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BIOÉTICA E SAÚDE
PÚBLICA NO NORDESTE
BRASILEIRO:
DILEMAS E PERSPECTIVAS

3
DIREÇÃO EDITORIAL: Willames Frank
DIAGRAMAÇÃO: Willames Frank
DESIGNER DE CAPA: Willames Frank

O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são


prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e
exclusiva responsabilidade de seu autor.

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da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR

2020 Editora PHILLOS ACADEMY


Av. Santa Maria, Parque Oeste, 601.
Goiânia-GO
www.phillosacademy.com
phillosacademy@gmail.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S245p
NASCIMENTO. Ermano,

Bioética e saúde pública no nordeste brasileiro: dilemas e perspectivas.


[recurso digital] / Ermano Rodrigues do Nascimento. – Goiânia-GO: Editora
Phillos Academy, 2020.

ISBN: 978-65-87637-72-5

Disponível em: http://www.phillosacademy.com

1. Bioética. 2. Nordeste Brasileiro. 3. Ética. 4. Cultura Nordestina.


5. Educação. I. Título.
CDD: 170

Índices para catálogo sistemático:


Ética 170

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ERMANO RODRIGUES

BIOÉTICA E SAÚDE
PÚBLICA NO NORDESTE
BRASILEIRO:
DILEMAS E PERSPECTIVAS

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Direção Editorial
Willames Frank da Silva Nascimento

Comitê Científico Editorial

Dr. Alberto Vivar Flores


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Drª. María Josefina Israel Semino


Universidade Federal do Rio Grande | FURG (Brasil)

Dr. Arivaldo Sezyshta


Universidade Federal da Paraíba | UFPB (Brasil)

Dr. Dante Ramaglia


Universidad Nacional de Cuyo | UNCUYO (Argentina)

Dr. Francisco Pereira Sousa


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Dr. Sirio Lopez Velasco


Universidade Federal do Rio Grande | FURG(Brasil)

Dr. Thierno Diop


Université Cheikh Anta Diop de Dakar | (Senegal)

Dr. Pablo Díaz Estevez


Universidad De La República Uruguay | UDELAR (Uruguai)

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ABREVIATURAS

ACS – Agente Comunitário de Saúde


AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AZT – Coquetel anti-viral para controle da AIDS
CAPES – Coordenação de Pessoal de Nível Superior
CB – Corpo de Bombeiros
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CFM – Conselho Federal de Medicina
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNM – Conselho Nacional de Medicina
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
COFEN – Conselho Federal de Enfermagem
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CRMs – Conselhos Regional de Medicina
DGGT – Diretoria Geral de Gestão do Trabalho
DST – Doença Sexualmente Transmitida
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária

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ENADE – Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
ESF – Estratégia Saúde da Família
FAMEMA – Faculdade de Medicina de Marília
GT – Gerente de Território
IBGE – Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística
IDEB – Índice de desenvolvimento da Educação
Básica
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IFET – Instituto Federal de Ciência, Educação e
Tecnologia
Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB – Lei de Deretrizes de Base
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
MAIS – Movimento de Aprendizagens Interativas
MCS – Meios de Comunicação Social
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MGF – Mutilação Genital Feminina
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

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MS – Ministério da Saúde
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONGs – Organizações Não-Governamentais
OP – Orçamento Participativo
PAISE – Projeto de Assistência Integral à Saúde do
Escolar
PBE – Programa Bolsa Escola
PBC – Benefício Assistência de Prestação
Continuada
PBS – Programa Brasil Sorridente
PCSE – Projeto Cesta Saúde Escolar
PDE – Plano de Desenvolvimento Escolar
PDR – Plano Diretor de Regionalização
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil
PFZ – Projeto Fome Zero
PIB – Produto Interno Bruto
PMA II – Produção Mensal de Atendimento
PNSE – Programa Nacional de Saúde Escolar
PNTE – Programa Nacional de Transporte Escolar

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PSF – Programa Saúde da Família
PROUNI – Programa Universidade para Todos
RMR – Região Metropolitana do Recife
RPA – Regiões Político-Administrativas
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SESAN – Secretaria de Saneamento
SUS – Sistema Único de Saúde
THD – Técnico de Higiene Dentária
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................12
Anderson de Alencar Menezes

INTRODUÇÃO ...................................................................... 16
NORDESTE BRASILEIRO: CARACTERÍSTICAS
SOCIOCULTURAIS ............................................................. 26
1.1 A cultura nordestina: o patrimônio familiar do povo 27
1.2 Cultura, saúde e doença: crenças e comportamentos36
1.3 Religião e saúde: os caminhos que curam.................... 44
A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO NORDESTE
BRASILEIRO .......................................................................... 70
2.1 A educação no Nordeste: trajetos e percursos............ 71
2.2 Escola e formação da consciência crítica e
democrática............................................................................. 77
2.3 A dimensão ecológica da educação: cidadania e
práticas de saúde .................................................................... 93
ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO NORDESTE
BRASILEIRO ........................................................................ 101
3.1 Políticas locais de saúde: realidades e desafios ........ 104
3.2 Educação e saúde: que integração? ............................. 145
3.3 Os cuidadores informais como mediadores .............. 150
3.4 Da ética utilitária à ética do cuidado ........................... 157
3.5 Ética de assistência e políticas da mediação: uma
leitura crítica ......................................................................... 166
3.6 Pensar a ética no cuidar ................................................ 175
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FORMAÇÃO EM SAÚDE: POLÍTICAS
E ATORES ............................................................................. 187
4.1 Que atores se colocam em jogo? ................................ 190
4.2 Formação científica e ética dos profissionais de saúde
200
4.3 Da formação em exercício à capacidade de
intervenção ........................................................................... 211
4.4 O cuidado como fruto de hominização .................... 214
REFERÊNCIAS ................................................................... 222

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APRESENTAÇÃO

Tenho a honra e o grande prazer de apresentar a obra


do Professor Doutor Ermano Rodrigues do Nascimento, da
Universidade Católica de Pernambuco. Tenho vários motivos
para fazê-lo de forma muito reconhecida e sensível. Trata-se
de um humanista convicto de nossos tempos. Alguém que
durante toda a vida acadêmica, pessoal e profissional revelou
em suas atitudes as escolhas mais genuínas da existência.
Ermano Rodrigues é um humanista convicto dos
nossos tempos, pois a sua vida é marcada por princípios ético-
filosóficos e educativos que sempre o inspiraram na busca da
verdade, do belo e do justo. Notamos sempre nele o desejo
latente de buscar a construção do coletivo. Seu distintivo
maior se reflete na sua rica personalidade. Muito discreto nas
coisas que realiza, sempre procurou fazê-las da melhor forma
possível, com a maior exatidão e nobreza possível.
Esta obra que veio a lume é o desejo do referido autor
para no âmbito de suas pesquisas, refletir sobre tema tão
capital e hodierno. A presente obra de Ermano Rodrigues que
versa de forma muito original sobre Bioética, que é um dos
temas muito caros de suas pesquisas, nestes últimos anos,
reflete as suas preocupações centrais com uma epistemologia
do cuidado em oposição às epistemologias utilitaristas que
povoam o mundo da saúde na contemporaneidade.
A obra parte de uma perspectiva local, parte do
Nordeste do Brasil para se pensar as condições da saúde
pública num contexto de precarização e vulnerabilidade
social. O livro problematiza o Nordeste Brasileiro tão
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amordaçado por políticas neo-liberais e com cortes
fortemente capitalistas. A preocupação central é pensar este
contexto nefasto a partir da interface entre Ética e Bioética, o
que o referido autor o faz de forma densa e magistral. Sem
perder as palavras, os conceitos e os contextos, o livro nos
interpela sobre o princípio último que é a vida humana na sua
integridade e inviolabilidade.
A concepção central da obra passa pelo Cuidar que faz
frente às todas as formas de assistencialismos que
impulsionam subalternizações, sobretudo da vida pública à
vida privada. A proposta do livro é pensar de forma profunda
o Ethos (morada) entendida aqui como a morada em que
habita o ser.
O livro tem muito a nos dizer e interrogar neste
contexto de Covid-19. Pois, nos alerta sobre os nossos estilos
de vida e hábitos guiados por uma relação mecânica com a
natureza e com os outros seres que habitam o planeta.
Interessante observar que os gregos distinguiam bem, bíos e
zoé. Para os gregos, zoé era a vida (vegetal, animal e mineral),
ao passo que Biós, era a vida humana de modo específico. Isto
para dizer que a pandemia atinge toda a vida no planeta, ou
seja, toda a vida é digna de existir e de se perpetuar.
No âmago desta questão a obra se reveste de grande
atualidade e nos provoca uma reflexão em tempos de
pandemia que atingiu todo o Planeta. É um momento de
repensar a partir da interface entre Ética e Bioética quais vidas
estão sendo relegadas, desprezadas e excluídas. Esta é a linha
metodológica proposta pelo livro, trata-se de uma
epistemologia do olhar próximo, cuidadoso e compassivo no

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contexto da saúde pública do Nordeste Brasileiro tão
esquecido pelos poderes públicos.
A obra de Ermano Rodrigues é marcadamente uma
obra para a posteridade, pois no seu bojo apresenta a
implacável defesa da vida no Planeta. Toda a vida tem direito
de ser vivida em sua plenitude. É o desejo de Ermano que se
materializa em obra tão especular e sublime.
Com apreço,

Prof. Dr. Anderson de Alencar Menezes


Professor do Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Federal de Alagoas.

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INTRODUÇÃO

“É preciso que quem sabe saiba,


sobretudo que ninguém sabe tudo e
que ninguém ignora tudo. Ninguém
sabe tudo, todos nós sabemos
alguma coisa, todos nós ignoramos
alguma coisa, por isso aprendemos
sempre”.
Paulo Freire (1975)

Esta Pesquisa teve início no momento em que


surgiram algumas dúvidas relacionadas com a ética, a bioética,
a saúde e, principalmente a saúde pública. Não se tratava de
um conjunto de questões filosóficas, mas interrogações
ligadas ao quotidiano, onde a família, os profissionais da
educação e os profissionais de saúde constroem o seu
processo de socialização. Colocamo-nos a nós próprios
algumas questões: o que é bioética? O que significa saúde e
saúde pública, especificamente no contexto do Nordeste
brasileiro? Qual a causa de tantas carências sentidas pelo ser
humano nesta região? Há vontade política dos gestores
públicos em investir na saúde e na educação? Que dificuldades
se colocam a este nível? Em que medida a formação contribui
para a consciencialização dos cidadãos em matéria dos seus
próprios direitos? Como podem as pessoas tornar-se atoras
de processos de mudança? Sabíamos que com esta pesquisa
não iríamos obter respostas para todas estas questões, mas
16
elas constituem-se um “pano de fundo”. E foi com toda esta
motivação que enveredamos por esta pesquisa, subordinada
ao tema: Bioética e Desafios de uma Política de Assistência à
Saúde no Nordeste Brasileiro, inserida no Curso de
Doutoramento em Ciências da Educação na Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
Porto.
Como se pode verificar, optamos pela ancoragem
numa perspectiva crítica, informada por olhares oriundos da
ética, da antropologia e da educação no contexto nordestino.
Equaciona-se a educação no sentido em que o fez Paulo
Freire, uma educação “Libertadora”, uma educação como
prática da liberdade. Talvez se tenha perdido esta perspectiva,
nos últimos anos, em detrimento de outras experiências
metodológicas. Numa sociedade em contínuo processo de
mudança, como a nossa, torna-se necessário uma educação
que crie ou desperte uma consciência crítica para a vida e para
a realidade em que o cidadão se encontra. É perceptível, nos
dias de hoje, uma tendência para o investimento no
conhecimento tecnicista, menosprezando outras áreas do
conhecimento relevantes para a formação do homem como
ser sociocultural. Uma destas vertentes é a formação de uma
consciência ética, uma reflexão voltada para os princípios
éticos e morais à luz da bioética – uma formação que ajude a
compreender o bem e o mal, com todo o relativismo que isto
implique.
O Nordeste brasileiro é uma região ampla e muito
complexa. Como não pretendemos generalizar os resultados
da nossa pesquisa a uma área tão vasta, centramo-nos num
local bem delimitado: Recife. Colocamos, no início da
17
pesquisa, a seguinte questão de partida: como constroem a sua
profissionalidade os agentes da saúde do Posto de Saúde da
Família Coelhos II e da Policlínica Gouveia de Barros? E em
que medida é que a educação para a saúde, dimensão da
prestação de cuidados de saúde, está na origem de uma
consciência crítica dos atores envolvidos, numa perspectiva
ética que tem em vista a promoção da qualidade de vida?
Estamos, pois, perante um estudo com dois casos
(multicasos), que abrangem não apenas o conjunto de
atividades que realizam, mas, também identidades,
disposições, razões, motivações, dimensões éticas e as
parcerias para os cuidados.
A bioética, que surgiu desde o início da década de 70,
abriu novas perspectivas para uma nova ética voltada para o
mundo da saúde, da natureza, da dignidade humana na ótica
da justiça e dos direitos e deveres do homem envolvendo a
saúde, o ecossistema e o biodireito, etc.. A partir daqui tem
sido possível apostar numa discussão ética consistente e
transferi-la para as esferas de poder, da educação e do estilo
de vida da sociedade – dir-se-ia, apostar numa ética global.
Partindo destas motivações, propomo-nos abordar os
desafios que se colocam na área da saúde e suas políticas no
Nordeste brasileiro, com implicação local. Está muito
presente para nós esta relação entre a ética na saúde e o
processo educacional. Estamos tratando de algo que envolve
o ser humano e especificamente os profissionais da saúde por
lidarem diariamente com pessoas, com utentes com o objetivo
de cuidar. Os profissionais da saúde como alvo da pesquisa
(estudo da sua profissionalidade), nos motiva a discutir as
dimensões da formação humana, da atuação do profissional
18
em seu quotidiano, da satisfação ou realização na profissão de
quem optou por ela e, finalmente, das motivações que
impulsionam, envolvem e solidificam os profissionais em suas
consciências a assumirem a causa nobre de cuidar da saúde
(promover a saúde e tratar a doença).
Dividimos, como se verá, o trabalho em duas partes.
A primeira parte tem como tema central a saúde, a ética e a
formação no Nordeste Brasileiro, no sentido da desocultação
da realidade que nos propomos abordar. Para melhor
entendermos esta realidade vamos desenvolver questões que
se relacionam com o Nordeste Brasileiro e suas características
socioculturais, com enfoque histórico e sociocultural, onde se
torna necessário abordar algumas características relacionadas
com a educação e formação da família e dos cidadãos. É aqui
que entra a cultura nordestina: o patrimônio familiar do povo,
onde são salientados alguns aspectos interessantes da
formação social e cultural que envolve as tradições e as
relações interpessoais, designadamente das que emergem da
organização da estrutura familiar atual e do passado, de
tempos em que todos se tornavam próximos, se conheciam e
se ajudavam mutuamente. Um segundo ponto enfatiza a
cultura, a saúde e doença: crenças e comportamentos.
Abordamos também questões relacionadas com a criação do
sistema único de saúde, a perspectiva de vida e saúde anterior
e as perspectivas na atualidade. Outro tema aqui abordado é
o que relaciona religião e saúde: os caminhos que curam; a
presença amiga e familiar da benzedeira ou do curandeiro e os
rituais que envolviam e envolvem as práticas do misticismo e
do sincretismo religioso no Nordeste. Um quarto aspecto
consiste na influência que a cultura sofreu com a globalização
19
e com as interrogações éticas levando-se em consideração o
processo de aculturação política e econômica.
No segundo capítulo da primeira parte, investimos
numa reflexão sobre a educação e a escola no Nordeste
Brasileiro, abordando os seguintes aspectos: a educação no
Nordeste: trajetos e percursos; a escola e formação da
consciência crítica e democrática e a dimensão ecológica da
educação - cidadania e práticas de saúde. Estes aspectos nos
situam numa discussão mais voltada para a formação no
contexto social e para a sua relevância no despertar da
consciência cidadã do povo nordestino.
No terceiro capítulo voltamos à discussão sobre a
assistência à saúde no Nordeste Brasileiro. Pretende-se
caracterizar simultaneamente as políticas, as formas de
organização e as práticas de saúde. Equaciona-se a relação
entre os órgãos ministeriais do governo central e os Estados
e municípios. O objetivo principal consiste em mostrar quais
são as políticas do governo central a nível operacional. A
partir desses aspectos destacamos algumas políticas que são
desenvolvidas na cidade do Recife por ser esta uma cidade de
referência no desenvolvimento, na educação e na saúde no
Nordeste Brasileiro. Caracterizamos, a nível estatístico, o
Estado em termos populacionais e a quantidade de
profissionais de saúde existentes para a população. Damos
destaque, ainda neste capítulo, à questão da educação e da
saúde, analisando a formação e a ação ética do indivíduo na
sociedade à luz da bioética. Em seguida tratamos das relações
e papéis dos cuidadores informais como mediadores na
prática da saúde em contexto familiar. Concedemos um
destaque importante para a ética no quotidiano e a ética na
20
assistência. Analisamos no que consiste a ética na assistência
e as políticas da mediação, optando por uma leitura crítica.
Como último ponto desta terceira parte, tentamos construir
um espaço para pensar criticamente a ética no cuidar.
No que se refere à Formação em Saúde, começamos
por caracterizar os atores em jogo nos contextos de saúde.
Primeiro, o Agente Comunitário de Saúde onde destacamos
sua história e formação mais precisamente como uma
profissão reconhecida por lei federal. Em segundo lugar, a
figura do Enfermeiro como um dos principais agentes de
saúde em que destacamos sobre sua formação, sua atuação e
suas motivações como profissional preparado para o exercício
da saúde com uma intervenção própria e o objetivo de cuidar
das pessoas em situação de transição, aos três níveis de
prevenção. Por fim, abordamos a figura do médico como
elemento fundamental para a assistência em matéria de
cuidados de saúde. Enfocamos alguns fundamentos da
profissão, designadamente a nível da formação clínica e da
bioética.
Segundo diversos autores, o processo de formação
dos atores da saúde não dá muita ênfase à questão da
formação do espírito crítico; os métodos e conteúdos
abordados nos programas de formação se preocupam em
trabalhar informação de natureza técnico-científica,
marginalizando o aprofundamento de uma consciência crítica
(Loureiro e Miranda, 2010:153). Não se pode negar e
“...conhecer as situações do ponto de vista epidemiológico e
do sistema de saúde, o grau de satisfação das pessoas com os
serviços, o seu nível de literácia, os códigos e canais de
comunicação já estabelecidos, o caráter da sua intervenção na
21
vida política, social e ambiental” (Ibidem, 155). É a partir
desta reflexão que introduzimos outra dimensão no debate: a
importância da formação em exercício, a relevância de uma
ética assistencial para o desenvolvimento de práticas de
promoção da saúde e a importância do cuidado para a
promoção da dignidade humana, vista no contexto do
processo de hominização.
Na segunda parte do estudo definimos a metodologia
utilizada. Optamos por uma abordagem qualitativa, uma
referência para o questionamento e orientação empírica no
terreno. Optamos, como referimos anteriormente, pelo modo
de investigação estudo de caso (múltiplo). Orientamo-nos
fundamentalmente pelos estudos de Robert Yin e Bogdan e
Biklen. Os estudos de caso foram realizados em duas unidades
de saúde na cidade do Recife, com recurso à entrevista semi-
estruturada e observação participante. A primeira entrevista
aconteceu na Favela dos Coelhos onde está localizado um
Posto de Saúde da Família (PSF), Coelhos II. Neste ambiente
entrevistamos três Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e
três utentes que recebem acompanhamento e atendimento
sistematicamente neste PSF. Também fizemos a observação
neste ambiente. A segunda entrevista se deu na Policlínica
Gouveia de Barros no Pátio Santa Cruz, áreas de classe média
baixa em que foram entrevistados três enfermeiros e três
médicos. Após as entrevistas houve o momento da
observação não participante em ambos os contextos. Como
se verá, olhando para os dois casos trabalhamos áreas
comuns, mas também áreas específicas de cada um deles, na
medida em que eram fundamentais para compreender as duas
realidades.
22
Como referido anteriormente, a pesquisa de campo
envolveu duas técnicas. A primeira consistindo numa
entrevista semi-estruturada, com a qual foi possível adequar
as questões à realidade do entrevistado. Esta técnica de
entrevista favoreceu a uma maior abertura na relação com o
entrevistado, permitindo ultrapassar a timidez de algumas
pessoas que se limitaram a expressar taxativamente o
estritamente necessário em suas respostas. Uma segunda
técnica foi a observação não participante, que permitiu estar
por períodos significativos nos contextos, tanto em
momentos de movimentação mais intensa como em
momentos de maior acalmia.
No contexto da metodologia definimos as questões
orientadoras, explicamos a relevância do modo de
investigação escolhido (estudo de caso e comparação
multicasos); abordamos as técnicas de recolha e tratamento da
informação e identificamos os procedimentos de natureza
ética. Agora com mais pormenor, caracterizamos os
contextos, os casos e as dimensões em estudo. Todos esses
aspectos nos dão o suporte para descrever de forma
consistente os casos a partir de três aspectos importantes: o
quotidiano do Agente de Saúde no PSF em Recife; o
Enfermeiro na Policlínica Gouveia de Barros no Recife e a
relação simbólica que se constrói entre o paciente e o
profissional. Num terceiro momento desenvolvemos uma
análise centrada nas questões do cuidado, da formação para o
exercício da profissão e das questões éticas. Ao longo da
análise procedemos a processos de triangulação teórica para
melhor entendermos os contextos em estudo.

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Finalmente, tentamos construir respostas a uma
dúvida que formulamos: o sentido e o significado das
preocupações éticas e a sua incorporação nas práticas
assistenciais. Desejamos, no entanto, que esse trabalho possa
ser o começo de uma série de outros trabalhos a serem
desenvolvidos a partir deste pendor crítico, que possam
contribuir para o conhecimento humano e para a dignificação
e bem-estar das gerações futuras.
Um dos pressupostos deste estudo é que a saúde
depende também de outras políticas sociais. Formulamos o
desejo que os desafios hoje encontrados no Nordeste
Brasileiro possam ser solucionados com políticas públicas
viáveis como saneamento básico, habitação, alimentação,
educação básica eficiente com atividades que motivem os
estudantes e as pessoas em geral, pela busca do conhecimento,
gosto pelo estudo e pesquisa. Só é possível haver promoção
humana na educação e na saúde se houver vontade política e
empenho das famílias no processo de conscientização
permanente para a vida cidadã. Estes e outros estudos
poderão contribuir para identificar estratégias que clareiem as
ações pessoais e coletivas; que formem e habilitem
profissionais e cidadãos para lidar com os novos desafios.
Saber ouvir, observar, compreender a realidade e aceder à
informação que permita efetuar uma prática eficiente tanto na
educação quanto na saúde, são requisitos para toda a iniciativa
consistente (Cf. Loureiro e Miranda, 2010:269).
Contudo, não podemos esquecer que uma parte
significativa do sucesso das políticas sociais depende dos
envolvimentos dos políticos, da sua experiência e da sua
vontade de estar junto e ajudar as populações. Não sendo
24
possível a construção de uma sociedade igualitária, sabemos
que é possível contribuir para uma sociedade equitativamente
estruturada, solidária e sem tantos constrangimentos na
distribuição de recursos sem violência. Temos consciência
que muitas questões levantadas podem apenas ter relevância
a nível local, sem possibilidade de proceder a generalizações.
A Educação e a Saúde são dois pilares que sustentam
a organização e a estrutura de uma sociedade desenvolvida; a
ética pode valorizar e credibilizar estas duas realidades sociais,
no sentido da integração, da inclusão e da dignificação do ser
humano.

25
NORDESTE BRASILEIRO:
CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS

“Seu doutor os nordestinos têm muita


gratidão, pelo auxílio dos sulistas
nesta seca do sertão. Mas, doutor
uma esmola para o homem que é são
ou lhe mata de vergonha ou vicia o
cidadão”
Luiz Gonzaga e Zé Dantas –
Vozes da Seca (1953)

A Pesquisa sobre bioética e saúde centrada na


realidade do Nordeste brasileiro compreende o estudo das
políticas públicas para a saúde, a aplicação das mesmas no
sentido de serem ou não bem sucedidas levando-se em
consideração a formação intelectual, clínica e técnica do
profissional da saúde com sua respectiva prática social e
clínica tendo em vista a cura do utente. Por isto a motivação
de realizar um estudo multicasos envolvendo dois ambientes
que tratam da saúde popular. O primeiro trata do Posto de
Saúde da Família (PSF) na favela dos Coelhos II e o segundo,
trata da Policlínica Gouveia de Barros, bairro de classe média
baixa, ambos na cidade do Recife. Portanto, é com base nestes
dois casos que procuramos estudá-los e analisá-los para
melhor compreender a realidade tanto relativa à saúde quanto
relativa à educação no Nordeste brasileiro. Partimos deste
objetivo para podermos descrever aspectos essencialmente
constitutivos da sociedade em sua formação e
26
desenvolvimento histórico, religioso, cultural, político e
econômico na construção da sociedade.
Nesta perspectiva iniciamos a pesquisa com os
enfoques históricos e sociocultural onde foi necessário
abordar algumas características do Nordeste brasileiro,
principalmente, aquelas relacionadas com a educação e com a
formação da família, exatamente por servirem de base da
sociedade levando em consideração todo o processo de
formação do povo brasileiro com suas influências por uma
diversidade cultural originária da miscigenação do índio, do
negro e, fundamentalmente, do português que nos trouxe
grandes contributos, principalmente na saúde nos primeiros
séculos de colonização. Segundo Benair Ribeiro,

Secularmente, os profissionais de saúde –


médicos, cirurgiões e boticários – de origem
judaica tiveram a preferência e a proteção dos
reis e dos fidalgos que se socorriam de seus
préstimos, pela sua conhecida capacidade
profissional. Dos médicos e boticários exigia-se
elevado nível cultural, e estas eram profissões
usualmente exercidas pelos judeus em Portugal
com muito prestígio. (2010:217).

1.1 A cultura nordestina: o patrimônio familiar do povo

O Nordeste brasileiro é uma região “sui generis”. Há


uma riqueza cultural imbuída em suas raízes de origem
indígena e mesclada com outros povos advindos de um
processo antropológico, sociológico e religioso do mundo
europeu e do mundo africano. Assim, o indígena ou aborígine
27
que aqui vivia e, que com a chegada das novas culturas deram
a esses povos os alicerces de um patrimônio cultural vivo e
rico de valores humanísticos que até hoje paira sobre o ar
nordestino sedimentando a cultura pelo seu estilo e/ou modo
de vida de um povo muito hospitaleiro e solidário, alegre e
festivo.
Falamos de uma cultura humana a partir do referencial
humano que se fundamenta na ação do indivíduo e do grupo
na condição de fatores principais da cultura, que tem como
ponto fundantes a socialização de suas ações e de seus valores
criados e estabelecidos no processo organizativo e formativo
da pessoa e do coletivo tendo os mesmos como construtores
da sociedade e de mundos.
O que sempre marcou essa sociedade foi a família
como o lugar privilegiado das experiências ético-morais, ou
melhor, dos “bons costumes”, como também, da resistência
à manutenção dos valores criados e humanamente
socializados como constructos de alicerces das virtudes
humanas que, por sua vez, fortaleciam a organização familiar
como a ética e a moral tanto pessoal como social.
O legado cultural desse patrimônio familiar serviu de
base estruturante para que o Nordeste brasileiro
desenvolvesse uma cultura fundamentada em princípios
também religiosos fortalecidos pelo processo de inculturação
tanto do português quanto do africano que visavam à
formação de famílias numerosas tendo em vista o
desenvolvimento das regiões através da agricultura e da cana-
de-açúcar e, por isso, a multiplicação de seus membros
ofereciam mais estabilidade e mais integração familiar e,
assim, favorecendo o fortalecimento cultural onde o óbvio
28
estava em aprofundar a relação interpessoal visando ética e
moralmente formar os indivíduos a partir de uma prática
integradora de valores que surgiam das experiências do
cotidiano. Por isso, a nossa preocupação é mostrar que todos
esses valores culturais influenciaram e influenciam a prática de
uma saúde onde os cuidadores informais e formais possam
contemplar mais o ser humano.
Contudo, é por meio das relações familiares que se
fortalecem um clima de muita solidariedade, partilha e ajuda
mútua. Esta é uma característica que até hoje se cultiva nos
interiores dos estados nordestinos. Essa expansão cultural
traz consigo uma riqueza de simbolismos que estabelece elos
entre famílias como confiança e fidelidade e,
consequentemente, maior integração. Portanto, o que
contribui para integração de todos era uma comunicação
transparente e sóbria onde as pessoas viviam uma experiência
humanamente comunicativa coerente pela credibilidade e
confiança no convívio e no lidar com os demais. Chauí
destaca essa ótica como sendo uma lógica da comunicação
popular integradora e por meio dessa “... lógica da Cultura
Popular, o comunicativo se estrutura segundo a prática, o
desejo e o pensamento dos participantes” (1996:73).
Podemos constatar que a família buscava essa
integração na figura paterna como o espelho referencial que
estruturava a vida dos seus membros por meio da vida
familiar, do social, do cultural, do econômico, da política e da
religião. A vida social, cultural e religiosa era vivenciada com
muito elã, integração e animação desde os encontros
celebrativos religiosos aos festejos de ruas com seus
folguedos, danças de roda, cantorias, declamação de cordéis,
29
entretenimentos diversos. As famílias tinham a prática de se
reunirem nas casas ou ao ar livre (terreiros em frente das
casas), para trocarem suas experiências e histórias vividas
dentro de um mundo folclórico e mítico de completa
sabedoria popular que encantavam a todos.
As famílias trocavam suas experiências a partir de um
conhecimento empírico respaldado pelos bons costumes e
bons hábitos e pelos arquétipos familiares instituídos. Época
onde o senso de sabedoria era profundamente enraizado na
vida familiar e no ethos cultural dando estabilidade e
fortalecendo a cultura local. São pelas experiências vividas
costumeiramente que as gerações futuras transformavam num
verdadeiro legado cultural tudo que era vivenciado ensejando
o fortalecimento das estruturas familiares. Nesse contexto, os
adágios ou máximas populares passavam um conhecimento
da realidade e um ensinamento bastante rico por meio das
lições de vida e pela formação da consciência ética e de uma
moral prática que uniam as pessoas ao redor do mesmo
universo de convivência social de maneira sólida. Nessa
riqueza cultural interiorana nordestina, a literatura de cordel
com seus dramas, romance e aventuras populares traduziam
um ensinamento de vivência pessoal e social pelo espírito de
luta e bravura em busca da sobrevivência.
A riqueza cultural com características antropológicas
e sociológicas bem inter-relacionadas acontecia num clima de
inserção e de enraizamento cultural que fortaleciam a
formação humana e a unificação da família. O espírito de
comunhão, socialização, fraternidade e alteridade eram
virtudes que se praticavam. As pessoas tornavam-se muito
próximas e estabeleciam laços de sentimento de irmandade
30
como, por exemplo, as confrarias, o apadrinhamento e, assim,
todos passavam a estabelecer laços de amizade e integração
familiares que se fortaleciam também com a caracterização do
espírito religioso que os integrava de forma humanitária
formando uma constante celebração da vida.
Nesse contexto, a experiência religiosa é responsável
pela preservação dos bons hábitos e costumes morais
voltados para uma convivência sadia e harmoniosa diante da
natureza, da proteção do meio ambiente onde a natureza
nesse contexto torna-se sagrada e, consequentemente,
respeitada e até mesmo venerada.
A cultura nordestina mediante tal contexto tem como
base em sua estrutura lógica, o popular e não o erudito. Ayala
comenta que “a cultura popular não constitui um sistema, (...)
um conjunto de produções artísticas, filosóficas, científicas...”
(1987:66). No entanto, é uma realidade construída a partir de
um processo comunicativo oral e por um processo de
memorização que de forma assistemática foi se estruturando
nas realidades do cotidiano das pessoas mediante relatos das
experiências vividas e transmitidas. Nesse contexto ocorre um
processo de escolarização visando somente uma
aprendizagem básica para ler, escrever, contar como se diz na
linguagem do homem do meio popular.
A cultura popular no Nordeste brasileiro sempre foi
marcada pela figura masculina centrada na autoridade do pai,
o qual, em muitas situações, decidia pelo futuro dos filhos,
principalmente na escolha da profissão, por ser ele a figura de
respeito e símbolo de obediência e, assim, se fortaleciam as
inúmeras famílias. A família como base, esteio, fundamento
estruturante, a célula mater da sociedade conseguia estabelecer
31
princípios ético-morais que historicamente se caracterizavam
como virtudes que conduziam o indivíduo a seguir à risca uma
linha de pensamento e formação voltada pelas regras de boa
convivência, respeito e valores culturais fortemente
transmitidos entre seus pares. Tradicionalmente a vida
familiar era bem estruturada e se vivia com mais harmonia e a
influência da experiência religiosa popular estava muito
presente na relação das famílias através da prática dos
sacramentos e dos seus rituais. Nesse sentido, ao redor da
“casa grande” aconteciam os momentos fortes de integração
social unindo o sagrado e o profano como um grande palco
para a realização dos eventos religiosos e culturais.
Salientamos, portanto, que a vida nos interiores ou vilarejos,
pequenas cidades e área rural tinham e têm grandes limitações
no que se refere à questão da saúde e da educação, mas é
nessas condições de vida que as pessoas se doavam em cuidar
das outras nas situações-limite como doenças e necessidades
básicas de sobrevivência. O homem comum vivia cada dia
realizando sua história livre dos males que hoje afligem as
sociedades pós-modernas como o câncer, a AIDS e as mais
variadas epidemias recorria a uma alimentação sem agrotóxico
e inseticida nas plantações, sem produtos químicos e artificiais
nos alimentos industrializados. A vida do nordestino era mais
saudável.
A riqueza desse estilo de vida diária era estar livre dos
produtos artificiais, industrializados e quimicamente
constituídos, pois tudo era providência da natureza. Costumes
de cidade grande hoje invadem os longínquos rincões
nordestinos mudando em parte a rotina das pessoas.
Entretanto, permanece a criatividade no agir e no fazer as
32
coisas práticas do dia a dia desde a culinária, a musicalidade
regionalizada, a loa, a prosa, a poesia, os contos, o folclore.
Tudo aspirava confiança, segurança e harmonia. Não havia
uma violência exacerbada e truculenta como nos tempos
atuais. A proteção familiar era respaldada pelo respeito que se
estabelecia na convivência social. Segundo Diégues Júnior,
“O quadro da formação brasileira que nos proporciona a
evolução histórica do Brasil oferece esse resultado
verdadeiramente admirável: o de um quase-continente,
diferenciado por condições físicas, apresentando essa unidade
que é, em princípio, um resultado da diversidade cultural”
(1980:183).
O Nordeste é essa realidade rica culturalmente que faz
parte do enorme país que é o Brasil. E, por sua vez, o
patrimônio familiar apresenta uma forte resistência
historicamente distribuída em várias situações,
principalmente, a defesa pela terra, apesar das ocorrências de
muitas experiências violentas por grileiros e fazendeiros,
como proteção e manutenção do espaço vital, da família e dos
bons costumes. Em contrapartida podemos constatar hoje
como cresceu o latifúndio tornando-se forte à custa do
sacrifício de muitas famílias que foram jogadas à margem da
sociedade por falta de uma política de governo que lhes desse
segurança e apoio agrícola e, como resultado, essas famílias
foram expulsas de suas terras e foram morar nas favelas das
grandes cidades. Como resultado, surgem consequências para
a saúde pública.
Na sua formação e na sua organização estrutural, a
família sofreu influências culturais diversas, sendo as mesmas
apresentadas no decorrer da história e ser marcada por um
33
forte machismo que sempre foi dando ao homem o direito de
servisse das mulheres de forma indiferente à moral religiosa
da época, como o casamento, por exemplo. Gilberto Freire
faz um destaque nessa questão e assim observa que “os
homens ‘não gostavam de casar para toda a vida’, mas de unir-
se ou de amasiar-se; as leis portuguesas e brasileiras facilitando
o perfilhamento dos filhos ilegítimos, só faziam favorecer essa
tendência para o concubinato e para as ligações efêmeras”
(1969:428).
E, continua Gilberto Freire, “forçosamente o
Catolicismo no Brasil haveria de impregnar-se dessa
influência maometana como se impregnou da animista e
fetichista, dos indígenas e dos negros menos cultos” (Ibid., p.
434). Essas constatações ainda hoje estão presentes,
naturalmente, sob a influência de uma nova roupagem
secularizada da sociedade globalizada de forma mais
hedonista e laicizada mediante a quebra de muitos valores
familiares tradicionais que foram sucumbidos e abrindo
espaços para novas atitudes impreterivelmente, chegando a
atingir hoje em dia um alto nível de violência, com bastante
agressividade, principalmente à mulher, falta de respeito e de
alteridade nas relações interpessoais familiares e sociais.
Outro aspecto da família em sua formação inicial que
se constata, são aquelas “vindas de Portugal, desabrocharam
aqui várias crenças e magias sexuais: a de que a raiz de
mandrágora atrai a fecundidade e desfaz os malefícios contra
os lares e a propagação das famílias” (Ibid., p. 452). O certo é
que a sociedade sempre tratou em apresentar a família como
o esteio ou o alicerce da estrutura social e por tradição sempre
a trouxe como referência da construção da moral, de homens
34
e de mulheres fidedignas e coerentes, capazes de definir os
padrões sociais e seus arquétipos que foram sendo instituídos
no decorrer da história. Reinava uma visão moralista como
ideia de respeito pelas mulheres. No Brasil de um modo geral
era “... indecoroso o fato de as moças terem de levantar a
manga da blusa para um desconhecido encarregado da
aplicação da vacina” (Bertolli Filho, 2008:27). Contudo, com
o advento das revoluções industriais, técnico-científica e
cultural a família vai perdendo esses referenciais e passa a ter
uma diversidade de pontos de vistas que foram esvaziando
proporcionalmente a convivência e a união das mesmas, à
medida que foram se laicizando. Hoje se vive outro modelo
de família nuclear, famílias constituídas por uma só pessoa e,
assim seguem as mais variadas experiências de família cada
uma vivendo sua experiência e relativizando os valores sem
limites para as orientações e ações dos seus membros,
gerando, portanto, muitos desequilíbrios internos de caráter
emocional levando a consequências no social e atingindo
diretamente a família.
Mesmo diante de tantos desafios que a família
enfrenta ainda hoje podemos constatar que existem pontos
comuns nos convívios entre pessoas e familiares que lutam
para preservar e manter valores sejam simbólicos, linguísticos,
culturais, folclóricos, econômicos, políticos ou religiosos.
Nesse último é bom ressaltar a força da religiosidade popular
muito presente nas famílias, principalmente nas regiões
interioranas e rurais que se manifestam através das festas dos
santos-padroeiros, das novenas, da benzedeira ou rezadeira
que cuida da saúde popular por uma extraordinária força
espiritual intermediada de um poder a partir de uma visão
35
mítica e mágica do sagrado no tratamento e cura de alguns
males. E, assim, mantém até hoje muitas dessas estruturas que
estão enraizadas na cultura popular reforçando a manutenção
da mesma independente das influências que a sociedade
hodierna trouxe para o mundo urbano. Preservar as tradições
e características próprias da regionalidade tem sido o grande
desafio.

1.2 Cultura, saúde e doença: crenças e comportamentos

O Brasil instituiu um Sistema Único de Saúde (SUS)


em 1990. Oficialmente a sociedade foi recebendo uma
assistência na saúde, mesmo que precária, mas que estava
consignada na legislação oficial. Esse acompanhamento
trouxe às pessoas melhores perspectivas e qualidade de vida a
partir da saúde. A população brasileira cresceu
significativamente e olhando a sua própria história
verificamos que em 1918 a população rural, de todo o Brasil,
era de vinte milhões de pessoas; havia dezessete milhões de
enfraquecidos pelos parasitas, três milhões de vítimas da
doença de Chagas, dez milhões de atacados pela malária e
ainda cinco milhões de tuberculosos (Cf.. Bertolli Filho,
2008:21). Outro dado agravante era quanto a qualidade de
vida dos brasileiros, principalmente dos nordestinos que

No final da década de 50, naquele período a


esperança média de vida de um brasileiro era de
51 anos em Porto Alegre, 49 em Belém e 37 em
Recife. (...) No interior a questão era ainda pior:
calculava-se que o habitante do sertão
nordestino viveria em torno de trinta anos –
36
média de vida da população européia no
momento mais crítico da Idade Média. (Ibid., p.
42).

Também, neste contexto, o escritor João Cabral de


Melo Neto se reporta a essa condição subumana do
nordestino em sua obra “Morte e Vida Severina” retratando
algumas situações desta maneira:

“Trabalharás numa terra


que também te abriga e te veste
embora com o brim do Nordeste” (2000:60).

Noutro momento ressalta mais diretamente a


condição da falta de qualidade de vida e do conformismo que
faz o homem aceitar passivamente tal realidade a qual acaba
antes dos trinta, mostrando, portanto, a que situação de
miserabilidade se chegou o ser humano sem a menor
possibilidade de viver humana e dignamente e, assim ele
continua:

“Nunca esperei muita coisa,


digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
da tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda” (Ibid., p. 62-63).

37
Hoje, o Brasil atinge a cifra de 192 milhões de
habitantes. O Nordeste já possui um total de 52 milhões de
habitantes, o que é muito significativo para uma região onde
a renda per capita em 2005 era de R$ 5.498,00.
A esperança média de vida ao nascer no País era, em
2008, de 73,0 anos de idade, segundo a Síntese de Indicadores
Sociais, divulgada (...) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Entre 1998 e 2008, esse indicador cresceu
3,3 anos, com as mulheres em situação bem mais favorável
que a dos homens (aumento de 73,6 anos para 76,8 anos, no
caso das mulheres, e 65,9 para 69,3 anos, para os homens)
(http//www.estadao.com.br).
No Brasil há uma grande concentração da riqueza
gerando considerável desigualdade social e como resultado,
afeta, principalmente, a qualidade de vida de sua população
com aumento das doenças. Entretanto, um dos maiores
problemas estava na mortalidade infantil, que tem sido
combatida pela sociedade desde a década de 80 onde a
presença dos agentes de saúde é considerada de suma
importância. Como este caso está a luta pela redução ou o
controle de muitas outras epidemias comuns em crianças, ou
seja, a dengue e, consequentemente ao mosquito transmissor
Aedes Aegypt e a leptospirose na cidade do Recife por questões
de educação e de saúde pública. A Região Metropolitana do
Recife em 2008 tinha uma população de três milhões de
habitantes, atualmente são aproximadamente três milhões e
setecentos mil habitantes e 34% vivem na miséria e na
pobreza. Diante dessa realidade, temos outro desafio, pois,
existe uma carência de profissional da saúde como médicos,
enfermeiros e agentes de saúde da família como também
38
existe uma falta de qualificação na maioria dos agentes que
estão atuando hoje.
A atuação do SUS na região Nordeste tem problemas
de investimentos atingindo as urgências dos grandes hospitais
faltam remédios, leitos, profissionais de várias especialidades
e nos hospitais de pequeno porte o drama é mais grave.
Faltam valores humanizadores e sensibilidade política no trato
às questões de saúde pública e no cuidado para com os
utentes. Essa falta de condições dignas na saúde reflete na
sociedade, na atuação profissional dos agentes de saúde
ferindo a dimensão ético-social. Os projetos não avançam
para a solução dos problemas com investimentos adequados
e suficientes para minimizar os desafios existentes acarretando
a falta de segurança, conforto e eficiência. Enquanto isso, são
elaboradas propostas que não se concretizam como salienta
Mendes comentando os sistemas de serviço de saúde bem
elaborados e com objetivos a serem cumpridos, mas que na
prática não são viabilizados.

Os sistemas de serviço de saúde apresentam os


seguintes objetivos: ofertar serviços de saúde
orientados às necessidades de uma população
adscrita; ampliar os pontos de atenção à saúde;
ofertar serviços de saúde de forma contínua; (...)
garantir que a atenção à saúde seja provida no
lugar certo, no tempo certo, na qualidade certa e
com o custo certo; maximizar a eficiência no uso
dos recursos; (...) aumentar a satisfação da
população; promover o controle público sobre
os sistemas de serviços de saúde; integrar os
sistemas de serviços de saúde e de assistência
social e integrar, intersetorialmente, o sistema de
serviços de saúde com as outras políticas
públicas. (2001:103-104).
39
Segundo a carta de Ottawa, a promoção da saúde é
vista como “o processo de capacitação da comunidade para
atuar na melhoria da vida e saúde, incluindo uma maior
participação no controle deste processo” (Czeresnia,
2003:19). Mediante esta conclusão, “a saúde é diferente e
muito mais que serviços de saúde e a ação unissetorial é
substituída pela intersetorialidade (...) que vai ser caracterizada
pela possibilidade de uma síntese dada pela predisposição a
intersubjetividade e ao diálogo e, consequentemente, a sua
pedagogia é a comunicação” (Ibid., p. 149-150). Portanto, a
estrutura do sistema oficial de saúde pública nem sempre
favorece a prática eficiente dos agentes e/ou profissionais da
saúde tendo em vista a melhoria da saúde do utente.
Quando falamos em saúde pública, entendemos
como “uma construção em permanente dinâmica” (Tarride,
1998:85). E mais, “a saúde pública abriga as preocupações
pelas enfermidades das pessoas, pelos danos ao ambiente, pela
disposição de condições físicas que favoreçam o
desenvolvimento saudável das pessoas, dos ambientes sociais,
pela promoção e prevenção da saúde” (Ibid., p. 86). Como
veremos no estudo de caso, os profissionais da saúde exercem
suas funções, mas, ao mesmo tempo, percebem a distância
que há entre a formação (teoria) e a prática (exercício da
profissão no posto e/ou na policlínica).
Entretanto é através da saúde pública que se consegue
manter um domínio da situação de doença e/ou do controle
de epidemias onde os utentes devem se sentir protegidos e
encontrar o sentido da cura. Como o Nordeste brasileiro tem
muitos desafios na saúde, obviamente que os mesmos
requerem políticas públicas mais eficazes.
40
Na perspectiva popular, a saúde passa, também, pelo
viés do conhecimento que se constrói a partir da própria
experiência no cotidiano das famílias onde as pessoas usam a
lógica da amizade e ajuda mútua em defesa da vida de forma
gratuita e espontânea. Daí nasce a medicina alternativa ou
natural ou popular através de chás, lambedores, compressas,
banhos de ervas, rezas e bênçãos são meios utilizados que de
uma certa maneira tem um efeito positivo paliativo exercendo
também psiquicamente uma ação catártica sobre o utente para
se chegar à cura. Por isso, é de suma importância explorar a
área da antropologia da saúde e da doença. Obviamente que é
necessário estabelecer um ponto de intercessão ou mesmo de
inserção como psicoterapêutico integrativo na construção de
uma alternativa humanista. Esta ação nos leva a crer que a
riqueza natural tem uma influência em elevar o próprio
homem pelo seu poder mágico fazendo-o entender que é o
meio que o faz aproximar dos demais fortalecendo na
crendice popular uma confiança que brota livremente
daqueles que são o ponto dessa intersecção como, por
exemplo: o benzedor ou a benzedeira, a parteira ou aqueles
que pela lógica da intuição indicam medicamentos
farmacológicos por trabalharem em farmácias por longo
tempo e, que às vezes, são tratados e denominados de
farmacêuticos sem terem diploma ou estudo de farmácia.
Segundo Quintana,
A análise das relações entre a prática médica e as
terapêuticas populares estabelecem uma
clivagem forçada: do lado da medicina estariam
o empírico, a farmacopéia, o racional e o
orgânico, entre outras; e do lado das práticas
populares, encontraríamos o simbólico, o ritual,
o irracional, o psicológico e o social. (1999:24).
41
Humanamente existe um homem nordestino
profundamente sintonizado com esse todo mágico e mítico
enraizado na própria natureza de onde ele se extasia e que
embevecido surge uma relação de fascínio e encantamento
com esse universo que para ele é enriquecedor e provedor da
manutenção da vida.
Certamente o homem do campo é mais centrado na
relação com a natureza porque dela se nutre e se inebria se
encanta e procura entender e desvendar os seus mistérios. Em
sua maioria, ele não troca esse tipo de vida pela cidade, pois
ali está todo cabedal de conhecimento empiricamente
instituído pelas intempéries do tempo. Nos lugarejos, vilas e
pequenas cidades interioranas muitas coisas se repetem.
Radicalmente sofrem transformações e mudanças profundas
quando esse homem do campo vai para a grande cidade e suas
raízes culturais vão se esvaindo pelo turbilhão de exigências
ou não, aceitação ou desprezo que de repente surgem,
principalmente, as que estão ligadas a própria sobrevivência.
O impacto é muito forte, mesmo assim, ele tenta resistir e
sobreviver alternativamente e é nessa circunstância que a
medicina popular surte muito efeito, porque através dela
encontra apoio das demais pessoas, pois está no mesmo nível
social, econômico, cultural.
Para Ortêncio, o povo simples, sem o conhecimento
das letras tem a medicina alternativa como a solução dos seus
problemas de saúde, portanto, ele afirma que a

Medicina popular, medicina rústica, medicina


caseira, medicina empírica, medicina folclórica e
medicina religiosa são recursos usados pelo
42
povo sem instrução, para resolver problemas de
saúde, tanto para curar como para prevenir,
quase sempre baseados na natureza, na flora e
nas crendices e superstições. (1996:125).

O grande valor da medicina popular é ter contribuído


por meios das plantas medicinais também ao mundo da
ciência médica que, por sua vez, fez e faz grandes descobertas
dos valores que as plantas medicinais têm para o efeito da cura
de várias doenças. Por exemplo, o AZT tem uma das
substâncias que foi descoberta a partir do espermatozoide do
tatu, segundo o biólogo Evaristo de Miranda, pesquisador da
Empresa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA), a
Amazônia tem 30 milhões de espécies, mas até o presente só
foram estudadas pela ciência três milhões, nela existe uma
riqueza natural inconfundível.
No Brasil, há uma aceitação crescente de homeopatia,
e muitos médicos não medicam de imediato, remédios de
laboratórios para qualquer doença, pois o tratamento
homeopático tem sido uma grande saída para muitos casos.
Há uma crítica contundente ao tratamento homeopático por
parte da medicina científico-oficial já que economicamente a
produção dos grandes laboratórios precisa vender. Todavia, o
que tem de se tornar evidente nesta prática é a capacidade que
o ser humano tem de tentar desvendar os mistérios da própria
vida em busca de soluções e, nesse sentido o conhecimento
popular, empírico, assistemático tem demonstrado que há
uma sabedoria que intrinsecamente faz parte da naturalidade
com que o homem vive seu meio-ambiente e o conhece. Isso
é cultural e tem, também, seu expressivo valor.

43
1.3 Religião e saúde: os caminhos que curam

Ao tratar do Nordeste brasileiro quanto ao aspecto


religioso, não se pode descurar de olhar dentro do contexto
sociopolítico, econômico, histórico e cultural do povo
nordestino, pois todos estes aspectos convergem para a
dimensão da religião, principalmente da religiosidade popular.
Na realidade é fundamental tratar do aspecto da fé popular,
por ser ela uma espécie de esteio cultural enraizada no mundo
sagrado do homem nordestino desde seu processo
colonizador. Juntamente com ele foi introduzido de maneira
bastante sábia à relação fé e saúde. Esta relação deu ênfase à
fé como um nutriente que serve de fonte salutogênica parcial
ou total pelas experiências vivenciadas pelo povo nordestino
através das bênçãos e das plantas medicinais que exercem um
poder mítico e mágico, mas muito significativo no universo
popular empírico e, nesse sentido, vale salientar a figura
excêntrica do religioso padre Cícero Romão Batista na cidade
do Juazeiro do Norte do Estado do Ceará que muito
contribuiu para essa relação.
Quando tratamos, hoje, da atuação do Agente
Comunitário de Saúde de Família, estes aspectos são bastante
evidenciados porque estão presentes na vida das famílias e
servem não somente como buscar a cura das doenças, mas
também como uma representação catártica, paliativa que tem
um sentido de placebo que dá à psique humana uma confiança
e um conforto de que o utente será curado. Nesse contexto,
os rituais transmitem um potencial mágico que perpassa o
espírito humano através das relações simbólicas numa
simbiose constante entre a vida e sua transcendência. Edgar
44
Morin faz a seguinte reflexão: “A magia é uma atividade
operatória que actua sobre o universo empírico a partir do
universo simbólico (…) para salvar” (2003:39). É bom
salientar que este não é um simbolismo qualquer, pois ele é o
resultado de uma relação profunda entre o homem, a natureza
e a religião. É um simbolismo que preenche toda a cultura
popular marcada por uma tradição que fortaleceu o sentido
da existência do povo nordestino.
Ortêncio destaca ainda duas atitudes importantes na
relação do homem popular com as plantas medicinais e as
rezas ao afirmar que “as duas partes principais da medicina
popular são: as plantas medicinais e as rezas e benzedeiras:
por isso ela é material e espiritual. E pode ser dividida em dois
ramos: humana e veterinária” (1996:12). Essa relação
intrínseca do homem com a natureza lhe dá a condição de ser
um grande admirador e um exímio especulador desse mundo
ao qual atribui o poder mítico e mágico tornando-a sagrada.
Na natureza e na religião, o homem, procura encontrar
respostas para seus problemas emocionais, sentimentais (por
exemplo: as simpatias), espirituais e de saúde física e mental.
Outro destaque significativo é a existência dos
boticários nos interiores do Brasil e do Nordeste que eram
comuns. O boticário uma espécie de farmacêutico popular.
Havia, também, aqueles que preparavam e vendiam pelos
vilarejos e arredores as garrafadas, espécie de lambedores
feitos de ervas, algumas conhecidas e outras não; também
eram e, ainda hoje, existem os curandeiros, principalmente
negros para cuidar dos pobres; por outro lado, está a presença
das benzedeiras, muito aceita, é um fenômeno muito comum
até hoje no Nordeste. Devemos levar em consideração a
45
ausência de médicos nas cidades e vilarejos, principalmente
dos sertões. Por isso surge o apelo para “todos os santos”,
que para o curandeirismo e outras práticas supersticiosas,
segundo Cláudia Lima, ressalta enfaticamente a partir de sua
visão bem popular por representar uma entidade do
candomblé como Yalorixá, assim expressa:

Até os fazendeiros eram curandeiros, pela


escassez de médicos, cirurgiões e farmacêuticos,
no Brasil colonial, principalmente, no interior
do território brasileiro. Assim, o senhor rural
curava, não só em casa, como nas adjacências,
administrando “mezinhas” e raízes da terra,
conjuntamente, com drogas vindas do Reino de
Portugal. A experiência foi a mestra desses
fazendeiros-curandeiros, que aprenderam por
ver e por ouvir dizer. (1999:85).

Hoje, depois de séculos e com tantas influências do


mundo moderno em dessacralizar a natureza e, por sua vez,
destruí-la, o homem campesino tem a difícil tarefa de tentar
resgatá-la, reconstituindo-a ou replantando-a o que o
progresso humano destruiu na natureza e, por isso, “preservar
é viver”. É sabido que a natureza dá ao homem o sustento,
provendo suas necessidades básicas de sobrevivência através
de raízes e frutos que o nutrem e curam. Hoje, a realidade se
tornou mais desafiadora com a perda da terra por uma grande
parcela do homem sertanejo que continua lutando por meio
dos movimentos sociais com a esperança de que se realize
uma reforma agrária dando ao pequeno agricultor condições
de sobreviver através de uma infraestrutura mínima como
água, luz, sementes, crédito agrícola, educação e saúde,
incrementando uma agricultura familiar promissora.
46
A admiração do homem pela natureza é algo tão forte,
expressivo e sublime que cria raízes profundas na relação
entre homem, natureza, divindade. Então, se compreende o
porquê das plantas medicinais terem lugar especial na
natureza e na vida humana. O homem reza, pede e implora as
bênçãos dos céus e ao receber pela oração uma graça, pela
promessa uma cura, é como se uma grande dádiva o cobrisse
de recompensa e responsabilidade. Nesse contexto surge,
também, a rezadeira ou benzedeira ou o curandeiro que passa
nessa relação de cura com os outros um poder terapêutico e
curativo salutogênico histórico e culturalmente inseparável do
universo popular.
Portanto, é de suma importância entender a função
terapêutica da bênção na sociedade brasileira, principalmente
no Nordeste e, em especial no mundo rural. A bênção é um
elemento cultural intrinsecamente enraizada na vida das
pessoas. Na prática, a bênção envolve o indivíduo de uma
proteção (catártica) que no seu cotidiano lhe trás felicidade e
venturas (Cf. Oliveira, 1985:10). “A benzedeira, enquanto
uma cientista popular, fala em nome de uma religião” (Ibid.,
p. 26). A benzedeira carrega consigo todo um cabedal de
conhecimento popular-empírico que sustenta todo o
processo de validação social do ofício da benzedeira (Cf. Ibid.,
p 43). Nesse ato de curar é bom destacar que é a mulher que
está em primeiro lugar. Ela é aquela que “assume, pois, como
sua responsabilidade a manutenção e a gestão da saúde dos
seus familiares” (Nunes, 1997:187). Por isso, que pela sua
vivência e experiência se atribuía e se atribui até hoje à mulher
a marca e a força da resistência cultural pelo que ela exerce
com o papel de rezadeira, parteira (atualmente a parteira é
47
muito valorizada nos hospitais, onde na ausência do médico
ela está atuando com muita sapiência e segurança. Existem no
Brasil cerca de 60 mil parteiras) que sempre cuidou e zelou
pelo bem-estar de cada mulher parturiente e das famílias e
continua exercendo sua função hoje em dia com mais ênfase
e apoio da sociedade. Atualmente, essa figura da rezadeira
continua sendo vista com um olhar materno que continua a
cuidar dos utentes na própria casa, dos familiares, dos amigos
e da vizinhança indiscriminadamente. É tratada não só como
rezadeira, mas como a “madrinha”, a “vozinha”, a
“vovozinha”, de maneira carinhosa. É reconhecida e
respeitada por todos como aquela que tem o dom de cuidar e
de tratar da saúde.
A crença popular se torna muito forte e significativa
advinda por uma força e um poder da mente que
ingenuamente não era percebido nem pela pessoa que
realizava o ato nem pelas demais pessoas da comunidade ou
da região que a procuravam e a procuram ainda hoje. É bom
destacar que nesta condição primeira, todos estão no mesmo
nível de vida social, e com o mesmo olhar na realidade a que
se encontram. Segundo a sabedoria popular são através da
crença num Deus curador e protetor que delega a essas
pessoas ditas “especiais” e escolhidas por Deus, na sua graça
e atribuições com o dom de curar a terceiros e, que faziam e
fazem até hoje, tudo em nome do próprio Deus. Por isso,
sempre foram aceitas, acolhidas, creditadas e acreditadas de
forma simples, confiante e confortável.
Em se tratando da “Ciência da Benzedura”, Quintana
faz ressaltar que o Sagrado, a Doença e os Feridos Simbólicos

48
podem assim afirmar e serem entendidos como um processo
terápico, pois,

Todo processo terapêutico gira,


inevitavelmente, em torno da doença, e via de
regra, a classe médica põe ênfase no facto de que
as doenças teriam um componente estritamente
biológico, excluindo assim qualquer relação da
doença com a realidade social e cultural.
Contudo, compreendemos que a doença é uma
linha contínua, que tem a saúde e a doença em
cada um de seus extremos. Esta última não se
desenvolve somente no interior da pessoa, mas
sim entre ela e o ambiente. (1999:25).

E acrescenta que o mundo simbólico é tão expressivo


que em sua ausência torna o homem impotente, cria certa
dependência que,

Por sua vez, o homem não pode sobreviver sem


os sistemas simbólicos. Por isso, qualquer coisa
que coloca esses sistemas em xeque, que ameaça
sua unidade e sua coerência se torna por demais
angustiante, intolerável. Nos momentos em que
a coerência desses códigos culturais fica
enfraquecida, o ser humano depara com sua
verdadeira condição de fragilidade diante do
mundo. Na medida em que o real abre brechas
nessas construções simbólicas, obriga o homem
a deparar com sua importância, uma vez que
esses padrões culturais lhe dão a ilusão de
completude da qual ele carece. (Ibid., p. 29).

A importância e o valor do poder da religião e do


sagrado enfatizado nas expressões religiosas populares tanto
no folclore quanto na literatura estão hoje intrinsecamente
49
ligados ao ethos e estilo de vida do homem nordestino. Essas
expressões trazem um princípio de fé fortalecido através dos
gestos, símbolos e falas frequentes nas casas das pessoas,
como também nas conversas entre amigos e celebrações
religiosas realizadas principalmente nos momentos festivos
como folguedos e entronizações (festas que acontecem no
meio popular no estado do Ceará).
Os exemplos dados são sempre em relação às curas
alcançadas pela influência e poder do sagrado. Por isso, os
curandeiros e as benzedeiras evocam constantemente os
nomes das figuras sagradas (denominados de beatos e santos
no catolicismo popular) em seus momentos e atos de curas
como expressão maior da fé do povo. Segundo Rabelo, os
cultos religiosos dão esse valor e alimentam essas expressões
mediante a falta da ação da medicina oficial, pois a mesma não
está para a vida das pessoas carentes das periferias,
principalmente do homem interiorano, rural. A cura das
doenças pela medicina alternativa torna-se a única
possibilidade. Assim ela ressalta que “A importância dos
cultos religiosos na interpretação da doença tem sido
amplamente reconhecida na literatura antropológica. Mais do
que isso, os antropólogos têm frisado peculiaridades e
aspectos positivos do tratamento religioso quando
comparado aos serviços oferecidos pela medicina oficial”
(1998:47).
Também nos atos de cura das doenças são
significativos os chás de ervas, o lambedor de plantas
medicinais, as raízes, as cascas da madeira, as folhas para
benzer, o mel de abelha. São mediadores no ato da cura tanto
quanto as orações. Temos de ressaltar que tudo isso faz parte
50
da religiosidade popular, sem a interferência da religião oficial
hierárquica e dogmatizada. O povo constrói sua sabedoria
independente do intelectual. O senso comum ou popular se
estabelece pelas experiências de uma tradição cultural passada
de geração a geração a partir das necessidades prementes,
básicas, primárias e das condições desafiadoras da vida que o
homem rústico encontra alento e conforto em seu universo
de conhecimento através de uma sabedoria empírica. A
seriedade com que esses valores são transmitidos e vividos
fortalecem a consciência de pertença de um povo com raízes
estruturais fortes. Vale salientar como essas práticas são
reconhecidas e creditadas no meio do povo. Vejamos, por
exemplo, como muitas atitudes de cura decorrem nos rituais:
“o curador não cura simplesmente forçando o mal para fora.
Busca reconstituir o corpo, fortalecendo suas extremidades e
fronteiras enfraquecidas e encerrando-o gradualmente em um
círculo de proteção” (Rabelo, 1998: 50).
Outro elemento significativo é a comunicação oral,
principalmente pela sua informalidade, no meio popular,
como fator primordial de entendimento que estabelece e
fortalece o espírito de união entre as pessoas. A fé acontece
em acreditar no outro em seu espírito de crença e de mudança
que privilegia um “cenário da cura”. Nessa comunicação, o
diálogo é colocado em primeiro lugar para preservar a
autonomia do outro o que dá condições aos curandeiros e
benzedeiras realizarem com muito sucesso suas sessões. Há,
também, um sentido de entrega sem temor, no momento da
reza e da cura, imbuído de confiança e esperança. Nesse
sentido, também, é vista esta atitude no candomblé, mais
influente nas periferias das cidades.
51
A existência do valor dessas experiências e práticas de
cura da doença na existência do homem sertanejo não é
somente respaldada pelo espírito religioso e o mundo mítico
e mágico em que vive, mas pelo modo de vida construído por
uma realidade de sofrimento e dor. Para Minayo, “Quando
uma pessoa em nossa sociedade move-se pela cura está frente
a situações que considera situações-limite, concretizadas em
doenças graves, insegurança material e espiritual e desordens
morais. A procura de saída de circunstâncias aflitivas soa
então como recorrência a uma “tábua de salvação””
(1998:57).
É característica das pessoas, também, no Nordeste
brasileiro recorrer com muita frequência aos lugares sagrados
como grutas e santuários, locais repletos de mitos e magia
com muita ênfase religiosa, como exemplos as cidades do
Juazeiro do Norte e a de São Francisco do Canindé no Ceará;
São Severino do Ramo, Santa Quitéria e Pesqueira em
Pernambuco, etc., onde as manifestações do sagrado são mais
compensatórias e eficazes. Tudo isso remete a uma relação
estreita entre religião e cura.
Contudo, há no sincretismo religioso nordestino uma
experiência muito significativa no meio popular que acontece
pelas expressões de cura que se busca nos cultos afro-
brasileiros como, por exemplo, no Candomblé, na Umbanda,
na Pajelança (essas experiências atuam através da prática da
magia branca como são caracterizados) na busca de realizar o
bem. No Recife a experiência do Candomblé é muito
significativa histórica e culturalmente, pois tem suas raízes no
Ketu, na Nigéria e teve início no século XVII, em Salvador.
Historicamente o candomblé foi alvo de muita perseguição,
52
hoje existe uma legislação que o reconhece e respeita tanto
pelo poder público quanto pela sociedade. É nele que muita
gente do meio popular busca a magia da cura através das rezas
e das bênçãos dos Pais e Mães de Santos ou Babalorixás e
Yalorixás.
Outra expressão religiosa que trata muito da cura
espiritual é a prática do Espiritismo no Brasil, principalmente
no Nordeste. Segundo os espíritas deve-se curar a alma ou o
espírito, pois a cura interior leva à cura exterior e, por isso
mesmo, ocorrem muitas sessões de curas (vale lembrar que
muitos médicos estão ligados à crença espírita). A atuação dos
médiuns tem sido uma constante e inclusive com alguns
fenômenos como José Arigó, João de Deus, Dr. Fritz com o
pseudônimo de Dr. Romano, Maurício Magalhães e tantos
outros. O passe é a forma mais prática que os médiuns
utilizam para a realização das curas. Existem, no Brasil, alguns
hospitais somente para curas espirituais pertencentes aos
espíritas.
Outro fenômeno bastante divulgado, principalmente,
do início dos anos 90 até hoje é o do neopentecostalismo no
Brasil, que preferencialmente se difundiu pelos bairros e
periferias das grandes cidades com prática de curas e milagres
envolvendo as pessoas das classes populares a partir do que
se denomina de Teologia da Prosperidade caracterizada pela
onda de que todo mal provém de uma ação diabólica e a
mesma precisa ser erradicada para ser curada. As sessões são
realizadas a partir do transe coletivo com uma função catártica
muito expressiva. Em sua maioria os rituais acontecem através
de sessões de exorcismos para expulsar os demônios que
incorporaram as pessoas e provocam o mal. Os pastores
53
conseguem colocar as pessoas num transe coletivo e exorcizar
a todos. Nesse procedimento há uma forte dominação da
consciência humana fortalecendo a ingenuidade do crente que
sofre uma sessão catártica e permanece inerte diante das
ordens dos pastores que executam o ato “curador e
milagroso”. A maior expressão nesse sentido tem sido a Igreja
Universal do Reino de Deus com uma aceitação muito grande
nas camadas menos favorecidas, no entanto, em troca os
pastores, conseguem fazer da religião uma fonte de comércio
transformando-a numa rede mercadológica a partir da visão
capitalista da exploração das pessoas que participam do
movimento.

1.4 Cultura e globalização: as interrogações éticas

Ao salientarmos que o Nordeste brasileiro tem uma


riqueza cultural, histórica e economicamente sustentável,
implica, nesse contexto, percebermos que outros vieses que
não são da sua expansão territorial, mas, sobretudo, social e
político, recebem influências do econômico. Por isso, as
implicações éticas surgem daí, porque essa riqueza estivera
concentrada nos fazendeiros ou coronéis (donos dos
latifúndios) e atualmente estão sobre o domínio das
multinacionais. A questão principal continua sendo um
domínio da cultura pelo econômico descaracterizando em
parte sua originalidade. Por outro lado, quando se trata da
saúde e da educação no Nordeste, é de suma importância
fazer essa relação com esse universo cultural globalizado,
porque o mesmo influencia nas políticas públicas no que toca
a uma saúde de qualidade e a uma educação eficiente. Nessas
54
situações estão imersos os profissionais de saúde que podem
ou não utilizar novas tecnologias, em sua maioria não dispõem
de recursos para tal, pois não encontram políticas de suporte,
principalmente, econômico que favoreçam as melhorias nos
ambientes de trabalho já que hoje o desenvolvimento
econômico globalizado exige expansão de sua produção e
para isso é necessário investimento.
Como a globalização penetra nos povos buscando
fortalecer-se economicamente, as culturas sofrem o poder da
exploração subjacente a esta realidade econômica. Não é
diferente no Nordeste brasileiro, apesar do povo alimentar
seus desejos, seus anseios subjacentes na busca de melhores
condições de vida. O nordestino vive na dicotomia das
contradições entre a riqueza e a pobreza, o luxo e a miséria, o
supérfluo e a falta, o saber e a ignorância que desencadeiam,
sobretudo, numa sociedade onde os horizontes da esperança
e da certeza permeiam a labuta do cidadão marcado por sua
integridade, firmeza e rudeza de espírito, de índole e caráter
fortemente atingidos pelas intempéries do clima com suas
secas devastadoras e uma vida de sacrifícios e sofrimentos.
Mas, tudo isso é envolvido pelo modelo capitalista
globalizado.
Nesse contexto, a globalização torna-se um estímulo
no comodismo e na acomodação nas pessoas implantados
pelos projetos políticos assistencialistas e paternalistas para a
manutenção de uma injustiça social radical à séculos na
história dessa região.
Por isso, ao realizarmos os estudos de caso,
percebemos questões éticas bem pertinentes às várias formas
como os profissionais atendem a população (fazendo
55
distinções) como também as implicações éticas e políticas na
viabilização dos projetos que são criados para beneficiar o
povo.
Portanto, queremos ressaltar que tudo isso envolve
questões remanescentes histórica e culturalmente
significativas presentes nos vários símbolos de resistência que
perpassam pela preservação das raízes culturais no Nordeste
como, por exemplo, a luta dos escravos negros dos
Quilombos no Período da Colonização do século XVII-
XVIII aos “Sem-terra” e “Sem-teto” do final do século XX e
início do século XXI; do trabalhador rural ao trabalhador
urbano com um passado carregado de luta e de conquistas por
melhores condições de trabalho, de saúde, de educação. Isso
tem dado ao povo nordestino o sentido de altivez e
credibilidade de possíveis conquistas e mudanças sociais a
serem implementadas. Apesar de o mundo atual em seu
processo de globalização ter-se alavancado de maneira forte e
centralizadora, na tentativa de tornar a economia capitalista
mundial homogeneizada e sob o controle do capital
hegemônico de algumas sociedades, a cultura nordestina tem
tentado resistir a algumas questões ideológicas que venham
suplantar costumes e hábitos enraizados pela tradição. Mesmo
assim, o processo da globalização tem trazido muitas perdas
culturais nas camadas mais jovens e valores culturais ético-
morais.
A dinâmica de dominação ideológica, política e
econômica da globalização insiste numa ótica consumista
disfarçada de uma sutileza do indivíduo egoísta e de uma
sociedade exclusivista fruto de uma sociedade que, segundo
Bento, espolia sempre o mais fraco e como resultado “a
56
globalização trouxe à tona a unidade de espécie humana em
que o bem-estar de uns nunca é inocente em relação à miséria
de outros” (Cf. 2008:170). Ainda: “A sedutora ideia de
sociedade aberta”,1 de Karl Popper, corresponde hoje a
realidade aterrorizante da maioria da população infeliz e
vulnerável, submetida a forças que não entende nem muito
menos, controla” (Ibid., p. 170). Essa característica da
ideologia dominante, que no processo de globalização passa
sobre uma visão ou uma imagem de um mundo global em
harmonia com todas as etnias mostrando, contudo, que é
possível contemplar as maravilhas do mundo dos ricos. Não
obstante, por outra face, impõe uma visão ilusória de uma
igualdade não racional numa realidade totalmente desigual.
A globalização é perversa e alimenta um sonho de
expectativas e de poder que faz suprir satisfatoriamente as
necessidades de todos indistintamente. O poder dessa
ideologia de manipular as consciências, de forjar, mascarar e
escamotear a verdadeira percepção da realidade é
inconfundível. Aquilo a que se assiste são contradições que
confundem o indivíduo numa perspectiva alienadora e
manipuladora da consciência humana. Chauí denomina de
alienação um momento inicial da dominação da consciência,
isto é, “a forma inicial da consciência é, portanto, a alienação.

1 Karl Popper: A sociedade aberta e os seus inimigos


por João Carlos Espada, Publicado em 13 de Junho de 2009
Para Popper, o governo representativo ou popular surge como um dos
instrumentos para limitar o poder, e não como fonte de um poder absoluto
que devesse ser transferido de um ou de alguns para todos.
http://www.ionline.pt/conteudo/8578-karl-popper-sociedade-aberta-e-
os-seus-inimigos.

57
E porque a alienação é a manifestação inicial da consciência,
ideologia será possível: as ideias serão tomadas como
anteriores à práxis, como superiores e exteriores a ela, como
um poder espiritual autônomo que comanda a ação material
dos homens” (1990:65). Segundo, Rubem Alves, em Marx a
alienação tem um primeiro sentido a partir de um mundo
onde as coisas são complexas,
(...) porque a natureza humana alienada não é
gerada por si mesma. A consciência é dialética.
Ela vem a existir em relação com o mundo, a
sociedade, a história que a cerca. Por isto as
ideias não são simplesmente entidades
psíquicas. Elas refletem as relações sociais que
determinam a consciência. Esta é assim um
espelho, frequentemente invertido, do mundo
que a condiciona. (1988:75-76).

Por outro lado, fala-se ainda de uma sociedade global


a partir de uma visão holística imbricada na camuflada
realidade de um mundo virtual onde tudo é possível e, que
tudo está interagindo ao mesmo tempo na consciência do
individual ao social de forma a transparecer a lucidez de uma
realidade harmônica e integrada na vida e nas ações das
pessoas. Contudo, essa visão perpassa sutilmente o todo da
sociedade, tentando estabelecer um consenso socialmente
catártico aceite por consciências conformadas e confortadas
pela falta de maturidade, maioridade e visão crítica segundo a
qual é possível a justificativa dos atos humanos
independentemente da natureza do fato. Sendo assim, merece
questionar essa complexidade da realidade do mundo
globalizado pela falta de uma ética humanizadora. A
perversidade da globalização ou da “globocolonização”
58
segundo Clodovis Boff, traz em seu bojo a aparência do real
em forma de fetiche sem levar em consideração o próprio agir
humano no que se refere à subjetividade do indivíduo como
também na transparência da carga de objetividade da ação do
sujeito. A visão concentradora da globalização nega a
condição da vida e do ser humano em sua dignidade. A ética
do acumular não tem escrúpulo.
Diante dessa realidade expectante do mundo
globalizado, a cultura humana não pode ser descaracterizada
nem muito menos perder a expectativa pela consistência da
integridade ética do ser humano, principalmente uma ética do
cuidado. É de se ressaltar que culturalmente a viabilidade de
um passado histórico se faz presente e se projeta num futuro
humanizado. O processo sociocultural no decorrer da própria
história foi perpassado por transformações e influências de
um processo de aculturação fomentado pelos poderes
políticos, econômicos e ideológicos de cada época. No
entanto, parece não ser possível transpor essa barreira sem se
submeter a aceitar as regras do jogo dominante. O resultado
tem sido imposições morais e culturais forçando a mudança
de hábitos, costumes e arquétipos que, ideologicamente
perpassando fronteiras, invadem os espaços privados da vida
social e das sociedades. As famílias, a consciência individual,
sutilmente, sofrem as transformações pela imposição de
outrem.
A preservação da cultura nordestina não tem sido
fácil. É necessário relutar muito contra as invasões da cultura
americana, por exemplo. Tudo que é veiculado através dos
Mass Media e Mini Mediam tem impactos sociais consideráveis.
Muitas vezes não se leva em consideração a eticidade como
59
fundamento basilar de toda uma sociedade. Dessa forma a
inovação da vida burguesa secularizada e relativizada pela
onda de uma liberdade utilitária contribui para incidir no
convencimento de uma realização individual hedonista como
a melhor condição de realização e satisfação do ego pessoal
na busca do prazer pelo prazer. O mundo globalizado vê no
homem o protótipo da reificação do ser.
Contudo, não se deve descurar que as contribuições
dos avanços das várias ciências e das várias tecnologias de
consumo são grandes contributivos, mentores e promotores
de um mundo de desejos e anseios que não dependem de uma
ética fundamentada num estilo de vida onde o cuidado e a
preocupação com o outro traduziam a preocupação com a
relação e a promoção humana. A moral familiar era
fundamentada num princípio de verdade e virtudes passadas
de pai para filho estabelecendo um princípio de autoridade
pelo respeito humano e não em qualquer modelo de
comunicação ou prática moral individualista. Todavia, o que
se percebe com o desenvolvimento das comunicações tornou-
se mais fácil o intercâmbio, maior difusão literária, maior
influência das redes sociais criando uma nova situação cultural
e modificando o estilo dos relacionamentos humanos (Cf.
Diégues Júnior, 1980:181). Hoje, visa-se pela inversão de
valores, enfatizando a mentira, a ganância (corrupção) como
forte espaço das conquistas subjetivas, em detrimento de uma
convicção ética abalada pelas relativizações das ações do
sujeito supostamente ético que entra em choque, nesse
momento, com as estruturas humanas, abalando-as e
quebrando paradigmas que serviam de esteio à convivência

60
humanamente fundamentada num modo de vida digno e
coerente.
A corrupção nega o princípio de honestidade, o
cumprimento do dever, a fidelidade à palavra dada ou à
promessa feita. Era a partir de uma simplicidade das relações
e do cuidar humano que se construíam convicções sociais
num modo de vida estruturante e estruturador do homem e
do cidadão confiável e confiante aos olhos da sociedade. Essa
valorização das ações humanas formou uma consciência do
cuidar que se sedimentou e se fortaleceu na própria visão
feminina. A mulher era vista como aquela que preservava e
fortalecia moralmente as experiências humanas na formação
básica do filho e da filha e, assim, passavam os valores do
cuidado como uma atitude humana que permitia aglutinar a
diversidade de valores. Para Piaget, o desenvolvimento
intelectual e do juízo moral da criança se desenvolve a partir
de quatro aspectos básicos: a anomia, a heteronomia, a
socionomia e a autonomia. Nesse sentido a mulher exercia
maior influência nas crianças por estar mais diretamente ligada
ao crescimento e desenvolvimento da mesma. O cuidado
materno sobressaía. O princípio da ética do cuidado estaria
mais bem desenhado nesse contexto já que “o
desenvolvimento moral é o desenvolvimento da captação
cognitiva para fazer juízos morais” (Ferrer, 2005:259).
Segundo Lawrence Kohlberg apud Ferrer, “o
desenvolvimento moral fundamenta-se, essencialmente, no
desenvolvimento intelectual” (Ibid., p. 260). É preciso que se
adquira uma maturidade moral na construção de “juízos
morais universais e imparciais” (Ibid, ibidem) já que a ética do
cuidado requer prudência e cautela, firmeza e solidez para,
61
assim, manter o espírito leal diante das estruturas sociais que
o cercam. Virgínia Woolf, apud Ferrer, refere que “os valores
das mulheres diferem muitas vezes dos valores que foram
elaborados pelo sexo oposto”. Entretanto, “os valores
masculinos são os que prevalecem” (Ibid., p. 264). Ainda vale
ressaltar que os universos masculinos e femininos são
divergentes e é por isso que “as mulheres articulam sua
sensibilidade moral numa voz diferente, porém, não inferior
à dos homens, mas que é igualmente válida” (Ibid, Ibidem). É
exatamente nesse contexto que se pode dizer que “enquanto
os homens falam na linguagem impessoal da justiça, as
mulheres falam no idioma pessoal do cuidado e no contexto
das relações” (Ibid, p. 265) Que influências a globalização
exerce na relação homem e mulher diante de tantas
mudanças? Como a questão ética é contemplada?
Ao fazer esse recorte sobre a formação ética do
indivíduo e ao destacar as éticas do cuidado como tendo suas
bases direcionadas com certa preponderância à dimensão
feminina, quer-se mostrar o inverso de que muitas atitudes
éticas urgem mediante o processo formativo do ser humano.
Este tem sofrido profundas influências de uma concepção
negativa da axiologia humana influenciando, quiçá, numa
mudança, até certo ponto, radical na concepção da realidade
das relações e convicções pessoais e sociais, relativizando o
próprio sentido da pessoa humana tornando-a um mero
objeto de satisfações inesgotáveis.
No Nordeste onde se luta tanto por uma igualdade ou
equidade de direitos e de deveres entre homens e mulheres,
tem sido uma verdadeira contenda, pois parece não haver
compreensão da terminologia em discussão; Jacques Derrida
62
salienta que “a equidade não é igualdade” (2003:36). Não se
tem um denominador comum, mas a dimensão feminina do
cuidado no sentido do cuidar ético e do cuidar moral ainda é
bem presente, pois essa relação se estabelece entre “a pessoa
que cuida e a pessoa que é cuidada” (Ibid., p. 267). É pela
condição dos sentimentos humanos que prevalece a visão
feminina como a condição primeira para que haja
afetivamente a passagem de sentimentos e de valores ético-
morais na formação básica do indivíduo, naturalmente
quebrada pela globalização.
Todavia, o principal questionamento que fazemos é
saber como o processo de mudanças do mundo globalizado
chegou a mudar os costumes familiares. Em que o mundo
atual globalizado tem sido a causa-morte de tantos valores
humanísticos? A convivência humana tem sofrido perdas
significativas com o isolamento dos indivíduos, com a falta de
cuidado, de respeito e sensibilidade pelo outro e nas famílias.
Onde está o porquê dessa inversão? A cultura nordestina tem
resistido bastante a essa situação. Até quando isso é possível?
O mecanismo de aculturação econômico e ideológico tem
sido mais convincente. Por quê? Será que uma ética do
cuidado nesse sentido aproxima as pessoas entre si e as
humaniza? Será que as influências que chegam ao homem na
sua simplicidade de senso comum ou ao intelectual marcado
pelas mudanças e transformações que os conhecimentos
teóricos, científicos e técnicos do mundo das inovações e dos
avanços da civilização hodierna afetam o comportamento
ético-moral?
Será que a visão globalizadora da cultura tem sido um
instrumento de fortalecimento da economia com a ascensão
63
do turismo no mundo com o intuito de aproximar as pessoas
enquanto sujeitos meramente de consumo? Nas grandes
cidades, o homem não consegue viver mais sem o ritmo
acelerado da vida urbana, enquanto o homem do campo leva
tempo a se perceber dentro desse novo ritmo de vida ou
podemos até afirmar que em sua maioria não consegue entrar
no ritmo de uma vida agitada e a se acostumar com tantas
invenções e inovações. Isso não significa dizer que não há
perdas culturais, pois as mesmas acontecem noutro sentido,
ou seja, de uma ética tradicional em confronto com uma ética
utilitária, gerando impactos nas relações familiares e na vida
da cidade que não consegue fazer distinção da realidade, mas
abala a estrutura social e o sentido de bem comum ou, mesmo,
uma ética pautada no sentido de uma assistência mais
humanística. Esse não é mais um dos grandes desafios, hoje?
Para manter o verdadeiro espírito ético no que diz
respeito às identidades pessoais na cultura, tenta-se alimentar
a relação do cuidado humano como necessária à preservação
dos valores básicos morais de integridade que una o ser
humano num espírito de mais solidariedade. Do contrário, os
homens não se entendendo passam a se autodestruir como
também a destruir os demais como acontece na atualidade?
Principalmente, pelo desencadeamento de uma violência
desenfreada? Essa realidade mostra quanto a sociedade
nordestina tem perdido valores e deixando de cuidar,
principalmente do direito à vida. Consequentemente, tem-se
um acréscimo de acidentes, de mais violência sobre o
indivíduo sobrecarregando o trabalho dos profissionais da
saúde que, em sua labuta diária, não conseguem dar conta.

64
Doutra maneira, percebemos que nos lares já está
presente a relativização e perdas que lhes têm custado e
causado tantas dores e sofrimentos entre os próprios
familiares pela falta do aconchego, do zelo, do tratar bem do
outro, com carinho, dedicação e afeição. Atualmente, o que
mais ocorre é uma espécie de descaso, de abandono do outro,
pelo outro e para com o outro. Portanto, questionamos como
esse novo jeito de ser frio e calculista não fere o ser humano
eticamente? Será que de tudo isso despontará uma nova ética
do cuidar? Será possível haver, num futuro próximo, mais
entendimento entre as novas gerações ética e moralmente?
Quando o outro não será visto como um inimigo, mas como
um amigo? Será que temos de afirmar como Sartre “o inferno
são os outros?”.
A vida se tornou mais privada e fechada em si mesma,
então, de onde desabrochará um novo sentimento no
homem? Pela própria dinâmica da história, poderemos
acreditar que o homem a compreenderá e criará um novo
modelo de vida social? E, como os profissionais da saúde e da
educação veem tal contexto? Que impactos causam à sua
profissão? Parece que nenhuma sociedade que esteja
passando por esse ataque opressor da globalização econômica
e ideológica esteja preparada para romper e superar tanta
imposição nos valores já existentes em cada cultura.
O fenômeno da globalização vem conseguindo
despertar e fomentar o consumismo na cultura nordestina. Há
uma obsessão pela moda. É um exemplo significativo. Como
a sociedade se torna cada vez mais vulnerável a aceitar as
coisas sem antes passar pelo crivo da consciência crítica. As
famílias nordestinas têm sido as mais atingidas com todos
65
esses impactos culturais. É como uma grande avalanche que
chega de repente e não se dar o devido tempo de se precaver,
logo, se é tomado repentinamente por toda enxurrada de
“novos valores” que inebria a todos.
Acreditamos que não haverá uma nova aurora se não
houver senso de responsabilidade social por meio de uma
ética que renove as atitudes e os princípios de justiça, de
virtude, de entrega, de solidariedade, de compreensão e de
alteridade. Para que haja integridade e harmonia dos valores
numa sociedade não se pode colocar a ordem jurídica acima
da ordem moral.
O homem não precisa de muitas regras para viver sua
dignidade. A nossa ordem jurídica está passando por cima da
ordem moral e como consequência toda ação humana passa a
ser normatizada por convenções que delimitam os passos do
cidadão de forma exacerbada. Falta controle da situação moral
da sociedade. A lei simplesmente é imposta de forma
heterônoma e a sociedade reage tentando burlá-la. A lei,
assim, se descaracteriza e perde o seu valor e seu respeito.
Quando a sociedade retomar o sentido da educação a
nível familiar, escolar e na sociedade, certamente, as crises
pessoal e existencial serão minimizadas. Uma educação de
qualidade fortalece ou não subjetivamente a compreensão de
si mesmo e do outro resgatando ou reformulando conceitos
sobre o homem e, consequentemente, sobre uma visão mais
humanística da vida?
Se há uma desvalorização das ações humanas advindas
pela perda do sentimento de respeito, de responsabilidade, de
bondade, de solidariedade, então, como superar essa atitude
de maquinar o mal em detrimento de bem? Sensibilizar-se
66
pelo sofrimento alheio e ser capaz de colaborar na solução e
cura dos males, também não significa superação de limites?
Agridem-se mais do que se ajuda.
Como resgatar uma nova visão da ética do cuidado
humano? Se no mundo do trabalho falta colaboração,
amizade e solidariedade; pelo contrário, existe uma grande
concorrência e com isso se procura derrubar o outro. Há uma
síndrome da perseguição. O outro é visto como um degrau
onde se pisa para subir mais um no status social. Segundo Dias
em sua obra “Quem ama não adoece”, trata-se de situações
que o mundo do trabalho desencadeou no indivíduo,
principalmente, pelo estresse e que o conduz até a loucura, ou
seja, “o estresse ocupacional é dos mais emblemáticos de
nossa época e nossa civilização ocidental” (1998:310).
Na realidade brasileira a sobrecarga de estresse gera
depressão, ansiedade, desprezo e suicídio com mais
frequência, por isso que Dias reafirma sua convicção de que
“O ser humano saudável e livre, em princípio, de doenças é
aquele que se aproxima o mais possível do estado de
crescimento, aceitação e desenvolvimento íntimo que lhe
permite adotar, de fato e não apenas para consumo externo
um padrão de comportamento” (Dias, 1998, 365-366). A
constatação dos graves e sérios descasos no trato ao ser
humano na saúde pública tem conduzido a sociedade a uma
sequência de manifestações contestatórias exigindo melhores
condições, principalmente, na saúde e na educação e uma
maior postura ética dos gestores e profissionais em geral.
O fenômeno da globalização trouxe à cultura
nordestina entraves nas relações interpessoais, com o
distanciamento entre as pessoas e a imposição de
67
determinados padrões sociais através da mídia e das empresas
de grande porte. Indiferença e frieza nas relações humanas
criam impactos nos costumes e nos hábitos morais. A perda
do contato, do calor humano e da boa vizinhança agrava-se
cada vez mais numa sociedade que privilegia o sentido de
mundos isolados: o mundo da escola, o mundo do trabalho,
o mundo da religião entre outros.
O isolacionismo segundo o qual cada um cuida de si
mesmo, nega o sentido de acolhida entre os indivíduos e as
famílias nordestinas. Não é condição do homem viver só, mas
para a sociabilidade humana como exercício da sua liberdade.
Segundo Penzo, “o homem é, antes de tudo, liberdade, e o
horizonte autêntico da liberdade não pode ser captado
mediante o puro conhecer, (...) torna-se consciente não mais
de seu poder sobre as coisas que o circundam, mas sim de seu
não-poder” (1998:14-15). O homem é um ser para os demais.
Um ser que cuida.
O cuidado é uma ação contínua livremente expressa
pela condição humana da sua natureza livre, capaz de se
manifestar nas condições mais dramáticas e desumanas como
em situações ou momentos mais simples de atitudes solidárias
que às vezes rompem essa barreira do egoísmo. São sinais
pontuados que determinam momentos da existência do ser
humano como ser ético.
O ser humano é um potencial em si mesmo de onde
brota sentimentos de verdade, justiça, solidariedade e
alteridade como princípios éticos que caracterizam a condição
humana como fruto de sua liberdade. Viver dignamente faz
parte do ser pessoa que o impulsione a viver de maneira ética
a própria vida. Por isso que uma crítica à globalização
68
econômica, não pode ser o determinante nem suplantar a
existência humana diante da exploração do homem pelo
homem.

69
A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO NORDESTE
BRASILEIRO

“A origem social não produz o fracasso escolar”.


Bernard Charlot (2009)

Como a cultura não pode distanciar-se de um projeto


de educação e de uma formação humana centrada no
desenvolvimento integrado do ser humano, também não é
possível existir uma escola que não caminhe inserida à
realidade do homem como sendo ele o próprio sujeito da
educação. Mas, se existir? Não está fadada a descaracterizar-
se do seu objeto principal? Neste capítulo tende-se destacar a
relação entre educação e escola na realidade do povo
nordestino levando em consideração que é ela quem prepara
e lança o homem do amanhã. Nesta condição está o
profissional da saúde qualificado ou não mediante as
contradições que da mesma podem surgir no projetar o
homem que se quer formar ou construir.
Portanto, faz-se jus olhar a realidade da educação no
Nordeste brasileiro e analisá-la no contexto atual de
transformação e de mudança sócio, política, econômica e
cultural. Todavia, é bom salientar que não se constrói uma
sociedade sem um projeto arrojado de educação e uma escola
equipada ou equiparada aos objetivos dessa educação,
contendo, assim, os elementos substanciais desse mesmo
projeto que lhe dê possibilidades de existir para transformar o
sujeito em agente consciente de mudança.

70
2.1 A educação no Nordeste: trajetos e percursos

Primeiramente procuramos dar um enfoque ao


processo histórico da educação no Nordeste, salientando que
é necessário começar com um destaque ao percurso da
história da educação no Brasil tendo em vista, contudo, que
sempre houve para todo território nacional um único e
mesmo projeto com uma só dinâmica tornando-o comum em
termos territoriais sem levar em consideração as discrepâncias
existentes entre as realidades regionais.
Numa visão mais geral, podemos dizer que a educação
no Brasil sempre refletiu as situações, condições e
acontecimentos políticos, históricos e culturais, que
historicamente, serviram de mecanismos de influências para
as possíveis mudanças na sociedade.
Essas influências têm seu ponto de partida no século
XVIII quando a educação estava a cargo dos padres jesuítas,
que aportaram em terras brasileiras em março de 1549
acompanhando o primeiro governador-geral Tomé de Souza
e eram comandados pelo Padre Manoel da Nóbrega.
Contados 15 dias da chegada dos jesuítas no solo brasileiro,
ergueram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador
que teve como professor um jovem de apenas 21 anos
conhecido como irmão Vicente Rodrigues que durante mais
de 50 anos propagou a fé católica e modelou a educação
brasileira a partir dos costumes europeus.
Os padres jesuítas foram os únicos responsáveis pela
educação brasileira durante um período de duzentos e dez
anos. Depois de muitas queixas sobre o ensino oferecido

71
pelos padres jesuítas, os mesmos foram expulsos pelo
Marquês de Pombal que naquele momento era Ministro de
Dom José I o que levou à paralisação dos colégios, missões,
seminários menores e escolas elementares. A educação
brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica
num processo já implantado e consolidado como modelo
educacional. Se os padres jesuítas tinham como objetivo servir
aos interesses da fé, a reforma pombalina buscava a escola
com o objetivo de servir aos interesses do Estado o que
acarretou um grande prejuízo para a educação brasileira.
Contava-se com professores mal preparados visto que eram
nomeados por indicação o que lhes davam o título de
proprietários vitalícios de suas aulas régias, perfazendo
salários muito inferiores.
Desse período tão conturbado, sobressaiu a criação de
um curso de estudos literários e teológicos, no Rio de Janeiro
e também o Seminário de Olinda, Pernambuco. Portanto, essa
situação só foi amenizada com a chegada da Família Real ao
Brasil em 1808 e o que se viu foi uma nova ruptura com a
situação anterior.2
Devemos levar em consideração que no Período
Colonial, foram os padres jesuítas que transportaram a
tradição clássico-humanista da educação do velho mundo
tendo seu percurso marcado até o Ato Adicional de 1834.
Essa influência primeira está marcada pelo pensamento
político e pedagógico dos enciclopedistas franceses. Por outro
lado, com a chegada de Dom João VI, o ensino secundário

2(Cf.http://www.adonaimedrado.pro.br/principal/index.php?option=co

m_content&view=article&id=56&Itemid=97).

72
sofreu um declínio na sua função formativa passando a ter
uma função meramente propedêutica, mudando somente
quando da primeira Constituição republicana, em 1889.
Entretanto, foi com Benjamin Constant que se fez uma
reforma do ensino primário e secundário com a influência do
positivismo de Augusto Comte na tentativa de reaver o
sentido formativo da educação, mas que só foi conseguido
parcialmente.
Com a deflagração da primeira guerra mundial, em
1914, o Brasil recebeu várias novas ideias advindas de
correntes políticas, culturais e pedagógicas atingindo seu
clímax com a Revolução de 30 com a criação do Ministério da
Educação e Saúde. Daí se deu a chamada Reforma de
Francisco Campos assumindo proporção nacional e dando
ênfase a necessidade da formação de professores secundários
e de cultura geral. Foi a partir desse momento que o ensino
secundário teve sua estrutura distribuída em sete séries, sendo
duas propedêuticas e cinco de estudo básico.
Em 1934 surgiu no Brasil o movimento Escola Nova,
dividindo em duas facções a política educacional brasileira, ou
seja, de um lado os reformistas a partir das teorias de Dewey,
Claparède e Durkhein; de outro, os espiritualistas e cristãos
tentando conciliar o novo método com os ideais do
catolicismo contra a laicização do ensino. No entanto, foi o
advento do Estado Novo, com a Constituição de 1937 que se
definiu somente ‘à União caberia traçar as diretrizes da
educação em todo o país e fixar o plano nacional de educação’,
e que ‘aos Estados competiria organizar e manter os seus
sistemas educacionais’ (Cf. Jardim et al., 1987:14-15). Mas, é
em 1941 que o ministro Capanema através da lei Orgânica do
73
Ensino Industrial, projetando a educação técnico-profissional
implantou escolas em todo território nacional.
Em 1942, o ensino secundário sofreu uma grande
reforma. O objetivo era formar integralmente a personalidade
dos educandos. A reforma consistiu em dois ciclos: o ginasial,
em quatro anos e comum a todos, e o colegial, subdividido
em clássico, destinado aos adolescentes chamados à formação
clássica ou humanística, e o científico, para atender à
formação científica e realística. Em 1946 a Constituição
restabeleceu o regime democrático no país resgatando alguns
princípios sobre a educação como: ‘a educação como direito
de todos, a escola primária obrigatória, a assistência aos
estudantes e a gratuidade do ensino oficial para todos ao nível
primário e, aos níveis ulteriores, para quantos provassem falta
ou insuficiência de meios’; e, restabeleceu também como regra
‘o ensino ministrado pelos poderes públicos’, embora livre à
iniciativa particular, dentro dos limites da lei’ (Cf. Piletti,
1995:187).
Nos anos cinquenta, procurou-se dar uma
diferenciação total entre o ensino secundário e o técnico: o
primeiro, inflexível e acadêmico; o segundo, utilitário. Neste
período, o ensino primário evoluiu qualitativamente muito
mais e muito mais cedo que o ensino médio. Destacaram-se
nesse momento, a existência de escolas de formação de
professores nas maiores cidades, a vinculação às
administrações estaduais e a relativa liberdade de suas escolas.
Entretanto, com a influência das ‘classes nouvelles’ do sistema
educacional francês, em 1957, tomou vulto as chamadas
‘classes experimentais’ no Brasil, passando as escolas a ter um

74
espírito de maior iniciativa e preocupação com suas
liberdades.
Um grande marco da educação brasileira se deu
quando da sancionada Lei de Diretrizes de Base da Educação
Nacional em 20 de dezembro de 1961, e entendidos os seus
termos como ‘diretriz’, uma linha de orientação, direção geral
a seguir e ‘base’, o fundamento, o alicerce sobre o qual se
ergue toda a estrutura educacional. Contudo, somente, em
1968, com a promulgação da Lei 5.540, que fixou as normas
de organização e funcionamento do ensino superior e sua
articulação com a escola média, novos rumos começaram a
ser acenados para a educação de nível colegial. E, em 1971 a
Lei 5.692 estabeleceu o objetivo geral para o ensino de 1º e 2º
graus: Proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de
autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o
exercício consciente da cidadania. (Cf. Piletti, 1995, p. 15-18).
No Brasil, também, houve uma preocupação e um
incentivo considerável por parte do Governo Federal através
do Ministério da Educação com os movimentos de educação
popular de 1946 até 1964, iniciando com a Campanha de
Educação de Adultos em 1947 até 1950 obtendo bons
resultados. Merece ainda destaque o Movimento de Educação
de Base (MEB) articulado pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), a partir de duas experiências de
“educação radiofônica” realizadas no Nordeste pelas dioceses
de Natal (capital do Estado do Rio Grande do Norte) e de
Aracaju (capital do Estado de Sergipe). Planejado para cinco
anos (1961-1965), o MEB previa a instalação de 15.000
escolas radiofônicas no primeiro ano. Envolvia a participação
75
de funcionários federais e a cooperação de diferentes órgãos
do Governo Federal. O terceiro movimento, o Programa
Nacional de Alfabetização. A estruturação do Programa teve
início em 1963 e, somente em janeiro de 1964 teve início
oficialmente. O Programa ‘convocaria e utilizaria a
cooperação e os serviços de agremiações estudantis e
profissionais, associações esportivas, sociedades de bairro e
municipalistas, entidades religiosas, organizações civis e
militares, associações patronais, empresas privadas, órgãos de
difusão, o magistério e todos os sectores mobilizáveis’ (Art.
4º do Decreto nº 53465, de 21 de janeiro de 1964) (Cf. Piletti,
1995:192-194).
A alfabetização de adultos se faria mediante o uso do
Sistema Paulo Freire. O próprio Paulo Freire foi nomeado
para as funções de coordenador do Programa Nacional de
Alfabetização. Sua experiência falaria mais alta, porque em
1961, seu método já praticamente estruturado foi posto em
prática no Recife. Em 1962, estendeu-se a João Pessoa (capital
do estado da Paraíba) e a Natal (capital do estado do Rio
Grande do Norte), onde se desenvolveu a campanha “De pé
no chão também se aprende a ler”. Embora, a experiência que
deu divulgação nacional ao novo método foi realizada em
Angicos, no Rio Grande do Norte, cujo encerramento contou
com a presença do Presidente da República. Entretanto, no
dia 1º de abril de 1964, os militares tomaram o poder, o
Programa foi extinto e seus organizadores, acusados de
subversão, foram presos e exilados (Ibid, p. 194).
É bom salientar que no período da ditadura militar
nos anos de 1965 a 1984 a educação de jovens e adultos
passou a ser monitorada pelo próprio governo através do
76
projeto Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e
propunha a alfabetização funcional visando conduzir a
pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo
como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo
melhores condições de vida. Tinha também o objetivo de
proporcionar alfabetização e letramento a pessoas acima da
idade escolar convencional. A recessão econômica iniciada
nos anos 80 inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que
demandava altos recursos para se manter.3
Atualmente, o ensino básico no Brasil sofreu mais
uma mudança com um período escolar que vai do ensino
fundamental I e II passando de oito anos para nove anos a
partir de 2009.

2.2 Escola e formação da consciência crítica e democrática

O Brasil teve uma grande expressão na educação


popular ou educação de adultos, a figura do educador Paulo
Freire, natural de Recife, Pernambuco, o qual teve a ideia de
sistematizar um método de educação para alfabetizar jovens e
adultos. Atualmente foi instituído “Patrono da Educação
Brasileira”. O seu grande feito foi organizar um método que
quebrasse os paradigmas estabelecidos pela educação formal
e/ou “bancária”, como assim a denominava. O método traz

3http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Brasileiro_de_Alfabetiza%C

3%A7%C3%A3o Acesso em 15.12.2013.

77
uma sistemática de conteúdo a partir de uma estrutura
dialógica entre o professor, o aluno e a realidade ou o
quotidiano em que está inserido o próprio aluno. Uma
“Educação para a Liberdade” ou uma “Pedagogia do
Oprimido” como diz o próprio Paulo Freire, com o
despertar da consciência, conduzindo-a a criticidade do
pensamento para viver a praticidade do cotidiano. Nesse
processo torna-se fundamental o conhecimento empírico
essencialmente baseado na vida e, assim fazer com que o
próprio aluno sinta-se e perceba-se agente e construtor do
conhecimento e da própria história a partir de uma concepção
problematizadora onde o aluno “é o sujeito que se deve
autoconfigurar responsavelmente” (1987:9).
Em sua primeira experiência de alfabetização de
adultos, Paulo Freire, conseguiu em um mês alfabetizar 400
homens na cidade interiorana do Rio Grande do Norte,
denominada de Angico. Nesse processo acreditava Paulo
Freire que era possível haver uma transformação radical no
sujeito e em sua consciência, pois se deve levar em
consideração que “não há homem absolutamente inculto: o
homem “hominiza-se” expressando, dizendo o seu mundo.
Aí começa a história e o seu mundo”. (Ibid. p.19). Sendo
assim, a tomada de consciência do mundo conduz a uma
tomada de consciência da visão de poder existente. Sendo a
sociedade gerida por uma democracia representativa e tendo
o voto um grande valor nesse sistema de governo, esse
homem estando inserido nesta realidade começa a ter uma
nova interpretação da mesma, principalmente por ela ter uma
ideologia capitalista segundo a qual a visão de homem se dá a
partir da exploração do próprio homem. Essa consciência
78
começa a responder ao mesmo tempo em que se dá a
experiência da expressão do exercício de sua liberdade ao
participar da experiência da responsabilidade do voto. Então,
o homem busca encontrar-se nesse mundo e, para que isso
aconteça, é preciso “dar ao homem a oportunidade de re-
descobrir-se através da retomada reflexiva do próprio
processo em que vai ele se descobrindo, manifestando e
configurando – ”método de conscientização“ (Ibid. p. 15).
Contudo, a educação, como prática da liberdade,
ressalta Lenise do Prado, “é revelada na convivência coletiva
e, como tal, precisa desenvolver competência profissional
para intervir na realidade com autonomia e resolutividade,
respeitando as regras democráticas” (2007:531). Nesse
processo formativo é possível desenvolver uma consciência
crítica mais intelectualizada e democraticamente mais sólida.
Esse processo no Nordeste brasileiro tem sido lento e de
complicações ético-morais pela condição de submissão
político-econômica em que vive o nordestino. Não vemos,
por exemplo, um movimento estudantil aguerrido em
defender os direitos do estudante a partir de um projeto bem
elaborado com propostas claras e viáveis na construção da
cidadania e de uma sociedade mais crítica. Percebemos que há
uma acomodação nas representatividades. É notória uma
formação escolar mais eficiente, voltada para as elites,
enquanto que a maioria da população jovem recebe um ensino
de regular a fraco. A formação escolar está cada vez mais
seletiva e aqui está uma das críticas feitas aos profissionais da
saúde que cada dia mais se fecha em seu mundo estritamente.
A sociedade brasileira passou por uma ditadura
militar, num período de 21 anos, de 1965 a 1986, a qual tirou
79
da escola o papel de conferir autonomia e de exercer um
processo conscientizador cultural e politicamente. Entretanto,
a abertura política surge tímida e controlada, sem muitas
possibilidades de novas condições para repensar a educação e
juntamente com ela a tomada de consciência por parte da
população.
Hoje, 27 anos depois da democratização a democracia
ainda está num processo lento de conscientização,
principalmente nas academias e universidades onde se tem um
número grande de jovens. A princípio parecia que o elã da
abertura começava a vislumbrar uma nova época da
construção da vida democrática e cidadã do país. O processo
de democratização e conscientização política é lento, pois o
descrédito popular leva a uma indiferença política. No Brasil
ainda existe a obrigatoriedade do voto, a não participação leva
o eleitor a uma punição por parte da justiça eleitoral.
Diante de tal contexto, a escola precisa dar mais ênfase
a formação política tendo em vista uma consciência mais
crítica e democrática. Percebemos que há uma perda de
sentido no engajamento sociopolítico, principalmente com
relação aos movimentos sociais. Atualmente o que tem
chamado a atenção são algumas mobilizações que
aconteceram por influência de pessoas que através das redes
sociais convocaram jovens e simpatizantes em defesa de
algumas insatisfações de caráter econômico no meio
estudantil.
A década de oitenta e a década de noventa fluíram
grandes pensadores da educação que levantaram bandeiras
significativas com projetos e proposta de uma educação
libertadora e conscientizadora. Daí, a necessidade da
80
educação sofrer profundas reformas. Veio a reforma
constitucional em 1988 e, em seguida, a reforma educacional
na década de 1990, isto é, a Lei de Diretrizes de Base da
Educação Brasileira (LDB) tendo como revisor principal,
Darcy Ribeiro. Foi ele quem elaborou e fez aprovar no Senado
e enviar à Câmara dos Deputados a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB, sancionada pelo Presidente da
República em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy
Ribeiro.
No Nordeste brasileiro, ainda predomina o maior
número de pessoas analfabetas e semianalfabetas ou os
analfabetos funcionais. A escola pública, principalmente, tem
um nível muito baixo no ensino e pouco interesse por parte
dos professores quanto à qualidade do ensino e dos alunos
pelo estudo. A escola busca simplesmente a escolarização e
não a intelectualização.

O nível educacional a que a alfabetização se


refere é pequeno. O recorte entre alfabetizados
e analfabetos fornecesse informações muito
elementares sobre a população. Reconhecendo
a complexidade das demandas da sociedade
contemporânea sobre as habilidades da leitura e
escrita, pesquisadores têm nas últimas décadas,
desviado seu o interesse pelo fenômeno do
analfabetismo absoluto, determinado pela
incapacidade de ler (ou ler e escrever) textos
simples, para o chamado analfabetismo
funcional, que compreende não só a leitura e
compreensão de textos em prosa (como
mensagens, notícias e instruções) como também
o uso de textos como informação esquemática e
numérica (como tabelas e gráficos), bem como
habilidades de escrita e cálculo para fins
pragmáticos em contextos cotidianos,
81
domésticos ou de trabalho. Mais recentemente
tem sido utilizados os conceitos de literacy
(alfabetismo ou letramento) e numeracy (domínio
do cálculo) no lugar de analfabetismo funcional,
com o objetivo de melhor classificar os
indivíduos que não compõem o grupo de
analfabetos absolutos. (Souza, 1999: 170).

A nossa pesquisa tem sempre dado um enfoque à


formação da consciência crítica e da consciência solidária a
partir do cuidar. Essa situação, consequentemente repercute
nos resultados da atuação do profissional da saúde
principalmente. Um quadro preocupante se apresenta num
grande número de alunos, formandos e recém-formados na
área da saúde, que ao terminarem seus cursos e passam a atuar
na sociedade cometem erros crassos no conhecimento
científico e tecnológico, na falta de conhecimento da ética
profissional deontológica condizente com a responsabilidade
social da profissão e, consequentemente a falta de consciência
crítica, democrática e cidadã.
Diante de tal realidade surgem questionamentos
como: que modelo de educação é mais viável e mais eficiente
para uma sociedade em constante processo de mudança e
transformação como a brasileira? Por outro lado, questiona-
se, como está sendo a formação das licenciaturas para
preparar os futuros professores? Por que muitos dos que têm
cursado a licenciatura estão nas escolas públicas e o nível de
aprendizagem é muito baixo? Contudo, é bom salientar que a
maioria das escolas privadas a qualidade de ensino é regular.
Por isso mesmo questiona-se muito o processo formativo
atual.

82
Há uma grande crítica sobre a mercantilização do
ensino no Brasil, já que o mesmo se tornou uma mercadoria
muito cara. Do lado da gestão pública, a preocupação é
mostrar à sociedade e aos órgãos internacionais o número dos
alunos aprovados no final de cada ano, independente de sua
aprendizagem ou não, porque a regra do jogo é aprovar. E
fica a questão: a escola pública não é a grande responsável pela
má qualidade do ensino? Como são aplicados os recursos do
governo na educação? São suficientes? Os resultados
alcançados contemplam os objetivos de uma educação de
qualidade? Os métodos utilizados trazem resultados
satisfatórios? Qual a principal preocupação do gestor público
para com a educação? O modelo de educação vigente tem
como objetivo a formação da consciência crítica, democrática
e cidadã do aluno? Se esse é o objetivo, então, como acontece?
Qual tem sido a preocupação do governo na formação
permanente do professorado das escolas públicas?
As questões acima são necessárias para que a
discussão e análise desenvolvidas na sociedade com relação ao
processo educativo vigente sirvam como parâmetro ou
medidor das distâncias entre as pessoas e as exigências
impostas pela sociedade. O Ministério criou uma avaliação do
alunado em nível nacional que se denomina ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio) e ENADE (Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes) esse a nível universitário.
Ambos servem para medir o nível de aprendizagem nas duas
fases de ensino no Brasil. Diante disso as escolas, as
faculdades e as universidades têm se empenhado para oferecer
um ensino de qualidade, embora o alunado ainda não tenha
respondido satisfatoriamente a esse processo. Quanto ao
83
ENEM os resultados têm sido satisfatórios, mas quanto às
faculdades e universidades tem deixado a desejar, neste ano o
MEC suspendeu 270 cursos de oferecerem vestibular no
próximo ano letivo.
Quinze cursos de faculdades particulares de
Pernambuco fazem parte da lista dos 270
suspensos pelo Ministério da Educação (MEC)
em todo o Brasil por apresentarem resultados
insatisfatórios. Isso significa que as instituições
de ensino não poderão realizar novos
vestibulares até que melhorem as notas – todas
abaixo de 2 (o máximo é 5). O resultado,
baseado num comparativo dos anos 2009 e
2012, foi divulgado ontem no Diário Oficial da
União. Com a decisão, a expectativa é de um
corte de quase 45 mil vagas no país (Diario de
Pernambuco - Diários Associados
Publicação: 07/12/2013 17:25).

Várias questões têm sido levantadas como: será que a


regionalização do exame seria mais salutar do que a
nacionalização que padroniza e avalia nacionalmente a
qualidade do ensino sem levar em consideração as realidades
de cada região? Dessa forma não é uma verdadeira agressão
às culturas regionais? À qualidade de vida da classe popular
em relação às classes privilegiadas e ricas.
Se a preocupação primeira na educação brasileira é
como erradicar o analfabetismo, isso não tem sido o óbvio na
prática. Não se vê uma escola preocupada com a construção
do saber, com a busca do conhecimento científico,
tecnológico, ético-moral enraizado na realidade e preocupada
com a construção de uma sociedade mais crítica e mais
aguerrida.
A escola fomenta a reprodução da cultura da realidade
concreta. Ela tem sido omissa, alimentando uma vida mais
folclórica ou o lado folclórico da vida. A falta de compromisso
84
social da escola é evidente. A perda da autoridade e do
respeito para com o professor tem sido preocupante, a
escalada da violência é maior e mais agressiva. Falta proteção
às escolas.
Temos como fato concreto a depredação do ambiente
escolar. É uma constante. Gastam-se mais em restaurar as
escolas do que na qualidade do ensino. Tudo vira sucata e o
desperdício é um verdadeiro absurdo. Não se veem governos
fortes que levem a peito a bandeira da educação e a da saúde.
Por isso, a escola no Nordeste brasileiro tem sido de baixa
qualidade. Quanto mais se questiona, mais se descobrem os
desafios. Na prática, esses desafios não são solucionados, mas
procura-se remediar. A prática da política ainda usa de um
discurso demagógico bastante convincente. O que mais
chama a atenção nos governantes é o cinismo político. Utiliza-
se do paternalismo assistencialista como uma das melhores
maneiras dos políticos conquistarem o voto popular (o voto
de cabresto, na linguagem popular).
Diante desse contexto, a escola se torna inoperante.
Ela não consegue desenvolver uma política conscientizadora
nem no alunado nem na comunidade local ou no bairro onde
está situada. O papel da escola tem sido de manutenção da
ideologização da sociedade globalizada alimentando um
mundo de ficção e ilusão nas classes populares. Há uma
dificuldade no seio da educação intrinsecamente imbricada e
difícil de ser uma metodologia eficiente a ponto de mudar a
história educacional.
Hoje no Brasil existem mais de 300 mil pessoas que
estão formadas no curso de Direito e não conseguiram passar
nas provas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para
obter o diploma reconhecido como advogado. Afinal, para
que serve a educação? Qual a sua contribuição social,
humanística e cidadã? Até quando a educação continuará
sendo instrumento de dominação e aliciamento de uma

85
consciência conformada, alienada ou um mero paliativo à
sociedade de consumo? Quando a educação será capaz de
despertar no aluno o gosto para aprender e para a tomada de
consciência da realidade, criticamente? Ao mesmo tempo são
criados cursos técnicos profissionalizantes que servem como
“válvula de escape” ou mesmo como um álibi para justificar
as políticas públicas em torno da educação. O reflexo de tudo
isso tem como resultado favorecer o poder, enriquecer e
fortalecer de forma pragmática e taylorista as grandes
empresas. Faltam especialistas nas mais variadas áreas do
conhecimento. O projeto desenvolvimentista do Estado leva
as indústrias a buscarem especialista fora das regiões e do país,
inclusive médicos. Não se tem uma mão de obra qualificada
que atenda a demanda do mercado. Mas, diante dessa
realidade, ainda há outro agravante, ou seja, que motivações a
escola proporciona ao aluno para que ele tome gosto e tenha
vontade de estudar, de ler, de aprender? A sociedade tem seus
mecanismos de atração e distração que entusiasmam as
crianças, adolescentes e jovens. Muitos desses meios criam
certa acomodação e despertam o desinteresse pela escola, pelo
saber, pelo conhecimento.
Charlot, ao analisar a relação com o saber e com a
aprendizagem nos meios populares franceses, destaca alguns
comentários que são pertinentes comparando com a realidade
do Nordeste brasileiro atual onde o número de jovens do
meio popular é muito alto e é a maioria. Por isso, quando
Charlot trata da motivação dos jovens na escola e na
sociedade, ele se expressa assim: “ ‘Outros lugares’ aparece,
sobretudo como um espaço de liberdade, de descoberta do
mundo, de autonomização” (2009:45). Para os adolescentes e
os jovens outros lugares que oferecem maior distração e
diversão se tornam mais importantes e mais agradáveis do que
a própria escola. Eis um grande desafio, fazer com que a
escola seja um ambiente atraente e prazeroso, que o estudar

86
não seja sinônimo de pesadelo, de sacrifício, de tormento, mas
um valor na vida em formação de cada educando. Como será
possível fazer? Como mostrar para o aluno que ele deve
preparar-se para a vida? Que motivações o aluno deve
encontrar na escola, que correspondam aos seus anseios e
desejos? Que o conhecimento não seja um simples fazer de
conta, nem um passatempo. A impressão que se tem é a de
que os responsáveis pela escola e pela educação não se
sensibilizam ou não querem assumir a gravidade e o tamanho
da responsabilidade, que é a educação, numa sociedade
exigente como a nossa.
Por outro lado, não se percebe uma sociedade
mobilizada para lutar por uma educação de qualidade. O
mundo do consumo tem um poder de persuasão das
consciências como uma forma de compensação e de
satisfação ilusória que é capaz de suprir as necessidades, os
anseios e desejos da criança ao adulto. A escola, por sua vez,
é vista como o lugar só de festa e distrações. Existe nas escolas
uma dispersão exacerbada que prejudica a concentração e a
aprendizagem. Segundo Charlot, numa situação como essa, a
relação dos jovens com o saber permite concluir que, na
escola, existe um défice de sentido para eles (Cf. 2009:39).
Existe um contra ponto nessa realidade que parece ser
muito evidente, ou seja, diante desses desafios, qual é a relação
da família com a escola? Que responsabilidade na educação
do indivíduo tem a família? Será que a família motiva e
acompanha com assiduidade monitorando o filho na escola?
Aqui parece haver um grande vácuo nessa relação. O desafio
para a família consiste em estabelecer um diálogo permanente
com a escola e vice-versa. A questão é: esse diálogo ocorre no
dia a dia? Como? Ao redor da família e da escola existe outro
problema que se tornou um grande desafio social, isto é, o
mundo da droga. A escola perdeu o controle desta situação
como a família também, sem contar com a situação constante

87
de “bullyng” que tem crescido muito (atualmente o congresso
brasileiro está aprovando uma lei que responsabiliza a escola,
a ela cabe resolver tal situação). Essa situação tem gerado
desmotivação por parte do professorado em transmitir o
conhecimento, como também, o aluno que não quer
aprender. Então, se tem o seguinte agravante: por um lado à
ausência da escola na vida familiar, de outro a família não
motiva seus filhos para o estudo individual e sua formação
intelectual, na maioria das famílias a motivação é tirar boas
notas. Em muitas escolas públicas se vê um professorado
desmotivado diante do descaso existente por parte dos alunos,
principalmente.
Para Paulo Freire, a questão passa pela motivação de
ambos e só assim é possível ensinar, pois “quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(1998:25). Nessa relação existe um compromisso ético-moral,
porque nessa questão ética da relação, mostra que deve haver
uma simbiose na relação ensino-aprendizagem. Daí surge
outro fator importante que trata do significado do saber e do
aprender. Charlot destaca o significado de ambos da seguinte
forma: “Aprender é apropriar-se de um saber visto enquanto
objeto sem referências às situações ou às atividades através
das quais este objeto foi constituído” (2009:93). Em segundo
lugar, “aprender significa fazer”, no sentido mais lato do
termo e assim ser capaz de dominar uma operação ou um
conjunto de operações” (Ibid., p. 94). Num terceiro
momento, “aprender significa entrar nas formas e nos
dispositivos relacionais e assim ser capaz de dominar os seus
comportamentos e formas de subjetividade, nas suas relações
com os outros e consigo próprio” (Ibid., p. 96). E, finalmente,
“aprender é observar e refletir, relacionar fatos e princípios e
dotar-se, assim de um conjunto de referências que permitem
interpretar “a vida” e “a minha vida” e compreender “as
pessoas” e conhecer-se a si próprio” (Ibid., p. 98).

88
Para a família e a escola, os problemas são
desafiadores na formação do indivíduo diante da evolução
científica atual. Fonseca afirma que “a existência de problemas
explica a própria essência da adaptação do indivíduo ao seu
contexto sociocultural, principalmente quando se trata de
uma civilização científica em evolução contínua” (1998:7).
Contudo, nem sempre a família e a escola se adéquam às
circunstâncias dos jovens, procurando entendê-los. Isso que
acontece na atualidade e essa é uma condição também
desafiadora para o educador que tem uma responsabilidade
social e democrática.
Segundo Paulo Freire, “O educador democrático
não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar
a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão” (1998:28). A escola deve formar o homem
politicamente consciente dos seus direitos e deveres o que
Pedro Demo define como “homem político” (1991:14). E,
homem político, continua Pedro Demo, “é aquele que tem
consciência histórica. (...) Politicamente competente, ou seja,
não se ilude sobre suas limitações; exatamente por causa disso
consegue enfrentá-las. Organiza-se para preservar seus
direitos” (Ibid., p. 15). A dinâmica do aprender precisa ser
entendida pelo aluno e desenvolvida pela escola para que se
faça compreender pela comunidade a que atende e na qual
está inserida. O que não sói acontecer. A escola não é vista e
creditada como o lugar agradável, accessível e de
comprometimento com toda a sociedade de forma
responsável. Não é entendida como o lugar onde o exercício
da vida cidadã começa de forma crítica, já que se trata de uma
sociedade democrática de direitos como é o Brasil.
Diante dessa realidade, podemos dizer que a escola
ainda está longe de chegar a atingir esse espaço privilegiado
da construção do saber e da permuta das experiências feitas
no quotidiano dos seus componentes e onde essa experiência

89
acontece. Não há persistência nem consistência e, se há,
torna-se fato isolado. As prioridades nas escolas não passam
pelas preocupações com a aprendizagem, limitando-se muitas
vezes a diverso. A escola não pode existir sem as pessoas e ela
passa a ser indiferente a essa realidade de que pessoa é gente
que deve cuidar-se, fazer amigos, amar-se, ser solidária umas
com as outras sem perder o ideal e o horizonte do conhecer.
Essa não é a consciência que se tem da escola. O aluno é visto
como aquele que desafia as autoridades e age com violência
para com todos numa atitude de total desrespeito. Ocorre
uma banalização de valores ético-morais e a falta da
consciência do compromisso. A escola não consegue fazer
valer seu código de regras. O aluno não quer cumprir regras.
Não quer dialogar, não se dedica, de fato, ao estudo. Ele age
por conta própria e com indiferença. São atitudes muito
presentes no dia a dia das escolas públicas das grandes cidades
como, por exemplo, a Região Metropolitana do Recife.
Como resgatar valores de honestidade, cordialidade,
simplicidade, solidariedade, respeito, fraternidade, amizade na
relação consigo mesmo e com os outros? Até quando vai
permanecer a escola tendo essas situações? Será possível
mudar de maneira eficiente e eficaz? Será possível haver
mudanças sem ser através da coerção? A escola não sabe
resolver e a sociedade se cansa de esperar. Duas realidades
podem-se destacar nesse contexto, uma referente às escolas
da área rural e pequenas cidades do interior onde o ensino é
de baixa qualidade em termos de aprendizagem, ambientes
com uma infraestrutura muito precária, professor mal
remunerado, no entanto parece paradoxal, o aluno
demonstrar interesse em aprender.
Contextualizando os grandes centros urbanos, as
capitais principalmente, existem muitas escolas privadas. As
escolas privadas oferecem um ensino mais qualificado por
meio de um custo econômico muito alto tendo em vista uma

90
concorrência nas aprovações dos vestibulares das
universidades federais, principalmente, no que se refere aos
cursos “considerados” mais elitizados como medicina, direito
e as engenharias. As escolas públicas têm apresentado muita
defasagem na qualidade do ensino, Segundo, Beatriz Scoz, “A
falta de conhecimentos teóricos consistentes é um dos fatores
que leva as professoras a encontrarem dificuldades para
“criar” estratégias de ensino adequadas aos objetivos traçados,
fazendo-as procurar respostas prontas para suas dúvidas”
(1994:122).
As limitações no ensino, hoje, implica
consequentemente uma revisão do processo educativo-
formativo em que a busca pelo conhecimento tenha, por um
lado, uma acentuação maior à questão ético-moral e, por
outro, uma abordagem social, cultural-intelectual mais
acentuada que, por sua vez, tenha como resultado o indivíduo
conscientemente formado e cientificamente preparado e não
uma sociedade marcada simplesmente por escolarização e
informação que não oferece fundamentos e critérios objetivos
que capacite o cidadão realizar criticamente uma análise sobre
o mundo, a sociedade, e a vida. A sociedade tem sido
indiferente a uma educação dinâmica e crítica. As pessoas se
tornam cada vez mais incapazes de se indignar. Uma
sociedade que diga não à corrupção. Uma educação que
desperte um indivíduo capaz de contestar, de reivindicar
quando for preciso. A indignação faz parte da formação da
consciência crítica numa sociedade democrática de direitos e
de deveres, pois, a

indignação não equivale a discurso discordante


ou sentimento raivoso de revolta. Trata-se de
indignação como práxis, isto é, como atitude
global que envolve todas as dimensões da
pessoa: sentimento de ira diante da injustiça,
crítica racional da ‘desordem estabelecida’,

91
militância e ação engajada, visando a
transformar a realidade de opressão. E chega a
atingir as motivações profundas da pessoa e
todo o seu sistema de valores. Ou seja, indignar-
se, além de ser uma forma de sentir, de pensar e
de agir, é também uma forma de crer. (Soares,
1995:31-32).

E isso a educação brasileira como também a


nordestina têm deixado de lado e tem desenvolvido um
modelo de educação mais técnica, menos reflexiva. A visão
pragmática descaracteriza a dimensão crítica e intelectual da
educação. Portanto, uma sociedade se diz democrática, livre,
mas descura desse processo emergente e qualificador das
competências humanas para se alcançar à liberdade. Lenise do
Prado et al. diz, “a liberdade é imaginária, posto que ainda não
foi conquistada e não cumpre com os requerimentos da
responsabilidade social, particularmente no contexto
científico” (2007:533). A responsabilidade da formação
humana escolar é um desafio contínuo, emergente e exigente,
embora estejamos vivendo uma transição na educação de base
com a má qualidade no ensino do qual, certamente, não
iremos colher frutos tão alvissareiros. Hoje não se fala mais
em semianalfabeto, mas em analfabeto funcional que traz
consigo o certificado da escola, mas simplesmente passou pela
escola sem vivenciar a mesma. Com certeza a perda da
formação da consciência crítica e democrática é muito
evidente tanto no pensar quanto no agir das pessoas.

92
2.3 A dimensão ecológica da educação: cidadania e práticas de
saúde

Podemos inferir que a responsabilidade por uma


consciência cidadã não passa somente por uma discussão
legalista em torno do como cuidar ou preservar a natureza, se
o mesmo não tiver respaldo social para que se construa a
cidade de fato e de direito envolvendo e visualizando um
mapa da geografia da sociedade em torno dos quadros visíveis
de resultados que estejam ao alcance de todos e que tenha a
educação e a saúde pública como mediadoras dessa
consciência. Portanto, como a sociedade pode construir um
código de preservação da natureza sem o apoio e a
consciência da própria sociedade? Por que o poder público
não consegue implementar políticas públicas que ao invés de
aproximar faz o processo inverso de afastar a própria
sociedade da responsabilidade social em torno de questões tão
graves? O processo para aprovar uma lei em defesa do meio
ambiente é lento e mais demorado é sua viabilização levando
a mesma a caducar e chegando a perder os devidos efeitos
sociais. Geralmente o processo exclui a participação da
população.
Uma ecologia educativa prescinde de uma visão
humanística da saúde como respaldo do espírito crítico
cidadão na mesma direção. Na verdade, fica mais claro ainda
que existam certas incongruências e incoerências nos papéis e
naquilo que se pensa e no que se quer atingir como meta e
resultado. Domingos Neto ressalta, “O que se passa a nível
individual deve ser extrapolado, com necessárias
93
modificações, para a evolução e emancipação de classes
sociais, de povos e de sociedades inteiras” (2000:64). Para
nossa realidade, é bem caracterizada a vivência do individual
pelo individual sem a preocupação e visão de uma cidadania
ecológica e mais humanizada.
A sociedade nordestina tem muitos subterfúgios
plasmados por frágeis concepções da vida, por apegos a
superstições e várias formas míticas de compreender a vida.
As pessoas se apegam, com muita facilidade, às primeiras
possibilidades de salva-vidas por impulsos emotivos e
sensacionalistas e como diz Domingos Neto “Uma sociedade
em que são necessários heróis e santos costuma ser uma
sociedade com muitas injustiças, onde há muita passividade e
o esforço de todos ainda não conseguiu implantar liberdades
democráticas” (2000:104).
Peter Singer chama a atenção para uma comunidade
imaginada que reflete muito do que estamos vivenciando hoje
em nossa realidade de Brasil e de Nordeste, assim afirma ele:

Embora os cidadãos nunca cheguem a conhecer


a maioria dos outros elementos da nação,
pensam em si mesmos como partilhando uma
fidelidade a instituições e valores comuns, como
a Constituição, os procedimentos democráticos,
os princípios da tolerância religiosa, a separação
entre Igreja e Estado, o reconhecimento da lei.
A comunidade imaginada compensa a
inexistência de uma comunidade real, visível, na
qual existiriam laços pessoais e obrigações mais
concretas de reciprocidade. O reconhecimento
da existência de obrigações especiais para com
os outros cidadãos da mesma nação pode ser
entendido como parte daquilo que é necessário

94
para formar e manter esta comunidade
imaginada. (2004:231-232).

Segundo Pereira, é evidente a contradição que opõe a


urgência de uma política ambiental diferente e a lógica da
economia política dominante o que urge uma tomada de
consciência da problemática ecológica que existe atualmente.
Portanto, é de grande valor a tomada de consciência como
também de posicionamento sobre

A intensificação da angústia ecológica difusa – e


por vezes interessadamente difundida como
técnica de despolitização dos problemas atuais –
ameaça de erosão e, a prazo, de derrocada os
regimes liberais do “mundo desenvolvido”,
contra um pano de fundo onde sobressai o
agravamento das condições de pobreza dos
países “em vias de desenvolvimento (...).
(1999:41).

Há uma distância considerável entre os estratos sociais


implicando um desafio em torno do educar tanto para a
ecologia quanto para a saúde, pois o que ocorre hoje, nos
hospitais, nas clínicas e nas urgências em todo o Nordeste, são
atitudes pouco humanas para com o utente tendo em
consideração não somente a falta de medicamentos, leitos,
mas, sobretudo, a forma desumana como são tratados sem se
ter o sentido do cuidar humano de forma humana. Para Valla
e Stotz, ”manter a saúde parece, portanto, ser um problema
exclusivamente individual – o qual pode ser facilmente
resolvido pelas pessoas adequadamente educadas” (1994:11).
Essa polêmica entre educação e saúde é uma
constante na nossa sociedade porque as políticas públicas não

95
estão atendendo às necessidades do cidadão nem atingindo as
metas e/ou resultados esperados causando transtornos e
sofrimento. Por outro lado, parece que não há interesse
explicitamente dos gestores em tomar conhecimento das
dificuldades e dos problemas existentes, pois, é como se
vivêssemos uma indiferença social onde se comprometer com
a causa gera angústia e desespero, então, busca-se fugir da
realidade e busca-se mais o paliativo. Na verdade, os recursos
públicos para a saúde e para a educação orientam-se para a
prestação de assistência médica, previdenciária, direcionada
aos trabalhadores de renda média e baixa renda. Basta
olharmos os seguintes dados:

No Brasil, a população 50% mais pobre possui


14,1% da renda gerada, enquanto que 10% dos
mais ricos possuem 45,1%. (...) No ano de 2005,
78,23% da população contava com uma renda
inferior a dois salários mínimos. Em algumas
regiões, este fato é ainda mais evidente, como
no caso do Nordeste, onde mais de 90% da
população tem renda abaixo desse valor.
(Fundação Telefônica, 2008:26).

Com esse referencial, podemos ainda acrescentar que


ele se agrava quando as estatísticas mostram que “o padrão de
transição epidemiológica do Brasil apresenta uma substituição
progressiva das doenças infecciosas por doenças crônico-
degenerativas” (Ibid, p. 27). Isso significa que o Brasil ainda
não superou os riscos de saúde próprios de países em
desenvolvimento. Outra constatação: “a crescente taxa de
incidência de dengue, a endemia da malária da região norte,
os altos níveis de ocorrência de infecções de AIDS, estão

96
relacionados com a deterioração do meio ambiente e das
condições de vida” (Ibid, Ibidem).
Arruda citando os articulistas do Dossiê do Diário de
Pernambuco, diz: “... o Nordeste é a região mais desigual do
país”; ainda, “... o Nordeste precisa ser alvo de uma
discriminação positiva em relação à política de educação”
(2010:299). Assim, podemos afirmar que a cidadania requer
tomada de conhecimento e de consciência a respeito da vida
e do que é viver, ou seja, o cidadão precisa conhecer seus
direitos e deveres e exercer sua cidadania como fruto de uma
permanente aprendizagem. E tomar consciência também de
que “a vida não está apenas sobre a Terra e ocupa partes da
terra (biosfera). A própria Terra, como um todo, se anuncia
como um organismo vivo” (Boff, 2000: 35).
Essa tomada de consciência tem uma dimensão maior
que vai do local ao regional, do nacional ao mundial e isso se
faz por meio de uma educação comprometida com as
transformações sociais devidas na consciência do cidadão a
partir de uma nova consciência ética e de uma nova ótica
mergulhada na realidade complexa que envolve o mundo em
busca de uma ecologia equilibrada e sustentável.
Neste contexto, Boff fala de uma visão ecocêntrica da
terra onde a esse centro pertence toda a humanidade pelo
estágio de sentimento, de pensamento reflexo, de
responsabilidade e de amortização (Cf. 2003: 20). A partir
desse sentimento pela terra e pela humanidade Boff enfatiza
dizendo:

Juntamente com a humanidade, devem ser


considerados os demais organismos da rede da
vida, com os quais a humanidade está numa
97
profunda ligação de parentesco, pelo fato de que
fundamentalmente a vida é uma e única (na
mesma estrutura básica da cadeia ADN se
encontra em todos so seres vivos) na
diversidade de suas manifestações. Nesse
sentido, não se pode pensar a Terra-Gaia e a
humanidade à parte dos demais representantes
da vida e das condições físico-u-imicas que
garantem a existência e a perpetuidade da vida.
(2003: 20-21).

Tudo isso passa por uma educação comprometida


com as transformações da sociedade olhando o mundo e
voltada para o mundo. Assim podemos afirmar como ressalta
Boff que “o ethos configura a atitude de responsabilidade e
de cuidado com a vida, com a convivência societária, com a
preservação da Terra, com cada um dos seres nela existentes
(...)” (Ibid, Ibidem). E ainda mais, Boff ressalta que “o ser
humano tem essa singularidade, de co-pilotar junto com a
natureza o inteiro processo” (2000: 132), na realização das
verdadeiras transformações mais humanas em prol da
manutenção da vida.
A sociedade precisa ter atitudes urgentes em defesa do
meio ambiente e para isso é necessário que as famílias, as
escolas estejam unidas num mesmo e único ideal e mais ainda
na nossa região nordestina com as cidades grandes bastante
poluídas. Tomar consciência que “é no interior da sociedade
que se elabora o projeto do desenvolvimento” (Boff, 1993:
30), é um desafio para a administração pública que tem
poderes para tal.
Quando a sociedade entra num processo acelerado de
desenvolvimento como o Brasil e no Nordeste o Estado de
Pernambuco é atualmente o Estado que está em ritmo
98
acelerado desse desenvolvimento, requer que se tome
consciência de que “na medida em que cresce a dominação
mediante a ciência e a técnica, mais cresce também a
destruição massiva do meio ambiente” (Ibid, Ibidem).
Cidadania se constrói com ações concretas e
envolvimento social permanente envolvendo uma
consciência ética ecológica responsável por tudo àquilo que
existe e vive na natureza. Daí cuidar, preservar, orientar e
conscientizar por meio de uma educação eficiente significa
que essa educação é de qualidade e que se preocupa de
maneira holística com a formação do ser humano. O que não
pode acontecer é trocar os valores mediante os impulsos
consumistas do sistema do capital e do mercado, hoje,
globalizado com a preocupação de acumular lucros
exorbitantes em detrimento da vida humana. Para Boff, o que
existe na vida real é uma manipulação e uma fabricação
coletiva da subjetividade em torno de um fetiche econômico
e, por isso mesmo, é que devemos tomar consciência de tal
construção negativa do ser humano o que implica que, por
sua vez,
... o ser humano pode enfrentar-se com o
mundo do ter, sem cair em uma obsessão e ser
vítima de seu fetichismo. Bem dizia um indígena
americano: ‘Quando a última árvore for abatida,
quando o último rio for envenenado, quando o
último peixe for capturado, somente então nos
daremos conta de que não se pode comer
dinheiro’. (1993: 39).

Esta chamada de consciência é que deverá ser


constante nas escolas e na sociedade em geral, pois somente
assim será possível ir revertendo a situação de descaso para
com a natureza, o meio ambiente, a vida humana. Até quando
99
continuaremos numa sociedade como a nossa fazendo de
conta que as mudanças acontecerão como um passo de
mágica?
Trabalhar a partir de uma consciência ético-bioética
faz-se necessário, porque a responsabilidade, a solidariedade,
o diálogo são fundamentais na formação da opinião pessoal e
pública. E mais, é importante a solidariedade política como
condição mediadora para as realizações das mudanças com
quebras de paradigmas enrugados em alguns representantes
do povo. O grande desafio ético nesse contexto é respeitar a
vida humana e tudo aquilo que faz com que ela aconteça e seja
preservada.

100
ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO NORDESTE
BRASILEIRO

“A escola ocupa um lugar central na


ideia de saúde. Aí aprendemos a
configurar as ‘peças’ do
conhecimento e do comportamento
que irão permitir estabelecer
relações de qualidade. Adquirimos,
ou não, ‘equipamento’ para
compreender e contribuir para estilo
de vida mais saudáveis tanto no
plano pessoal como ambiental
(estradas, locais de trabalho, praias
mais seguras), serviços de saúde mais
sensíveis às necessidades dos
cidadãos e melhor utilizados por
estes”.
Constantino Sakellarides, in Rede
Europeia e Portuguesa de Escolas
Promotoras de Saúde. (1999)

Na nossa pesquisa nos propomos a abordar os


desafios que se colocam na área da saúde e suas políticas no
Nordeste brasileiro onde está muito presente para nós a
relação entre a ética na saúde e o processo educacional,
exatamente por esta ser sempre uma situação bastante crítica
e desafiadora. Embora já tenhamos feito algumas alusões ao
problema da saúde, iremos deter-nos mais um pouco nesta
questão. Portanto, neste capítulo, trataremos das condições da
saúde no Nordeste brasileiro levando em consideração três
níveis de abordagens de ordens mais sociológica, econômica
101
e demográfica. Procurando ter uma macrovisão da realidade,
dois pontos são significativos: primeiro, o Brasil
territorialmente é de uma grandeza exuberante; segundo, a
desigualdade social é uma agressão à dignidade humana.
O Nordeste é uma região com uma diversidade
econômica, social, política, cultural e religiosa considerável
que foi caracterizada por um povo que, apesar da rudeza do
homem sertanejo e da boemia do homem urbano, possui uma
alegria contagiante e uma vontade de viver a vida com grande
intensidade. Como a marca da injustiça social pesa,
principalmente, sobre a população menos favorecida, a dor e
o sofrimento humano impulsionam no homem um espírito
de luta e resistência. Essas feições de aparência muitas vezes
áspera e desgastada pela ânsia de superação dos desafios como
a seca e a fome. Essas são marcas muitas vezes justificadas
pelo mero acaso do destino carregado pelo infortúnio, das
pessoas e das famílias. Segundo Boaventura Sousa Santos essa
injustiça é fruto de duas dimensões bastante amplas, uma é de
peso social e a outra de caráter cognitivo e ambas são globais,
pois “a injustiça social global está (…) intimamente ligada à
injustiça cognitiva global. A luta pela justiça social global deve,
por isso, ser também uma luta pela justiça cognitiva global”
(Santos, 2007:11).
Contudo, não se veem priorizadas políticas públicas
sociais que possam minimizar os males. As políticas públicas
são paliativas e mascaram a realidade tão fortemente marcada
por um processo de aculturação política, econômica e
ideológica. São políticas que agridem a condição humana.
Ferem de forma inescrupulosa a dignidade humana. A prática
dos favoritismos, do nepotismo e do “compadrio” é
fortalecida por uma pseudoimagem de bondade estampada na
face da demagogia política.
Essa realidade política passa a ser significativamente
desafiadora porque dela emanam os projetos de políticas

102
públicas para a saúde e para a educação e tantas outras áreas
da administração pública. Portanto, tratar de políticas para a
saúde e para a educação na saúde nos é questionável, porque
as políticas públicas não podem estar desintegradas das
condições e realidades da população, no entanto, não é bem
assim que acontece. As políticas são o reflexo do governo que
se tem, ou seja, o político faz política para se manter nela e
viver dela causando uma dicotomização do ser político e do
fazer-se político. Nesse sentido, a sociedade ainda sofre da
manipulação de que o jogo é de conservação e manutenção
de velhas políticas e não de transformação.
A princípio o bem-estar social deverá ser prioridade
dos planos de governo e, assim, refleti-los. A formação
humana visando à equidade social por melhores condições de
vida deve ser uma bandeira social hasteada constantemente
lado a lado com a educação e a saúde integrando-se na
construção e concretização de uma nova sociedade. Falam-se
muito em saúde, lazer, educação, trabalho e condição de uma
vida digna como resultado do esforço mútuo das
organizações e movimentos sociais e da sociedade civil
engajados. Infelizmente é visível o fomento ao fechamento
individual levando ao egoísmo e o individualismo crescente e
desestruturante da criticidade da consciência humana. Dom
Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife de 1964 a 1985,
costumava dizer o seguinte mote: “Eu acredito que o mundo
será melhor, quando o menor que padece acreditar no
menor”.4 As classes populares, por sua vez, não têm
representatividade ou lideranças populares que lutem pelas
mudanças sociais e, geralmente, ao surgirem, em sua maioria,
são cooptadas pelo poder económico. Há uma perda
considerável de liderança e a falta da liderança popular
enfraquece os movimentos populares.
4 Kathen, Nelmo Roque Tem (1991) Uma Vida Para os Pobres.
Espiritualidade de D. Hélder Câmara. São Paulo: Edições Loyola, p. 19.
103
Segundo Dubar, “o conflito como momento e
provação duma construção do ator coletivo é uma
confrontação que pode permitir uma superação do
isolamento inicial e constituir uma experiência decisiva no
acesso a uma identidade nova, ao mesmo tempo pessoal e
societária” (2006:108). Hoje existe menos mobilização social
e temor pelo conflito. Mediante essas considerações, a
reflexão passa a se deter nas questões sobre a saúde a partir
dos projetos das políticas públicas.

3.1 Políticas locais de saúde: realidades e desafios

Tratar dos desafios da educação e da saúde brasileira


já é um grande desafio, tendo em consideração a
macroestrutura que é o Estado brasileiro com toda sua
máquina superburocratizado e de difícil acesso pela sua
complexidade. Entretanto, vale salientar que ao nível da
União (Estado brasileiro), a questão da educação e da saúde é
administrada por dois ministérios que têm sua relevância ao
nível governamental, pois os mesmos cuidam das questões
políticas e administrativas deixando para os Estados e
Municípios (ou prefeituras) da Federação, por meio de seus
gestores, a incumbência ou o exercício do papel de
descentralização tanto da educação quanto da saúde pública
do País. No Brasil a saúde pública sempre foi um problema
gravíssimo. Não se tem levado muito em consideração essa
situação, sendo um processo lento o próprio entendimento e
definição de saúde pública.
A expressão “saúde pública” é polissêmica podendo
designar a situação da saúde de uma determinada sociedade,
mas também hábitos, tradições e estilo de vida. Essa
expressão apareceu no final do século XIX, nos EUA.
Existem cerca de sessenta definições conhecidas da “saúde

104
pública”. Em 1920, a revista Science publicou a formulação de
Charles Edward, frequentemente mencionada:

A saúde pública é a ciência e a arte de prevenir


as doenças, de prolongar a vida, como de
promover a saúde e a eficácia físicas através dos
esforços coordenados da comunidade para o
saneamento da localidade, o controle das
infecções na população, a educação do
indivíduo para os princípios da higiene pessoal,
a organização dos serviços médicos e
enfermeiros para o diagnóstico precoce e o
tratamento preventivo das patologias, o
desenvolvimento das disposições sociais que
asseguram a cada indivíduo um nível de vida
adequado para a manutenção da saúde.
(Cf. Lepargneur, 2012:24).

Atualmente, já se entende a saúde pública como

O estudo e a prevenção das doenças e para o


desenvolvimento de formas de atuação nos
surtos epidêmicos. Definiu-se assim uma área
científica chamada de medicina pública, medicina
sanitária, higiene ou simplesmente “saúde pública”.
A saúde pública era complementada por um
núcleo de pesquisa das enfermidades que
atingiam a coletividade – a epidemiologia. (Bertolli
Filho, 2008:13).

Os Estados e os Municípios possuem, pela sua


constituição, a capacidade de organização, reorganização e
gerência dos sistemas que envolvem educação e saúde,
principalmente, fazendo com que haja uma sincronização e
transparência na estruturação de redes funcionais
regionalizadas e hierarquizadas, procurando potencializar em

105
grande escala o desenvolvimento de toda máquina
administrativa estrutural e estruturante do País.
Contudo, cabe à União no âmbito da política –
institucional e operativa –impulsionar e implementar o
andamento do que foi regulamentado e normatizado por
força de lei, ao mesmo tempo que descentraliza as gestões da
educação e da saúde cabendo aos Municípios tomar decisões,
ter responsabilidades e saber aplicar bem os recursos
(humanos, financeiros, etc.) nessas áreas.
É tarefa predominante do Governo Federal
normatizar e planejar para poder exercer o “controle” geral da
situação dando e/ou delegando aos Estados e Municípios a
função de executores dos serviços públicos, principalmente
os Municípios, pois os mesmos estão mais integrados e
inseridos no quotidiano da sociedade civil. Estando mais
perto da realidade, os gestores municipais poderão ter uma
maior visualização, uma radiografia mais completa (é assim
que se pensa!) e, portanto, uma mobilização dos desafios,
principalmente nas áreas da educação e da saúde (considera-
se, também, que são eles capazes de sentirem mais de perto
os reais problemas e dramas que sofre a população). A
presença e o contato dos mesmos com a realidade poderá
despertar uma sensibilidade mais humanística e ético-social,
ou, do contrário, podem os gestores simplesmente assumir o
poder só pelo poder e, por sua vez, utilizarem o poder público
em causa própria, em prol de seus interesses negando o
interesse da maioria (como sói acontecer).
Aos Estados e aos Municípios cabe administrar
correta e eticamente as áreas da saúde e da educação, que
consiste fazer com que se desenvolva a organização e o
106
funcionamento da educação e da saúde. Apesar da
heterogeneidade dos mesmos, o objetivo deve ser comum.
Todo o empreendedorismo que se busca realizar também
deve ser uma característica dos gestores (embora poucos
tenham mostrado essa característica), por isso mesmo, pesa
sobre ele uma prestação das contas públicas com os seus
devidos gastos como sendo uma orientação e uma exigência
da União pela Lei de Responsabilidade Fiscal5 brasileira que
obriga a uma prestação rigorosa e detalhada dos gastos
públicos. Mediante o cumprimento desta lei, a União faz
repasses dos novos recursos econômicos para os Estados e os
Municípios. Por exemplo, o município para ter direito ao
Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE), como
ônibus tanto para a saúde quanto para a educação, é
necessário prestar contas dos investimentos e gastos públicos
corretamente sem que haja contradições em suas declarações.
E, assim sucessivamente. Mesmo assim, os escândalos de
superfaturamento e desvios de verbas é um absurdo. São

5Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), oficialmente Lei Complementar nº


101, é uma lei brasileira que tenta impor o controle dos gastos de estados
e municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses
entes políticos. Tal medida foi justificada pelo costume, na política
brasileira, de gestores promoverem obras de grande porte no final de seus
mandatos, deixando a conta para seus sucessores. A LRF busca promoveu
a transparência dos gastos públicos.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Responsabilidade_Fiscal. Acesso
em 19.12. 2010.

107
constatadas muitas irregularidades nas prestações de contas e
muitas vezes “acobertadas” e “justificadas”.
Com o “controle” dessa realidade, o Governo Federal
vai-se disponibilizando de um quadro sequenciado de
informações e levantamentos de dados da situação e seus
desafios podendo ter, assim, um parâmetro da atuação dos
municípios e seus resultados econômicos como o IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano); social, qualidade de vida;
educacional diminuição do analfabetismo e avanço no
conhecimento científico e técnico; e controle da saúde, os
estágios de diminuição ou não das endemias e das epidemias,
etc.. A partir desses dados, pode melhor investir nos setores
mais carentes, levando-se em consideração a melhoria da
qualidade de vida através dos campos da educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, transporte. É assim que os recursos
do governo chegam aos Estados e Municípios, com objetivos
bem definidos. No entanto, a confiança delegada aos gestores
é uma questão de um cumprimento ético com a sociedade. A
grande questão é: até que ponto existe verdadeiramente a
responsabilidade social e política na gestão pública? E, se de
fato há, como esta questão é viabilizada?
Para melhor entender essa complexidade, serão
apresentadas três mediações que servirão de constatações e
análises e que possibilitem percebermos como algumas das
diretrizes estabelecidas pela macroestrutura em
desenvolvimento do Governo Federal são viabilizadas pelos
governos estaduais e municipais. Utilizamos a categoria: nível
instrumental, nível descritivo e nível praxiológico. Já é
possível percebermos que essas três mediações só funcionam
bem se as mesmas estiverem integradas tanto no local como
108
no global. Se não houver uma determinada sincronia entre
União, Estados e Municípios, as ações governamentais não
surtem efeitos e as questões críticas continuarão. Correia e
Caramelo expressam em suas análises que numa relação desse
nível só funciona quando está ligado a um procedimento de
gestão a partir da esfera de conhecimento do conjunto da
situação, o que significa que nesse contexto “a problemática
da mediação social e a revalorização simbólica do local como
dispositivo da questão social tornaram-se cognitivamente
visíveis e socialmente relevantes” (2003:169). Essas
relevâncias só têm implicações na sociedade, quando o Estado
assume total responsabilidade social e política como aquele
que rege, dirige e garante os direitos do cidadão, com a
educação e a saúde. Segundo Santos, “o direito à saúde e as
políticas de saúde são parte integrante dos direitos sociais e
das políticas sociais pelo que o estudo dos direitos e políticas
de saúde tem que ser feito no contexto dos direitos e políticas
sociais” (1987:13). Assim deve ser a atuação do Estado
eficiente e comprometido com a dignidade do cidadão.
Contudo, o Estado brasileiro, por sua vez, tem longa
história de problemas administrativos acarretando na falta de
investimento nas áreas sociais atingindo, principalmente, a
educação e a saúde. Hoje, por mais que se tenha investido em
busca de uma educação de qualidade e uma saúde que
contemple o controle das situações críticas de saúde pública,
ainda deixa muito a desejar. É bom frisar que o Norte e o
Nordeste brasileiros são as duas regiões mais sofríveis e
desprovidas desses bens sociais. Para melhor entendimento
dos impactos na saúde, principalmente, na formação do
profissional da saúde é necessário entender um pouco dessa
109
complexidade da problemática nacional, regional e local,
portanto, seguem em destaque os três níveis:

Nível Instrumental

Num primeiro momento, podemos observar como a


estrutura que abrange a expansão administrativa da educação
e da saúde no Brasil é equipada e fortalecida por um conjunto
de organismos paralelos estabelecidos para tal finalidade e
funcionamento. Assim, podemos obter os grandes resultados
das pesquisas e visualizados os índices que vão sendo
estabelecidos no desenvolvimento do País. O órgão principal
que acompanha esse desenvolvimento é o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), que tem seus objetivos e
suas atribuições voltadas às geociências e estatísticas sociais,
demográficas e econômicas. Por exemplo, o senso
populacional é programado, coordenado, dirigido e realizado
pelo IBGE. O Governo Federal dispõe desse aparato legal de
pessoal e de tecnologia bem estruturado científica e
tecnicamente para poder obter, acompanhar e analisar os
resultados do crescimento e desenvolvimento do País.
Assim, a estrutura governamental está fortalecida e
bastante descentralizada pelo apoio que o governo recebe dos
seus ministérios para fazerem valer todo o esforço e
investimento, direcionando, portanto, às políticas públicas. O
Ministério da Educação (MEC), por sua vez, com suas
atribuições ao desenvolvimento e ao avanço da educação no
país, tem como um dos grandes objetivos a erradicação do
analfabetismo, como também, por outro lado, a tarefa de
fazer grandes investimentos sobre a ciência e a tecnologia com
110
atribuições delegadas a dois órgãos gestores de processo de
pesquisa na ciência e na tecnologia como sejam o CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) e a CAPES (Coordenação de Pessoal de Nível
Superior). O Ministério da Saúde (MS), por sua vez, tem o
enorme desafio de sanear e sanar erradicando os males ou
doenças em geral que afligem a sociedade, principalmente,
aquela parcela menos favorecida e carente, que consiste na
maioria da população desprovida dos principais bens,
principalmente da alimentação e da saúde.
Portanto, cabe ao MEC ter sobre seu comando e
responsabilidade de viabilizar a realização das políticas
públicas e/ou programas de governo tanto para a educação
quanto para a saúde. Quanto à educação foi estabelecido pelo
Governo Federal um conjunto de medidas de políticas
públicas educacionais em três grandes metas no tocante à
gestão educacional, à formação de professores e profissionais
da educação e uma terceira que trata da infraestrutura e apoio
educacional.

Primeira meta refere-se à Gestão Educacional com 18


programas a serem cumpridos:

a. Panejamento Estratégico da Secretaria – PES


b. Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE
c. Programa de Dinheiro Directo na Escola – PDDE
d. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos
Escolares
e. Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros
Municipais de Educação – Pró- Conselho
111
f. Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino no Processo
de Avaliação do Plano Estaduais e Municipais de
Educação
g. Projeto Presença
h. Programa Escola de Gestores
i. Programa de Fortalecimento Institucional das Secretarias
Municipais de Educação
j. Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de
Educação – PRADIME
k. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB
l. Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB
m. Prova Brasil – Avaliação do Rendimento Escolar
n. Programa Internacional de Avaliação de Alunos (as) –
PISA
o. Exame Nacional de Certificação de Competências de
Jovens e Adultos – ENCCEJA
p. Microplanejamento Educacional Urbano
q. Escola Aberta
r. Programa Formação pela Escola;

Segunda meta trata da Formação de Professores e


Profissionais da Educação com 21 programas bem
definido:

a. Pró-Letramento
b. Escola Ativa
c. Programa de Aperfeiçoamento da Leitura e Escrita –
PRALER
112
d. Programa de Formação Continuada Mídias na Educação
e. Programa Família Brasileira Fortalecida pela Educação
Infantil
f. Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício na Educação Infantil – Proinfantil
g. Programa de Formação Inicial para Professores do Ensino
Fundamental e Médio – Pró-Licenciatura
h. Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de
Educação Básica
i. Programa de Formação Inicial de Funcionários de Escolas
– PROFUNCIONÁRIO
j. Programa Universidade para Todos – Pró-Uni
k. Programa TV Escola e DVD Escola
l. Programa Ético e Cidadania
m. Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio
n. Programa Rádio Escola
o. Rede Interactiva Virtual de Educação – RIVED
p. Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB
q. Programa Educação em Direitos Humanos
r. Projetos de Educação para o Reconhecimento da
Diversidade Sexual
s. Projetos de Educação para a Igualdade de Género
t. Programa Escola que Protege
u. Formação Continuada de Professores e Trabalhadores da
Educação Básica em Educação Ambiental

Terceira meta está direcionada à Infraestrutura de apoio


Educacional contemplando 25 programas:

a. Padrões Mínimos de Funcionamento da Escola – PMFE


113
b. Levantamento da Situação Escolar – LSE
c. Projeto de Adequação de Prédios Escolares – PAPE
d. Programa de Melhoria da Qualidade do Mobiliário e
Equipamento Escolar – PMQE
e. Programa de Melhoria da Qualidade do Ambiente Escolar
– PMQAE
f. Programa Nacional do Livro Didáctico – PNLD
g. Programa Nacional de Transporte Escolar – PNTE
h. Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE
i. Centro de Leitura Multimídia
j. Programa Escola de Fábrica
k. Programa Nacional de Saúde Escolar – PNSE
l. Programa Nacional de Informática na Escola –
PROINFO
m. Programa Ambientes Virtuais de Aprendizagem – e-
PROINFO
n. Programa Brasil Alfabetizado
o. Programa Educação do Campo
p. Programa Educação Escolar Indígena
q. Programa Cultura Afro-brasileira
r. Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove
Anos
s. Programa Educar na Diversidade
t. Programa Educação Inclusiva
u. Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE
v. Projeto Alvorada
w. Programa de Desenvolvimento do Ensino Médio
x. Formação de Com-vida – Comissão de Meio Ambiente e
Qualidade de Vida na Escola y Conferência Nacional
Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente. (MEC, 2007).
114
O governo tem, portanto, um total de 64 programas
dentro das políticas públicas, especificamente no âmbito da
educação. No entanto, para desenvolver melhor esse
programa, o Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE)
apresenta como possibilidades de crescimento investir
também nos meios que possibilitam esse desenvolvimento
com as seguintes ações: Índice de Qualidade, Provinha Brasil,
Transporte Escolar, Gosto de Ler, Brasil Alfabetizado, Luz
para Todos, Formação, Educação Superior, Acesso
Facilitado, Biblioteca na Escola, Educação Profissional,
Estágio, Proinfância, Salas Multifuncionais, Pós-Doutorado,
Censo pela Internet, Saúde nas Escolas, Olhar Brasil, Mais
Educação, Educação Especial, Professor-Equivalente, Guia
de Tecnologia, Coleção Educadores, Dinheiro na Escola,
Concurso, Acessibilidade, Cidades-Pólos e Inclusão Digital.
(MEC, 2007).
Salientamos, portanto, que entre as políticas públicas
para a educação existe, também, um programa específico para
a saúde escolar. O Programa Nacional de Saúde Escolar
(PNSE), criado em 1984 pelo Governo Federal tem como
princípio atender as necessidades de saúde da população
escolar, principalmente, no que se refere à identificação e
correção precoce das dificuldades visual e auditiva dos alunos.
Em 1995 houve uma reformulação no programa, a partir do
Programa Comunidade Solidária que, por sua vez, criou dois
projetos: o Projeto Cesta Saúde do Escolar (PCSE), visando
adotar a escola de produtos de higiene pessoal e de primeiros
socorros, como também de equipamentos corretivos (visual,
auditivo, etc.); o Programa Brasil Sorridente (PBS) para cuidar
da saúde bucal do povo brasileiro, cuja situação
115
principalmente a de adolescentes, adultos e idosos está entre
as piores do mundo, e o Projeto de Assistência Integral à
Saúde do Escolar (PAISE) para atendimento dos alunos de
primeiro ano do ensino fundamental, que residem em bolsões
de pobreza das capitais. Exemplo, o Recife, capital do Estado
de Pernambuco. (MEC, 2010). O maior complicador dessa
situação são os desvios de verbas públicas como
superfaturamentos e aplicação em outras áreas. O Governo
Federal busca aumentar a fiscalização nas prefeituras quanto
à aplicação dos recursos para que haja maior controle dos
investimentos e tentar evitar os desvios do erário público.
O Plano Estadual, por sua vez, segue as orientações
básicas dos ministérios e seus programas para viabilizá-los,
porém, é através de assessorias constituídas pelas Secretarias
dos Estados que o gestor público (neste caso o governador)
desenvolve seus projetos a nível estadual encaminhando-os
como orientação necessária aos planos dos municípios. Os
Municípios, também, são assessorados pelas secretarias locais
fazendo com que os prefeitos cumpram o mandato seguindo
as orientações determinadas pela União e o Estado do qual
fazem parte, em prol do bem comum.
Nessa perspectiva, queremos seguir a nossa análise
com os destaques ao estado de Pernambuco e a cidade do
Recife (capital do Estado), pela complexidade e desafios que
os envolvem e por serem referências de desenvolvimento e
superação no Nordeste brasileiro. Pernambuco está se
tornando um grande polo econômico e industrial com
possibilidades de desenvolvimento em todas as áreas, salvo se
esse desenvolvimento não trouxer maior exploração do ser
humano a partir de uma globalização somente econômica
116
neoliberal e, assim, tornando sem relevância os problemas
sociais. Em sua análise, Santos, descreve a globalização
econômica como aquela que causa grandes transformações,
mas com intensa desigualdade ao reduzir “o peso das políticas
sociais (…), reduzindo o montante das transferências sociais
(…), e transformando-as em meras medidas compensatórias
em relação aos estratos sociais inequivocamente
vulnerabilizados pela atuação do mercado” (2005:35). E
acrescenta: “uma das transformações mais drásticas
produzidas pela globalização econômica neoliberal reside na
enorme concentração do poder econômico por parte das
empresas multinacionais” (Ibid., p. 2005:36). Essa realidade se
torna uma preocupação na sociedade pernambucana e
recifense e que todo esse avanço econômico não traga
prejuízo em termos de sacrificar ainda mais as classes
populares. Que os administradores públicos possam investir
nos programas sociais e na luta pela erradicação da miséria e
da pobreza de forma compacta e conjunta e não somente em
casos isolados.
A realidade desafiadora como se apresenta tem
exigido uma maior participação dos gestores na atuação
pública buscando a melhoria das condições e qualidade de
vida da sociedade, do Estado e das cidades. O Recife tem
apresentado um desenvolvimento razoável procurando
realizar os programas propostos, porém com morosidade.
Contudo, o lema educar para a liberdade, para a saúde e para
uma vida ética e moralmente consciente, não tem tido tanta
relevância. Entretanto, é a partir do Programa Bolsa Escola
(PBE) que se exige a presença da criança na escola e para que
saia das ruas. Por outro lado, o Programa Saúde da Família
117
(PSF), a equipe de agentes da saúde da família procura
acompanhar as famílias nos bairros sistematicamente. O
serviço de Unidade Pronto Atendimento (UPA) atua nos
casos de emergências. O Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU) tem se ampliado mediante a demanda da
situação popular e o Corpo de Bombeiros (CB) que tem
prestado seu serviço emergencial à sociedade, sem sombra de
dúvidas, salvando muitas vidas, embora a constatação é o
descuido e o descaso no SAMU, pois, hoje no Brasil há cerca
de 50% da frota de ambulâncias nas garagens por falta de
manutenção e condutores. O Recife, em 2001, criou a
primeira Secretaria de Saneamento (SESAN) municipal do
Brasil.6 O saneamento básico no Brasil é um dos maiores
desafios, principalmente, para a saúde. Para solucionar essa
problemática necessita de muito investimento e vontade
política. No entanto, questionamos, até que ponto essa
vontade política está presente nos planos dos gestores
públicos? E como essa problemática tem sido encaminhada?
É possível solucionar tão grande desafio? São essas questões
que ficam muitas vezes pendentes. O saneamento feito no
Recife ainda é resultado de administração com mais de 40
anos atrás e está, portanto, aquém da realidade atual da cidade.
Não se tem acompanhado o crescimento nem populacional
nem a demanda imobiliária com uma avalanche de construção
de prédios em alta escala e grande demanda.
A Cidade do Recife, por sua vez, procura realizar seus
programas e investimentos nos bairros populares a partir da

6http://www.recife.pe.gov.br/2009/09/24/criacao_da_secretaria_de_sa

neamentosesan_168670.php. Acesso em 16.12.2013.


118
realização do Orçamento Participativo (OP) envolvendo
representantes locais e envolvendo a participação da
população local. Tem dado certo em muitas situações,
permitindo assim, a participação democrática na gestão
pública. O Orçamento Participativo tem sido a única instância
de participação popular no Recife e o mesmo tem sido o
exercício mais efetivo desse processo democrático que tem
ocorrido em várias cidades e Estados brasileiros. Trata-se de
decisões políticas para a aplicação de recursos e distribuição
de renda conforme as necessidades das comunidades
organizadas através de conselhos populares. Assim, enfatiza
Ahelert (Cf. 2007: 99).
O Governo Municipal da Cidade do Recife elaborou
um plano de metas ou projetos e ações para a saúde no Recife.
Como projetos e ações, o governo apresenta os seguintes:

a) Academia da cidade;
b) Programa Saúda da Família - PSF;
c) Plano de Saúde Ambiental;
d) Ambiente Livre do Fumo;
e) Plano Diretor de Tecnologia da Informação;
f) DST/AIDS;
g) Saúde da Mulher;
h) Atenção Humanizada à Mulher no ciclo Gravídico-
Puerperal.

Ainda, oferece à população serviços de saúde que


atuam nos 94 bairros da cidade. Os serviços estão assim
organizados:

119
a) Distritos Sanitários I, II, III, IV, V e VI aglutinando
em si a distribuição por área para cada distrito um
número de bairros;
b) Centros de Atenção Psicossocial;
c) Farmácia da Família;
d) Vigilância Sanitária;
e) SAMU;
f) Central de Regulação de Consultas;
g) Vigilância Ambiental;
h) Animais para adoção;
i) Ouvidoria Municipal da Saúde

Quanto à educação, os programas, projetos e ações têm as


seguintes metas a serem atingidas:

a) Lição de Vida;
b) Programa Qualiescola;
c) Projovem;
d) Tecendo o saber;
e) Ensino Profissionalizante;
f) Brasil alfabetizado;
g) EJA – Educação de Jovens e Adultos;
h) Alunos nos Trinques;
i) Alfabetização e Letramento;
j) MAIS – Movimento de Aprendizagens Interativas;
k) Programa BBeducar (Cf. SEEL, 2010).

Diante de todos esses projetos e programas de


governo, podemos questionar por que os resultados são tão
lentos e insatisfatórios, o que está faltando para que o

120
funcionamento dos programas e projetos seja eficiente e por
que se espera tanto para ver os programas acontecerem. Será
que faltam motivações para que a criança, o jovem e o adulto
tomem gosto e interesse pela escola? Que motivações são
apresentadas? A impressão que aparece evidentemente é de
que tudo está só voltado para o problema da sobrevivência e,
por isso, a escola não é de interesse maior, pois a mesma não
consegue motivar suficientemente o aluno despertando nele
o gosto pelo estudo, pela leitura, pela profissão futura; em
segundo lugar, a sociedade é muito atrativa e dispersiva com
suas efervescências consumistas envolvendo a todos num
frenesi desenfreado, pragmático e hedonisticamente ativo. A
população tenta usufruir a vida numa visão de falsa liberdade
segundo a qual cada um busca viver a vida sem considerar o
conjunto das exigências e compromissos sociais presentes na
sociedade. Essa visão distorcida da realidade tem sido a lógica
que perpassa o atual contexto social. Mesmo a sociedade
democrática sendo pluralista, não se pode perder o viés
histórico de luta, de conquista das liberdades como fator
determinante da realização humana. O ser humano não pode
viver no anonimato, pois ele como pessoa humana é fim e não
meio.

A construção da cidadania é sempre uma exigência do


homem na sociedade moderna e contemporânea que luta para
que os direitos e os deveres do cidadão sejam viabilizados e
respeitados. Por outro lado, não se constrói uma nação, um
estado, uma cidade sem ter como princípio básico dois esteios
essenciais, de um lado a educação e do outro a saúde pública
de qualidade. Então, será que os gestores públicos estão

121
satisfeitos com o estilo de vida da população? O modelo de
educação e o modelo de saúde existente correspondem aos
anseios da sociedade? Obviamente que a resposta de quem
está observando e vivenciando tal situação jamais seria
afirmativa, contudo, parece paradoxal na visão dos gestores
públicos, sobre tais situações como se as mesmas acontecem
por um determinismo social. O pouco que eles investem
parece-lhes muito. Na verdade não percebemos uma vontade
política de erradicar, de uma vez por todas, esse quadro de
miserabilidade e empobrecimento que assola a região
Nordeste.

É fundamental a existência de uma ética do dever


como também uma ética dos direitos, porque não se pode
perder o sentido de que a ética é aquela que confere dignidade
ao próprio ser humano e, se isso não é transparente numa
sociedade, consequentemente o gestor vai perdendo sua
credibilidade enquanto a maioria da população só exerce a
cidadania por meio do voto em momento de pleito eleitoral.
Numa sociedade bem estruturada democraticamente,
prevalece o bom senso ou a consciência cidadã do
cumprimento do dever. Bobbio, em sua obra O Futuro da
Democracia, ao falar dos poderes ditatoriais como o fascismo,
assinala que quem teve a metade da sua formação nesse tipo
de regime “continua obstinadamente a crer, como de resto a
maior parte de seus coetâneos, que uma má democracia é
sempre preferível a uma boa ditadura” (1989:74). É possível
criar novas esperanças para a sociedade a partir da
democracia? Certamente, se pode deduzir que um processo
democrático se constrói e uma ditadura se autodestrói. Por

122
isso, a educação no processo de formação da consciência
crítica vai conduzindo a consciência para um olhar crítico da
realidade e despertando, por outra parte, o compromisso pela
conquista do espaço vital e organização social, como também,
manutenção das transformações sociais possíveis e cabíveis
tendo em vista a autonomia e a liberdade do indivíduo.

Nível Descritivo

O Brasil é um país com um território de 8.511.965 km2


e uma população de 192.924.526 de habitantes (IBGE-2010).
É formado por 26 Estados e um Distrito Federal, Brasília,
capital do País, economia capitalista em crescimento, uma das
maiores concentrações de renda do mundo. Um país de
grandes latifúndios. A tributação é uma das maiores, ou seja,
com uma carga tributária muito forte juridicamente e alta
economicamente sobre o contribuinte, pois o assalariado da
classe média paga de imposto, por ano, o equivalente a quatro
salários que ele recebe no ano. Por outro lado, o Governo
Federal tem um programa social assistencialista muito bem
estruturado diante da realidade da qualidade de vida da
maioria da população que está abaixo de uma condição digna
de vida, ou pior, numa margem de pobreza grave.

O economista Marcelo Neri (1999) já analisava, na


época como coordenador do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), que, apesar de o Brasil ter o 8º
PIB do mundo, o equivalente a R$ 800 bilhões em 1999, o
país tinha 85 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha
da pobreza, sem condições mínimas de garantir suas

123
necessidades básicas. Entretanto, parece que a situação não
teve muitas mudanças, pois em 2005 o PIB atingiu a cifra de
R$ 1.937 bilhões e em 2010 se aproxima um crescimento de
6,4% no ano, mas a situação permanece com a mesma cifra
de pobres e miseráveis. A causa principal, dizia o economista,
é a enorme desigualdade social, principalmente nas regiões
Norte e Nordeste (não houve muita mudança). Atualmente,
no Nordeste são 80% dos 45,4 milhões de habitantes em
condições de vida indigna.

É mediante esse contexto social que o Governo


Federal tem implementado os Programas Sociais, como
Benefício Assistência de Prestação Continuada (BPC),
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o
Projeto Fome Zero (PFZ) o qual desencadeou uma série de
compromissos sociais na tentativa de ir solucionando a
problemática. É daí que surge a ideia da criação de bolsa,
como Bolsa Escola e, principalmente, a Bolsa Família como
sendo o maior programa social assistencialista do governo. Na
região Nordeste, em seis estados, o programa já atende
metade da população. Em cada três brasileiros um vive do
programa. O benefício já chega, direta ou indiretamente, a
29% da população. Nos Estados do Maranhão, do Piauí e em
Alagoas, de 58% a 59% da população vive da Bolsa Família.
Na cidade de Junco do Maranhão, 95,7% das famílias vivem
do programa (Cf. Radiobras, 2009).

A realidade, contudo, tem um desdobramento


econômico e social com implicações significativas no acúmulo
da riqueza em alguns setores da sociedade concentrando em
poucas mãos a riqueza nacional. Consequentemente, essa
124
situação atinge diretamente a educação e a saúde com níveis
baixíssimos. Portanto, as principais consequências afloram
evidentes tanto na educação quanto na saúde. São atingidas
imediatamente por essa condição seletiva de vida tanto no
universo urbano quanto no universo rural, onde a carência é
mais grave. Podemos, contudo, constatar como na saúde a
qualidade do serviço é precária, defasada e bastante fraca ou
às vezes não existindo. Quanto à educação, há um quadro
que ainda assusta, não satisfaz a contento os resultados
esperados. No Brasil são 16 milhões de analfabetos sem
contar o analfabeto funcional que chega a 70% da população
economicamente ativa. O estado de Pernambuco tem 930 mil
pessoas que não sabem ler nem escrever, totalmente
analfabetas. No Recife, há mais de 100 mil pessoas sem saber
ler e escrever (IBGE 2008) (Cf. Diário, 2009).

No que se refere à saúde, o quadro é mais complexo,


porque em todo o Brasil, segundo o Conselho Federal de
Medicina (CFM), há uma concentração de médicos no
território nacional, ou seja, não há falta de médico, mas existe
uma má distribuição na população. Entre os anos de 2000 até
2009, a média nacional era um médico para grupo de 578
habitantes, índice próximo a países como os Estados Unidos,
que é de um médico para 411 pessoas. No entanto, a
distribuição dos profissionais está concentrada nas capitais e
grandes cidades. O Brasil em 1746, em todo o território dos
atuais estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Goiás, teria apenas seis médicos graduados
em universidades européias (Cf. Bertolli Filho, 2008:6).

125
Atualmente, o Brasil atinge em 2009 a cifra de 330.825
médicos, 201.905 são7 homens e 128.920 são mulheres.

Em outubro de 2011, os registros do Conselho


Federal de Medicina (CFM) e dos Conselhos Regionais de
Medicina (CRMs) apontavam um total de 371.788 médicos
em atividade no Brasil, 4,05% da população mundial e 19,2%
dos médicos das Américas. Um médico para cada 1.000
habitantes, média nacional pelo SUS. O Brasil está em quinto
lugar a nível mundial, atrás da China (1.905.436), Estados
Unidos (793.648), Índia (640.801) e Rússia (614.183)8 São 181
escolas de medicina, mas, ultimamente, têm-se aberto outros
cursos mesmo se constatando uma queda na qualidade do
ensino da medicina nas escolas privadas, ao mesmo tempo em
que se percebe que se apresenta uma evolução no
conhecimento humanístico dos médicos, implicando uma
maior consciência ética e maior compreensão das questões
bioéticas, por um lado, e, por outro, uma baixa referente aos
conhecimentos clínicos. O Nordeste, entretanto, é uma região

7 O país alcança esse efetivo graças a um crescimento exponencial que já


perdura 40 anos. De 1970, quando havia 58.994 médicos, o Brasil chega a
2011 com um salto de 530%. De 1970 a 2010, a população brasileira como
um todo cresceu 104,8%. Já em 2009, entraram no mercado mais médicas
do que médicos. Na base da pirâmide, onde estão 42% dos profissionais,
a idade é de 39 anos ou menos. Vive-se um novo boom, com cerca de
16.800 vagas em 2011. O aumento expressivo do número de médicos no
Brasil é resultado de uma conjugação de fatores relacionados à evolução
da demanda.
http://www.cremesp.org.br/pdfs/demografia_2_dezembro.pdf. Acesso
em 01.10.2012.
8Cf.

https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/.../2012/.../dilma-ag.
Acesso em 23.04.2012.
126
muito carente nesse ponto, apresentando nesse contexto uma
defasagem significativa com um médico para cada 894
habitantes. Existe uma concentração de médicos nas capitais
dos estados. O estado de Pernambuco tem, em 2010, um total
de 11.633 médicos sendo 8.038 concentrado no Recife e,
somente 2.504 médicos atuam no interior do Estado. Outros
estão inativos (Cf. Rossiter, 2010). Em 2012 já atingiu a cifra
14.021

O plano do governo de Pernambuco apresenta uma


panorâmica bastante complexa da situação social da
população no território estadual. A opção recente tem sido a
de localização preferencial no seu espaço urbano de modo
mais acentuado que a observada no restante da região
Nordeste. Em 1991, 70,9% da sua população viviam nas áreas
urbanas contra 29,1% estabelecidos nas áreas rurais. Em 2000,
a população urbana aumentou para 76,5% do total e a rural
declinou para 23,5%. De 2009 a 2011, tem havido muita
migração dos nordestinos que foram para as grandes cidades
(capitais dos estados como Rio de Janeiro, São Paulo,
Curitiba, etc.), estão regressando para o Nordeste,
principalmente para o interior do estado de Pernambuco por
motivos dos investimentos que estão ocorrendo no agreste e
no sertão.

Todavia, o maior contingente populacional está na


região metropolitana do Recife. Esta abrigava em 2000
aproximadamente 3,3 milhões de pessoas, correspondendo a
42,1% do total do estado. Nesse mesmo ano, somando as
populações das zonas da Mata Norte e Sul à Região
Metropolitana do Recife (RMR) registram-se cerca de 4,5
127
milhões de habitantes vivendo numa estreita faixa de,
aproximadamente, 100 km de largura e 300 km de extensão
no litoral do Estado e exercendo fortes pressões por
equipamentos de infraestrutura urbana; e, finalmente, no
interior do Estado encontra-se uma rede bastante frágil de
cidades médias e pequenas, as quais têm pouca articulação
entre si, a precisar de uma enérgica intervenção pública de
maneira a dotá-la de um nível superior de infraestrutura geral
e que facilite o incremento do potencial de trocas econômicas,
sociais e culturais do conjunto de sua população.

Toda essa realidade implica um baixo nível de


qualidade de vida, embora se observe que diante dos
indicadores sociais e econômicos, Pernambuco ainda é o
melhor estado em relação aos outros estados do Nordeste em
desenvolvimento e qualidade de vida.

O estado de Pernambuco apresenta o seguinte quadro


da realidade geográfica, populacional e econômica:
primeiramente, uma população de 8.810.256 milhões de
habitantes numa área territorial de 98.485 km2 e o Recife, tem
1.533.580 milhão de habitantes numa área de 219.493 Km2,
juntando a RMR ou a macrorregional, composta de 21
municípios, somando em 2010, 3.621.739 milhões de
habitantes e hoje passa dos 3.700.000 milhões, o que dá uma
margem muito significativa ao impulso desenvolvimentista da
região. Todavia, o que se constata é uma carência significativa
de mão de obra especializada, pois não houve ao longo da sua
história uma preocupação em investir na educação básica nem
superior, então hoje se constata a grande defasagem de
pessoas qualificadas para atuar no mundo da indústria e do
128
mercado. No entanto, com a efervescência do
desenvolvimento atual, procura-se resolver esse quadro às
pressas e, consequentemente pergunta-se: educar para quê?
Não se pode expandir na área da educação nem básica, nem
fundamental, nem média e nem superior buscando somente a
formação de técnicos, capacitar pessoas para esse novo
momento econômico desenvolvimentista simplesmente, mais
é o que se está a fazer. O PIB do estado de Pernambuco
ultrapassa os R$ 20 bilhões, ao mesmo tempo em que existe
uma população carente, pobre e miserável que atinge a cifra
de 3.721.231 milhões de pessoas vivendo com menos de um
salário mínimo (R$ 622,00) ou em média de R$ 350,00. O
Grande Recife apresenta uma realidade desafiadora com 1/3
da população na pobreza e na miséria (Cf. PDR, 2006:8-9).

Como observamos, os desafios continuam e cada vez


mais exigentes levando em consideração o quadro histórico
da região Nordeste. Contudo, há uma possibilidade de novas
perspectivas com o crescimento e desenvolvimento
econômico do país e, consequentemente, o do estado de
Pernambuco.

Neste quadro está a Cidade do Recife com sua


diversidade cultural muito rica e muitos conflitos urbanos que
necessitavam de soluções. O ambiente natural (praias, rios,
manguesais, matas e mananciais, embora estejam sofrendo
muitas agressões pelo desenvolvimentismo) constitui riqueza
ímpar e lhe atribui uma característica que a diferencia das
demais cidades brasileiras. Há também nos morros que
circundam a planície a bela vista da cidade, a riqueza de sua
produção cultural, a qualidade da sua habitabilidade – apesar
129
dos riscos que advêm de sua ocupação desordenada – e a sua
tradição organizativa.

O Recife expressa na sua configuração físico-


territorial as diferenças provocadas pelo quadro
socioeconômico que se consolidou ao longo de sua história.
A cidade exibe a convivência de seus habitantes: próximos
territorialmente, mas separados por enormes diferenças
sociais.

O município do Recife reconhece a existência de seis


Zonas Especiais de Interesse Social – denominadas de ZEIS,
disseminadas pelo espaço urbano estando divididas em 66 nos
94 bairros que, por sua vez, estão presentes nas seis Regiões
Político-Administrativas - RPA. Frente a existência de perto
de 490 favelas, representando 15% da área total do município
e 25% de área ocupada, as ZEIS agregam cerca de 80% delas.
Eis, portanto, um dos desafios que o governo municipal tem
de encarar como problema social grandioso.

Diante dessa realidade a educação em 2003


apresentava o seguinte quadro: taxa de alfabetização da
população de 5 anos e mais: 86,61%; proporção de crianças
alfabetizadas na faixa de 5 a 9 anos: 55,70%; proporção de
crianças alfabetizadas na faixa de 10 a 14 anos: 92,47%. Em
2010, são 110 mil as pessoas não alfabetizadas, que
representam 9,6% da população total, e 18% têm menos de
quatro anos de estudo ou não possui o ensino fundamental
completo. O Programa Brasil Alfabetizado entre 2008/2009,
no Recife, conseguiu diplomar 2.461 pessoas. Atualmente são
223 escolas, 15 escolas com educação integral, e 58 creches
130
distribuídas nas RPAs (Cf. Sec. de Planej. Partic., Obras e Des.
Urb. Amb. do Recife).

As ações governamentais não caminham tão


rapidamente como deveriam ou como se esperava que se
desenvolvesse. O que leva, afinal, as ações e realizações dos
projetos relacionados às políticas públicas, principalmente as
que dizem respeito à educação e à saúde serem tão morosos
em suas concretizações? De quem depende o quê? De onde
vêm as causas que fazem a máquina do governo funcionar de
forma tão vagarosa? O que está por trás dessa lentidão e
atitude de descaso? Obviamente, parece-nos não haver uma
articulação maior e mais precisa entre o local e as
possibilidades de mediação para que essas ações possam ser
geridas de acordo às necessidades da sociedade. Por isso
mesmo, Correia e Caramelo veem o processo do
desenvolvimento local a partir da noção que se tem de ‘local’,
pois o mesmo, dizem eles, “remete para dinâmicas e
problemas sociais heterogêneos” (2003:178) e, que precisam
de mediações, ou seja, de “noção de mediação que possa
reenviar a uma multiplicidade de domínios da vida-social”
(Ibid.), isso significa que tanto a noção de local como a de
mediação tem “em comum o facto de apresentarem uma
textura que os torna permeáveis à produção de conflito social
ou interindividual” (Ibidem). Logo, podemos dizer que ou
não está clara a questão para os gestores ou não há, na prática,
interesse em perceber a agravante que pode causar tal
distorção da realidade.

O certo é que a estrutura burocratizada da máquina


administrativa exerce um poder centralizador e controlador
131
que impede os organismos de avançarem e fazerem com que
as políticas públicas sejam aplicadas. Claro está que esta forma
de gerenciar também tem sido fruto de autoprotecção da
própria organização sistêmica de governo. Entretanto, essa
situação também influi muitas vezes que os projetos não
saiam do papel, outras vezes as verbas estão disponibilizadas
e não são aplicadas. Muitas vezes aquelas pessoas que fazem
parte da gestão (os escalões, cargos de confiança do gestor
principal) não dão o devido valor às políticas públicas. Falta
um espírito cidadão e uma coerência política que mobilizem e
sensibilizem os gestores e seus colaboradores. Pois não há de
admitir que uma pessoa pública adredemente escolhida para
exercer tal representação não tenha sensibilidade nem
vontade nem percepção da sua realidade e use simplesmente
da demagogia política para se efetivar no poder público. Mas
é diante de tais situações que há aqueles que vivem da política
e chegam a passar até dez mandatos consecutivos (em média
40 anos de mandato) e aqueles que vivem para a política. Na
democracia, é necessária a renovação dos políticos e dos
representantes políticos para que haja possibilidades de novas
ideias e novas ações, para que não se caia na descrença e não
se pereça no idealismo político da sociedade em sua vida
democrática.

Nível Praxiológico

No atual mundo globalizado e superestruturado


política e economicamente, apresenta, por sua vez, alto nível
de desenvolvimento científico e tecnológico, de um lado,
aproximando fronteiras e quebrando barreiras e, por outro,
132
uma comunicação tecnologicamente de ponta massificando e
aculturando populações inteiras desprovidas de tudo e de
qualquer possibilidade de desenvolvimento. Temos como
exemplos, as sociedades periféricas estão sem perspectivas de
desenvolvimento nem crescimento digno de qualidade de
vida.

O Brasil, na atual conjuntura, é um país com um


crescimento econômico significativo, embora enfrente uma
desigualdade social humana preocupante. Sempre se tem
analisado que uma sociedade precisa investir em primeiro
lugar na educação com uma formação ético-moral, intelectual,
científica e tecnológica eficiente como uma das principais
possibilidades de superação dessa situação. Na realidade
brasileira, precisamos que se torne prioridade o ensino
fundamental e a formação continuada tendo como meta não
só escolarizar, mas intelectualizar uma boa parte da sociedade
para poder alcançar um patamar científico e técnico que
ofereça condições de desenvolvimento humano, econômico,
social, político, cultural pelo menos desejável e/ou
satisfatório. Para isso, uma educação humanista é essencial
enquanto promotora de entendimento sadio e humanizado
entre os humanos, exatamente por estarmos atravessando
uma quebra de valores éticos significativos e que devem ser
recuperados e/ou recriados.

Um povo eticamente constituído torna-se possível


transformar seu potencial humano na mais alta expressão de
altivez e de consciência cidadã. A história brasileira é marcada,
também, por esses aclives sociais e políticos. As ideologias
fortemente instituídas pelos poderes hegemônicos sempre
133
tiveram a tática de submeter o povo, privando-o de uma
educação de qualidade como também deixando de oferecer-
lhe condições de vida saudável. Ao olharmos as estatísticas
acima, da realidade nordestina, perguntarmos por que os
gestores públicos sempre colocam em último plano de
governo, na prática, as questões que envolvem educação e
saúde?

Contudo, o investimento em segurança privada no


Brasil, por exemplo, é um dos maiores do mundo. A
sociedade investe alto demais em segurança privada e menos
na educação. A sociedade sente-se ameaçada constantemente
por uma violência institucionalizada e desenfreada atingindo,
principalmente, as escolas. Olhando o homem como ser social
e político e que necessita de formação humana e intelectual,
perguntamos: e o homem? Quem é ele? Pergunta que tanto se
fez e se faz até hoje. Dizia Sêneca, apud Morin “Todos os
vossos receios são de mortais; mas todos os vossos sonhos
são de imortais” (2003:111). Gadamer diz que “O homem
caracteriza-se pela sua vontade de transcender o próprio
corpo e, em geral, por certas formações naturais da vida”
(2009:24). E acrescenta: “Somos partícipes de um mundo da
vida que nos suporta” (Ibid., 2009: 118). Fr. Bernardo
Domingues cita Tomás de Aquino que diz: “A pessoa é o mais
perfeito dos seres da natureza e subsiste como natureza
racional com a máxima dignidade intrínseca porque é alguém
única e dotada de um princípio definitivo, simples, espiritual
e por isso imortal, que sobrevive para além da experiência
temporal provisória…” (2004:191). Por sua vez, Maria do Céu
P. Neves ressalta: “é preciso que o homem se torne sujeito,

134
autor, princípio da sua ação (e não apenas realidade em que a
ação se exerce ou que a ela reage)” (2004:145). Nesse sentido,
é necessário que o homem conquiste os espaços fundamentais
para realizar seus intentos e construir sua própria história num
processo contínuo de humanização para atingir o valor de sua
hominização. O Nordeste é uma região sofrida e sofrível com
um baixo índice de IDH causando um desnível entre
educação e saúde em relação às outras regiões do país.

É no contexto praxiológico, mediante tais


constatações que na realidade nordestina faz-se fundamental,
mais uma vez, dar ênfase a necessidade de uma educação
libertadora que conduza ao processo de hominização e tenha
a saúde como um objetivo fundamental da conquista dos
espaços humanos para uma melhor qualidade de vida. Sem
educação e saúde, como é possível tratar do homem em seu
processo de conquistas ou de mudanças sociais, etc.? Que
lógica permeia a relação educação e saúde? Como os projetos
educacionais soam na saúde? Que resultados são possíveis
aproximar? Até que ponto a educação perpassa, no âmbito da
saúde, um domínio que equacione uma interação
conhecimento e prática social? Como é possível estabelecer
um paralelo entre educação libertadora e práticas libertárias?
Enfim, como articular educação e saúde no contexto
nordestino?

A princípio pode-se afirmar que a educação é um


processo contínuo e permanente no ser humano e, que esse
ser humano vai se formando, humanizando à medida que o
mundo pessoal e social se humanizam. A educação, nesse
processo, é causa eficiente nas transformações que ocorrem
135
no homem e em sua cultura. Nesse sentido, a educação do
homem “nordestino” em seu mundo cultural deve se adequar
a um contexto diversificado, mas que necessita de consciência
política e cidadã com condições adequadas para nortear suas
ações em prol do bem comum e, não obstante, essa relação se
atribui no momento em que o homem integra a esse processo
uma relação comunicacional e de interesse pelos demais como
caminho para realizar o cuidado do ser e para o ser. Não se
trata de qualquer comunicação, mas de uma comunicação
com dispositivo de gestão das vontades (Cf. Correia e
Caramelo, 2003: 178).

A educação é norteadora das vontades, dos desejos e


das paixões, sejam elas egoístas ou não. Porém, ter identidade
cultural própria é fundamental para que o homem seja capaz
de identificar-se com a sua realidade e preservar o seu ethos
cultural, do contrário, se perde diante das imposições
ideológicas que faz o homem, muitas vezes negando valores
éticos e morais culturalmente enraizados desencadeando
desestruturações sociais.

A sociedade democraticamente consciente é


impulsionada a colaborar nas políticas públicas educacionais
e da saúde que atendam e satisfaçam a demanda social. Por
isso devem ser criados projetos sociais viáveis, práticos e
operacionais que visem o bem-estar social na construção da
cidadania. Na sociedade brasileira há um contingente humano
considerável sobrevivendo em palafitas e favelas (são mais de
10 mil favelas), sem ter a menor estrutura sanitária e condição
de viver dignamente. Então, como educar a criança, o jovem,
o cidadão para cuidar da sua saúde se o seu habitat não oferece
136
a menor possibilidade de humanização nem hominização? A
menor condição de vida digna é necessária à pessoa humana,
do contrário ela se animaliza e se torna insensível. O Brasil
tem em torno de 800 mil catadores de lixo, ganhando por mês,
em média, R$ 120,00 a R$ 200,00. É um quadro bastante
desumanizador ou subumano que está também agregado aos
lixões que as grandes cidades trazem no seu ambiente como
natural, tratando-os como normal. E neste “chão da vida”
tanto a educação quanto a saúde devem ser prioridades
permanentes para buscar, conquistar e manter a condição de
dignificar o ser do ser humano.

A formação humana, principalmente, nas escolas


públicas é muito defasada, e o desrespeito à figura do
professor é inaceitável. No Recife, as escolas têm sido alvo de
muita agressão por parte dos alunos em relação aos
professores. Não tem sido o lugar onde se aprende a moral e
os bons costumes. Tudo gira em torno de um espaço como
passatempo e garantir a bolsa escola e a merenda escolar. Não
se busca o aprendizado da relação teoria e prática. Não se
busca descobrir novos horizontes para poder enfrentar os
desafios da vida, mesmo que seja por um processo de
escolarização ou tecnicista. O processo de aprendizagem vai
perdendo seu espaço e seu sentido. Na escola o aprender,
segundo Charlot, implica três momentos bem definidos
como:
Em primeiro lugar, aprender é apropriar-se de
um saber visto enquanto objeto, sem referência
às situações ou às atividades através das quais
este objeto foi constituído (…). Em segundo
lugar, aprender significa “fazer”, no sentido
137
mais lato do termo e assim ser capaz de dominar
uma operação ou um conjunto de operações.
Esta operação pode assentar num objeto
material ou ser uma operação simbólica. Em
terceiro lugar, aprender significa entrar nas
formas e nos dispositivos relacionais e assim ser
capaz de dominar os seus comportamentos e
formas de subjetividade, nas suas relações com
os outros e consigo próprio (2009: 93-96)

Esta é uma defasagem verificada na maioria das


escolas públicas no Nordeste onde o nível de conhecimento
é muito baixo. Esse é o retrato de uma sociedade desintegrada
entre o universo da escola e o da família. A maioria do alunado
não recebe em suas famílias orientações básicas de educação
doméstica, em consequência disso a escola passa a ser o alvo
das descargas neuróticas e neurotizantes da sociedade. E,
como resultado, muita violência, por parte dos alunos entre
eles mesmos e com relação ao professor que não exerce seu
papel com dignidade nem com autoridade, pois encontra
muitas resistências e muitas limitações. Enquanto isso, a lei
estabelecida dá um protecionismo muito grande ao aluno e
menos ao professor. A exigência primeira é referente a
aprovação do aluno independente do seu grau de
aprendizado. Os gestores públicos têm como princípio
cumprir metas na erradicação do analfabetismo, mostrando
números nas pesquisas, mas não há uma preocupação quanto
ao aprendizado do aluno nem ao conteúdo transmitido.
Charlot chama a atenção de que não se deve
Esquecer que o homem é um sujeito,
indissociavelmente singular e social. A
singularidade é o que lhe confere a sua
existência, comprometido com uma história

138
que é sua, mesmo quando ele a partilha com
outros homens. Mas o homem só existe
quando socializado: sem o outro, que se
apresenta sempre sob formas sociais, o
homenzinho permanece “um menino
selvagem”, um “menino lobo”. (2009: 14).

O papel da educação é também tratar a criança, o


adolescente, o jovem, o outro como ele é, como pessoa
humana, criando uma do outro, da alteridade e para a
liberdade. Segundo Edgar Morin, “Uma educação só pode ser
viável se for uma educação integral do ser humano. Uma
educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e
não apenas a um de seus componentes” (2000: 11). A
educação tem de investir sempre no plano humanístico e
socializador do ser humano. Não basta só fazer uso de várias
experiências de métodos educacionais se não há uma
formação de qualidade do professor acompanhada de
motivações para a transmissão do conhecimento com as
devidas condições de trabalho.

Os jovens, hoje, chegam à universidade muito novos


e com uma visão muito limitada da liberdade, da
responsabilidade e da situação que muito se deve à escola e à
família. Existe o conceito de que tudo pode fazer
desrespeitando a todos, fazer somente o que quer, quando
quer e como quer. A falta de limites na formação inicial da
criança tanto em casa quanto na escola, leva-a a tornar-se
autossuficiente, são casos que se repetem com muita
frequência. Como diz Edgar Morin, “Educar para
compreender a matemática ou uma disciplina determinada é
uma coisa; educar para a compreensão humana é outra”

139
(2000:93). Nesse contexto, como a formação da pessoa
humana deve ter parâmetros bem definidos tanto na família
quanto na escola? E como esse processo do ensino-
aprendizagem deve estar comprometido com a formação
humana na escola? Como é possível haver uma relação sadia
entre o ser do ser humano e a educação como promotora
fundamental em desenvolver também a questão da saúde
física e mental no alunado? Como a escola trabalha a saúde
preventiva do corpo, da sexualidade, da afetividade?

O processo educativo, na realidade nordestina atual, é


cada vez mais exigente, difícil e desafiador. Urgem políticas
públicas que motivem, incentivem e promovam a escola
como um todo, porque a integração do corpo docente
capacitando-o sempre e lhe dando as devidas condições para
uma prática pedagógica com criatividade e que possa
despertar interesse e motivações na aprendizagem da criança,
do adolescente, do jovem. Porque é daí que deverão sair os
profissionais da saúde com a consciência do saber cuidar.

No Recife existem algumas escolas consideradas


modelos por estarem funcionando em tempo integral e
servem de referência na educação pública. Existem, também,
escolas profissionalizantes criadas pelo governo federal,
denominadas de CEFET (Centro Federal de Educação
Tecnológica) ou IFET (Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia), tem como objetivo preparar o jovem
para o mundo do trabalho. Mão de obra menos exigente e
menos dispendiosa economicamente para o mundo da
empregabilidade. A questão mais crítica dos cursos
profissionalizantes é carecer de uma formação humana e
140
crítica, principalmente nos cursos das ciências exatas nas
universidades. A conotação dada a esse tipo de formação é
uma sociedade impulsionada e estimulada a um pragmatismo
utilitário sem a preocupação com uma sociedade eticamente
comprometida com valores humanísticos e valores ético-
morais. Há uma falta considerável na formação para uma
abertura da consciência num nível mais formativo, dialógico
e crítico.

Nesse contexto, mais uma vez, volta à tona a questão


da saúde e do cuidado humano. A saúde deve ser parte
integrante do processo educacional escolar como também
familiar. Na nossa realidade, não se tem tido em consideração
a noção de que só existirá êxito no processo educacional se
houver uma integração entre famílias, escolas e sociedade. A
educação e a saúde não são vistas como um processo
contínuo e socialmente aceite por todos. A valorização desse
processo só acontecerá se contar com a mediação daqueles
que fazem esse processo caminhar em sua primeira instância
como a família e a escola. Veicular essa consciência cidadã
comprometida com um processo de mudança e
transformação social é de responsabilidade dos atores que
compõem a escola tanto o corpo docente quanto os pais, os
gestores públicos e a sociedade. Não se pode olvidar que nessa
circunstância, deve-se ter em consideração que a própria
escola tem uma responsabilidade significativa. No entanto, ela
tornou-se uma grande arena de disputa pelo espaço.
Administrar a própria escola pública, principalmente em
determinadas áreas no Recife, é um permanente desafio. A
grande utopia é que essa realidade se transforme rapidamente.

141
Segundo Wilfred Carr e Stephen Kemmis a
necessidade de uma ciência educativa crítica contribuirá
significativamente para a construção também de valores,
assim expressam:
Una ciencia educativa crítica, en cambio,
atribuye a la reforma educacional los predicados
de participativa y colaborativa; plantea una
forma de investigación educativa concebida
como análisis crítica que se encamina a la
transformación de las práticas educativas, de los
entendimientos educativos y de los valores
educativos de las persona que intervienen en el
processo, asi como de las estructuras sociales e
institucionales que definen el marco de
actuación de dichas personas. (1988:168).

Podemos considerar que a educação não comporta só


uma heteroeducação, mas também uma autoeducação. Neste
sentido a ciência, com dimensão inerente à educação, ocupa
um lugar privilegiado de transformação social. A valorização
da presença da ciência nesse processo consiste exatamente em
afirmar que “a ciência é uma atividade privilegiada” (Alves,
2003:86). Essa condição fortalece o poder da educação sobre
o indivíduo que deve estar sintonizado no seu mundo
ambiente e nesse caso numa sociedade eminentemente
democrática em que faz jus à voz do educador que segundo
Rubem Alves deve ser um “apaixonado pelo homem” e que
deve ao mesmo tempo sentir o desejo de “criar condições
para que cada indivíduo atualize todas as suas
potencialidades”. Ainda, afirma categoricamente que “a
educação é a base de uma sociedade democrática” (2003:86).
Principalmente, quando se trata da relação com a saúde, pois
uma está numa simbiose constante com a outra em que o
142
conteúdo das ações da educação para a saúde, ultrapassa, no
entanto, aquilo que se considera serem os estritos critérios
científicos (Cf. Abreu, 2003:157).

Os valores informam o espírito crítico,


principalmente, na relação educação/saúde, não podem
deixar de serem perseguidos, percebidos e fomentados ao
ponto de criar raízes sociais e compromisso com as mudanças
na sociedade.

Não é tarefa fácil promover uma mobilização social,


principalmente, num contexto em que o Nordeste brasileiro
se apresenta, até porque a sociedade foi-se tornando uma
espécie de campo minado das atuações dos poderes
econômicos ideologizados pelo acúmulo do ter, não
importando o ser e o homem sendo, contudo, classificado
como um não ser, como uma reificação desse mesmo projeto.
Vulgariza-se o ser humano. Vive-se numa certa anomia ao
lado de um legalismo fadado à inoperância da lei. Faltam
fidelidade e coerência do pensar, do pronunciar e do agir.

Partindo dessa realidade há muita coisa a ser


construída tanto ética quanto bioeticamente. A
interdisciplinaridade faz emergir as possibilidades de criar
projetos comprometidos com as obrigações e os deveres do
ser humano dentro da sociedade.

Uma das questões basilares desse processo passa pelo


respeito à autonomia do ser humano fazendo valer o princípio
de justiça tanto na dimensão comutativa quanto equitativa.
Estamos vivenciando o Estado buscando o acúmulo de

143
capital e deixando de lado suas obrigações sociais como saúde
e educação em segundo plano. Valla e Stotz já assinalavam a
mais de duas décadas que “o padrão de acumulação do capital
vigente em nosso país impõe um profundo e rápido desgaste
da força de trabalho. Os baixos salários obrigam os
trabalhadores a jornadas simultaneamente intensivas e
extensivas...” (1994:126). É nessa realidade que se enquadra o
professor atualmente.

Para que a mudança aconteça é necessário que a


legislação esteja ao alcance da sociedade, do cidadão e que ele
tenha acessibilidade em conhecê-la. Contudo, não basta só ter
projetos se os mesmos não forem viabilizados efetiva e
consistentemente. Há certa distância daquilo que são os
projetos de políticas públicas e do que na prática são as
aplicabilidades dos mesmos. Há uma incompatibilidade no
fazer acontecer, mas há uma necessidade de veicular um
mundo de propagandas como condição de fortalecer o que a
aparência mostra.

Cada vez mais se vai elucidando que urge a


necessidade de uma nova prática na educação como
promotora do humano, como educar para a justiça, para a
política, para a cidadania. A hominização só irá acontecendo
se partir de um processo construtivo coerente com o próprio
ser humano, só assim é que se é capaz de reconhecer o outro
na sua condição de digno, ou seja, “é quando reconhece a
dignidade incondicional do outro que o ser humano vive a sua
própria dignidade” (Renaud, 2004:207).

144
3.2 Educação e saúde: que integração?

Nessa trajetória reflexiva nos reportamos à questão da


educação e da saúde por esta ser um ponto fundamental da
pesquisa e por estar ligada à questão da formação e ação ética
do indivíduo na sociedade, principalmente, dos profissionais
da saúde que, à luz da bioética, esses valores são fonte de vida
e realização do ser humano.

Diante do que já apresentamos como desafios na


educação e na saúde, vale salientar que buscamos perceber o
viés que integra essas duas realidades mediante uma sociedade
em transição como a brasileira. No Nordeste, já destacamos
que educação e saúde estão na ponta do iceberg como desafio.
Educação e saúde não têm recebido a devida atenção por
parte dos gestores públicos e estão sempre sendo colocados
em termos de áreas desafiadoras, mas permanecem
periféricas. Como podemos falar de integração nessas áreas se
até o presente momento não têm sido verdadeiras
prioridades?

Criticamente, a relação educação e saúde é inevitável,


ambas se articulam e se integram simbioticamente fazendo
parte da formação integral e do desenvolvimento do ser
humano e isso fica evidente no estudo de caso a seguir,
quando da necessidade de se ter uma formação eficiente para
o profissional da saúde como o ACS, o enfermeiro, o médico
por serem profissionais que atuam diretamente com
problemas humanos que merecem toda a atenção e cuidados
devidamente responsabilizados e intrinsecamente respeitados.

145
Os olhares e os projetos na área da educação e da
saúde devem articular a teoria e a prática e devem ser
concebidos de forma integrados. A integração vai sendo o
resultado de uma integração onde as dimensões teóricas,
práticas e éticas se conjugam.

Estrategicamente entendemos a educação e a saúde


como duas grandes linhas de pesquisas que são fundamentais
para poder referendar a grandeza de uma nação no seu Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) elevando a uma forte
expressão dos valores humanísticos que integram o ser
humano num mesmo e único caminho de hominização e da
dignidade humana. Por isso mesmo, conhecimento e prática
se integram exigindo que o profissional seja capaz de exercê-
lo com eficiência. Historicamente, as exigências entre
conhecimento e prática já tiveram suas considerações oficiais
desde 932 em Bagdá, quando da medida do Califa Al-
Mugtadir tornando obrigatória a realização de um exame
preliminar antes do exercício da medicina (Cf. Abreu,
2003:26).

Então, hoje, não deveria ser muito diferente levando-


se em consideração da responsabilidade que a formação
clínica e humanística que o profissional da saúde deve receber.
Tendo-se também em consideração que a educação prima por
um conhecimento não somente técnico, científico, mas com
a mesma relevância, o saber ético, denota o quanto deve ser
exigente o exercício do profissional da saúde. Enfatizavam
Valla e Stotz, “... sem o conhecimento não há como a
população organizada exercer o seu papel de fiscalizadora e
avaliadora dos serviços, e consequentemente de conseguir
146
uma melhoria real do quadro sanitário da população”
(1994:142). Porque, nesse aspecto, está bem claro que cabe,
acima de tudo, a todo profissional da saúde, receber uma
formação de qualidade, sem a qual, não é possível exigir
comprometimento, coerência e concretização das ações por
parte dos mentores da sistematização de um conhecimento
científico-técnico da saúde.

Arruda chama a atenção de que


no mundo atual exige-se, cada vez mais, a
construção de um novo pensamento diante das
tendências de inúmeros problemas e as
possibilidades de aplicação dos avanços de
ciência e tecnologia empregando-os,
criteriosamente, na solução dos agravos que
acometem os seres humanos. (2010:99).

A escola pública nordestina tem um déficit


considerável na aprendizagem, principalmente pela falta de
professores qualificados. Em 2004 o MEC criou o Programa
Universidade para Todos (PROUNI), que entrou em vigor
em janeiro de 2005, consiste numa bolsa de estudos de 50% a
100% do valor a ser pago nas universidades particulares. Em
2013 ampliou para 100% o valor da bolsa no intuito de
fomentar e despertar no jovem o interesse pelas licenciaturas,
como história, matemática, física, etc.. O objetivo é melhorar
a qualidade do ensino nas escolas públicas.

O grande desafio é como motivar os jovens para o


magistério, por várias razões: salários baixos; falta de
segurança nas escolas e ameaça ao professor criando certa
instabilidade emocional; perda da autoridade do professor em

147
sala de aula dando ao aluno o direito de desacatá-lo e ameaçá-
lo; por outro lado, o professor tem de ser muito dinâmico,
criativo, carismático, até humorista para poder obter a atenção
dos alunos que chegam em sua maioria desestimulada para
aprender. Segundo Fernández, o maior desafio é mostrar
como “o ensinar e o aprender não são dois momentos
recíprocos, como o dar e o receber, ou o educar e educar-se.
Há coisas que não se podem ensinar mas, não obstante, se
aprende, como o jogar, o pensar e o humorizar” (2010:143).
Então, qual é o papel do professor? Para o jovem não está
claro o que é ser professor e para quê. Entretanto as famílias
e as escolas motivam os jovens para áreas como medicina,
direito e engenharias por encontrarem maior espaço no
mundo do trabalho com mais status, segurança, maior
remuneração e qualidade de vida.

Mediante essa realidade e contexto social, histórico e


econômico a aplicação de uma ética sustentável em tais
circunstâncias, epistemologicamente fortalece a estrutura
axiológica das políticas públicas e das “práticas sociais” como
sugere Olivé,

Tanto a epistemologia quanto a ética, e,


portanto, a bioética, possuem então uma
dimensão descritiva e uma dimensão
normativa. Elas se encarregam, por um lado,
da análise de certas práticas sociais tal e como
estas existem e se desenvolvem de facto, mas
essa análise deve ser crítica e conduzir ao
estabelecimento de normas mais adequadas
para certos fins. (2006:123).

148
Contudo, educação e saúde são promotoras, segundo
a OMS, de um “bem estar saudável”. Logo, “o promotor
profissional da saúde não pode ter de si próprio a visão de que
os seus conhecimentos exprimem a verdade” (Oliveira,
2004:49). Mas buscar o conhecimento como aquele que dá ao
indivíduo não só conhecer a realidade, mas dominar o mundo,
a natureza.

È por isso que há uma necessidade premente de


integração entre o conhecer técnico, científico e o intelectual
filosófico, teórico para favorecer as transformações no
próprio mundo do homem e do mundo em que vive. Pois
essa integração acontece quando se privilegia a ética nas
escolas para formar o homem justo, íntegro no exercício de
sua profissão como, por exemplo, o profissional da saúde
assume uma responsabilidade perante a sociedade de cuidar
bem do ser humano. Porque “... um ser humano procura
saúde, alimento, exercício, ar, amigos e uma certa riqueza...”
(Valls: 2004: 21). Assim é necessário entender que educação e
saúde estão uma para a outra lado a lado do ser humano.

Como a saúde desenvolve, segundo a OMS, um


conjunto de “competências cognitivas e sociais e a capacidade
dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da
informação de forma a promover e manter uma boa saúde”
(Loureiro e Miranda, 2010: 133). A escola, por sua vez, leva o
educando a tomar consciência de que “toda construção
possível, toda transformação se dá no ato de proferir o
mundo, de interpretá-lo mediado pela interação das pessoas”
(Voss, 2013: 39). Essa dinâmica dialeticamente existente entre
saúde e educação cria uma “dimensão da práxis educativa (...)
149
e da produção científica” (Sabbatini, 2013: 198). Por isso
mesmo, através dessa integração o profissional da saúde
torna-se cada vez mais autônomo, emancipado e
verdadeiramente cidadão ao exercer a profissão no cuidar da
vida das pessoas.

Ampliar a visão de mundo integrando em duas


grandes áreas das ciências humanas é função de todo e
qualquer processo de desenvolvimento e crescimento do ser
humano para poder viver dignamente numa sociedade
buscando o sentido da existência humana e o desejo de
sentido alimentado pela vontade de viver. Eis aqui o grande
desafio da saúde e da educação na realidade do Nordeste
brasileiro.

Humanamente podemos afirmar que a educação é o


“motor” impulsionador das transformações humanas e
sociais. Alimentando a utopia humana da felicidade que se
constrói com saúde.

3.3 Os cuidadores informais como mediadores

Abreu é um pesquisador das realidades interculturais


existentes na atualidade, e um dos pontos que ele valoriza em
suas pesquisas é a questão dos cuidadores informais. Trata das
questões culturais destacando seus valores e suas
contradições, principalmente na óptica de quem está como
observador e analista-crítico tendo como foco várias
experiências culturais. Quando trata de determinados
costumes, enfatiza algumas atitudes culturais do povo
africano destacando as mesmas como sendo bastante
150
desumanas, como, por exemplo, a mutilação genital feminina
(MGF).

Ao analisar a problemática dos cuidadores informais


percebemos a sua importância na realidade humana, pois
passa a ser a condição primeira de cuidar da saúde alheia. No
Nordeste brasileiro esta prática é muito comum, até mesmo
pelas baixas condições financeiras das pessoas. São valores
culturais que têm sua relevância acentuada na solidariedade
humana apesar de que a “cultura sempre contribuiu para
demarcar os instintos revolucionários...” (Pelizzoli, 2002:144).
Porém, os espíritos de solidariedade e de compaixão sempre
estiveram presentes no povo nordestino. Por outro lado, a
cultura, segundo Abreu, “faculta ao indivíduo cognições,
crenças e valores que lhe permitem desenvolver um sentido
de identidade, de autoavaliação, de auto-estima e um
sentimento de pertença, assim como regras para o
comportamento social, designadamente na área da saúde”
(2008:93).

A cultura nordestina é profundamente marcada e


enriquecida pela presença dos cuidadores informais. São
pessoas leiga ou familiar que
provê cuidados e assistência para outros, mas
sem remuneração. Geralmente, este serviço é
prestado em um contexto de relacionamento já
em andamento. É uma expressão de amor e
carinho por um membro da família, amigo ou
simplesmente por um outro ser humano em
necessidade. Cuidadores, no sistema informal,
auxiliam a pessoa que é parte ou totalmente
dependente de auxílio em seu cotidiano, como:
para se vestir, se alimentar, se higienizar,
151
dependa de transporte, administração de
medicamento, preparação de alimentos e
gerenciamento de finanças.
(http://www.portalhomecare.com.br/home-
care/definicoes-de-cuidador-formal-e-informal.
Acesso em 17.12.2013).

Como no Nordeste as famílias são muito carentes,


precisam se ajudar mutuamente e como existe um sentimento
não só de pertença, mas de gratidão, de amor acontece,
contudo, um ato de entrega, de doação por parte daquele ou
daquela que se disponibiliza a cuidar de alguém. Essa realidade
acontece, principalmente, dentro das relações familiares com
mais intensidade no relacionamento humano. Também
percebemos que as pessoas que construíram uma boa
vizinhança encontram apoio e muitas vezes recebem os
cuidados de terceiros. Não obstante, já existem em muitas
situações aqueles que recebem algum tipo de remuneração
(Isso acontece mais nas grandes cidades) para cuidar de
alguém que necessita desse apoio, mesmo sem ser enfermeiro
ou ter algum conhecimento na área da saúde.

Abreu pôde constatar que existem várias definições


sobre a pessoa do cuidador informal. Logo, se perguntarmos
quem é o cuidador informal, poderemos responder de várias
formas, mas com o mesmo viés de entendimento. Essa figura
que vive no anonimato da vida sem necessitar se expressar
nem se evidenciar como tal é o cuidador informal. Eis,
portanto, algumas definições elencadas por Abreu sobre o
cuidador informal: a) “o cuidador é a pessoa que assume
preferencialmente a prestação de cuidados”; b) “o cuidador
informal representa a pessoa, familiar ou amiga (o), não

152
remunerada (o), que se assume como principal responsável
pela organização ou assistência e prestação de cuidados à
pessoa dependente”; c) “o cuidador informal é um membro
do grupo de pertença (da família, do bairro, do grupo religioso
ou da comunidade) que colabora na prestação de cuidados a
um utente com déficit de autocuidado, mobilizando saberes
diferenciados por razões de ordem muito diversa”; d) “o
cuidador informal é aquele que exerce a função de cuidar de
pessoas dependentes numa relação de proximidade física
efetiva – o cuidador pode ser um parente ou pessoa
significativa, a que assume o papel a partir de relações
familiares, ou outras”; e) “os cuidadores informais colaboram
nos hábitos de vida diária, nos exercícios físicos, na
administração de terapêutica, na higiene pessoal, nos passeios
e outros”; f) “em geral, o cuidador informal é aquele que
assume a função social de cuidar de pessoas dependentes
numa relação de proximidade física efetiva, podendo ser um
parente ou pessoa significativa, que geralmente atua de forma
não remunerada”; Ainda, podemos dizer que, g) “os
cuidadores informais colaboram na realização de atividades
que os utentes não são capazes de desenvolver por si próprios,
de forma autônoma”. Essa ajuda pode envolver diversas
atividades da vida diária (vestir, cuidados de higiene,
alimentação…) ou atividades relacionadas com questões
financeiras e administrativas. Envolve ainda um suporte de
natureza emocional e cuidado de saúde pouco diferenciada,
no sentido de proporcionar bem-estar e conforto. Por vezes,
desenvolve-se em complementaridade com o sistema formal,
proporcionando atividades que este não disponibiliza (Cf.
2008:94-96).
153
Como podemos constatar, há um valor intrínseco na
figura humana do cuidador informal que é a capacidade de
sentir-se com o outro, ter compaixão, zelar pela vida do outro
desde o alimentar ao ajudar a medicar na hora certa seguindo
as prescrições e orientações médicas. É dedicar de uma boa
parte de sua vida para que o outro tenha mais qualidade de
vida. São experiências humanas fantásticas e incomparáveis
diante da cegueira e desinteresses praticados entre os
humanos.

Certamente, com referência ao cuidador informal,


essa pessoa que se esforça para cuidar de outrem, também tem
necessidade de um apoio humano. O sentimento religioso
muitas vezes é o apoio que essa pessoa encontra para poder
dar sentido ao que faz, e o nordestino é profundamente
marcado pela influência da religiosidade popular que permeia
toda a sua vida. Bioeticamente existe nessa situação do
cuidador informal uma questão ética mais humanitária do que
instrumental, pois cuidar de alguém sem condições de agir por
conta própria é uma tarefa bastante difícil e exigente. Abreu
chama atenção para o desgaste que sofre o cuidador informal
e, citando Franco diz:

O cuidador que se dedica ao cuidar de uma


pessoa totalmente dependente sem qualquer
tipo de apoio formal, tende a vir a sofrer
desgastes físicos e emocionais considerados
provenientes da sobrecarga imposta,
principalmente quando o doente assistido
apresenta além de incapacidade física déficit
cognitivo. (2008:100).

154
Na verdade, o cuidador informal é o ser humano que
encare as adversidades das situações-limite humanas que se
lhe apresenta e tem, dessa forma, um espírito de abertura para
encarar o ser na sua condição e capacidade de expressar seu
sentimento de solidariedade e alteridade na entrega ao outro.
O seu conhecimento vem da experiência e das necessidades
humanas, pois não existe um lugar formativo para que haja
um aprendizado de como ser cuidador informal. São as
próprias circunstâncias da vida que impulsionam a pessoa a
cuidar do outro. Segundo Torralba i Roselló, essa entrega não
somente estabelece uma relação interpessoal entre o cuidador
e o ser cuidado, mas se estabelece de maneira livre e com tanta
intensidade que o cuidador se supera diante da vulnerabilidade
do doente e das circunstâncias que o cercam. O próprio
desgaste e a fadiga humana que possa surgir ao cuidar de
alguém são superados (em parte) pela capacidade de
desprendimento e de doação que o cuidador é capaz de fazer,
por isso,
A relação entre o cuidador e o ser cuidado é uma
relação interpessoal assimétrica, mas, nesse
caso, a assimetria tem traços muito específicos.
O que faz essa relação claramente assimétrica
não são as variáveis idades, sexo ou nível social,
mas a experiência da vulnerabilidade atual. A
única coisa que separa cuidador e ser cuidado é
a potência e a intensidade da vulnerabilidade. O
homem doente padece em ato os danos de sua
vulnerabilidade, a dor que desespera, enquanto
que o acompanhante ou cuidador não padece no
ato da vulnerabilidade. (2009:137).

A família nordestina vive essa experiência


constantemente e, praticamente, uma família tem sempre
155
alguém aos cuidados e dedicação de outrem, isto é, alguém da
família que se disponibiliza em cuidar, mas em cuidar com
total entrega e disponibilidade de maneira humanamente ética
e moral. Trata-se de uma virtude moral que brota da
interioridade do cuidador, isso porque “a virtude moral é,
pois, uma disposição adquirida da vontade, consistindo em
um justo meio relativo a nós, que é determinado pela justa
regra, tal como o determina o homem prudente” (Novaes,
1992:9).

O espírito de generosidade é talvez a maior expressão


do cuidador informal pela sua leveza e bondade empreendida
no cuidar de outrem ou como alguém que está sempre
presente para lhe oferecer o melhor que são os dons do servir
de forma humilde e paciente. O nordestino tem muito desse
sentimento e, geralmente, cada família tem uma situação desse
tipo. Há sempre um cuidador informal disponível para cuidar.

Essas situações são muito presentes nas áreas rurais,


vilarejos e cidades pequenas nos interiores dos Estados
nordestinos, enquanto nas grandes cidades há uma
caracterização diferenciada. O cuidador é, em certas
circunstâncias, aquele que recebe um salário para cuidar do
doente ou do ancião ou, ainda se tem a opção das famílias
colocarem seus parentes idosos em abrigos, pagando uma
mensalidade para serem cuidados, quando não há outra forma
de como cuidar. Essas atitudes revelam uma situação
específica que já faz parte do cotidiano das famílias, das
pessoas e se age com naturalidade, principalmente, naquelas
famílias que têm condições econômicas estáveis. Esse tipo de
atitude nem sempre é aceito de bom grado porque está o
156
doente numa condição sempre de dependência. Para muitos
idosos soa como desprezo da família.

Por outro lado, sabe-se também que as famílias


residentes nas periferias e favelas de uma cidade grande como
o Recife necessitam do cuidador informal que e sempre vai
ser encontrado. Logo, ser cuidador informal é ter um
sentimento profundo da carência humana tanto da saúde
quanto do afeto pelo outro.

3.4 Da ética utilitária à ética do cuidado

Como o ser humano vive por si só,


independentemente dos outros seres, toda uma dinâmica de
sua existência pautada nas características fundamentais de sua
ontologia humana, compreende, contudo, uma complexidade
que o faz viver dualisticamente o aqui e o agora da sua história.
A subjetividade humana tenta expressar o que o homem traz
consigo mesmo com o objetivo de fortalecer o
autoconhecimento que, por si só, se coloca diante das
próprias contrariedades do mundo real estabelecidas pela
contingência da materialidade do ser.

A vida entendida no cotidiano e a vida como sentido


da sua existência trazem possibilidades de autodescobertas de
si como valor, como também limitações em seu interiorizar-
se e seu internalizar-se na compreensão do ser em si enquanto
ser. Esse papel está para a consciência enquanto elemento
primordial do ser humano que o leva a tomar consciência de
si mesmo progressiva e paulatinamente. É fundamental que o

157
homem se perceba esse ser que aí se encontra, porque o
homem é um ser de encontro constante com tudo o que o
cerca, isto é, o outro, o universo e a busca de entender
enquanto ser de transcendência. Essas possibilidades levam-
no ao encontrar-se consigo mesmo e a entender-se como ser
para os demais. Heidegger diz que “O que se busca é um
poder-ser próprio da presença por ela mesma, testemunhado
em sua possibilidade existenciária” (1990:52).
O cuidado é aquela condição prévia que permite
eclodir da inteligência e da amorosidade, o
orientador antecipado de todo comportamento
para que seja livre e responsável, enfim
tipicamente humano. Cuidado é gesto amoroso
para com a realidade, gesto que protege e traz
serenidade e paz. Sem cuidado, nada que é vivo
sobrevive. O cuidado é a força maior que se
opõe à da entropia, o desgaste natural de todas
as coisas, pois tudo de que cuidamos dura muito
mais. (Boff, 2003:22).

A forma romântica de Boff apresentar o cuidado é,


na verdade, uma maneira otimista de acreditar utopicamente
na possibilidade da realização do cuidado. A realidade é muito
contraditória. O cuidado requer que nesse olhar sobre o outro
haja uma implicação solidária, porque dela emana um sujeito
ético com incidência sobre a vida humana. Segundo Melo, em
Levinas, a questão ética implica desconstrução a partir da
formulação de interrogações a cerca da ética e do valor. Por
isso, as bases da ética da alteridade são definidas a partir da
desconstrução do edifício ontológico. Nesse sentido Levinas
parte da impossibilidade da racionalidade ética ser fundada no
sujeito, no nominativo do Eu penso – Eu -, para a
possibilidade ética centrada num outro modo de ser, além da
158
essência -, no Outro, no acusativo – Me – da resposta: eis-me
aqui. (Cf. 2003:202). Ainda, seguindo essa mesma lógica
afirma Melo que “O estatuto ético da alteridade é a obra que
garante a liberdade. Ele é garantia do fim da tirania e das suas
consequências maléficas, chamadas de “justiça”” (Ibid., p.
206).

A relação de solidariedade significa que é possível o


indivíduo colocar-se no lugar do outro. Então, podemos
afirmar também que essa recíproca se torna verdadeira.
Aristóteles, na Ética a Nicômaco, afirma que ‘das coisas, a
mais nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais
doce é ter o que amamos’ (2004:30). Consequentemente, o
amor, a candura, a doçura, o cuidado ao próximo acontece à
medida que a relação de alteridade está presente na
compreensão ética. E a ética, por sua vez, está para o cuidado
proporcionalmente ao doar-se do sujeito ético em relação ao
outro. O outro não pode ser só o que está ao meu dispor, mas
o que está na relação para, onde evidentemente acontece uma
sintonia entre a condição humana do ser e o próprio ser.
Portanto, “o exercício do cuidar não é uma mera técnica, mas,
sim, fundamentalmente, uma arte” (Torralba i Roselló,
2009:38). Torralba i Roselló cita Pellegrino que define o cuidar
como aquele que constitui o fundamento moral a partir da
prática profissional, isto é, “o cuidar é a base moral sobre a
qual tem que se reformar nossas obrigações profissionais e
nossa ética” (Ibid., 41). Na realidade, o que se sente falta é de
que haja essa relação de proximidade na interação entre o
sujeito e sua disposição moral e ética para melhor agir
eticamente em relação ao outro.

159
Essa disposição relativa à ética do cuidado é uma
condição para que haja mais respeito entre os humanos já que
ela passa por “uma moral do sentimento e da relação” (Ferrer,
2005:268). Enquanto isso se vive a contradição entre o agir e
o fazer humano propriamente dito. Mas, por que há tantas
contradições nas ações humanas? É tão difícil entender os
valores éticos e praticá-los? A vida moral começa
verdadeiramente pela resolução dos problemas ou não? Só
haverá vida moral se houver partilha dos sentimentos? Que
sentimentos são esses que o próprio ser humano os tem, mas
não os alcança? Por outro lado o homem precisa deixar que
seus sentimentos estejam sempre a florir e os conduza a
aprendizagem do saber cuidar de si e dos outros. Mas,
também parece que a praticidade da vida consiste em fazer e
somente se preocupar da utilização desse fazer como
resultado objetivo da ação humana. Esse mundo do
utilitarismo pragmático tem uma ética. Mas que ética? Será
que a ética utilitarista levará o homem a perceber-se como
sendo mais humano?

Segundo Pessini e Barchifontaine, “o utilitarismo,


defende a liberdade absoluta do cientista, cuja única obrigação
é manter-se fiel ao esquema operatório da ciência, que
consiste em formular hipóteses e verificá-las com o maior
rigor possível”. E, continua com outro ponto de vista em que
“o utilitarismo sustenta que a ciência tem o direito de fazer
qualquer tipo de experiência e produzir tudo o que lhe é
possível sem nenhuma forma de limitação extracientífica”
(2002:73). Portanto, a autonomia do indivíduo passa pela
autodeterminação individual como afirma Po-wah: “a

160
autonomia pessoal é importante porque é geralmente
considerada fundamental à nossa agência moral” (2012:219).

Se o mundo atual vive a partir de uma realidade


basicamente pragmática e utilitária, baseada somente numa
desenfreada guerra da produção e do consumo sem muito
critério ético, sem pensar nas consequências de bem ou de mal
que possa trazer ao próprio ser humano, porque “o mercado
é um processo de descoberta, em que diferentes alternativas
são experimentadas e selecionadas por escolhas de
consumidores” (Petroni, 2012:331). Isso nos mostra que
como esse mesmo homem só pensa no acúmulo do ter em
detrimento do ser, então, significa que essa lógica está em
descompasso com o próprio homem, mesmo assim, na visão
otimista de Mounier, “Todo homem um dia torna-se
humano” (1972:105). E, segundo Camus apud Mounier,“o
mal que existe no mundo, vem quase sempre da ignorância, e
a boa vontade, pode fazer tantos prejuízos quanto à maldade,
se não é esclarecida” (Ibid., Ibidem). Não é por acaso que a
desordem e desarmonia entre os humanos acontecem
negando, todavia, a prática do cuidado. Não é por acaso que
milhões de pessoas vivem no mundo de forma subumana.
Não é por acaso que tantos males como doenças de alto risco
afetam a humanidade e não se tem ainda solução. Essa falta
de humanidade, de cuidado entre os próprios homens
merecem mais atenção pelo mesmo homem que se
autodestrói. Embora Mounier ressalte que “A humanidade
não é aqui abstração, mas vive e palpita em cada um de seus
corações, como sua mais humilde experiência, e também a
mais segura” (1972:45).

161
Por outro lado, o utilitarismo ou ética utilitarista tem
em Jeremy Bentham seu principal promotor. Para Bentham
apud Neves, “O utilitarismo é uma doutrina moral, de
natureza teleológica e consequencialista, que considera a
felicidade e o bem-estar como finalidade suprema da ação e,
como tal, critério de moralidade (princípio de utilidade)”
(2008: 221). Enquanto Peter Singer como teórico apresenta
um “utilitarismo baseado no princípio de igual consideração
de interesses” (Ferrer: 2005:294). E considerando esse modo
de ver a ética utilitária a partir da filosofia também sustenta
que “as exigências morais estão para todos os seres sensíveis”
(Ibid., Ibidem). A questão se faz mais complexa exatamente
quando se trata desses seres sensíveis. Que sensibilidade é essa
que para os humanos se torna tão limitada e pouco
compreensível? Por isso, Peter Singer fala do que a ética não
é, como por exemplo, a ética não é um conjunto de
proibições, principalmente em se tratando da sexualidade
humana; não é um sistema de ideais elevados e nobres, mas
inúteis na prática. Nessa concepção, a moral é reduzida a um
sistema de normas breves e simples (Cf. Ibid., p. 295).9

9Jorge Ferrer trata de exemplificar a ética a partir de uma visão relativa ou


subjetiva e, assim descreve como exemplo: “Para determinar se uma
pessoa vive em conformidade com as exigências da moralidade, não basta
saber quais são suas crenças morais. Uma pessoa pode conhecer os
princípios éticos corretos e dizer, até com sinceridade, que crê neles, ao
passo que prescinde totalmente desses princípios em sua vida prática. Essa
pessoa não vive uma vida moral. Todavia, uma pessoa pode professar
crenças morais pouco convencionais, estando convencida da retidão delas.
Se essa pessoa guia sua vida por esses princípios que ela considera
corretos, teremos de admitir que vive moralmente, por mais que estejamos
convencidos da falsidade de suas convicções morais”. (Ferrer, 2005:298).

162
A relativização da vida humana baseada pura e
simplesmente em normas morais simples e práticas parecem
minimizar o próprio ser humano, pois mesmo sendo
necessárias deve-se partir do princípio que a pessoa humana é
centro referencial dos valores, logo, a pessoa humana exige
mais dos princípios e, quando estes não satisfazem geram
polêmica e desequilíbrio social. O Nordeste brasileiro é fruto
dessa relativização de uma pseudomoral, a de que tudo pode
tudo é possível, tudo é permitido. No entanto, a sociedade
também, se torna exigente e seletivamente vai excluindo todo
aquele que não se adeque aos padrões de comportamentos
determinados.

Por sua vez, a questão ética sempre inspira a procurar


respostas satisfatórias nas atitudes humanas. Peter Singer
afirma que a moral não trata somente dos seres racionais, mas
dos seres sensíveis, ou seja, todos os seres dotados de
sensibilidade, todos os seres capazes de sofrer e de sentir
felicidade são merecedores de igual consideração e que os seus
interesses devem ser igualmente acautelados (princípio da
igualdade). O estatuto ético de um ser é-lhe atribuído pela sua
capacidade de sentir, pelo que todos os seres “sencientes”
exigem proteção (Cf. Neves, 2008:224-225).

Segundo Peter Singer, em sua obra Ética Prática de


1993, p. 78, afirma:
Se um ser sofre, não pode haver justificação
moral para a recusa de tomar esse sofrimento

163
em consideração. Independentemente da
natureza do ser, o princípio da igualdade exige
que o sofrimento seja levado em linha de conta
em termos igualitários relativamente a um
sofrimento semelhante de qualquer outro ser,
tanto quanto é possível fazer comparações
aproximadas. Se um determinado ser não é
capaz de sofrer nem de sentir satisfação nem
felicidade, não há nada a tomar em
consideração. É por isso que o limite da
senciência (...) é a única fronteira defensável da
preocupação pelo interesse alheio. Marcar esta
fronteira com alguma característica como a
inteligência ou a racionalidade seria marcá-la de
modo arbitrário. Por que motivo não escolher
uma outra característica qualquer, como, por
exemplo, a cor da pele? (Singer, apud Neves,
Maria do Céu Patrão e Osswald, Walter, 2008,
p. 224).

Entre a ética utilitarista e o cuidado poderá existir uma


relação profundamente humana. Entretanto essa relação não
pode se dá simplesmente no plano material ou
especificamente no sentido de posse. O contexto é outro. O
indivíduo deve ser tratado como pessoa e não como objeto.
Se o “homem é fim e não meio”, então torná-lo objeto e
reduzi-lo a mera mercadoria, significa que como mercadoria
se torna descartável. Por um lado, se tem o trabalho escravo,
por outro esse mesmo trabalho pode ser permutado como,
por exemplo, um trabalhador numa fazenda no Nordeste
brasileiro é um escravo submisso às ordens do fazendeiro.
Doutro lado, o jogador de futebol que é permutado de acordo
o valor monetário oferecido ao clube que o detém como
objeto de troca e venda. A diferença em ambos os casos é o
valor econômico, de quem ganha e de quem perde. Essa não
164
é a lógica da ética utilitarista até então vista, pois ela trata de
buscar o bem e a felicidade para todos e não somente para um
indivíduo. O cuidado nessa ética deve ser visto como sendo
favorável ao homem encontrar a sua realização coletivamente
e inclusivamente encontrando respostas aos seus enigmas e
desafios.

Engelhardt chama a atenção para a objetividade da


ética enquanto espaço de reivindicação com as obrigações
morais, já que a liberdade é uma dimensão inerente ao próprio
homem, mas ele ainda não aprendeu a expressar essa sua
liberdade e a usa de maneira a sacrificar a liberdade do outro,
implicando uma atitude ética e/ou moral particularizada e não
partilhada.
É difícil estabelecer a objetividade das
reivindicações relativas às obrigações morais
essenciais, aos direitos morais essenciais, a
quaisquer avaliação e preferências morais. Para
resolver (...) é preciso compartilhar promessas
morais fundamentais, regras de evidência moral
e regras de inferência moral... (1998:63).

Se as coisas estão para o homem e não o homem para


as coisas significa então que esse mesmo homem se torna
senhor de si mesmo enquanto se torna o único ser ético ou o
único sujeito ético propriamente dito. Kant expressou a
seguinte sentença sobre essa condição humana, “o ser
humano é digno; as coisas são úteis” (Kant, apud Pessini,
1995:71). Logo, não se pode confundir as coisas com o
homem e, consequentemente, uma ética utilitária não significa
dizer que a coisificação do homem, pelo contrário deverá ser
a ética que trate do homem como o agente principal e
165
responsável por si e pelos demais; só assim ele passa a ser
considerado como aquele que cuida e é portador do cuidado.
Preservar a condição humana, sua dignidade, sua vida e tudo
o mais que faz parte é saber doar-se na construção do
humanizar.

3.5 Ética de assistência e políticas da mediação: uma leitura crítica

A bioética, desde seu início, de seu despontar nos


primórdios dos anos 70, teve a preocupação de fazer com que
renascesse uma nova visão e/ou postura humana em torno da
ética. Não significa qualquer ética, mas, principalmente, as
éticas relacionadas às áreas da saúde, das pesquisas biomédicas
envolvendo os seres humanos.

Com o passar dos últimos anos, a reflexão bioética


abriu um leque de visões éticas em várias áreas do
conhecimento promovendo uma abertura ao homem de se
voltar de forma atenta e cuidadosa sobre ele mesmo, porém
com a preocupação fundamental de se relacionar eticamente
com os outros. Diante de toda essa investida humana já foi
possível se obter grandes resultados e avanços, pois
possibilitou ao homem essa reflexão que lhe faltava de atentar
contra tudo aquilo que lhe causava mal, que o colocava
sempre numa condição de risco por não ter percebido a
necessidade de mediações éticas que lhe dirigisse para novos
rumos de sua história. Portanto, hoje é possível o homem
falar, tratar de ações éticas, principalmente aquelas voltadas
para a assistência à vida, dando-lhe uma cobertura maior e
uma conotação tanto mais subjetiva quanto objetiva na

166
perspectiva de superação e soluções das situações críticas e
problemáticas que o afligem.

Toda celeuma levantada nas últimas décadas em torno


da ética possibilitou ao homem enxergar mais longe tanto para
elaborar quanto para aperfeiçoar códigos sobre seus direitos e
seus deveres numa reflexão sobre a vida, sobre a natureza,
sobre a condição humana e sua natureza e tantos outros
desafios que necessariamente o impulsionaram cada vez mais
investir mais dignamente em atitudes transformadoras
visando ao bem da humanidade. Nesse sentido, o
conhecimento humano, científico, tecnológico e
biotecnológico tem colocado o homem em certo status,
elevando-o ao podium por tantas revoluções e conquistas
cientificamente alcançadas. Mediante isto o espírito humano
tem dado largos passos relacionados à sua liberdade, podendo
criar e recriar seus inventos. A questão que se tornou o alvo
das discussões éticas são exatamente aquelas que giram em
torno das questões como o que fazer; como fazer, para que
fazer. É com o objetivo de dar sentido a dimensão teleológica
que faz do homem esse exímio ator e protagonista do mundo.
Como ressalta Santos, “O mundo é complicado e a mente
humana não o pode compreender completamente” (2007:15).

A questão ético-bioética perpassa toda ação humana


e, nesse sentido, passa a ser aquela que estabelece essa ponte
rumo ao futuro protagonizado por Potter num processo de
reestruturação mais consciente do homem. Embora, vivamos
hoje voltados para o mundo da biotecnologia e com todo seu
potencial de desenvolvimento técnico e científico, não
podemos descurar das condições e fundamentações éticas
167
necessárias. Nesse sentido, a ética na saúde e para a saúde
passa a ser a mediadora por excelência norteando
humanamente as pesquisas. Todo esse desenvolvimento
humano só funciona porque existem mediações e seus atores
que facilitam a observação e o acompanhamento da realização
procedimental de maneira ética que não lese a condição da
dignidade humana.

Contudo, ao tratar nesse ponto de éticas da assistência


e políticas de mediação, evidentemente, quer se trazer à tona
as ações desenvolvidas sobre a realidade que pela sua
complexidade exige desse mesmo homem medidas cabíveis
de superação dos próprios limites. Como um dos principais e
grandes desafios está em combater as doenças e a manutenção
de uma assistência permanente em todo o campo da saúde
pública, logo, faz-se necessário que o gestor público realize as
políticas propostas envolvendo as pessoas como mediadoras
primeiras dessa ação.

A ética é basilar nas ações humanas e dar ao homem


o devido suporte para maior coerência no seu modo de agir
dignamente. Todo e qualquer investimento e desprendimento
humano na realização de políticas mediadoras,
principalmente, públicas exigem uma ética aplicada como
caminho que valide todo empreendimento que o homem é
capaz de agir e fazer realizar com sucesso em prol da
sociedade.

É fundamental a tomada de consciência de que o


ponto crítico, muitas vezes, encontra-se no próprio gestor
que, em muitos desses empreendimentos, não quer respeitar
168
a dinâmica da ética da vida. Será que o gestor realmente
prescinde da ética para a realização das suas ações e
governabilidade? Será que lhe falta visão crítica do que é
governar para o bem comum? Ou ele não está preocupado
com nada disso? A questão ética se torna o calcanhar de
Aquiles daqueles que tentam contrariar a lógica do humano.
O gestor público deve ter consciência e clareza suficiente na
elaboração de políticas públicas como mediações eficazes no
combate à doença, ao analfabetismo tendo em vista não só a
prevenção, mas a erradicação do mal. Esse é o grande drama
no Nordeste brasileiro que convive com o desprezo, as
fraudes, as injustiças praticadas no setor público. Muitas vezes
as funções públicas direcionadas à saúde, como o secretário
de saúde nos municípios, nem sempre estão ocupadas por
alguém com formação em saúde. Segundo Moser, existe uma
relação de responsabilidade social entre o universo e o agente
de saúde por ter um conhecimento deontológico da ética
profissional que lhe confere segurança e confiabilidade
pública e esse referencial ético é condição sine qua non, no
exercício profissional, ou seja,
No que se refere ao peso político do médico, ou
agente de saúde, basta pensar no seu poder
decisório no sentido de revelar ou ocultar
enfermidades da classe dirigente; seu poder
decisório sobre as contradições de admissão ao
trabalho; dispensa do trabalho; atestados de
doença ou saúde. No que concerne a
estruturação da sociedade é preciso perguntar-
se se o fato de doença não convém aos
interesses de certos grupos; indústrias
farmacêuticas; classes dirigentes; empregadores,
etc. Todo esse quadro nos faz perceber que
medicina, biotecnologia e política encontram-se
169
sempre relacionadas de modo positivo ou
negativo. (2004:425-426).

Essa é uma discussão que nos conduz a perceber o


valor da práxis social diante da responsabilidade do
profissional da saúde. O agente de saúde exerce a profissão
com um poder intermédio nas mediações das políticas
humanizadoras sendo como que uma ponte entre a
transformação e a conservação da dominação política e
econômica numa sociedade.

Levando-se em consideração as reflexões éticas


desenvolvidas pelas práticas do profissional da saúde
podemos afirmar que ele é capaz de eliminar muitos males
sociais. Essa atitude nas “mediações sociais” vigora a partir
dos atores ou figuras políticas. Correia e Caramelo comentam
que esses atores e essas figuras permitem o envolvimento de
todos os setores da sociedade em seu campo especificamente
profissional em que deontologicamente exigem-se posturas
éticas condizentes com suas ações. Devemos ter presentes
que se tratam também das “contradições dos sistemas de
regulação social”, da “redefinição dos próprios problemas
sociais, ou seja, numa recriação político-cognitiva do social”.
Portanto, é de fundamental valor que cada segmento da
sociedade tenha “seu estatuto de dispositivo de integração
social e político na cultura e nas organizações” sociais (Cf.
2010:13-15). Isto significa compromisso social, engajamento,
inserção na realidade em que o profissional está inserido.

As éticas profissionais exigem coerência em suas


aplicabilidades práticas e quando isso não acontece e o

170
homem se torna influenciável, consequentemente a
consciência se torna relapsa e a negação do homem como
homem acontece num processo gradativo, levando-o a perder
a sensatez de suas ações, transformando-se em mentor de
injustiças e escamoteador ideologizado da verdade. Essa
prática conduz à desestruturação social por não cumprimento
da ética constituída, gerando um caos social. Com o
famigerado “jeitinho brasileiro”, a sociedade brasileira foi
relativizando suas atitudes e relaxando sua prática, o resultado
dessa atitude conduziu a sociedade a não confiar nas pessoas;
a viver sob o clima de certo temor e medo de duvidar de tudo
e de todos. Gera uma insegurança social. Diante de tal
realidade, os modelos de mediação na política pública,
principalmente, não têm sido suficientemente correspondidos
a redirecionar a vida social do brasileiro, do nordestino. As
políticas públicas estão voltadas e direcionadas para interesses
partidários, de grupos ou pessoais. A sociedade vive um
momento de transição ética comprometedora, na qual a falta
de respeito entre as pessoas tem-se tornado um drama
humano para encontrar a solução. E, por isso, o
individualismo e o egoísmo exacerbados têm frustrado e
destruído vários segmentos da sociedade civil como o fracasso
dos movimentos sociais, sindicatos e associações como o dos
profissionais de saúde que sentem a falta de maior
compromisso do gestor público para com a saúde desde a
preocupação com a formação continuada do agente de saúde
a oferecer condições dignas nos tratamentos aos utentes.

Na realidade, há uma crise ética nos vários segmentos


da sociedade desde setores públicos ligados à política nacional

171
a setores jurídicos. Na verdade, as coisas não funcionam
separadamente, isto é, tanto a sociedade civil quanto a
sociedade política impactam-se mediante os desafios surgidos.
A sociedade civil é mais atingida pela falta de presença do
Estado nas políticas públicas como possibilidades de
superação dos desafios existentes, principalmente, na saúde.
Podemos destacar setores como a família, a religião, os meios
de comunicação social que como afirma Pelizzoli, tornam-se
efetivamente uma “instituição de moldagem moral” como o
cinema e a televisão (Cf. 2002:143). Nos setores educacionais
e na saúde estão aquém do almejado. Infelizmente pouco se
tem feito. A educação como elemento fundamental da
formação da consciência ética e como a base que norteia e
orienta para uma vida digna tem sido palco de desestímulo e
de busca do conhecimento pelas novas gerações (escolas
públicas) e as novas gerações (em sua maioria) chegam com
bastante defasagem ao conhecimento, ao mundo
universitário. Não se trata aqui de qualquer crise, ela tem
alcance ético surpreendente. Mas, como existe uma ideologia
falseadora da verdade, ela encobre os impasses, os desafios,
os abusos sociais que se esvaem sobre lugares sociais
politicamente estabelecidos na sociedade, gerando sérias
críticas em busca da cidadania.

Claude Dubar, apud Correia e Caramelo, adverte para


toda essa contextualização crítica com um efeito político
significativo, já que se vive uma “democracia do político”, e,
como a política é o grande reflexo da sociedade tanto pelo
exemplo ético como pela qualidade das políticas criadas e
ratificadas pela justiça, muitas vezes as contradições

172
surpreendem a sociedade. Mediante tal contexto, Dubar assim
expressa esse sentimento: “vive-se hoje num contexto de crise
dos princípios da representação política, (...) configurando o
que designa como “democracia do político”, caracterizada
essencialmente pela dimensão “espetacular” que a política
assume, decorrendo da transformação complementar da
temporalidade da ação, da linguagem e das relações entre os
sujeitos da política” (2010:16).

Não basta para uma sociedade eticamente estruturada


viver de práticas assistencialistas como se vive no Nordeste.
Contudo, é necessário que percebamos as contradições e
incoerências que incidem pelas práticas existentes ou pela não
vivência ética. Correia e Caramelo ainda ressaltam que existe
em contextos como este certo
Processo de periferialização das contradições do
sistema, para além de ter sido acompanhado
pela produção de novos dispositivos cognitivo
que, configurando a chamada nova questão
social, conduziram ao abandono das políticas
ocupadas com a injustiça e a desigualdade social
a favor de políticas de combate à exclusão social,
foi também acompanhado pelo aparecimento de
novas problemáticas, entre as quais se destacam
a da mediação social e a do desenvolvimento
local. (Ibid., p. 17).

A mediação social política tem sido a mais evidente


nos últimos tempos buscando encetar uma nova visão na
sociedade do fazer política e do vivenciá-la, mas como esta
está impregnada de discursos demagógicos e vícios de
corrupção geram, por sua vez, indiferença social e descrédito
pela política, daí surgir o voto de protesto elegendo-se
173
qualquer figura politicamente exótica ou famigerados
políticos corruptos servindo de uma forma tipicamente
grotesca da figura do político que aí se encontra
representando a sociedade. Percebemos, também, que, a
partir dessa dicotomia política, a sociedade ainda não
conseguiu entender a seriedade de um processo democrático
eticamente sustentável, sendo, portanto, capaz de validar seu
apoio pelo voto representativo de protesto sem critérios
embasados por uma consciência crítica, mas simplesmente
pelo senso crítico ou comum. Ratificar determinismos sociais
tem sido uma prática constante dos poderes dominantes com
ações populistas, assistencialistas e paternalistas. A questão
principal passa pela manutenção de uma situação acrítica de
acomodação social ou paralisia social. Políticas públicas
devem ser realizadas no intuito de erradicar a miséria humana
em primeiro lugar, certamente que todas as políticas devem
estar focadas num só e mesmo objetivo comum. Na sociedade
brasileira, existe um pensamento crítico estruturado e
mediatizado pela razão humana. Um olhar que exprime e
exige mudanças estruturais no contexto local e no contexto
global.
Na realidade, no atual contexto
político/discursivo o conflito tende a ser
encarado como uma perturbação nos modos de
vida de uma sociedade”. (Correia e Caramelo,
2010:27). Ainda, nesta reflexão, queremos
salientar que a sociedade precisa encontrar
alternativas fundamentais para que haja
mudanças nas mediações e nas políticas públicas
e partidárias, ou seja, “a produção de alternativas
neste domínio subentende o desenvolvimento
de um pensamento complexo, não aditivo, mas

174
interpelante, capaz de promover uma dinâmica
interpretativa alternativa à multiplicação dos
níveis e das escalas de análise. (Ibid., Ibidem).

Com esse ponto reflexivo, levaremos em consideração


que não é possível uma sociedade nos tempos modernos
desmerecer os processos de mediação, pois necessariamente
são vitais e indispensáveis. As complexidades das sociedades
políticas atuais são todas mediadas por vários fatores sejam
intelectuais, científicos, políticos ou econômicos. Logo, não
se vive no anonimato das transformações nem nos calabouços
das masmorras empedernidas da história humana. Vivem-se
processos profundamente ambiciosos, sejam quais forem que
se apresentem no mundo contemporâneo. Infelizmente,
ainda vivemos pouco uma ética impulsionadora de uma
assistência que se dá pela gratuidade do ser para o ser. São as
limitações humanas com que se convivem.

3.6 Pensar a ética no cuidar

“Não se nasce homem; paulatinamente nos tornamos


homens. São coisas próprias da espécie humana: a linguagem,
a arte, a religião, a física, as boas maneiras, a veste, a moral…
e tudo isso se aprende” (Fullat, 1995:107). O homem é um ser
em permanente construção. O homem se constrói a cada
instante numa dinâmica dialética da sua existência. Essa
dinâmica implica uma ação constante do agir e do fazer
humano de onde brotam os grandes feitos dessa ação e
atuação. Daí o “ethos cultural” incidir numa constante
motivação para as definições dos atos humanos. Esse mesmo
ethos vai sendo o catalisador das caracterizações adquiridas
pelo homem em sua cultura. E “toda cultura encerra um
175
conjunto de padrões de conhecimento e de conduta que
devem ser aprendidos socialmente” (Ibid, p. 157).

Não se pode pensar a ética sem está inserida num


contexto de cultura local ou mundial. Todo homem é um
cidadão do mundo ou de uma grandiosa aldeia que é o mundo
e os valores éticos estão para todos na mesma proporção de
igualdade e de liberdade. Por isso mesmo, devemos ter um
olhar cada vez mais crítico a partir de uma formação crítica
das pessoas num processo de transmissão coerente desses
mesmos valores ou na criação de novos valores. Então, em
cada sociedade isso deve acontecer de forma que seja levado
em consideração cada sujeito ou indivíduo como é em sua
individualidade e com suas diferenças. Cada sociedade deve
adaptar as suas novas gerações ao mínimo de valores que
foram construídos pela própria sociedade. Abreu, por sua vez,
destaca que,
O conceito de cultura encerra dimensões
subjetivas e objetivas. Por um lado, engloba um
conjunto de fatores subjetivos tais como
valores, padrões de atitudes, critérios, modos de
pensar e emoções. As dimensões objetivas
compreendem os padrões de ação social,
tradições, hereditariedade social, saberes e
relação com o meio. (2003:42).

Nesse contexto, o homem, filosoficamente, como ser


de abertura e de possibilidades tem sempre o novo como uma
condição da transformação social e cultural. Mas
paradoxalmente os estados totalitários e ditatoriais;
ideologicamente tipificam o homem por meio das instituições
governamentais como também das instituições sociais

176
robotizando-o e alienando-o, tornando-o meio e não fim e,
dessa forma fere a cultura em seus princípios ético-morais,
principalmente quanto a atitude do cuidar. Daí, considerar “os
indivíduos que pensam e agem de modo diverso dos
prescritos numa sociedade dada são rotulados de “des-
educados”, de maus e, em casos extremos, até de loucos. Só
o conformismo (...) é considerado virtude e correção” (Fullat,
1995:150).

Como vivemos num mundo em transição contínua


pelos avanços científicos, tecnológicos e biotecnológicos,
uma nova ética requer compreender os novos rumos que o
mundo atual implementa acontecer. Esse pensar ético tem
uma forte incidência, principalmente quando se trata dos
avanços biotecnológicos que implicam a vida e a vida do ser
humano. Nesse campo de visão específico, está toda
produção científica em prol da vida e da saúde da vida. Logo,
desponta um mundo novo da medicina, da biomédica, da
biologia que diz respeito a buscar soluções para suplantar os
males e as doenças que destroem a vida humana e dar mais
condição para uma vida longa. No entanto, trata-se de grandes
investimentos laboratoriais e os mesmos buscam o retorno
econômico. Portanto, perguntamos: podemos acreditar e
creditar numa nova dimensão da medicina de ser possível
prolongar a vida? Como? Se for possível, estará a serviço de
quem?

Certamente que existem entrave e limitação. Porém,


nas pesquisas médicas e biomédicas atuais vislumbra-se um
novo alvorecer de possibilidades de curas como grande
esperança humana para doenças consideradas graves. A
177
grande questão paira sobre quem terá direito a essas benesses
produzidas pelas ciências hoje? Será que um dia a humanidade
irá poder gozar de tais benefícios? Ao vermos as condições
equidistantes do homem que vive em situações econômicas e
socialmente instáveis fica difícil crer em tais possibilidades. É
uma questão ética considerada crítica. É uma grande utopia
pensar que os pobres e miseráveis do mundo poderão ter
esses direitos. O Nordeste brasileiro é o retrato desse
paradoxo humano, onde pobres e miseráveis vivem à mercê
da sorte e da medicina popular. Existe uma questão ética do
cuidar que não chegou ainda à consciência daqueles que
podem promover o bem comum, a saúde para todos mais
humanizada, principalmente, investindo numa tecnologia de
ponta a serviço da maioria da população.

Sabemos que a saúde publica é um direito social


garantido legalmente, no entanto, esse direito não se realiza e
nem concretiza muito facilmente. Santos ressalta que “O
direito à saúde e as políticas de saúde que o concretizam são
uma das dimensões do chamado Estado-Providência ou
Estado de bem estar” (1997:13). Na realidade ainda é uma
grande utopia humana. Porém, é prioridade do Estado gerir
uma saúde para todos em condições de igualdade. E continua:
“Enquanto gestor global (…), o Estado afirma-se portador do
interesse geral, acima e além dos interesses particulares das
diferentes classes sociais…” (Ibid., 15). As políticas públicas
de saúde no Nordeste brasileiro, por sua vez, têm dado muito
espaço ao lobismo das empresas terceirizadas e das empresas
organizadoras de planos de saúde particular deixando à mercê

178
do descaso a saúde pública segundo a qual o caos está
estabelecido com tanta falta de cuidado e de humanidade.

Quando se trata de pensar na ética do cuidar, devem-


se levar em consideração as necessidades básicas de uma
sociedade e questionar até que ponto está existindo uma ética
e como se realiza essa ética no cuidar das pessoas pelos
Estados e Municípios (no caso do Nordeste brasileiro)? Como
os avanços de uma nova medicina podem chegar até a
população, principalmente, a mais carente? Se as ciências
médicas e biomédicas jamais poderão se fechar em si mesmas,
já que seu campo de responsabilidade social é muito vasto,
implicando uma série de valores éticos e humanísticos que
estejam para a promoção da saúde, por que há tantas barreiras
para que esse compromisso aconteça? Se uma nova
antropologia médica tem de ser aquela que enverede pelo viés
crítico da sua própria reflexão e prática não deixando calar a
voz dos sem voz e a falta de ética daqueles que descumprem
a ética, então, como é possível isto acontecer? Por isso, a
bioética tem se preocupado com muitos desafios que surgiram
da prática médica e biomédica por não seguirem o código de
ética médica tais como: experimentos em seres humanos,
tráfico de órgãos, aborto, suicídio, eutanásia, inseminação
artificial, clonagem, etc. Essa preocupação bioética remonta
do seu próprio protagonista Van Rensselaer Potter em sua
obra Bioethics to the Future onde ressalta, Potter apud
António Araújo, “Eu proponho o termo Bioética como forma
de enfatizar os dois componentes mais importantes para se
atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente

179
necessária: conhecimento biológico e valores humanos”
(2004:28).

Diante dessa nova realidade, hoje, trata-se de uma


nova reflexão antropológica da medicina, isto é, uma
antropologia médica crítica que busca romper os velhos
paradigmas de uma medicina tradicional e conservadora.
Segundo Abreu,
A antropologia médica crítica, enquanto escola
de pensamento e prática antropológica,
conquista uma posição singular no âmbito da
relação entre a antropologia e a medicina.
Define-se como puramente etnológica e recusa
todo e qualquer compromisso com a bio-
medicina, constituindo um saber antropológico
a partir da (des)construção do saber biomédico
(Rechtman, 1998) e da denúncia do seu caráter
opressivo sobre os saberes locais (Scheper-
Hughes, 1990). (2003:204-205).

Em sua análise sobre a Antropologia Bioética, J. M.


Pereira também trata da questão da antropologia médica e diz
que
Os estudos de antropologia médica mostram
que os curadores tradicionais se preocupam
essencialmente com a “illness”, isto é, tratam a
experiência humana da doença, dão explicações
significativas para a mesma, e respondem às
expectativas pessoais, familiares e comunitárias
que a rodeiam. (1987:189).10

10A falta de saúde decorrentes da doença do corpo ou da mente; doença.


Acedido em (http://www.thefreedictionary.com/illness). 6 de janeiro de
2011.

180
Em continuação as suas pesquisas sobre doença e
cultura, Abreu faz alusão mais detalhada a uma pesquisadora
norte-americana, Nancy Sheper-Hughes, que esteve
pesquisando nas décadas de 60 para 70, no Nordeste brasileiro
e vivenciou o drama humano da desolação, do descaso e da
falta de cuidado para com as pessoas; pela falta de assistência
e de políticas públicas sobre a saúde, educação, etc. Ela
defende uma nova antropologia médica que seja capaz de
alavancar novos rumos na construção da ética e da cidadania,
do respeito à vida. Escreveu sobre o Nordeste brasileiro a
seguinte obra em 1993: Death without weeping: the violence of
everyday life in Brazil. “Nancy Scheper-Hughes (…), recusa um
compromisso com a biomedicina e defende a aplicação do
saber antropológico na ‘desconstrução do saber biomédico e
na denúncia do seu carácter opressivo sobre os saberes
locais’” (2003:85).

Nese sentido, uma nova visão antropológica deve


conduzir a uma ação renovadora da práxis humana
desenvolvida pela medicina, ou seja, deve ser construída uma
medicina humanizadora que tenha como prioridade e objetivo
o ser humano e o seu cuidado. Porque, quanto mais científica
se torna a medicina, também se torna menos humana.
Segundo Pessini, “a relação médico-paciente se desagrega, e
começa a imperar na medicina a tecnologia (adoração da
técnica)” (2002:120).

181
Com os questionamentos da nova antropológica
médica crítica necessária se faz a mudança de paradigmas
éticos, ou seja, não seguir aleatoriamente as éticas tradicionais
que imprimem premissas. Pessini destaca três situações que
levam a uma nova tomada de atitude:

a) A condição humana, resultante da natureza


do homem e das coisas, permanecendo
fundamentalmente imutável para sempre.
b) Baseando-se nesse pressuposto, pode-se
determinar com clareza e sem dificuldade o bem
humano.
c) O alcance da ação humana e de sua
consequente responsabilidade pode estar
perfeitamente delimitado (Cf. Ibid., 126-127).

Seguindo essa mesma reflexão, para Hans Jonas, deve


haver a construção de uma nova ética e essa nova ética é
marcada culturalmente também impulsiona uma nova ação
médica. Hans Jonas, apud Leo Pessini, comenta que “a técnica
moderna introduziu ações de magnitudes tão diferentes, com
objetivos e consequências tão imprevisíveis que os marcos da
ética anterior já não mais podem contê-los“ (Ibid., 129).

Por outro lado, António Araújo levanta sua crítica à


ciência e à tecnologia por meio de uma pseuda ética agindo de
forma demagógica. Isso consiste em afirmar que
A ciência emancipa o cotidiano enquanto
sofisma, legitimando a demagogia de um
progresso tecnológico que, na contramão da
história, dá ensejo a novas formas de ignorância.
(…) A pesquisa científica tira proveito dessa
ignorância, prenunciando uma metanarrativa
tecnicamente possível, embora não sustentável,

182
porque arrancada da estonteante degradação
humana e ambiental. (2004:110-111).

Se olharmos a medicina do ângulo puramente


tecnocêntrico, consequentemente, perceberemos o quanto se
torna autossuficiente, desrespeitando muitas vezes princípios
éticos estabelecidos. Como essa visão está muito presente no
mundo da tecnociência e no mundo dos poderes
economicamente sofisticados e instrumentalizados pelos
grandes laboratórios que detêm o controle do mercado por
meio de grandes produções de medicamentos
independentemente dos efeitos causados nas pessoas,
mantêm também o domínio de uma medicina voltada pura e
simplesmente para uma realidade técnica, biotecnológica para
um mercado consumista. Contudo, uma nova ética implica
desestabilizar essa realidade mesquinha do mundo capitalista
concentrador. Essa concepção tecnocientífica da medicina
fere a dignidade do ser humano.
Segundo Abreu, “a antropologia médica crítica
insurge-se contra essa medicalização global da sociedade,
considerando que estão em perigo de serem medicalizados
diversos tipos de relação ou fenômenos sociais” (2003:207).
Nessa mesma ótica, continua Abreu a se referir a Nancy
Scheper-Hughes que propõe três condições para se analisar
uma antropologia médica crítica.

A primeira consistiria no afastamento face aos


interesses da biomedicina: ‘…an alternative and
critically applied medical antropology need first of all to
disengage itself, dis-identtify with the interests of
conventional biomedicine’. (…) Scheper-Hughes
advoga uma idêntica desmedicalização da
antropologia médica. Considera que a ‘…scientific
biomedicine is not adequate to the tasks of alleviating
ontological insecurity in the post-nuclear age, or of
respondig to women’s and men’s somatized protests
against a sexist social and moral, or responding to
183
workers’ hostility toward an advanced stage of industrial
capitalism that treats them as superfluous’.

A segunda proposição reporta-se à exploração


de alternativas ao pensamento biomédico de
características positivistas: ‘…it concerns the
development of na antropological discourse on
problematic, non-biological forms of healing in terms of
their own meaning-cantered and emic frames of reference,
and as possible, indeed valid, alternatives to biomedcal
hegemony in our society and for people very much like
ourselves… I am referring to what is labelled in the
medical leterature… unorthodox therapies’.

(…) A terceira proposição que deve polarizar as


atenções da antropologia médica – a
radicalização do conhecimento e o sentido das
práticas assistenciais: ‘This final proposition for a
critical medical anthropology begins with the recognition
that many illness that enter the clinic represent tragic
experiences of the world. A critical medical
anthropological discourse might begin by asking what
medicine and psychiatry might become if, beyond the
scientific goals and values they espouse, they began to
recognize the unmet needs and frustrated longings that
can set off an explosion of illness symptoms?’
(Cf.Ibid.,pp.207-208).11

11 1."Uma antropologia médica aplicada de forma alternativa e crítica


necessita, primeiro de tudo, de desancorar-se e de desidentificar-se com
os interesses da biomedicina convencional. "
2.“…trata do desenvolvimento de um discurso antropológico sobre a
problemática das formas de cura não biológicas, no que diz respeito ao
galopar do conhecimento e à moldura referencial émica, se possível,
também válido, às alternativas para a hegemonia biomédica da nossa
sociedade e para pessoas como nós. Refiro-me ao que é descrito na
literatura médica… terapias não ortodoxas.”
3."Um discurso antropológico médico e crítico pode iniciar com o
questionamento sobre em que é que a medicina e a psiquiatria se poderão
184
Dado à necessidade de manter uma crítica sempre viva
e construtiva da antropologia médica crítica, a pesquisadora
Nancy Scheper-Hughes leva em consideração uma
verdadeira, grandiosa e corajosa tomada de posição de
rompimento com estruturas capitalistas puramente
econômicas que visando ao lucro ameaça a própria condição
humana de uma verdadeira explosão de doenças como
ameaçadoras à condição humana e à vida humana. Por outro
lado, a bioética busca manter um equilíbrio na reflexão crítica
da ética teórica à etica prática sem se omitir quanto às
exigências de princípios e valores éticos mais consistentes e
coerentes com o mundo atual. Portanto, nesse aspecto, busca-
se uma desconstrução de um mundo decadente em seus
vários universos de percepção e construção de ideais e
práticas que muitas vezes se tornam nocivas ao homem,
principalmente, do lado da medicina e, consequentemente,
das políticas públicas criadas pelos Estados de Direitos como
o Brasil. Nesse sentido, no Nordeste brasileiro, a grande luta
é buscar uma educação de qualidade e que forme a consciência
crítica cidadã no sentido de refazer-se, reconstruir-se e, assim,
fazer renascer novos horizontes e novos idealismos que
gerem entusiasmo às novas gerações para manter viva a
bandeira de luta pela segurança, pela justiça e pela busca do
homem novo.

transformar, para além dos objetivos científicos e valores que adotam,


começam a reconhecer as necessidades, ainda por definir, e as esperas
frustradas que podem despoletar uma explosão de sintomas na doença?"

185
O olhar crítico da pesquisadora Nancy Scheper-Huges
nos coloca numa atitude mais crítica diante de um progresso
das ciências médicas que visam à cura da saúde a partir do
valor econômico, pois a mesma visa a lucrar mais, enquanto a
ética no cuidar requer um olhar mais humano para tratar e
erradicar as doenças que afligem e matam a humanidade.
Segundo Martins,
O direito à saúde está ligado ao poder
económico e às classes mais favorecidas
socilamente. Saúde dentro da visão mecanicista
e económica, não tem nada a ver com os
problemas socioeconómicos do povo pobre e as
suas decorrências. Quem mais precisa do
atendimento à saúde são justamente os
excluídos pelo desenvolvimento da medicina.
Esses não têm nem o básico para viver
dignamente e, por consequência, tem abalada
toda a sua estrutura de pessoa (de física a
psicológica), tornando-se mais suscetiveis a
enfermidade. (2012:37).

E, quanto aos profisionais da saúde, ele também faz a


seguinte consideração a partir dessa ótica da medicina
tecnológica:
Os profisionais da saúde também são formados
dentro do paradigma mecanicista e com a
dependência da tecnologia, sentindo-se
impotentes, pois não conseguem ver o outro de
forma holística. Pensar a cura é eliminar a
doença com a aplicação da técnica correta e/ou
a administração de um medicamento,
procurando compreender o outro dentro do seu
contexto e fazer algo (com uma boa conversa)
para estabelecer seu equilíbrio interior). (Ibid.
Ibdem).

186
FORMAÇÃO EM SAÚDE: POLÍTICAS E ATORES

“Precisamos admitir que o progresso científico não


garante o progresso moral, nem os direitos do homem.
É bom lembrar que, em matéria de valor e ética, os
experts não sabem mais que qualquer um de nós”
Noelle Lenoir;
Presidente do Comitê Central Internacional
de Bioética da Unesco

O processo formativo no ser humano é condição


fundamental para estabelecer e fortalecer a estrutura social de
uma sociedade. Mediante tal condição, a formação humana
redimensiona cada sujeito social de maneira a integrá-lo e
inseri-lo como agente construtor de desenvolvimento
humano, social e político fazendo com que se busque e se
descubra uma melhor forma de servir e cuidar das pessoas. A
saúde faz parte desse processo formativo ao mesmo tempo
em que exige de cada indivíduo a capacidade de escolha
pessoal como forma de fazer com que pessoas se postem a
serviço dos demais. Então, a reflexão que se segue trata da
formação em saúde a partir das suas políticas e atores por
estarmos analisando uma realidade bastante complexa como
a do Nordeste brasileiro pelos impasses que ocorrem
frequentemente quanto às condições da saúde da população
como também da formação dos profissionais da saúde.
Todavia, é significativo salientar que quanto mais o
profissional tem a consciência de estar a serviço do outro
concomitantemente o espírito de responsabilidade e o
sentimento de solidariedade e alteridade faz fortalecer suas
ações humanas com atitudes humanísticas onde o indivíduo
percebe-se valorativamente imbuído desse espírito de lutar

187
pela manutenção da vida humana. Nesse aspecto a saúde é um
campo privilegiado para tais ações e atitudes humanas.
É esta lógica da manutenção da vida que faz com que
entre como condição prioritária a dimensão do cuidado como
sendo um elemento fundante na discussão formativa daquele
que atenta para a tarefa do cuidar a partir da consciência de
que é pela saúde que se pode ter vida longa e com qualidade.
Nesse sentido os agentes de saúde ou os profissionais da
saúde carregam consigo uma responsabilidade social bastante
significativa. Embora haja profissional que descuide dessa
responsabilidade negligenciando o cuidado para com a vida
alheia. Mas, ter consciência de que a existência humana é bem
maior do que sua vida biológica exige dos atores inseridos
nesse processo perceber a grandiosidade do ser humano por
um lado e sua fragilidade por outro, pois é diante da doença
que o ser humano se sente na maioria das vezes, impotente.
Quando o profissional da saúde toma consciência de
que defender a vida pelo cuidar e zelar da saúde do utente lhe
dá a convicção e a sensação de cumprimento do dever,
certamente, é porque, em cada procedimento realizado, o
benefício causado no utente ressalta a dimensão ética
enobrecendo o profissional humanisticamente. Contudo,
entra em evidência sua capacitação formativa (ética) e seu
conhecimento intelectual (científico e técnico). Deva-se
considerar, portanto, o universo acadêmico como o lugar
privilegiado que se reserva a ser o ambiente de onde emanam
grandes experiências e formação de mentores intelectuais e
pesquisadores implacáveis, capazes de eticamente assumir a
realidade de maneira lúcida e transparente com dedicação
exclusiva e capacidade de renúncia de si mesmo para a
realização do bem comum.
Concomitantemente, o maior desafio na realidade
nordestina está na realização das políticas públicas para a
saúde e para a educação. Nesse contexto, tanto o poder

188
púbico quanto os profissionais da saúde e os profissionais da
educação têm de assumir juntos compromissos com a
sociedade que viabilizem a realização dos projetos. Tanto a
formação dos agentes de saúde quanto a formação dos
educadores é de extrema responsabilidade do Estado, haja
vista, serem eles o esteio da manutenção do desenvolvimento
econômico, social, político e cultural da sociedade. A
formação intelectual dos profissionais se torna eficiente
quando se polariza na educação os investimentos de que ela
necessita. A morosidade em atender a estas áreas atrasa tal
desenvolvimento. O Nordeste brasileiro tem sido alvo desse
descaso por não serem, em muitas situações ou regiões, a não
concretização das políticas públicas gerando, todavia, um
desequilíbrio e uma insustentabilidade tanto da formação
humana ético-bioética quanto científica e técnica dos
profissionais. Resta, nessa situação, uma sobrecarga para os
profissionais que por sua vez não respondem à demanda
sobre eles. Consequentemente empobrece e enfraquece a
qualidade dos serviços prestados e realizados.
Nesse quadro social, podemos afirmar que deixar de
considerar no campo da saúde a questão ética e a dimensão
do cuidar é cometer um dos maiores crimes contra a
população, já que no homem vulneravelmente oscila a prática
do bem e do mal. Aqui a bioética exerce o papel ou o objetivo
de ajudar a cada um em suas ações a agir racional e
cautelosamente nesse processo em constante evolução do ser
humano em busca de solucionar seus dilemas e desafios
surgidos na saúde e na educação. A bioética surge como
aquela que nos conduz a reflexão sobre a saúde e que
transporta o profissional a ação de maneira concreta e
diretamente relacional, porque seu maior desafio

é saber compaginar cuidado e cura. Muitos estão


tão preocupados com a cura – relacionada com
o mundo atual do sucesso a qualquer preço, do
189
imediatismo mágico e da morte escondida e
adiada –, que, quando ela não se torna possível,
abandonam o cuidado, esquecendo-se de que
podemos curar, às vezes, mas cuidar sempre.
(Millen, 2012:140).

Atualmente, a formação em saúde, vai exigindo mais


comprometimento diante das implicações sociais e das
políticas de saúde pública que vão sendo cobradas pela
sociedade. Também se multiplicam a cada dia em prol do
utente seus direitos mediante exigências da própria legislação,
levando-se em consideração os princípios de justiça e de
autonomia da pessoa que cada vez mais vai-se ampliando.
Portanto, descurar a atenção especial à saúde das pessoas
como ponto de partida e ponto de chegada na busca da cura
é negligenciar o bem social.

4.1 Que atores se colocam em jogo?

Para o exercício, o empenho e o desenvolvimento da


saúde, torna-se necessário que entendamos bem e melhor não
somente o processo formativo do profissional da saúde mais
sua prática numa realidade desarranjada, como a brasileira e,
em especial, a nordestina, na qual impera o pragmatismo
utilitário norteado pela forma econômica capitalista tornando
o próprio utente um mero objeto, uma coisa e não um ser
humano. Como exemplo, a prática de consórcio para
realização de cirurgias, principalmente, de estética pessoal,
bastante criticada pelo Conselho Nacional de Medicina
(CNM). Segundo o Conselho, isso não deve ser uma prática
legal da medicina tendo em vista que o ser humano não pode
ser tratado como uma mercadoria. O problema ético e
190
bioético mais uma vez aparece em defesa da vida humana
respaldando os direitos do utente.
O agir humano representa formas de atuação
diferenciadas que merecem destaques e atenção também da
sociedade que moralmente tem sua parcela de exigências
diante das ações humanas. Por isso, entra em jogo o
profissional da saúde levando-se em consideração sua práxis
deontológica com sua postura ética e bioética exercendo uma
função que socialmente tem uma carga de responsabilidade e
representatividade considerável. Nesse sentido, a construção
de uma identidade pessoal e profissional é de extrema
responsabilidade do agente que pelo dinamismo da
complexidade e exigência da sociedade pode causar repúdio
ou fascínio e, assim, aproximar ou não o profissional das
demais pessoas.
Porém, é de se notar que o exercício da profissão
requer do profissional uma tomada de consciência e uma
visão crítica da realidade no sentido de que toda sociedade
está em contínuo movimento de transformações na qual as
pessoas possam crescer. Por isso, uma das áreas que demanda
muita atenção é a da saúde porque dela a relação entre as
pessoas é de cuidado e de cura. Salutarmente, o cuidar implica
também passar ao outro a devida confiança da cura da doença
que o atinge. Essa atitude de confiar requer uma relação ética
bastante coerente. Ao agir desse modo é dada a devida
importância pelos profissionais da saúde na vida das pessoas
e, nesse sentido, o agente comunitário de saúde, o enfermeiro
e o médico pelo objetivo da profissão é conferir segurança e
confiança ao utente fortalecida pela credibilidade da presença
humana do profissional.
191
Hoje em dia, é consideravelmente reconhecida a
presença humana do ACS nas comunidades, principalmente,
pela aproximação que o mesmo estabelece entre os utentes e
suas famílias transmitindo aos outros a atenção a partir do
cuidado preconizando o fortalecimento das relações sociais
no seio da comunidade. O ACS passa a ser o promotor
primeiro da relação utente e profissional da saúde porque ele
visa melhor, ao crescimento da comunidade. E a promoção
da saúde passa acima de tudo pela consciência não somente
da cura, como também da prevenção.
Promover é um ato extremamente humano no
contexto do cuidar, pois a própria capacidade que o
profissional tem é a de prevenir. Segundo Paulo Freire, tudo
isso está interligado a partir da condição do educar para a
saúde e para a vida como atitude primordial porque,

Educar alguém para a saúde implica que


tenhamos, por um lado, investido
comunitariamente em estruturas e modos de
vida com significados ricos e múltiplos e que,
por outro lado, tenhamos efetivamente
conseguido contribuir para a construção de
mundos de significação, num processo de
aprendizagem ininterrupto entre todos,
simultaneamente educandos e educadores.
(1975).

Para o ACS essa condição do aprender com os demais


é uma constante, pois a comunidade é a própria “escola da
vida” onde todos aprendem conjuntamente principalmente a
partir do sofrimento. E, nesse contexto, também está inserido
o enfermeiro, o médico que se fazem denotar pelo próprio
estilo de vida social considerando que o próprio utente se
torna o referencial maior em suas vidas profissionais.
192
Contudo, é característica própria da comunidade que todo
trabalho seja realizado em equipe. Para o ACS está integrado
ao grupo de trabalho é condição sine qua non que ele atue num
trabalho conjunto com os outros profissionais porque essa é
a característica principal na sua vida profissional. E é assim
que o ACS aprende sempre mais. Influenciado pela
experiência dos outros profissionais em seu processo
educacional também dá sua parcela de contribuição aos
outros profissionais. Segundo, Loureiro e Miranda é “certo
que através da educação para a saúde os profissionais devem
saber proporcionar às comunidades o conhecimento
científico que lhes permita trazer à evidência as necessidades
reais, é necessário que desenvolvam a capacidade para
aproximar saberes, recursos e objetos” (2010:247).
Na comunidade alguém deve ser elo e fazer a ponte
entre os demais por áreas de interesse e o ACS é um desses
elementos presentes que tem a atribuição permanente de atuar
de forma vigilante, pois ele está em todos os momentos
participando da vida da comunidade independentemente de
sua atuação num posto de saúde ou fora dele. O certo é que
o ACS, na prática, é o coadjuvante primeiro na relação utente,
enfermeiro, médico. Nesse contexto, o ACS dá a primeira
cobertura e o apoio básico e necessário aos outros
profissionais. Ele se familiariza rapidamente com as famílias e
se integra no mundo das pessoas fazendo uma interlocução
eficiente quanto ao cuidado e a solução dos problemas de
saúde existentes na comunidade. A grande vantagem do papel
do agente de saúde popular é sua aproximação com as pessoas
da área em que se situa e sua identificação rapidamente
estabelecida com as famílias, tornando o trabalho da equipe
mais eficiente.
O mais importante nesse contexto é perceber que a
relação e a identificação do ACS com a comunidade e o
trabalho desempenhado por ele tornam-se muito valorizado,

193
levando em consideração que ele está inserido no seio da
comunidade e busca conhecê-la por dentro para poder levar
aos outros agentes o conhecimento do terreno do qual estão
pisando, como dizia Bachelar, “conhecer é descrever para
reencontrar” (1927:9). Esse papel do ACS faz com que os
outros profissionais descubram o valor do servir e do cuidar
como uma dimensão profundamente ética e humana. A
formação do ACS o conduz a ter abertura suficiente para
trabalhar em equipe já que ele apresenta-se como uma peça
mestra na relação comunicativa diante da comunidade pela
sua desenvoltura no lidar com as pessoas e, principalmente,
com os utentes. É perceptível que sua atitude de entrega
humanitária com sensibilidade humanística, pela sua
solicitude contínua, é fator de mudança na comunidade.
Portanto, se torna evidente que um processo de
mudança assim, requer consciência de pertença e capacidade
de intervenção por meio da participação ativa, gerindo os
diferentes conflitos que a comunidade apresenta, lembrando-
se de ter sempre presente os indivíduos como elementos do
processo da transformação que se quer promover tanto pela
educação quanto pela saúde. Nesse caso, especificamente,
revolucionar a concepção de saúde na comunidade é uma
grande tarefa, porque todo processo de transformação gera
dinâmica de aprendizagem e conhecimento. Para Paulo
Freire, “A educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a
estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo
histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-
se é conquistar-se, conquistar sua forma humana” (1987:13).
Seguindo esse mesmo raciocínio, destaca-se a
presença do enfermeiro que carrega consigo o valor da
formação adquirida pela enfermagem. Vale salientar que esta
é uma das áreas da saúde mais especificamente humana por
sua conotação humanística no trato cuidadoso com o utente.
A enfermagem, portanto, “é a profissionalização da

194
capacidade humana de cuidar, um processo intersubjetivo e
de conhecimento epistêmico que inclui transação de um ser
humano para outro” (Paiva, p. 55). O contexto da
enfermagem se desdobra enfaticamente no “saber cuidar”, na
experiência humana do sentir mais de perto a dor, o
sofrimento alheio. O enfermeiro é aquele que consegue se
humanizar mais concreta e diretamente, pela própria condição
existencial que lhe concede a profissão no dinamismo da
hominização e, mais do que isso, uma missão repleta de
doação pelo espírito de solidariedade e alteridade que esse
profissional vai adquirindo e se sensibilizando na convivência
com as situações-limite do sofrimento alheio. A enfermagem
faz história na humanidade, pois é só olhar a própria história
e ver que na “antiguidade não se diferenciava o médico do
farmacêutico, do fisioterapeuta ou do enfermeiro” (Gomes,
2012:50). Essa relação se desenvolve também num processo
de hominização juntamente com tudo o mais que faz com que
o homem e a natureza evoluam, porque “A “hominização”
não é adaptação: o homem não se naturaliza, humaniza o
mundo. A “hominização” não é só processo biológico, mas
também histórico” (Freire, 1987:14).
Assim é possível uma melhor compreensão do papel
ou do exercício profissional do enfermeiro que, por sua vez,
o faz necessário ter uma visão mais analítico-interpretativa da
realidade do próprio profissional que é, levando em
consideração o seu lugar social e o universo de trabalho do
qual faz parte. A enfermagem, ainda, compreende, segundo
Lucília Nunes, a essência e a especificidade do cuidar do ser
humano em saúde como também a promoção dos projetos de
saúde que cada pessoa vive e persegue, procurando prevenir
a doença e promover os processos de readaptação após a
doença e, assim, procurando a satisfação das necessidades
humanas fundamentais e a máxima independência na
realização das atividades da vida diária (Cf. Nunes, 2004:37).

195
Não obstante, mediante tal situação, o enfermeiro se percebe
bem relacionado formativa e profissionalmente motivado
cotidianamente em seu labor. É evidente, porém, que a
enfermagem perpasse a linha de um processo construído
progressivamente no decorrer de sua história e o mesmo tem
características e significado próprios importantíssimos como
ressalta Abreu:

É comum designar-se por “processo de


enfermagem” a forma como o enfermeiro
deve organizar sistematicamente o
conhecimento e a informação, que se traduz
numa forma lógica, humana e
cientificamente aceitável de intervenção. O
propósito do processo de enfermagem
consiste em definir intervenções
consistentes com as respostas e as
necessidades humanas. (2008:29).

Com essa premissa primeira pode-se perceber o


quanto é possível o enfermeiro desenvolver sua capacidade de
analisar, interpretar e avaliar a competência do profissional
que é ou que deseja ser. Daí, que se exige muito da sua
formação científica, técnica e humana mediante os desafios
que se colocam em sua vida profissional, principalmente,
numa região como a do Nordeste brasileiro. As exigências da
formação na enfermagem mostram a urgência de profissionais
eficientes diante do quadro que se estabeleceu com a
formação simplesmente técnica em enfermagem implicando
uma prática na qual as consequências das incompetências são
cada vez mais quantificáveis, quer do ponto de vista
estritamente humano, quer na perspectiva de custos
econômicos, o que conduz a uma maior preocupação com a
produtividade e a eficiência (Queiroz, p. 30).
196
O enfermeiro, em seu cotidiano, vê a necessidade de
se ter uma formação continuada pelo nível de exigência em
relação ao conteúdo intelectual e humanístico tendo em vista
que se trata de conhecer cada vez mais o biológico, o ético, o
bioético e o cientifico (a genética) de forma mais consistente
e crítica.
Contudo, como a saúde implica um complexo
grandioso cientifico e técnico, envolvendo várias áreas de
conhecimento por se tratar de um campo de pesquisa e
investigação cada vez mais minucioso, então, destacamos
também a medicina porque sua função primeira não é curar,
mas cuidar, não se tratando de dar mais atenção ao utente,
porém cuidando do seu regime de vida, ajudando-o, desse
modo, a conservar sua saúde e evitar a enfermidade (Gomes,
2012). Por outro lado, trata-se também de a medicina ser uma
verdadeira arte desenvolvida pelo homem em sua cultura.
Historicamente, a medicina é uma área do conhecimento
humano das que, notadamente, teve mais crescimento e
expansão em termos quantitativos como também qualitativos.
Tudo isso, porque se trata do cuidado para com o ser humano
integrado como um todo na natureza. A medicina não cuida
do homem isoladamente, mas a partir de suas situações-limite
e, assim, tem uma responsabilidade ética como também o
respaldo das outras ciências das quais se serve. Comenta
Lolas,
Assim, a medicina desde o século XIX se serve
das ciências, mas não é ela mesma uma ciência.
Utiliza técnicas, mas não é apenas técnica.
Produz e usa símbolos e sinais, mas não é
simplesmente tecnologia semiótica. Reconhece,
no círculo frutuoso de seu desenvolvimento
histórico e na sincronia de suas formas
197
coetâneas (adequadamente interpeladas e
interpretadas), todos os registos do humano.
Proporciona um discurso que amalgama falante,
intenção, língua. Constitui um sistema e uma
“instituição social”, ou seja, objetos, práticas,
pessoas, relações entre coisas e pessoas,
interesses, projetos, história, coisas a serviço de
objetivos sociais. (2006:21).

Nessa visão, é possível entender a medicina como


uma grande área do conhecimento interagindo com as demais
áreas, principalmente com a filosofia. Então, a medicina se
apresenta realmente como uma arte, uma “arte de curar”, uma
“arte como técnica”, uma “arte singular” segundo Gadamer
(2009:30, 34,35), essa arte vem desde a antiguidade marcada
pelo código de ética, o juramento de Hipócrates
estabelecendo, portanto, uma promessa pública por meio de
um compromisso com uma moral. É por isso que a função
primeira do médico não é curar, senão prevenir, educar na boa
gestão do corpo e da vida (Gomes, 2012).
A medicina, até hoje, tem seu lado racional, empírico
como também científico e técnico que, segundo Gadamer,
exerce um poder fascinante, ou seja,

O poder da medicina moderna é


deslumbrante. No entanto, apesar de todos
os progressos que as ciências naturais
trouxeram ao nosso conhecimento da
doença e da saúde, e apesar da enorme
inversão efetuada em técnicas racionalizadas
que permitem diagnósticos e o tratamento,
o terreno do não racionalizado continua a
ser, neste aspecto, particularmente, amplo.
(2009:32-33).

198
É nesse contexto que a figura do médico é o
referencial primeiro. O médico se vê envolvido na missão-
tarefa de salvar vidas, buscando um conhecimento que lhe
ofereça “as condições de possibilidade da ação humana
projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local”
(Santos, 2007:48). Como também, “demonstra, com
particular clareza, em que medida se agudiza a relação teoria e
prática sob as condições da ciência moderna” (Gadamer,
2009:32). Porque, na realidade atual a medicina como uma
ciência, trouxe também “um conhecimento funcional do
mundo que alargou extraordinariamente as nossas
perspectivas de sobrevivência. Hoje não se trata de sobreviver
como de saber viver” (Santos, 2007:53).
As políticas sobre a formação do médico é eivada de
um direcionamento não só didático-pedagógico, mas também
de uma dimensão ético-filosófica como estratégia humanística
do futuro profissional da saúde.
Como vemos a sociedade perpassa desafios que
implicam em ações transformadoras em que a educação e a
saúde são dois polos fundamentais que necessitam de
indivíduos com capacidades científicas e técnicas diante do
desenvolvimento da medicina que aí está; o cuidado que se
deve ter diante dos órgãos institucionais burocratizados; a
máquina pública sobrecarregada, inchada de pessoal em vários
setores sem muita produtividade enquanto os profissionais da
saúde que merecem mais atenção, qualificação não tem
políticas públicas que os tornem mais competentes e, por isso,
a crítica da sociedade sobre tais profissionais denigrem a sua
imagem; por outro lado, os profissionais da saúde vivem num

199
ativismo exacerbado e não conseguem atender devidamente à
população, principalmente, a mais carente.

4.2 Formação científica e ética dos profissionais de saúde

Como estamos sempre afirmando, é fundamental a


estratégia humanística do futuro profissional da saúde como
valor ético e como condição fundamental que passa
primeiramente pela qualidade do profissional que se tem e que
se quer ter. Daí a responsabilidade da formação intelectual,
científica e técnica como essencial para manter a qualidade na
saúde, haja vista, atualmente as exigências se tornam cada vez
mais desafiadoras em termos de saúde, levando-se em
consideração as transformações nos campos científico,
tecnológico, biotecnológico e ético-bioético.
Ao considerarmos que vivemos em uma região
(Nordeste brasileiro) com um alto nível de pobreza de sua
população, requer que o profissional da saúde tenha sempre
presente a questão da justiça e da eticidade para agir mais
humanamente do que economicamente. Para tanto é
fundamental que a formação tanto científica quanto ética seja
mais esclarecedora e conscientizadora no sentimento do
cuidado, da prevenção e da cura. Vivemos hoje a síndrome do
lucro pelo lucro e, por isso, o tratamento dado ao utente é de
acordo com suas posses, com o ter e não com o ser.
A saúde, atualmente, leva em consideração um mundo
virtual cada vez mais presente e o mesmo deve aproximar as
pessoas, pois paradoxalmente vem acontecendo uma grande
distância social e profissional nesse campo. Essa lacuna

200
quebra o valor da profissão e a distância de um convívio mais
social, mais humano e mais afetivo na relação interpessoal.
A formação do profissional da saúde deve conduzir o
profissional a buscar uma consciência crítica da realidade
através da qual ele possa estabelecer uma nova forma de
comunicação entre ele e o utente que o feedback seja uma
condição primeira na formação dessa consciência crítica.
Segundo Roland Bee, “Criticar é parte integrante da
comunicação efetiva, isto é, daquela que pressupõe um
locutor e um interlocutor” (2000:9). Ter um olhar crítico faz
parte do desenvolvimento do conhecimento. Hoje, a maioria
dos profissionais da saúde não interage com o utente e o trata
fria e indiferentemente. Nesse sentido, deve ser função
também da formação um olhar crítico e comunicativo sobre
a realidade do utente. Comunicar-se criticamente com a
consciência de que “a crítica é ligação entre as coisas que você
faz e diz e a compreensão do impacto que as mesmas exercem
sobre as pessoas. (...) é influenciar pessoas no trabalho, saber
criticar adequadamente é talvez a habilidade interpessoal mais
significativa que se pode desenvolver” (Ibid., Ibidem).
Percebemos que poucos profissionais da saúde agem dessa
forma.
Outra constatação: vivemos numa sociedade em que
se adoece por falta de calor humano e de humanização. Por
falta de amizades sinceras e verdadeiras. É perceptível a
distância entre o profissional da saúde e o utente
(principalmente o médico, que é caracterizado como frio e
calculista). A ciência, a tecnologia e a biotecnologia são
conhecimentos que exigem bastante dos profissionais da
saúde o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e
201
um conteúdo programático que contrabalanceie as questões
humanísticas segundo a concepção do CNM. Por outro lado,
a enfermagem tece sua crítica aos cursos de formação de
técnicos em enfermagem porque os mesmos não dão a
formação adequada e muitas situações de erros crassos são
cometidas por técnicos nos hospitais e clínicas tanto
particulares como públicos. Esses conflitos impactam com
questionamentos o mundo da educação e da saúde quanto à
qualidade do ensino. Também falta viabilização de políticas
públicas que tratem da formação permanente do profissional
em saúde afetando, assim, a qualidade da saúde pública.

Quadro I: Disciplinas humanísticas dos cursos de ACS,


enfermagem e medicina:

CURSO DE ACS - Conhecimento (Saber)

Etapa I

• Processo saúde-doença e seus • Ética no trabalho em


determinantes/condicionantes saúde
• Cargas presentes no trabalho do • Políticas públicas e
técnico ACS: conceito, tipos, políticas sociais
efeitos sobre a saúde do • Comunicação:
trabalhador e medidas de conceito, importância
prevenção e práticas
• A estratégia da saúde da família na • Direitos humanos
atenção às diversidades humanas • Cultura popular e
• Assistência à internação práticas populares no
domiciliar: conceito, finalidades, cuidado à saúde
implementação e avaliação dos • Conceito e critérios
resultados de qualidade da
atenção à saúde:
integralidade,
202
acessibilidade,
humanização
Etapa II

• Condições de risco social: • Formas de ensinar e


violência, desemprego, infância aprender em educação
desprotegida, processos popular
migratórios, analfabetismo... • Informação, educação
• Promoção da saúde: conceito e e comunicação
estratégias • Cultura popular e sua
• Principais problemas de saúde da relação com os
população e recursos existentes processos educativos
para o enfrentamento destes • Medidas de prevenção
problemas de Acidentes
• Pessoas com deficiência e portador domésticos
de sofrimento mental: abordagem, • Doenças mais comuns
medidas facilitadoras da inclusão por sexo, grupo etário,
social e direitos legais étnico, interação social
e distribuição
geográfica, com ênfase
nas características
locoregionais
Etapa III

• Conceito de ambiente saudável, • Vigilância em saúde:


enfoque de misto e poluente conceito e aplicações
• Condições de risco ambiental: • Saneamento ambiental
poluição sonora, do ar, da água e • Medidas de prevenção
do solo, queimadas, de riscos ambientais
desmatamentos, calamidades, sanitários
outros. • Doenças
prevalecentes
relacionadas aos
problemas sanitários e
ambientais: medidas

203
de prevenção e
controle

CURSO DE ENFERMAGEM CURSO DE MEDICNA

• Atenção saúde pessoa e • Atenção à saúde da


família comunidade I, II ,III
• Cuidados pessoa e família na • Formação humanística I,
saúde mental psiquiátrica II, III, IV, V, VI
• Enfermagem integrada nos • Psicologia geral
processos de promoção à • Psicologia médica
saúde • Medicina preventiva
• Enfermagem integrada nos
processos de recuperação à
saúde
• Enfermagem no cuidado ao
idoso
• Enfermagem da família
• Ética e exercício da profissão
• Homem e sociedade

(Organização básica dos cursos acima destacados nas universidades


brasileiras. Vale salientar que nos cursos universitários o aluno tem as
disciplinas semestrais e para os ACS os cursos são modulados e as
disciplinas têm menos carga horária).

A responsabilidade na busca do conhecimento


intelectual, científico, ético e bioético paira no ar e perpassa o
meio dos formandos e dos profissionais que lidam com o
público em geral, como professor, padre, advogado,
psicanalista ou psicólogo, médico ou enfermeiro, etc.
Contudo, conduzir a pessoa humana a uma formação integral
leva-a a corresponsabilidade social. Cabe a todos uma
formação que ofereça um nível de abstração e percepção
204
holística do mundo e do universo como um todo e que
estejam integrados às realidades que se lhes apresentam diante
da existência da vida, pois o homem como ser de abertura está
sempre transcendendo o mundo no aqui e no agora da história
e lançando-se de imediato a um futuro próximo que parece
longínquo. Um mundo que se lhe desponta a cada instante no
aqui e no agora da escatologia humana. Aqui entra em jogo o
papel da consciência e da formação profissional da qual se
estabelece no processo formativo para a comunicação
humana e a interação social e, assim, o futuro profissional
poder ser capaz de desenvolver e estabelecer de forma ética
uma contribuição crescente da vida relacional e socialmente
saudável em oposição a um estilo de vida pragmática,
mecanicista, utilitária, exclusivista, isolacionista, egoísta em
que vive a maioria das pessoas; fechada em seu próprio
mundo interior e exteriormente fadada a acumular os stress
do dia a dia.
Enquanto no mundo do conhecimento os interesses
tomam outra dimensão em relação à própria existência, afirma
Lolas, “não existe conhecimento sem interesse social. Nem há
interesse sem conhecimento” (2006:26). Conhecer é uma
necessidade humana que faz interagir no convívio social
ampliando cada vez mais um extenso leque de comunicação.
Hoje, é uma condição essencial onde o indivíduo ou o
profissional seja qual for a área de conhecimento esteja
sempre sintonizado com as novidades que surgem
frequentemente e que o cercam no mundo científico,
tecnológico e bioético.
Mediante esse quadro que o profissional da saúde tem
o direito e o dever de receber uma formação intelectualmente
205
eficiente, tanto no plano clínico, tecnológico como também
no plano ético e bioético e, assim, poder se deparar com as
contradições da vida humana e sua realidade concreta. O
profissional passa a ser capaz de ir em busca de contribuições
para as mudanças e transformações possíveis e cabíveis
dentro do mundo da saúde a partir do universo que a medicina
abrange. É a partir dessa situação que “os profissionais da
saúde em geral devem reconhecer de que forma a cultura afeta
o comportamento e o estado de saúde” do ser humano como
destaca Abreu. (2008:34). O médico, por exemplo, não deve
preocupar-se somente com a cura puramente somática, mas
levar em consideração o ser pessoa do utente, a sua
individualidade e sua integridade moral e humana. Contribuir,
portanto, com os possíveis avanços da ciência médica a partir
da própria experiência da práxis humana é uma lógica que não
deve se separar no mundo da medicina, da biomedicina e da
biotecnologia. Do contrário, o próprio ser humano não
passará de uma simples cobaia humana, como sempre se
considerou, ao longo da história nos muitos anos de
experimentos científicos. Afinal, para que serve todo esse
desenvolvimento se não agir e atuar de forma confiável e
ética? O ser humano não pode ser tratado como uma simples
cobaia nas mãos dos profissionais. Cabe, portanto, uma
postura humanamente honrosa e atuante de maneira que não
macule nem o profissional, nem o utente, nem o indivíduo
como pessoa humana.
Na opinião de Drane e Pessini uma medicina que
prioriza a formação científica, técnica e humanística com
certeza formará profissionais eficientes e mais humanos
visando o bem do utente.
206
Requer do profissional médico um esforço de
verificar que grau de iniciativa e de
autodeterminação o paciente quer exercitar e
garantir então sua expressão. (…) obriga o
profissional médico a levar as perdas em
consideração e a ajudar os pacientes a superá-
las. (…) obriga o profissional médico a um
contato pessoal que vai além de um
relacionamento meramente técnico com o
paciente. (2005:63).

Como exigência da formação e da vida profissional


consideramos que a atuação no universo da saúde seja médico
ou enfermeiro requerer sempre mais uma formação científica
eficiente e de qualidade para que muitos erros possam ser
evitados, como sói acontecer nos hospitais do Nordeste.
Abreu considera que “uma disciplina científica é caracterizada
por uma genealogia de problemas que consubstanciam a sua
atenção (ou foco de atenção) e por uma autoridade que deriva
da especificidade da sua intervenção no contexto social”
(2008:17). É exatamente nesse contexto que se estabelece uma
responsabilidade e um compromisso ético com o ser humano
respaldado no direito à vida como condição primeira da
manutenção e preservação da existência concreta do ser
humano. Consequentemente implica uma questão, também,
de cidadania exercida pelo profissional da saúde. Ahlert
chama a atenção nesse sentido de que a

Educação, alicerçada em princípios éticos, é um


processo essencialmente coletivo no qual a
aprendizagem e a construção do conhecimento
efetivam-se através da inter-relação entre os
sujeitos e entre esses com o todo da vida. Torna-
se a educação um processo de conquistas que
engendra a humanização e a libertação do ser
humano (2007:93).

207
Como exigência profissional, a práxis humana é
fundamental, pois ela estabelece um compromisso com o
outro, com a realidade e com o mundo. É uma questão de
coerência profissional. Abreu assegura que é importante
observar que “a prática profissional e o contexto clínico
constituem espaços de investimentos integradores de todos
estes conceitos, na medida em que nele gravitam e interagem
pessoas em processo de mudança” (2008:17). É o profissional
da saúde, fundamentalmente, um sujeito em constante
mudança em termos de formação intelectual e humana e que
se torna o principal personagem responsável dessa realidade,
pois lhe cabe o encontrar-se consigo mesmo nesse processo
de mudança e, assim, consequentemente, lançar-se na vida
profissional com senso de responsabilidade, coerência e
compromisso na vida ético-social de forma integradora e não
dissipadora.
A relevância que se dá à formação humana, intelectual
e bioética do indivíduo deve estar ligada a um processo
cognitivo voltado para uma dimensão mais ampla da
complexidade da ação humana, repleta de comunicação para
poder melhor interagir com a diversidade do ambiente de
trabalho socialmente desenvolvido.
Por isso mesmo, a formação científica e ética do
profissional integra de maneira abrangente a relação com o
universo de situações-limite em que o profissional vai se
deparar e, nesse campo de visão, deve haver uma abertura
para uma saúde que está voltada à percepção do mundo do
outro numa sociedade extremamente carente que envolve
dimensões mais significativas na esfera do conhecimento que
se deve adquirir, seja a biologia ou a física, a psicologia, a
sócio-ambiental e a ética-bioética.
O profissional nesse processo formativo estabelece
uma obrigação ética e moral com a sociedade a partir do
conhecimento que estas ciências lhe dão com o devido

208
respaldo para tal. Fontana diz que, “de qualquer forma, quer
exista ou não tal obrigação, os profissionais têm a
responsabilidade moral de evitar perigos” (1998:350).
Todavia, sabemos que atualmente não se trata só de evitar
perigos, mas de minimizar sofrimentos, curar e cuidar do ser
humano com a devida habilidade e desvelo como condição
primeira da formação.
As revoluções que ocorreram continuamente no
mundo do conhecimento científico, técnico, biológico,
biotecnológico e bioético têm exigido da formação do
profissional da saúde cada vez mais competência e
sensibilidade para entender o desenvolvimento do ser
humano numa escalada de valores humanísticos em contínuo
processo de transição histórica, principalmente, o profissional
que está inserido numa realidade desafiadora como a do
Nordeste brasileiro.
Como se tem corroborado, a necessidade contínua de
formar o indivíduo para ser um profissional qualificado
implica, também, mostrar a necessidade de investir
pessoalmente na sua identidade e identificação do ser pessoa
e do ser sujeito da própria mudança durante todo o processo
da aprendizagem concomitantemente às experiências que se
vai adquirindo profissionalmente. Portanto, os valores éticos
e morais fundamentais ao profissional, à medida que vão
sendo internalizados e interiorizados tornam o profissional
compromissado com as possíveis mudanças e transformações
do sujeito como também das suas relações interpessoais e
profissionais nas conquistas e superações dos desafios que
impedem os avanços na saúde da população.
Dubar vê que é diante dessa necessidade patente do
indivíduo que está implícita uma aprendizagem experiencial e
uma identidade reflexiva e, que se faz necessária a
aprendizagem experiencial supondo uma ligação específica
aos saberes e que os mesmos implicam a subjetividade se

209
ancorando em atividades significantes (Cf. 2006:158). E
continua afirmando que esse pensamento deve estar voltado
para a compreensão e a interação dos saberes como
fundamentais que devem progressivamente serem
incorporados pelo ser humano em transformação e, que, em
primeiro lugar, são saberes da ação experimentados numa
prática significante e ligados a um compromisso pessoal
(Idem, Ibidem). Nesse caso, está implícita como deve ser a
formação do profissional da saúde, e é evidente que a
formação científica corresponda a uma responsabilidade ética
pessoal e social. Daí, existir uma preocupação a partir da ética
médica quanto à formação do profissional que segundo Vieira
e Neves a mesma se preocupa com os problemas de
comportamento do profissional desde a aplicação do seu
conceito como fundamental para o bom estabelecimento da
relação médico-utente, à necessidade de investigar a formação
do futuro médico e o que os professores passam como
exemplo para os estudantes (Cf. 2009:22).
No Nordeste, a formação intelectual e ética do
profissional da saúde tem sido alvo de preocupação constante
o que levou à busca de alternativas como suporte nesse
processo formativo como a criação de Comissões de Ética
Hospitalares onde enfermeiros e médicos encontram apoio
para tomar decisões sobre a qualidade de vida dos utentes;
orientar ou não quanto as determinadas terapias ou
intervenções que possam trazer tanto risco como benefício ao
utente e bioeticamente como ter atitudes éticas no exercício
de suas atividades na relação com o utente, tendo em vista os
princípios de beneficência, justiça e autonomia.
Tudo isso para motivar o exercício da ética hipocrática
de modo claro e eficaz. Por isso, a relação com o utente é
caracterizada segundo o princípio de jamais “prejudicar ou
fazer mal a quem quer que seja” (Pessini, 2002:431). No
juramento moderno, o médico professa publicamente:

210
Eu me comprometo solenemente a consagrar
toda a minha vida ao serviço da humanidade. (...)
A saúde do meu utente será a minha primeira
preocupação. (...) Mostrarei o máximo respeito
pela vida humana. (...) Nem mesmo coagido
farei uso dos meus conhecimentos médicos para
fins que sejam contrários às leis humanas.
(Pessini, 2002:432).

É dever de todo profissional da saúde conhecer e


praticar os princípios éticos e morais da cultura em que vive
para melhor servir e cuidar, como também é essencial na
formação acadêmica a formação voltada para os humanismos
filosófico, sociológico, científico e ético-cultural, do contrário
a formação se transforma em informação puramente técnica.

4.3 Da formação em exercício à capacidade de intervenção

A formação dos profissionais de saúde incide, na


realidade atual, em alguns passos básicos como: a capacidade
de saber cuidar e saber guardar, de maneira digna, os outros
seres humanos dos perigos que possam advir contra a sua
saúde; saber conviver e trabalhar em equipe; saber promover
o outro. O princípio da promoção do ser humano em saúde é
uma questão de responsabilizar-se pela prevenção e cura dos
seus males. Essa promoção tem implicações práticas já que
toda formação une o empírico ao científico, o técnico ao
teórico. Portanto, compete à área da saúde a habilidade de
promover cada vez mais melhorias na qualidade de vida como
também no prolongamento da vida humana, porque o
profissional da saúde não deve olhar pura e simplesmente só

211
o lado biológico da vida, mas contemplar o sentido maior da
sua existência.
Contudo, a realização humana é mediada de uma ação
práxica em conformidade com as exigências plausíveis das
circunstancialidades de cada realidade do ser, do ser humano,
que por essência se entende como um ser para a superação.
Mediante tal concepção o envolvimento que o profissional da
saúde tem por meio de atitudes humanitárias é de suma
importância para trazer ao ser humano o rejuvenescimento da
sua espécie.
A viabilidade de tais princípios e avanços favorece a
integração ao mesmo tempo em que requer a capacidade de
intervir nas diferentes situações-limite causadas pelas
manifestações de doenças que exigem do profissional
qualificação para se colocar a serviço do cuidado e da cura.
Logo, Intervir implica manter valores deontológicos
essenciais tanto ao processo da formação (permanente)
quanto no cotidiano do profissional em saúde e,
principalmente, em saúde pública na qual mais se devem
manifestar atitudes humanísticas levando o profissional à
concepção do nível individual ao desenvolvimento pleno das
potencialidades: a autodeterminação, a autogestão, ou a
capacidade de formular e levar a cabo os próprios planos, o
sentido de responsabilidade, a autorrealização (Cf. Arruda,
2010:35). Esses fatores são fundamentais para a concretização
da capacidade do profissional desenvolver intervenções com
prontidão e eficácia, pois a mesma brota das convicções
adquiridas durante o processo formativo e o sentimento de
cuidado ético no trato com o utente.

212
Nesse contexto, a formação não deve ser
negligenciada, porque do contrário, muitos danos serão
causados ao ser humano gerando conflito na subjetividade
tanto do profissional quanto do utente que sofre as
consequências de incompetência, falta de habilidade, de
dedicação, de cuidado, de amor, porque segundo Torralba i
Roselló, “cuidar da saúde é um exercício que transcende o
marco da biologia e da corporeidade do indivíduo e requer a
atenção e o desenvolvimento de outras dimensões
constitutivas do ser humano” (2009:39).
É a partir desse contexto que ações interventivas se
unem às habilidades do profissional capacitando-o e exigindo
dele um compromisso com o ethos do povo, respeitando sua
condição de vida. Então, o ACS, o enfermeiro ou o médico
tem de ter sensibilidade humanamente solidária para cuidar
do povo diante das situações críticas de saúde no Nordeste
brasileiro onde as pessoas se encontram cada vez mais
vulneráveis aos males e as doenças graves e crônicas por falta
de assistência à saúde. Nesse contexto, o princípio de justiça
passa pela capacidade do agente de saúde em saber dar
prioridade a dimensão da equidade tratando os desiguais na
sua desigualdade. Evidente que essa posição deve ser vista
pelo profissional da saúde, em qualquer circunstância, como
prioridade do seu trabalho segundo o código hipocrático.
A intervenção sobre a saúde é uma questão, acima de
tudo, bioética e uma condição sine qua non no agir do ser
humano com relação à prevenção e promoção da saúde.
Portanto, intervir em saúde exige consciência do outro e
cuidado desprendido de interesses individuais e egoístas.
Nesse sentido, cabe ao profissional não perder seu referencial
213
humano como também ter a consciência voltada para o
autocuidado, à ajuda mútua e criar condições para manter
ambientes saudáveis e que favoreça a coletividade (Cf.
Czeresmia, 2003:24). Nessa visão “a medicina é uma profissão
a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser
exercida sem discriminação de qualquer natureza” (Pessini,
2002:435). Paralelamente, a enfermagem é entendida, hoje, a
partir de sua “ação técnico-cientificamente competente para
promover a saúde e prevenir a doença através da prestação de
cuidados de assistência bio-psico-sócio-espiritual à pessoa
humana perspectivada na sua unicidade integral” (Neves e
Pacheco: 2004:15).

4.4 O cuidado como fruto de hominização

Martini afirma que o “cuidar em saúde é uma


modalidade comunicativa com o rosto concreto da fragilidade
humana e um modo de aprender a convivência com o
sofrimento que, de formas diversas, acompanha o ser humano
durante a vida” (2012:195). Para essa difícil tarefa do cuidado,
deve haver sensibilidade humana. Sensibilidade solidária.
Sensibilidade pela existência de todos os seres, mas acima de
tudo um olhar específico em prol da própria condição da
existência humana. E Segundo Millen, “o ser humano é
chamado a cuidar de si, dos outros e do mundo, não só por
causa de si, não só para sobreviver, mas para viver, porque
viver, para si e para os outros, é muito mais do que apenas
existir. Mas, para isto, é preciso saber ouvir o clamor da vida
e se deixar afetar por ela” (2012:140).

214
Araújo destaca três bioeticistas como Gilligan,
Noddings e Baier que se preocuparam em estruturar o modelo
do cuidado como reflexão fundamental da ação moral médica
em que o princípio do cuidado é defendido como expressão
mais humana. Noddings destaca o ter-cuidado como
expressão mais apropriada e mais bem aplicada à enfermagem
por se tratar da essência do pensar-agir bioético, bastando a si
próprio (Cf. 2004:60).
Em contrapartida, a falta de cuidado conduz o homem
a destruir a si próprio como também aos outros, seja pela
exploração e prática da injustiça seja por negar sua condição
humana e sua dignidade humana quebrando, assim, a
possibilidade de tornar a vida humana mais agradável e justa
para com todo ser humano. Ainda, é pela falta de cuidado que
o processo de hominização desperta no homem a percepção
crítica de suas condições subumanas.
É pelo processo de hominização que a ótica do
cuidado se faz presente como aquela que norteia a prática do
bem e a realização da justiça. Portanto, não basta não destruir,
não prejudicar o outro nem mesmo o mais fraco, pois o mais
importante é saber que o homem tem consciência do que é
capaz de realizar como ser e como pessoa humana. O homem
“é pessoa porque é o único ser no qual a vida torna-se capaz
de uma reflexão sobre si mesma” (Souza, 2004:110). E, assim,
tomar consciência de sua realidade seja ela humanizada ou não
remete e encaminha a interagir com o que está ao seu redor,
ao seu mundo e ao mundo do outro de onde emana a
solidariedade e a alteridade que faz os homens
comprometerem-se com a luta pela realização do ser humano,
e é nessa atitude que o processo de hominização vai
215
acontecendo, porque as implicações do cuidado vão surgindo
diante das necessidades da sobrevivência a deparar-se com a
concretização do bem comum.
Ainda, a dinâmica do cuidado implica uma tarefa
edificadora que exige desenvolver racional e intuitivamente a
capacidade de admiração e de possibilidades dialógicas, de
comunicação sem fronteiras. Em toda e qualquer parte do
planeta o cuidar nunca é supérfluo, pelo contrário, é falta. É
necessário aprender ou reaprender a cuidar, isto é, se alguma
vez o homem soube cuidar, hoje ele demonstra que
desaprendeu e que precisa reaprender.
Diante dessa situação, o processo de hominização
conduz o homem a lutar pela superação dos desafios mais
próximos a ele como saúde, alimentação, trabalho, moradia,
lazer, educação. No Nordeste brasileiro, esse processo tem
sido muito lento porque as políticas públicas definidas pelos
gestores públicos em torno do cuidar, principalmente, da
saúde, estão defasadas em termos de tratamento sanitário
preventivo, água potável, saneamento básico, lixo urbano,
educação moral para viver em sociedade, etc. Esses desafios
são os principais causadores de tantos males à saúde pública
em mais de 90% das cidades nordestinas. O que ocorre, de
fato, hoje nas grandes cidades, principalmente nordestinas, é
uma perda considerável de identidade social e cultural, é um
mundo onde todos são desconhecidos, o que Boff chama de
descuido quando diz que “há um descuido e um abandono
crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos
habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados
socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do
simulacro e do entretenimento” (1999:19).
216
Todavia, devemos levar em consideração que no
processo de hominização também acontece o processo do
aprender a cuidar, porque aprender a cuidar é educar-se para
mudar e à medida que essas possibilidades forem ocorrendo,
a sociedade passa a ter mais credibilidade e esperança em si
mesma e num modo de vida mais digna. Os principais
referenciais que fazem avaliar a superação do estágio de
desumanidade, hoje, são a realidade desigual e a constatação
de que a pobreza é a responsável número um pelas
enfermidades, justificando-se, assim, a importância crucial da
equidade, pois, as ações equitativas no mundo da saúde não
devem cair no utilitarismo, nem ficar escravas da eficiência
socioeconômica, esquecendo as dimensões existenciais
fincadas na cultura de um povo. A solidariedade, fruto da
compaixão e da gratuidade, precisa estar na base dessas ações
(Cf. Martins e Martini, 2012:205). Logo, o cuidado é uma
dimensão humana que interliga valores no processo de
hominização.
Leonardo Boff, em sua obra: Saber Cuidar, nos
convida a fazer uma viagem ao universo do cuidar. Ressalta,
ele, que um modo-de-ser não é um novo ser. É uma maneira
do próprio ser de estruturar-se e dar-se a conhecer. O cuidado
entra na natureza e na constituição do ser humano.
O modo-de-ser cuidado revela de maneira concreta
como é o ser humano. Sem o cuidado, ele deixa de ser
homem. Se não receber cuidado, desde o nascimento até a
morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido
e morre (Cf.1999:34). Portanto, é próprio da hominização que
o homem possa prover o mínimo de sua subsistência porque
faz parte da condição de vida do ser humano para que ele
217
possa viver sua humanidade e sua existencialidade. Por isso,
“o ser humano é essencialmente um ser de necessidades (um
animal faminto) que devem ser satisfeitas e, por isso, um ser
de consumo”, corrobora Boff (Ibid., p. 35). No entanto, é no
envolver-se nesse processo que a hominização requer
envolvimento do homem no processo evolutivo histórico de
seu desenvolvimento exigindo dele mesmo, como destaca
Boff, ser um “ser de participação, um sujeito histórico pessoal
e coletivo de construções de relações sociais e mais
igualitárias, justas, livres e fraternas possíveis dentro de
determinadas condições histórico-sociais” (Ibid., Ibidem).
Porque a hominização não pode ser tratada sem a implicação
do cuidado e o cuidado sem pontuar a hominização como um
processo contínuo e profundamente humanístico que visa
resgatar o homem de uma condição de subumanidade para
uma condição de dignidade num processo evolutivo
constante do ser homem.
Hominização e cuidado caminham pari passu por
tratarem da existência humana como o valor supremo do
cuidado. Boff comentando Heidegger diz que do ponto de
vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda
atitude e situação do ser humano, o que significa dizer que ele
se acha em toda atitude e situação de fato, ou seja, o cuidado
significa um fenômeno ontológico-essencial básico (Cf.
1999:34). É pela hominização que o cuidado toma sentido no
evoluir do ser humano dando condições de ter acesso aos
bens que o faz ser mais humano e humanizando de modo
solidário sua história, seu mundo. Sendo assim, o cuidado
aparece como matriz da consciência ética, de modo próprio e
especial, na análise da vulnerabilidade humana, reacendendo
218
uma reflexão que pode constituir-se em um meio de superar
a banalização que a enfermidade, por exemplo, pode provocar
nas pessoas e em um caminho para requalificar as relações
com a vida, porque hominizar consiste também nessa
constante busca de superação dos desafios enfrentado pelo
ser humano (Cf. Martini, 2012:193). Por isso se diz que antes
mesmo da humanização temos como desafio a
“hominização”, ou seja, criar oportunidades aos seres
humanos de existirem e viverem dignamente (Cf.
Barchifontaine, 2012:175).
Bioeticamente, o cuidado está profundamente
relacionado ao processo de hominização. Os desafios servem
com pontos de partida para solidificação dos valores que estão
arraigados na vida gerando para o ser humano paradoxos
entre as situações-limite da existência e a luta pela sua
superação a partir do compromisso ético com o cuidado. Para
a bioética o cuidado é sempre fruto do processo de
hominização.
A dignidade humana deve ser vista, portanto, como
fonte de uma reflexão ética profunda por se tratar da questão
da condição humana ou mesmo buscando atingir a sua
essência. E é nessa realidade reflexiva que os direitos humanos
passam a ser uma expressão direta da dignidade humana por
ter sua fundamentação na filosofia ocidental considerando
que o ser humano se reconhece como tal numa estreita relação
com o outro. Por isso, o princípio de alteridade está
intimamente ligado à questão ética e consequentemente a
dignidade humana.
Segundo Barchifontaine, a expressão “dignidade
humana” é o reconhecimento de um valor. É um princípio
219
moral baseado na finalidade do ser humano (...). Isso quer
dizer que a dignidade humana estaria baseada na própria
natureza da espécie humana...” (2012:172). E a questão ética,
por sua vez, diz respeito a essa relação com a condição
reflexiva como juízo de valores que brotam da subjetividade
humana, tornando o próprio homem capaz de fazer a relação
das atitudes morais com sua capacidade de pensar sobre si
mesmo e sobre os outros.
Ao profissional da saúde foi dada essa atitude de reler
a própria vida humana e fazer valer o princípio da justiça
respeitando de forma equitativa o outro, tendo em vista os
direitos e os deveres a serem cumpridos e vividos numa
escalada socializadora. “Desse modo, a sociabilidade do ser
humano funda-se em dignidade. A pessoa humana advém na
comunidade humana.” (Ibid, Ibidem).
Contudo, o pensar e o agir ético dos profissionais da
saúde têm impacto social fundante na dimensão dos direitos
humanos, respeitando o utente como cidadão fazendo-os
perceber o valor de sua dignidade e de sua cidadania já que
tudo está interligado no exercício da plenitude dos direitos
garantindo sua existência física, cultural, social e política pelo
tamanho da responsabilidade que a todos atinge.
Por direitos humanos “compreende um sistema de
saber e um sistema de ação que buscam integrar a tradição dos
direitos subjetivos com os mais recentes direitos sociais.”
(Junior e Ayres, 2003:63). Por isso, ter consciência dos direitos
sociais é também ter consciência dos direitos subjetivos por
estarem eles ligados à liberdade de ação do indivíduo como
sendo aqueles que “estabelecem os limites no interior dos
quais um sujeito está justificado a empregar livremente a sua
220
vontade. E eles definem liberdade de ação iguais para todos
os indivíduos ou pessoas jurídicas, tidas como portadoras de
direitos.” (Habermas, 1997). Eis a consciência que deve ter
um profissional da saúde pelo tamanho dos desafios que
enfrenta. Saber discernir os direitos humanos voltados ao
utente que, estando fragilizado pela doença, requer cuidado,
apoio e confiança do profissional. Então, a ética passa a ter
primazia nesse sentido.
Contudo, a dimensão ética em saúde estabelece uma
centralidade do agir ético-humanístico do profissional que
tem tudo a ver com sua condição humana de lutar em prol
dos direitos e da dignidade humana por está intrinsecamente
ligado ao ser humano em suas situações-limite referentes à
doença e a saúde.
As implicações éticas dos direitos humanos e da
dignidade humana significam ter-se respeito pela vida,
incluindo a prática da justiça, da tolerância, do cuidado e da
ajuda como fatores de solidariedade. Tudo isso acaba por ser
o resultado de um processo formativo eficiente e de políticas
públicas voltadas para o homem.

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