.com/2014/05/02/sistematizando-nosso-lusotropicalismo-consideracoes-acerca-da-pesquisa-sobre-africa-no-brasil-2a-parte/ 2/4
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SOUZA, Jessé. Elias, Weber e a singularidade cultural brasileira. In.: WAIZBORT, Leopoldo (Org.) Dos-
siê Norbert Elias. 2aed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, pp.63-89.

_________, Jessé. A sociologia dual de Roberto Da Matta: Descobrindo nossos mistérios ou sistemati-
zando nossos auto-enganos? In.: Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol 16. N°45,2001,pp.47-67.

__________, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

[1] Na primeira parte – publicada em 30 de novembro de 2013, e disponível em: https://grupoafricani-


dade.wordpress.com/2013/11/30/sistematizando-nosso-lusotropicalismo-consideracoes-acerca-da-
pesquisa-sobre-africa-no-brasil-1a-parte/ – faltou-me explicar que o título desta reflexão é inspirado
no texto de Jessé Souza,  “A sociologia dual de Roberto da Matta: Descobrindo nossos mistérios ou
sistematizando nossos auto-enganos?”.

[2] Para um estudo acerca da expansão de empresas brasileiras nos PALOPs, ver: SAGGIORO GARCIA,
Ana; KATO, Karina; FONTES, Camila. A história contada pela caça ou pelo caçador? Perspectivas sobre
o Brasil em Angola e Moçambique. Rio de Janeiro: PACS. Disponível
em:http://www.pacs.org.br/2013/03/08/pesquisa-do-pacs-sobre-a-relacao-brasil-africa-a-historia-
contada-pela-caca-ou-pelo-cacador-perspectivas-sobre-o-brasil-em-angola-e-mocambique/. Acesso
em 15 de março de 2013.

https://grupoafricanidade.wordpress.com/2014/05/02/sistematizando-nosso-lusotropicalismo-consideracoes-acerca-da-pesquisa-sobre-africa-no-brasil-2a-parte/ 3/4
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