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BIOÉTICA E SAÚDE
PÚBLICA NO NORDESTE
BRASILEIRO:
DILEMAS E PERSPECTIVAS
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DIREÇÃO EDITORIAL: Willames Frank
DIAGRAMAÇÃO: Willames Frank
DESIGNER DE CAPA: Willames Frank
S245p
NASCIMENTO. Ermano,
ISBN: 978-65-87637-72-5
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ERMANO RODRIGUES
BIOÉTICA E SAÚDE
PÚBLICA NO NORDESTE
BRASILEIRO:
DILEMAS E PERSPECTIVAS
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Direção Editorial
Willames Frank da Silva Nascimento
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ABREVIATURAS
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ENADE – Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
ESF – Estratégia Saúde da Família
FAMEMA – Faculdade de Medicina de Marília
GT – Gerente de Território
IBGE – Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística
IDEB – Índice de desenvolvimento da Educação
Básica
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IFET – Instituto Federal de Ciência, Educação e
Tecnologia
Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB – Lei de Deretrizes de Base
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
MAIS – Movimento de Aprendizagens Interativas
MCS – Meios de Comunicação Social
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MGF – Mutilação Genital Feminina
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
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MS – Ministério da Saúde
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONGs – Organizações Não-Governamentais
OP – Orçamento Participativo
PAISE – Projeto de Assistência Integral à Saúde do
Escolar
PBE – Programa Bolsa Escola
PBC – Benefício Assistência de Prestação
Continuada
PBS – Programa Brasil Sorridente
PCSE – Projeto Cesta Saúde Escolar
PDE – Plano de Desenvolvimento Escolar
PDR – Plano Diretor de Regionalização
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil
PFZ – Projeto Fome Zero
PIB – Produto Interno Bruto
PMA II – Produção Mensal de Atendimento
PNSE – Programa Nacional de Saúde Escolar
PNTE – Programa Nacional de Transporte Escolar
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PSF – Programa Saúde da Família
PROUNI – Programa Universidade para Todos
RMR – Região Metropolitana do Recife
RPA – Regiões Político-Administrativas
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SESAN – Secretaria de Saneamento
SUS – Sistema Único de Saúde
THD – Técnico de Higiene Dentária
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................12
Anderson de Alencar Menezes
INTRODUÇÃO ...................................................................... 16
NORDESTE BRASILEIRO: CARACTERÍSTICAS
SOCIOCULTURAIS ............................................................. 26
1.1 A cultura nordestina: o patrimônio familiar do povo 27
1.2 Cultura, saúde e doença: crenças e comportamentos36
1.3 Religião e saúde: os caminhos que curam.................... 44
A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO NORDESTE
BRASILEIRO .......................................................................... 70
2.1 A educação no Nordeste: trajetos e percursos............ 71
2.2 Escola e formação da consciência crítica e
democrática............................................................................. 77
2.3 A dimensão ecológica da educação: cidadania e
práticas de saúde .................................................................... 93
ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO NORDESTE
BRASILEIRO ........................................................................ 101
3.1 Políticas locais de saúde: realidades e desafios ........ 104
3.2 Educação e saúde: que integração? ............................. 145
3.3 Os cuidadores informais como mediadores .............. 150
3.4 Da ética utilitária à ética do cuidado ........................... 157
3.5 Ética de assistência e políticas da mediação: uma
leitura crítica ......................................................................... 166
3.6 Pensar a ética no cuidar ................................................ 175
11
FORMAÇÃO EM SAÚDE: POLÍTICAS
E ATORES ............................................................................. 187
4.1 Que atores se colocam em jogo? ................................ 190
4.2 Formação científica e ética dos profissionais de saúde
200
4.3 Da formação em exercício à capacidade de
intervenção ........................................................................... 211
4.4 O cuidado como fruto de hominização .................... 214
REFERÊNCIAS ................................................................... 222
12
APRESENTAÇÃO
14
contexto da saúde pública do Nordeste Brasileiro tão
esquecido pelos poderes públicos.
A obra de Ermano Rodrigues é marcadamente uma
obra para a posteridade, pois no seu bojo apresenta a
implacável defesa da vida no Planeta. Toda a vida tem direito
de ser vivida em sua plenitude. É o desejo de Ermano que se
materializa em obra tão especular e sublime.
Com apreço,
15
INTRODUÇÃO
23
Finalmente, tentamos construir respostas a uma
dúvida que formulamos: o sentido e o significado das
preocupações éticas e a sua incorporação nas práticas
assistenciais. Desejamos, no entanto, que esse trabalho possa
ser o começo de uma série de outros trabalhos a serem
desenvolvidos a partir deste pendor crítico, que possam
contribuir para o conhecimento humano e para a dignificação
e bem-estar das gerações futuras.
Um dos pressupostos deste estudo é que a saúde
depende também de outras políticas sociais. Formulamos o
desejo que os desafios hoje encontrados no Nordeste
Brasileiro possam ser solucionados com políticas públicas
viáveis como saneamento básico, habitação, alimentação,
educação básica eficiente com atividades que motivem os
estudantes e as pessoas em geral, pela busca do conhecimento,
gosto pelo estudo e pesquisa. Só é possível haver promoção
humana na educação e na saúde se houver vontade política e
empenho das famílias no processo de conscientização
permanente para a vida cidadã. Estes e outros estudos
poderão contribuir para identificar estratégias que clareiem as
ações pessoais e coletivas; que formem e habilitem
profissionais e cidadãos para lidar com os novos desafios.
Saber ouvir, observar, compreender a realidade e aceder à
informação que permita efetuar uma prática eficiente tanto na
educação quanto na saúde, são requisitos para toda a iniciativa
consistente (Cf. Loureiro e Miranda, 2010:269).
Contudo, não podemos esquecer que uma parte
significativa do sucesso das políticas sociais depende dos
envolvimentos dos políticos, da sua experiência e da sua
vontade de estar junto e ajudar as populações. Não sendo
24
possível a construção de uma sociedade igualitária, sabemos
que é possível contribuir para uma sociedade equitativamente
estruturada, solidária e sem tantos constrangimentos na
distribuição de recursos sem violência. Temos consciência
que muitas questões levantadas podem apenas ter relevância
a nível local, sem possibilidade de proceder a generalizações.
A Educação e a Saúde são dois pilares que sustentam
a organização e a estrutura de uma sociedade desenvolvida; a
ética pode valorizar e credibilizar estas duas realidades sociais,
no sentido da integração, da inclusão e da dignificação do ser
humano.
25
NORDESTE BRASILEIRO:
CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS
37
Hoje, o Brasil atinge a cifra de 192 milhões de
habitantes. O Nordeste já possui um total de 52 milhões de
habitantes, o que é muito significativo para uma região onde
a renda per capita em 2005 era de R$ 5.498,00.
A esperança média de vida ao nascer no País era, em
2008, de 73,0 anos de idade, segundo a Síntese de Indicadores
Sociais, divulgada (...) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Entre 1998 e 2008, esse indicador cresceu
3,3 anos, com as mulheres em situação bem mais favorável
que a dos homens (aumento de 73,6 anos para 76,8 anos, no
caso das mulheres, e 65,9 para 69,3 anos, para os homens)
(http//www.estadao.com.br).
No Brasil há uma grande concentração da riqueza
gerando considerável desigualdade social e como resultado,
afeta, principalmente, a qualidade de vida de sua população
com aumento das doenças. Entretanto, um dos maiores
problemas estava na mortalidade infantil, que tem sido
combatida pela sociedade desde a década de 80 onde a
presença dos agentes de saúde é considerada de suma
importância. Como este caso está a luta pela redução ou o
controle de muitas outras epidemias comuns em crianças, ou
seja, a dengue e, consequentemente ao mosquito transmissor
Aedes Aegypt e a leptospirose na cidade do Recife por questões
de educação e de saúde pública. A Região Metropolitana do
Recife em 2008 tinha uma população de três milhões de
habitantes, atualmente são aproximadamente três milhões e
setecentos mil habitantes e 34% vivem na miséria e na
pobreza. Diante dessa realidade, temos outro desafio, pois,
existe uma carência de profissional da saúde como médicos,
enfermeiros e agentes de saúde da família como também
38
existe uma falta de qualificação na maioria dos agentes que
estão atuando hoje.
A atuação do SUS na região Nordeste tem problemas
de investimentos atingindo as urgências dos grandes hospitais
faltam remédios, leitos, profissionais de várias especialidades
e nos hospitais de pequeno porte o drama é mais grave.
Faltam valores humanizadores e sensibilidade política no trato
às questões de saúde pública e no cuidado para com os
utentes. Essa falta de condições dignas na saúde reflete na
sociedade, na atuação profissional dos agentes de saúde
ferindo a dimensão ético-social. Os projetos não avançam
para a solução dos problemas com investimentos adequados
e suficientes para minimizar os desafios existentes acarretando
a falta de segurança, conforto e eficiência. Enquanto isso, são
elaboradas propostas que não se concretizam como salienta
Mendes comentando os sistemas de serviço de saúde bem
elaborados e com objetivos a serem cumpridos, mas que na
prática não são viabilizados.
43
1.3 Religião e saúde: os caminhos que curam
48
podem assim afirmar e serem entendidos como um processo
terápico, pois,
57
E porque a alienação é a manifestação inicial da consciência,
ideologia será possível: as ideias serão tomadas como
anteriores à práxis, como superiores e exteriores a ela, como
um poder espiritual autônomo que comanda a ação material
dos homens” (1990:65). Segundo, Rubem Alves, em Marx a
alienação tem um primeiro sentido a partir de um mundo
onde as coisas são complexas,
(...) porque a natureza humana alienada não é
gerada por si mesma. A consciência é dialética.
Ela vem a existir em relação com o mundo, a
sociedade, a história que a cerca. Por isto as
ideias não são simplesmente entidades
psíquicas. Elas refletem as relações sociais que
determinam a consciência. Esta é assim um
espelho, frequentemente invertido, do mundo
que a condiciona. (1988:75-76).
60
humanamente fundamentada num modo de vida digno e
coerente.
A corrupção nega o princípio de honestidade, o
cumprimento do dever, a fidelidade à palavra dada ou à
promessa feita. Era a partir de uma simplicidade das relações
e do cuidar humano que se construíam convicções sociais
num modo de vida estruturante e estruturador do homem e
do cidadão confiável e confiante aos olhos da sociedade. Essa
valorização das ações humanas formou uma consciência do
cuidar que se sedimentou e se fortaleceu na própria visão
feminina. A mulher era vista como aquela que preservava e
fortalecia moralmente as experiências humanas na formação
básica do filho e da filha e, assim, passavam os valores do
cuidado como uma atitude humana que permitia aglutinar a
diversidade de valores. Para Piaget, o desenvolvimento
intelectual e do juízo moral da criança se desenvolve a partir
de quatro aspectos básicos: a anomia, a heteronomia, a
socionomia e a autonomia. Nesse sentido a mulher exercia
maior influência nas crianças por estar mais diretamente ligada
ao crescimento e desenvolvimento da mesma. O cuidado
materno sobressaía. O princípio da ética do cuidado estaria
mais bem desenhado nesse contexto já que “o
desenvolvimento moral é o desenvolvimento da captação
cognitiva para fazer juízos morais” (Ferrer, 2005:259).
Segundo Lawrence Kohlberg apud Ferrer, “o
desenvolvimento moral fundamenta-se, essencialmente, no
desenvolvimento intelectual” (Ibid., p. 260). É preciso que se
adquira uma maturidade moral na construção de “juízos
morais universais e imparciais” (Ibid, ibidem) já que a ética do
cuidado requer prudência e cautela, firmeza e solidez para,
61
assim, manter o espírito leal diante das estruturas sociais que
o cercam. Virgínia Woolf, apud Ferrer, refere que “os valores
das mulheres diferem muitas vezes dos valores que foram
elaborados pelo sexo oposto”. Entretanto, “os valores
masculinos são os que prevalecem” (Ibid., p. 264). Ainda vale
ressaltar que os universos masculinos e femininos são
divergentes e é por isso que “as mulheres articulam sua
sensibilidade moral numa voz diferente, porém, não inferior
à dos homens, mas que é igualmente válida” (Ibid, Ibidem). É
exatamente nesse contexto que se pode dizer que “enquanto
os homens falam na linguagem impessoal da justiça, as
mulheres falam no idioma pessoal do cuidado e no contexto
das relações” (Ibid, p. 265) Que influências a globalização
exerce na relação homem e mulher diante de tantas
mudanças? Como a questão ética é contemplada?
Ao fazer esse recorte sobre a formação ética do
indivíduo e ao destacar as éticas do cuidado como tendo suas
bases direcionadas com certa preponderância à dimensão
feminina, quer-se mostrar o inverso de que muitas atitudes
éticas urgem mediante o processo formativo do ser humano.
Este tem sofrido profundas influências de uma concepção
negativa da axiologia humana influenciando, quiçá, numa
mudança, até certo ponto, radical na concepção da realidade
das relações e convicções pessoais e sociais, relativizando o
próprio sentido da pessoa humana tornando-a um mero
objeto de satisfações inesgotáveis.
No Nordeste onde se luta tanto por uma igualdade ou
equidade de direitos e de deveres entre homens e mulheres,
tem sido uma verdadeira contenda, pois parece não haver
compreensão da terminologia em discussão; Jacques Derrida
62
salienta que “a equidade não é igualdade” (2003:36). Não se
tem um denominador comum, mas a dimensão feminina do
cuidado no sentido do cuidar ético e do cuidar moral ainda é
bem presente, pois essa relação se estabelece entre “a pessoa
que cuida e a pessoa que é cuidada” (Ibid., p. 267). É pela
condição dos sentimentos humanos que prevalece a visão
feminina como a condição primeira para que haja
afetivamente a passagem de sentimentos e de valores ético-
morais na formação básica do indivíduo, naturalmente
quebrada pela globalização.
Todavia, o principal questionamento que fazemos é
saber como o processo de mudanças do mundo globalizado
chegou a mudar os costumes familiares. Em que o mundo
atual globalizado tem sido a causa-morte de tantos valores
humanísticos? A convivência humana tem sofrido perdas
significativas com o isolamento dos indivíduos, com a falta de
cuidado, de respeito e sensibilidade pelo outro e nas famílias.
Onde está o porquê dessa inversão? A cultura nordestina tem
resistido bastante a essa situação. Até quando isso é possível?
O mecanismo de aculturação econômico e ideológico tem
sido mais convincente. Por quê? Será que uma ética do
cuidado nesse sentido aproxima as pessoas entre si e as
humaniza? Será que as influências que chegam ao homem na
sua simplicidade de senso comum ou ao intelectual marcado
pelas mudanças e transformações que os conhecimentos
teóricos, científicos e técnicos do mundo das inovações e dos
avanços da civilização hodierna afetam o comportamento
ético-moral?
Será que a visão globalizadora da cultura tem sido um
instrumento de fortalecimento da economia com a ascensão
63
do turismo no mundo com o intuito de aproximar as pessoas
enquanto sujeitos meramente de consumo? Nas grandes
cidades, o homem não consegue viver mais sem o ritmo
acelerado da vida urbana, enquanto o homem do campo leva
tempo a se perceber dentro desse novo ritmo de vida ou
podemos até afirmar que em sua maioria não consegue entrar
no ritmo de uma vida agitada e a se acostumar com tantas
invenções e inovações. Isso não significa dizer que não há
perdas culturais, pois as mesmas acontecem noutro sentido,
ou seja, de uma ética tradicional em confronto com uma ética
utilitária, gerando impactos nas relações familiares e na vida
da cidade que não consegue fazer distinção da realidade, mas
abala a estrutura social e o sentido de bem comum ou, mesmo,
uma ética pautada no sentido de uma assistência mais
humanística. Esse não é mais um dos grandes desafios, hoje?
Para manter o verdadeiro espírito ético no que diz
respeito às identidades pessoais na cultura, tenta-se alimentar
a relação do cuidado humano como necessária à preservação
dos valores básicos morais de integridade que una o ser
humano num espírito de mais solidariedade. Do contrário, os
homens não se entendendo passam a se autodestruir como
também a destruir os demais como acontece na atualidade?
Principalmente, pelo desencadeamento de uma violência
desenfreada? Essa realidade mostra quanto a sociedade
nordestina tem perdido valores e deixando de cuidar,
principalmente do direito à vida. Consequentemente, tem-se
um acréscimo de acidentes, de mais violência sobre o
indivíduo sobrecarregando o trabalho dos profissionais da
saúde que, em sua labuta diária, não conseguem dar conta.
64
Doutra maneira, percebemos que nos lares já está
presente a relativização e perdas que lhes têm custado e
causado tantas dores e sofrimentos entre os próprios
familiares pela falta do aconchego, do zelo, do tratar bem do
outro, com carinho, dedicação e afeição. Atualmente, o que
mais ocorre é uma espécie de descaso, de abandono do outro,
pelo outro e para com o outro. Portanto, questionamos como
esse novo jeito de ser frio e calculista não fere o ser humano
eticamente? Será que de tudo isso despontará uma nova ética
do cuidar? Será possível haver, num futuro próximo, mais
entendimento entre as novas gerações ética e moralmente?
Quando o outro não será visto como um inimigo, mas como
um amigo? Será que temos de afirmar como Sartre “o inferno
são os outros?”.
A vida se tornou mais privada e fechada em si mesma,
então, de onde desabrochará um novo sentimento no
homem? Pela própria dinâmica da história, poderemos
acreditar que o homem a compreenderá e criará um novo
modelo de vida social? E, como os profissionais da saúde e da
educação veem tal contexto? Que impactos causam à sua
profissão? Parece que nenhuma sociedade que esteja
passando por esse ataque opressor da globalização econômica
e ideológica esteja preparada para romper e superar tanta
imposição nos valores já existentes em cada cultura.
O fenômeno da globalização vem conseguindo
despertar e fomentar o consumismo na cultura nordestina. Há
uma obsessão pela moda. É um exemplo significativo. Como
a sociedade se torna cada vez mais vulnerável a aceitar as
coisas sem antes passar pelo crivo da consciência crítica. As
famílias nordestinas têm sido as mais atingidas com todos
65
esses impactos culturais. É como uma grande avalanche que
chega de repente e não se dar o devido tempo de se precaver,
logo, se é tomado repentinamente por toda enxurrada de
“novos valores” que inebria a todos.
Acreditamos que não haverá uma nova aurora se não
houver senso de responsabilidade social por meio de uma
ética que renove as atitudes e os princípios de justiça, de
virtude, de entrega, de solidariedade, de compreensão e de
alteridade. Para que haja integridade e harmonia dos valores
numa sociedade não se pode colocar a ordem jurídica acima
da ordem moral.
O homem não precisa de muitas regras para viver sua
dignidade. A nossa ordem jurídica está passando por cima da
ordem moral e como consequência toda ação humana passa a
ser normatizada por convenções que delimitam os passos do
cidadão de forma exacerbada. Falta controle da situação moral
da sociedade. A lei simplesmente é imposta de forma
heterônoma e a sociedade reage tentando burlá-la. A lei,
assim, se descaracteriza e perde o seu valor e seu respeito.
Quando a sociedade retomar o sentido da educação a
nível familiar, escolar e na sociedade, certamente, as crises
pessoal e existencial serão minimizadas. Uma educação de
qualidade fortalece ou não subjetivamente a compreensão de
si mesmo e do outro resgatando ou reformulando conceitos
sobre o homem e, consequentemente, sobre uma visão mais
humanística da vida?
Se há uma desvalorização das ações humanas advindas
pela perda do sentimento de respeito, de responsabilidade, de
bondade, de solidariedade, então, como superar essa atitude
de maquinar o mal em detrimento de bem? Sensibilizar-se
66
pelo sofrimento alheio e ser capaz de colaborar na solução e
cura dos males, também não significa superação de limites?
Agridem-se mais do que se ajuda.
Como resgatar uma nova visão da ética do cuidado
humano? Se no mundo do trabalho falta colaboração,
amizade e solidariedade; pelo contrário, existe uma grande
concorrência e com isso se procura derrubar o outro. Há uma
síndrome da perseguição. O outro é visto como um degrau
onde se pisa para subir mais um no status social. Segundo Dias
em sua obra “Quem ama não adoece”, trata-se de situações
que o mundo do trabalho desencadeou no indivíduo,
principalmente, pelo estresse e que o conduz até a loucura, ou
seja, “o estresse ocupacional é dos mais emblemáticos de
nossa época e nossa civilização ocidental” (1998:310).
Na realidade brasileira a sobrecarga de estresse gera
depressão, ansiedade, desprezo e suicídio com mais
frequência, por isso que Dias reafirma sua convicção de que
“O ser humano saudável e livre, em princípio, de doenças é
aquele que se aproxima o mais possível do estado de
crescimento, aceitação e desenvolvimento íntimo que lhe
permite adotar, de fato e não apenas para consumo externo
um padrão de comportamento” (Dias, 1998, 365-366). A
constatação dos graves e sérios descasos no trato ao ser
humano na saúde pública tem conduzido a sociedade a uma
sequência de manifestações contestatórias exigindo melhores
condições, principalmente, na saúde e na educação e uma
maior postura ética dos gestores e profissionais em geral.
O fenômeno da globalização trouxe à cultura
nordestina entraves nas relações interpessoais, com o
distanciamento entre as pessoas e a imposição de
67
determinados padrões sociais através da mídia e das empresas
de grande porte. Indiferença e frieza nas relações humanas
criam impactos nos costumes e nos hábitos morais. A perda
do contato, do calor humano e da boa vizinhança agrava-se
cada vez mais numa sociedade que privilegia o sentido de
mundos isolados: o mundo da escola, o mundo do trabalho,
o mundo da religião entre outros.
O isolacionismo segundo o qual cada um cuida de si
mesmo, nega o sentido de acolhida entre os indivíduos e as
famílias nordestinas. Não é condição do homem viver só, mas
para a sociabilidade humana como exercício da sua liberdade.
Segundo Penzo, “o homem é, antes de tudo, liberdade, e o
horizonte autêntico da liberdade não pode ser captado
mediante o puro conhecer, (...) torna-se consciente não mais
de seu poder sobre as coisas que o circundam, mas sim de seu
não-poder” (1998:14-15). O homem é um ser para os demais.
Um ser que cuida.
O cuidado é uma ação contínua livremente expressa
pela condição humana da sua natureza livre, capaz de se
manifestar nas condições mais dramáticas e desumanas como
em situações ou momentos mais simples de atitudes solidárias
que às vezes rompem essa barreira do egoísmo. São sinais
pontuados que determinam momentos da existência do ser
humano como ser ético.
O ser humano é um potencial em si mesmo de onde
brota sentimentos de verdade, justiça, solidariedade e
alteridade como princípios éticos que caracterizam a condição
humana como fruto de sua liberdade. Viver dignamente faz
parte do ser pessoa que o impulsione a viver de maneira ética
a própria vida. Por isso que uma crítica à globalização
68
econômica, não pode ser o determinante nem suplantar a
existência humana diante da exploração do homem pelo
homem.
69
A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO NORDESTE
BRASILEIRO
70
2.1 A educação no Nordeste: trajetos e percursos
71
pelos padres jesuítas, os mesmos foram expulsos pelo
Marquês de Pombal que naquele momento era Ministro de
Dom José I o que levou à paralisação dos colégios, missões,
seminários menores e escolas elementares. A educação
brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica
num processo já implantado e consolidado como modelo
educacional. Se os padres jesuítas tinham como objetivo servir
aos interesses da fé, a reforma pombalina buscava a escola
com o objetivo de servir aos interesses do Estado o que
acarretou um grande prejuízo para a educação brasileira.
Contava-se com professores mal preparados visto que eram
nomeados por indicação o que lhes davam o título de
proprietários vitalícios de suas aulas régias, perfazendo
salários muito inferiores.
Desse período tão conturbado, sobressaiu a criação de
um curso de estudos literários e teológicos, no Rio de Janeiro
e também o Seminário de Olinda, Pernambuco. Portanto, essa
situação só foi amenizada com a chegada da Família Real ao
Brasil em 1808 e o que se viu foi uma nova ruptura com a
situação anterior.2
Devemos levar em consideração que no Período
Colonial, foram os padres jesuítas que transportaram a
tradição clássico-humanista da educação do velho mundo
tendo seu percurso marcado até o Ato Adicional de 1834.
Essa influência primeira está marcada pelo pensamento
político e pedagógico dos enciclopedistas franceses. Por outro
lado, com a chegada de Dom João VI, o ensino secundário
2(Cf.http://www.adonaimedrado.pro.br/principal/index.php?option=co
m_content&view=article&id=56&Itemid=97).
72
sofreu um declínio na sua função formativa passando a ter
uma função meramente propedêutica, mudando somente
quando da primeira Constituição republicana, em 1889.
Entretanto, foi com Benjamin Constant que se fez uma
reforma do ensino primário e secundário com a influência do
positivismo de Augusto Comte na tentativa de reaver o
sentido formativo da educação, mas que só foi conseguido
parcialmente.
Com a deflagração da primeira guerra mundial, em
1914, o Brasil recebeu várias novas ideias advindas de
correntes políticas, culturais e pedagógicas atingindo seu
clímax com a Revolução de 30 com a criação do Ministério da
Educação e Saúde. Daí se deu a chamada Reforma de
Francisco Campos assumindo proporção nacional e dando
ênfase a necessidade da formação de professores secundários
e de cultura geral. Foi a partir desse momento que o ensino
secundário teve sua estrutura distribuída em sete séries, sendo
duas propedêuticas e cinco de estudo básico.
Em 1934 surgiu no Brasil o movimento Escola Nova,
dividindo em duas facções a política educacional brasileira, ou
seja, de um lado os reformistas a partir das teorias de Dewey,
Claparède e Durkhein; de outro, os espiritualistas e cristãos
tentando conciliar o novo método com os ideais do
catolicismo contra a laicização do ensino. No entanto, foi o
advento do Estado Novo, com a Constituição de 1937 que se
definiu somente ‘à União caberia traçar as diretrizes da
educação em todo o país e fixar o plano nacional de educação’,
e que ‘aos Estados competiria organizar e manter os seus
sistemas educacionais’ (Cf. Jardim et al., 1987:14-15). Mas, é
em 1941 que o ministro Capanema através da lei Orgânica do
73
Ensino Industrial, projetando a educação técnico-profissional
implantou escolas em todo território nacional.
Em 1942, o ensino secundário sofreu uma grande
reforma. O objetivo era formar integralmente a personalidade
dos educandos. A reforma consistiu em dois ciclos: o ginasial,
em quatro anos e comum a todos, e o colegial, subdividido
em clássico, destinado aos adolescentes chamados à formação
clássica ou humanística, e o científico, para atender à
formação científica e realística. Em 1946 a Constituição
restabeleceu o regime democrático no país resgatando alguns
princípios sobre a educação como: ‘a educação como direito
de todos, a escola primária obrigatória, a assistência aos
estudantes e a gratuidade do ensino oficial para todos ao nível
primário e, aos níveis ulteriores, para quantos provassem falta
ou insuficiência de meios’; e, restabeleceu também como regra
‘o ensino ministrado pelos poderes públicos’, embora livre à
iniciativa particular, dentro dos limites da lei’ (Cf. Piletti,
1995:187).
Nos anos cinquenta, procurou-se dar uma
diferenciação total entre o ensino secundário e o técnico: o
primeiro, inflexível e acadêmico; o segundo, utilitário. Neste
período, o ensino primário evoluiu qualitativamente muito
mais e muito mais cedo que o ensino médio. Destacaram-se
nesse momento, a existência de escolas de formação de
professores nas maiores cidades, a vinculação às
administrações estaduais e a relativa liberdade de suas escolas.
Entretanto, com a influência das ‘classes nouvelles’ do sistema
educacional francês, em 1957, tomou vulto as chamadas
‘classes experimentais’ no Brasil, passando as escolas a ter um
74
espírito de maior iniciativa e preocupação com suas
liberdades.
Um grande marco da educação brasileira se deu
quando da sancionada Lei de Diretrizes de Base da Educação
Nacional em 20 de dezembro de 1961, e entendidos os seus
termos como ‘diretriz’, uma linha de orientação, direção geral
a seguir e ‘base’, o fundamento, o alicerce sobre o qual se
ergue toda a estrutura educacional. Contudo, somente, em
1968, com a promulgação da Lei 5.540, que fixou as normas
de organização e funcionamento do ensino superior e sua
articulação com a escola média, novos rumos começaram a
ser acenados para a educação de nível colegial. E, em 1971 a
Lei 5.692 estabeleceu o objetivo geral para o ensino de 1º e 2º
graus: Proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de
autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o
exercício consciente da cidadania. (Cf. Piletti, 1995, p. 15-18).
No Brasil, também, houve uma preocupação e um
incentivo considerável por parte do Governo Federal através
do Ministério da Educação com os movimentos de educação
popular de 1946 até 1964, iniciando com a Campanha de
Educação de Adultos em 1947 até 1950 obtendo bons
resultados. Merece ainda destaque o Movimento de Educação
de Base (MEB) articulado pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), a partir de duas experiências de
“educação radiofônica” realizadas no Nordeste pelas dioceses
de Natal (capital do Estado do Rio Grande do Norte) e de
Aracaju (capital do Estado de Sergipe). Planejado para cinco
anos (1961-1965), o MEB previa a instalação de 15.000
escolas radiofônicas no primeiro ano. Envolvia a participação
75
de funcionários federais e a cooperação de diferentes órgãos
do Governo Federal. O terceiro movimento, o Programa
Nacional de Alfabetização. A estruturação do Programa teve
início em 1963 e, somente em janeiro de 1964 teve início
oficialmente. O Programa ‘convocaria e utilizaria a
cooperação e os serviços de agremiações estudantis e
profissionais, associações esportivas, sociedades de bairro e
municipalistas, entidades religiosas, organizações civis e
militares, associações patronais, empresas privadas, órgãos de
difusão, o magistério e todos os sectores mobilizáveis’ (Art.
4º do Decreto nº 53465, de 21 de janeiro de 1964) (Cf. Piletti,
1995:192-194).
A alfabetização de adultos se faria mediante o uso do
Sistema Paulo Freire. O próprio Paulo Freire foi nomeado
para as funções de coordenador do Programa Nacional de
Alfabetização. Sua experiência falaria mais alta, porque em
1961, seu método já praticamente estruturado foi posto em
prática no Recife. Em 1962, estendeu-se a João Pessoa (capital
do estado da Paraíba) e a Natal (capital do estado do Rio
Grande do Norte), onde se desenvolveu a campanha “De pé
no chão também se aprende a ler”. Embora, a experiência que
deu divulgação nacional ao novo método foi realizada em
Angicos, no Rio Grande do Norte, cujo encerramento contou
com a presença do Presidente da República. Entretanto, no
dia 1º de abril de 1964, os militares tomaram o poder, o
Programa foi extinto e seus organizadores, acusados de
subversão, foram presos e exilados (Ibid, p. 194).
É bom salientar que no período da ditadura militar
nos anos de 1965 a 1984 a educação de jovens e adultos
passou a ser monitorada pelo próprio governo através do
76
projeto Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e
propunha a alfabetização funcional visando conduzir a
pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo
como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo
melhores condições de vida. Tinha também o objetivo de
proporcionar alfabetização e letramento a pessoas acima da
idade escolar convencional. A recessão econômica iniciada
nos anos 80 inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que
demandava altos recursos para se manter.3
Atualmente, o ensino básico no Brasil sofreu mais
uma mudança com um período escolar que vai do ensino
fundamental I e II passando de oito anos para nove anos a
partir de 2009.
3http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Brasileiro_de_Alfabetiza%C
77
uma sistemática de conteúdo a partir de uma estrutura
dialógica entre o professor, o aluno e a realidade ou o
quotidiano em que está inserido o próprio aluno. Uma
“Educação para a Liberdade” ou uma “Pedagogia do
Oprimido” como diz o próprio Paulo Freire, com o
despertar da consciência, conduzindo-a a criticidade do
pensamento para viver a praticidade do cotidiano. Nesse
processo torna-se fundamental o conhecimento empírico
essencialmente baseado na vida e, assim fazer com que o
próprio aluno sinta-se e perceba-se agente e construtor do
conhecimento e da própria história a partir de uma concepção
problematizadora onde o aluno “é o sujeito que se deve
autoconfigurar responsavelmente” (1987:9).
Em sua primeira experiência de alfabetização de
adultos, Paulo Freire, conseguiu em um mês alfabetizar 400
homens na cidade interiorana do Rio Grande do Norte,
denominada de Angico. Nesse processo acreditava Paulo
Freire que era possível haver uma transformação radical no
sujeito e em sua consciência, pois se deve levar em
consideração que “não há homem absolutamente inculto: o
homem “hominiza-se” expressando, dizendo o seu mundo.
Aí começa a história e o seu mundo”. (Ibid. p.19). Sendo
assim, a tomada de consciência do mundo conduz a uma
tomada de consciência da visão de poder existente. Sendo a
sociedade gerida por uma democracia representativa e tendo
o voto um grande valor nesse sistema de governo, esse
homem estando inserido nesta realidade começa a ter uma
nova interpretação da mesma, principalmente por ela ter uma
ideologia capitalista segundo a qual a visão de homem se dá a
partir da exploração do próprio homem. Essa consciência
78
começa a responder ao mesmo tempo em que se dá a
experiência da expressão do exercício de sua liberdade ao
participar da experiência da responsabilidade do voto. Então,
o homem busca encontrar-se nesse mundo e, para que isso
aconteça, é preciso “dar ao homem a oportunidade de re-
descobrir-se através da retomada reflexiva do próprio
processo em que vai ele se descobrindo, manifestando e
configurando – ”método de conscientização“ (Ibid. p. 15).
Contudo, a educação, como prática da liberdade,
ressalta Lenise do Prado, “é revelada na convivência coletiva
e, como tal, precisa desenvolver competência profissional
para intervir na realidade com autonomia e resolutividade,
respeitando as regras democráticas” (2007:531). Nesse
processo formativo é possível desenvolver uma consciência
crítica mais intelectualizada e democraticamente mais sólida.
Esse processo no Nordeste brasileiro tem sido lento e de
complicações ético-morais pela condição de submissão
político-econômica em que vive o nordestino. Não vemos,
por exemplo, um movimento estudantil aguerrido em
defender os direitos do estudante a partir de um projeto bem
elaborado com propostas claras e viáveis na construção da
cidadania e de uma sociedade mais crítica. Percebemos que há
uma acomodação nas representatividades. É notória uma
formação escolar mais eficiente, voltada para as elites,
enquanto que a maioria da população jovem recebe um ensino
de regular a fraco. A formação escolar está cada vez mais
seletiva e aqui está uma das críticas feitas aos profissionais da
saúde que cada dia mais se fecha em seu mundo estritamente.
A sociedade brasileira passou por uma ditadura
militar, num período de 21 anos, de 1965 a 1986, a qual tirou
79
da escola o papel de conferir autonomia e de exercer um
processo conscientizador cultural e politicamente. Entretanto,
a abertura política surge tímida e controlada, sem muitas
possibilidades de novas condições para repensar a educação e
juntamente com ela a tomada de consciência por parte da
população.
Hoje, 27 anos depois da democratização a democracia
ainda está num processo lento de conscientização,
principalmente nas academias e universidades onde se tem um
número grande de jovens. A princípio parecia que o elã da
abertura começava a vislumbrar uma nova época da
construção da vida democrática e cidadã do país. O processo
de democratização e conscientização política é lento, pois o
descrédito popular leva a uma indiferença política. No Brasil
ainda existe a obrigatoriedade do voto, a não participação leva
o eleitor a uma punição por parte da justiça eleitoral.
Diante de tal contexto, a escola precisa dar mais ênfase
a formação política tendo em vista uma consciência mais
crítica e democrática. Percebemos que há uma perda de
sentido no engajamento sociopolítico, principalmente com
relação aos movimentos sociais. Atualmente o que tem
chamado a atenção são algumas mobilizações que
aconteceram por influência de pessoas que através das redes
sociais convocaram jovens e simpatizantes em defesa de
algumas insatisfações de caráter econômico no meio
estudantil.
A década de oitenta e a década de noventa fluíram
grandes pensadores da educação que levantaram bandeiras
significativas com projetos e proposta de uma educação
libertadora e conscientizadora. Daí, a necessidade da
80
educação sofrer profundas reformas. Veio a reforma
constitucional em 1988 e, em seguida, a reforma educacional
na década de 1990, isto é, a Lei de Diretrizes de Base da
Educação Brasileira (LDB) tendo como revisor principal,
Darcy Ribeiro. Foi ele quem elaborou e fez aprovar no Senado
e enviar à Câmara dos Deputados a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB, sancionada pelo Presidente da
República em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy
Ribeiro.
No Nordeste brasileiro, ainda predomina o maior
número de pessoas analfabetas e semianalfabetas ou os
analfabetos funcionais. A escola pública, principalmente, tem
um nível muito baixo no ensino e pouco interesse por parte
dos professores quanto à qualidade do ensino e dos alunos
pelo estudo. A escola busca simplesmente a escolarização e
não a intelectualização.
82
Há uma grande crítica sobre a mercantilização do
ensino no Brasil, já que o mesmo se tornou uma mercadoria
muito cara. Do lado da gestão pública, a preocupação é
mostrar à sociedade e aos órgãos internacionais o número dos
alunos aprovados no final de cada ano, independente de sua
aprendizagem ou não, porque a regra do jogo é aprovar. E
fica a questão: a escola pública não é a grande responsável pela
má qualidade do ensino? Como são aplicados os recursos do
governo na educação? São suficientes? Os resultados
alcançados contemplam os objetivos de uma educação de
qualidade? Os métodos utilizados trazem resultados
satisfatórios? Qual a principal preocupação do gestor público
para com a educação? O modelo de educação vigente tem
como objetivo a formação da consciência crítica, democrática
e cidadã do aluno? Se esse é o objetivo, então, como acontece?
Qual tem sido a preocupação do governo na formação
permanente do professorado das escolas públicas?
As questões acima são necessárias para que a
discussão e análise desenvolvidas na sociedade com relação ao
processo educativo vigente sirvam como parâmetro ou
medidor das distâncias entre as pessoas e as exigências
impostas pela sociedade. O Ministério criou uma avaliação do
alunado em nível nacional que se denomina ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio) e ENADE (Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes) esse a nível universitário.
Ambos servem para medir o nível de aprendizagem nas duas
fases de ensino no Brasil. Diante disso as escolas, as
faculdades e as universidades têm se empenhado para oferecer
um ensino de qualidade, embora o alunado ainda não tenha
respondido satisfatoriamente a esse processo. Quanto ao
83
ENEM os resultados têm sido satisfatórios, mas quanto às
faculdades e universidades tem deixado a desejar, neste ano o
MEC suspendeu 270 cursos de oferecerem vestibular no
próximo ano letivo.
Quinze cursos de faculdades particulares de
Pernambuco fazem parte da lista dos 270
suspensos pelo Ministério da Educação (MEC)
em todo o Brasil por apresentarem resultados
insatisfatórios. Isso significa que as instituições
de ensino não poderão realizar novos
vestibulares até que melhorem as notas – todas
abaixo de 2 (o máximo é 5). O resultado,
baseado num comparativo dos anos 2009 e
2012, foi divulgado ontem no Diário Oficial da
União. Com a decisão, a expectativa é de um
corte de quase 45 mil vagas no país (Diario de
Pernambuco - Diários Associados
Publicação: 07/12/2013 17:25).
85
consciência conformada, alienada ou um mero paliativo à
sociedade de consumo? Quando a educação será capaz de
despertar no aluno o gosto para aprender e para a tomada de
consciência da realidade, criticamente? Ao mesmo tempo são
criados cursos técnicos profissionalizantes que servem como
“válvula de escape” ou mesmo como um álibi para justificar
as políticas públicas em torno da educação. O reflexo de tudo
isso tem como resultado favorecer o poder, enriquecer e
fortalecer de forma pragmática e taylorista as grandes
empresas. Faltam especialistas nas mais variadas áreas do
conhecimento. O projeto desenvolvimentista do Estado leva
as indústrias a buscarem especialista fora das regiões e do país,
inclusive médicos. Não se tem uma mão de obra qualificada
que atenda a demanda do mercado. Mas, diante dessa
realidade, ainda há outro agravante, ou seja, que motivações a
escola proporciona ao aluno para que ele tome gosto e tenha
vontade de estudar, de ler, de aprender? A sociedade tem seus
mecanismos de atração e distração que entusiasmam as
crianças, adolescentes e jovens. Muitos desses meios criam
certa acomodação e despertam o desinteresse pela escola, pelo
saber, pelo conhecimento.
Charlot, ao analisar a relação com o saber e com a
aprendizagem nos meios populares franceses, destaca alguns
comentários que são pertinentes comparando com a realidade
do Nordeste brasileiro atual onde o número de jovens do
meio popular é muito alto e é a maioria. Por isso, quando
Charlot trata da motivação dos jovens na escola e na
sociedade, ele se expressa assim: “ ‘Outros lugares’ aparece,
sobretudo como um espaço de liberdade, de descoberta do
mundo, de autonomização” (2009:45). Para os adolescentes e
os jovens outros lugares que oferecem maior distração e
diversão se tornam mais importantes e mais agradáveis do que
a própria escola. Eis um grande desafio, fazer com que a
escola seja um ambiente atraente e prazeroso, que o estudar
86
não seja sinônimo de pesadelo, de sacrifício, de tormento, mas
um valor na vida em formação de cada educando. Como será
possível fazer? Como mostrar para o aluno que ele deve
preparar-se para a vida? Que motivações o aluno deve
encontrar na escola, que correspondam aos seus anseios e
desejos? Que o conhecimento não seja um simples fazer de
conta, nem um passatempo. A impressão que se tem é a de
que os responsáveis pela escola e pela educação não se
sensibilizam ou não querem assumir a gravidade e o tamanho
da responsabilidade, que é a educação, numa sociedade
exigente como a nossa.
Por outro lado, não se percebe uma sociedade
mobilizada para lutar por uma educação de qualidade. O
mundo do consumo tem um poder de persuasão das
consciências como uma forma de compensação e de
satisfação ilusória que é capaz de suprir as necessidades, os
anseios e desejos da criança ao adulto. A escola, por sua vez,
é vista como o lugar só de festa e distrações. Existe nas escolas
uma dispersão exacerbada que prejudica a concentração e a
aprendizagem. Segundo Charlot, numa situação como essa, a
relação dos jovens com o saber permite concluir que, na
escola, existe um défice de sentido para eles (Cf. 2009:39).
Existe um contra ponto nessa realidade que parece ser
muito evidente, ou seja, diante desses desafios, qual é a relação
da família com a escola? Que responsabilidade na educação
do indivíduo tem a família? Será que a família motiva e
acompanha com assiduidade monitorando o filho na escola?
Aqui parece haver um grande vácuo nessa relação. O desafio
para a família consiste em estabelecer um diálogo permanente
com a escola e vice-versa. A questão é: esse diálogo ocorre no
dia a dia? Como? Ao redor da família e da escola existe outro
problema que se tornou um grande desafio social, isto é, o
mundo da droga. A escola perdeu o controle desta situação
como a família também, sem contar com a situação constante
87
de “bullyng” que tem crescido muito (atualmente o congresso
brasileiro está aprovando uma lei que responsabiliza a escola,
a ela cabe resolver tal situação). Essa situação tem gerado
desmotivação por parte do professorado em transmitir o
conhecimento, como também, o aluno que não quer
aprender. Então, se tem o seguinte agravante: por um lado à
ausência da escola na vida familiar, de outro a família não
motiva seus filhos para o estudo individual e sua formação
intelectual, na maioria das famílias a motivação é tirar boas
notas. Em muitas escolas públicas se vê um professorado
desmotivado diante do descaso existente por parte dos alunos,
principalmente.
Para Paulo Freire, a questão passa pela motivação de
ambos e só assim é possível ensinar, pois “quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(1998:25). Nessa relação existe um compromisso ético-moral,
porque nessa questão ética da relação, mostra que deve haver
uma simbiose na relação ensino-aprendizagem. Daí surge
outro fator importante que trata do significado do saber e do
aprender. Charlot destaca o significado de ambos da seguinte
forma: “Aprender é apropriar-se de um saber visto enquanto
objeto sem referências às situações ou às atividades através
das quais este objeto foi constituído” (2009:93). Em segundo
lugar, “aprender significa fazer”, no sentido mais lato do
termo e assim ser capaz de dominar uma operação ou um
conjunto de operações” (Ibid., p. 94). Num terceiro
momento, “aprender significa entrar nas formas e nos
dispositivos relacionais e assim ser capaz de dominar os seus
comportamentos e formas de subjetividade, nas suas relações
com os outros e consigo próprio” (Ibid., p. 96). E, finalmente,
“aprender é observar e refletir, relacionar fatos e princípios e
dotar-se, assim de um conjunto de referências que permitem
interpretar “a vida” e “a minha vida” e compreender “as
pessoas” e conhecer-se a si próprio” (Ibid., p. 98).
88
Para a família e a escola, os problemas são
desafiadores na formação do indivíduo diante da evolução
científica atual. Fonseca afirma que “a existência de problemas
explica a própria essência da adaptação do indivíduo ao seu
contexto sociocultural, principalmente quando se trata de
uma civilização científica em evolução contínua” (1998:7).
Contudo, nem sempre a família e a escola se adéquam às
circunstâncias dos jovens, procurando entendê-los. Isso que
acontece na atualidade e essa é uma condição também
desafiadora para o educador que tem uma responsabilidade
social e democrática.
Segundo Paulo Freire, “O educador democrático
não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar
a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão” (1998:28). A escola deve formar o homem
politicamente consciente dos seus direitos e deveres o que
Pedro Demo define como “homem político” (1991:14). E,
homem político, continua Pedro Demo, “é aquele que tem
consciência histórica. (...) Politicamente competente, ou seja,
não se ilude sobre suas limitações; exatamente por causa disso
consegue enfrentá-las. Organiza-se para preservar seus
direitos” (Ibid., p. 15). A dinâmica do aprender precisa ser
entendida pelo aluno e desenvolvida pela escola para que se
faça compreender pela comunidade a que atende e na qual
está inserida. O que não sói acontecer. A escola não é vista e
creditada como o lugar agradável, accessível e de
comprometimento com toda a sociedade de forma
responsável. Não é entendida como o lugar onde o exercício
da vida cidadã começa de forma crítica, já que se trata de uma
sociedade democrática de direitos como é o Brasil.
Diante dessa realidade, podemos dizer que a escola
ainda está longe de chegar a atingir esse espaço privilegiado
da construção do saber e da permuta das experiências feitas
no quotidiano dos seus componentes e onde essa experiência
89
acontece. Não há persistência nem consistência e, se há,
torna-se fato isolado. As prioridades nas escolas não passam
pelas preocupações com a aprendizagem, limitando-se muitas
vezes a diverso. A escola não pode existir sem as pessoas e ela
passa a ser indiferente a essa realidade de que pessoa é gente
que deve cuidar-se, fazer amigos, amar-se, ser solidária umas
com as outras sem perder o ideal e o horizonte do conhecer.
Essa não é a consciência que se tem da escola. O aluno é visto
como aquele que desafia as autoridades e age com violência
para com todos numa atitude de total desrespeito. Ocorre
uma banalização de valores ético-morais e a falta da
consciência do compromisso. A escola não consegue fazer
valer seu código de regras. O aluno não quer cumprir regras.
Não quer dialogar, não se dedica, de fato, ao estudo. Ele age
por conta própria e com indiferença. São atitudes muito
presentes no dia a dia das escolas públicas das grandes cidades
como, por exemplo, a Região Metropolitana do Recife.
Como resgatar valores de honestidade, cordialidade,
simplicidade, solidariedade, respeito, fraternidade, amizade na
relação consigo mesmo e com os outros? Até quando vai
permanecer a escola tendo essas situações? Será possível
mudar de maneira eficiente e eficaz? Será possível haver
mudanças sem ser através da coerção? A escola não sabe
resolver e a sociedade se cansa de esperar. Duas realidades
podem-se destacar nesse contexto, uma referente às escolas
da área rural e pequenas cidades do interior onde o ensino é
de baixa qualidade em termos de aprendizagem, ambientes
com uma infraestrutura muito precária, professor mal
remunerado, no entanto parece paradoxal, o aluno
demonstrar interesse em aprender.
Contextualizando os grandes centros urbanos, as
capitais principalmente, existem muitas escolas privadas. As
escolas privadas oferecem um ensino mais qualificado por
meio de um custo econômico muito alto tendo em vista uma
90
concorrência nas aprovações dos vestibulares das
universidades federais, principalmente, no que se refere aos
cursos “considerados” mais elitizados como medicina, direito
e as engenharias. As escolas públicas têm apresentado muita
defasagem na qualidade do ensino, Segundo, Beatriz Scoz, “A
falta de conhecimentos teóricos consistentes é um dos fatores
que leva as professoras a encontrarem dificuldades para
“criar” estratégias de ensino adequadas aos objetivos traçados,
fazendo-as procurar respostas prontas para suas dúvidas”
(1994:122).
As limitações no ensino, hoje, implica
consequentemente uma revisão do processo educativo-
formativo em que a busca pelo conhecimento tenha, por um
lado, uma acentuação maior à questão ético-moral e, por
outro, uma abordagem social, cultural-intelectual mais
acentuada que, por sua vez, tenha como resultado o indivíduo
conscientemente formado e cientificamente preparado e não
uma sociedade marcada simplesmente por escolarização e
informação que não oferece fundamentos e critérios objetivos
que capacite o cidadão realizar criticamente uma análise sobre
o mundo, a sociedade, e a vida. A sociedade tem sido
indiferente a uma educação dinâmica e crítica. As pessoas se
tornam cada vez mais incapazes de se indignar. Uma
sociedade que diga não à corrupção. Uma educação que
desperte um indivíduo capaz de contestar, de reivindicar
quando for preciso. A indignação faz parte da formação da
consciência crítica numa sociedade democrática de direitos e
de deveres, pois, a
91
militância e ação engajada, visando a
transformar a realidade de opressão. E chega a
atingir as motivações profundas da pessoa e
todo o seu sistema de valores. Ou seja, indignar-
se, além de ser uma forma de sentir, de pensar e
de agir, é também uma forma de crer. (Soares,
1995:31-32).
92
2.3 A dimensão ecológica da educação: cidadania e práticas de
saúde
94
para formar e manter esta comunidade
imaginada. (2004:231-232).
95
estão atendendo às necessidades do cidadão nem atingindo as
metas e/ou resultados esperados causando transtornos e
sofrimento. Por outro lado, parece que não há interesse
explicitamente dos gestores em tomar conhecimento das
dificuldades e dos problemas existentes, pois, é como se
vivêssemos uma indiferença social onde se comprometer com
a causa gera angústia e desespero, então, busca-se fugir da
realidade e busca-se mais o paliativo. Na verdade, os recursos
públicos para a saúde e para a educação orientam-se para a
prestação de assistência médica, previdenciária, direcionada
aos trabalhadores de renda média e baixa renda. Basta
olharmos os seguintes dados:
96
relacionados com a deterioração do meio ambiente e das
condições de vida” (Ibid, Ibidem).
Arruda citando os articulistas do Dossiê do Diário de
Pernambuco, diz: “... o Nordeste é a região mais desigual do
país”; ainda, “... o Nordeste precisa ser alvo de uma
discriminação positiva em relação à política de educação”
(2010:299). Assim, podemos afirmar que a cidadania requer
tomada de conhecimento e de consciência a respeito da vida
e do que é viver, ou seja, o cidadão precisa conhecer seus
direitos e deveres e exercer sua cidadania como fruto de uma
permanente aprendizagem. E tomar consciência também de
que “a vida não está apenas sobre a Terra e ocupa partes da
terra (biosfera). A própria Terra, como um todo, se anuncia
como um organismo vivo” (Boff, 2000: 35).
Essa tomada de consciência tem uma dimensão maior
que vai do local ao regional, do nacional ao mundial e isso se
faz por meio de uma educação comprometida com as
transformações sociais devidas na consciência do cidadão a
partir de uma nova consciência ética e de uma nova ótica
mergulhada na realidade complexa que envolve o mundo em
busca de uma ecologia equilibrada e sustentável.
Neste contexto, Boff fala de uma visão ecocêntrica da
terra onde a esse centro pertence toda a humanidade pelo
estágio de sentimento, de pensamento reflexo, de
responsabilidade e de amortização (Cf. 2003: 20). A partir
desse sentimento pela terra e pela humanidade Boff enfatiza
dizendo:
100
ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO NORDESTE
BRASILEIRO
102
públicas para a saúde e para a educação e tantas outras áreas
da administração pública. Portanto, tratar de políticas para a
saúde e para a educação na saúde nos é questionável, porque
as políticas públicas não podem estar desintegradas das
condições e realidades da população, no entanto, não é bem
assim que acontece. As políticas são o reflexo do governo que
se tem, ou seja, o político faz política para se manter nela e
viver dela causando uma dicotomização do ser político e do
fazer-se político. Nesse sentido, a sociedade ainda sofre da
manipulação de que o jogo é de conservação e manutenção
de velhas políticas e não de transformação.
A princípio o bem-estar social deverá ser prioridade
dos planos de governo e, assim, refleti-los. A formação
humana visando à equidade social por melhores condições de
vida deve ser uma bandeira social hasteada constantemente
lado a lado com a educação e a saúde integrando-se na
construção e concretização de uma nova sociedade. Falam-se
muito em saúde, lazer, educação, trabalho e condição de uma
vida digna como resultado do esforço mútuo das
organizações e movimentos sociais e da sociedade civil
engajados. Infelizmente é visível o fomento ao fechamento
individual levando ao egoísmo e o individualismo crescente e
desestruturante da criticidade da consciência humana. Dom
Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife de 1964 a 1985,
costumava dizer o seguinte mote: “Eu acredito que o mundo
será melhor, quando o menor que padece acreditar no
menor”.4 As classes populares, por sua vez, não têm
representatividade ou lideranças populares que lutem pelas
mudanças sociais e, geralmente, ao surgirem, em sua maioria,
são cooptadas pelo poder económico. Há uma perda
considerável de liderança e a falta da liderança popular
enfraquece os movimentos populares.
4 Kathen, Nelmo Roque Tem (1991) Uma Vida Para os Pobres.
Espiritualidade de D. Hélder Câmara. São Paulo: Edições Loyola, p. 19.
103
Segundo Dubar, “o conflito como momento e
provação duma construção do ator coletivo é uma
confrontação que pode permitir uma superação do
isolamento inicial e constituir uma experiência decisiva no
acesso a uma identidade nova, ao mesmo tempo pessoal e
societária” (2006:108). Hoje existe menos mobilização social
e temor pelo conflito. Mediante essas considerações, a
reflexão passa a se deter nas questões sobre a saúde a partir
dos projetos das políticas públicas.
104
pública”. Em 1920, a revista Science publicou a formulação de
Charles Edward, frequentemente mencionada:
105
grande escala o desenvolvimento de toda máquina
administrativa estrutural e estruturante do País.
Contudo, cabe à União no âmbito da política –
institucional e operativa –impulsionar e implementar o
andamento do que foi regulamentado e normatizado por
força de lei, ao mesmo tempo que descentraliza as gestões da
educação e da saúde cabendo aos Municípios tomar decisões,
ter responsabilidades e saber aplicar bem os recursos
(humanos, financeiros, etc.) nessas áreas.
É tarefa predominante do Governo Federal
normatizar e planejar para poder exercer o “controle” geral da
situação dando e/ou delegando aos Estados e Municípios a
função de executores dos serviços públicos, principalmente
os Municípios, pois os mesmos estão mais integrados e
inseridos no quotidiano da sociedade civil. Estando mais
perto da realidade, os gestores municipais poderão ter uma
maior visualização, uma radiografia mais completa (é assim
que se pensa!) e, portanto, uma mobilização dos desafios,
principalmente nas áreas da educação e da saúde (considera-
se, também, que são eles capazes de sentirem mais de perto
os reais problemas e dramas que sofre a população). A
presença e o contato dos mesmos com a realidade poderá
despertar uma sensibilidade mais humanística e ético-social,
ou, do contrário, podem os gestores simplesmente assumir o
poder só pelo poder e, por sua vez, utilizarem o poder público
em causa própria, em prol de seus interesses negando o
interesse da maioria (como sói acontecer).
Aos Estados e aos Municípios cabe administrar
correta e eticamente as áreas da saúde e da educação, que
consiste fazer com que se desenvolva a organização e o
106
funcionamento da educação e da saúde. Apesar da
heterogeneidade dos mesmos, o objetivo deve ser comum.
Todo o empreendedorismo que se busca realizar também
deve ser uma característica dos gestores (embora poucos
tenham mostrado essa característica), por isso mesmo, pesa
sobre ele uma prestação das contas públicas com os seus
devidos gastos como sendo uma orientação e uma exigência
da União pela Lei de Responsabilidade Fiscal5 brasileira que
obriga a uma prestação rigorosa e detalhada dos gastos
públicos. Mediante o cumprimento desta lei, a União faz
repasses dos novos recursos econômicos para os Estados e os
Municípios. Por exemplo, o município para ter direito ao
Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE), como
ônibus tanto para a saúde quanto para a educação, é
necessário prestar contas dos investimentos e gastos públicos
corretamente sem que haja contradições em suas declarações.
E, assim sucessivamente. Mesmo assim, os escândalos de
superfaturamento e desvios de verbas é um absurdo. São
107
constatadas muitas irregularidades nas prestações de contas e
muitas vezes “acobertadas” e “justificadas”.
Com o “controle” dessa realidade, o Governo Federal
vai-se disponibilizando de um quadro sequenciado de
informações e levantamentos de dados da situação e seus
desafios podendo ter, assim, um parâmetro da atuação dos
municípios e seus resultados econômicos como o IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano); social, qualidade de vida;
educacional diminuição do analfabetismo e avanço no
conhecimento científico e técnico; e controle da saúde, os
estágios de diminuição ou não das endemias e das epidemias,
etc.. A partir desses dados, pode melhor investir nos setores
mais carentes, levando-se em consideração a melhoria da
qualidade de vida através dos campos da educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, transporte. É assim que os recursos
do governo chegam aos Estados e Municípios, com objetivos
bem definidos. No entanto, a confiança delegada aos gestores
é uma questão de um cumprimento ético com a sociedade. A
grande questão é: até que ponto existe verdadeiramente a
responsabilidade social e política na gestão pública? E, se de
fato há, como esta questão é viabilizada?
Para melhor entender essa complexidade, serão
apresentadas três mediações que servirão de constatações e
análises e que possibilitem percebermos como algumas das
diretrizes estabelecidas pela macroestrutura em
desenvolvimento do Governo Federal são viabilizadas pelos
governos estaduais e municipais. Utilizamos a categoria: nível
instrumental, nível descritivo e nível praxiológico. Já é
possível percebermos que essas três mediações só funcionam
bem se as mesmas estiverem integradas tanto no local como
108
no global. Se não houver uma determinada sincronia entre
União, Estados e Municípios, as ações governamentais não
surtem efeitos e as questões críticas continuarão. Correia e
Caramelo expressam em suas análises que numa relação desse
nível só funciona quando está ligado a um procedimento de
gestão a partir da esfera de conhecimento do conjunto da
situação, o que significa que nesse contexto “a problemática
da mediação social e a revalorização simbólica do local como
dispositivo da questão social tornaram-se cognitivamente
visíveis e socialmente relevantes” (2003:169). Essas
relevâncias só têm implicações na sociedade, quando o Estado
assume total responsabilidade social e política como aquele
que rege, dirige e garante os direitos do cidadão, com a
educação e a saúde. Segundo Santos, “o direito à saúde e as
políticas de saúde são parte integrante dos direitos sociais e
das políticas sociais pelo que o estudo dos direitos e políticas
de saúde tem que ser feito no contexto dos direitos e políticas
sociais” (1987:13). Assim deve ser a atuação do Estado
eficiente e comprometido com a dignidade do cidadão.
Contudo, o Estado brasileiro, por sua vez, tem longa
história de problemas administrativos acarretando na falta de
investimento nas áreas sociais atingindo, principalmente, a
educação e a saúde. Hoje, por mais que se tenha investido em
busca de uma educação de qualidade e uma saúde que
contemple o controle das situações críticas de saúde pública,
ainda deixa muito a desejar. É bom frisar que o Norte e o
Nordeste brasileiros são as duas regiões mais sofríveis e
desprovidas desses bens sociais. Para melhor entendimento
dos impactos na saúde, principalmente, na formação do
profissional da saúde é necessário entender um pouco dessa
109
complexidade da problemática nacional, regional e local,
portanto, seguem em destaque os três níveis:
Nível Instrumental
a. Pró-Letramento
b. Escola Ativa
c. Programa de Aperfeiçoamento da Leitura e Escrita –
PRALER
112
d. Programa de Formação Continuada Mídias na Educação
e. Programa Família Brasileira Fortalecida pela Educação
Infantil
f. Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício na Educação Infantil – Proinfantil
g. Programa de Formação Inicial para Professores do Ensino
Fundamental e Médio – Pró-Licenciatura
h. Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de
Educação Básica
i. Programa de Formação Inicial de Funcionários de Escolas
– PROFUNCIONÁRIO
j. Programa Universidade para Todos – Pró-Uni
k. Programa TV Escola e DVD Escola
l. Programa Ético e Cidadania
m. Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio
n. Programa Rádio Escola
o. Rede Interactiva Virtual de Educação – RIVED
p. Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB
q. Programa Educação em Direitos Humanos
r. Projetos de Educação para o Reconhecimento da
Diversidade Sexual
s. Projetos de Educação para a Igualdade de Género
t. Programa Escola que Protege
u. Formação Continuada de Professores e Trabalhadores da
Educação Básica em Educação Ambiental
6http://www.recife.pe.gov.br/2009/09/24/criacao_da_secretaria_de_sa
a) Academia da cidade;
b) Programa Saúda da Família - PSF;
c) Plano de Saúde Ambiental;
d) Ambiente Livre do Fumo;
e) Plano Diretor de Tecnologia da Informação;
f) DST/AIDS;
g) Saúde da Mulher;
h) Atenção Humanizada à Mulher no ciclo Gravídico-
Puerperal.
119
a) Distritos Sanitários I, II, III, IV, V e VI aglutinando
em si a distribuição por área para cada distrito um
número de bairros;
b) Centros de Atenção Psicossocial;
c) Farmácia da Família;
d) Vigilância Sanitária;
e) SAMU;
f) Central de Regulação de Consultas;
g) Vigilância Ambiental;
h) Animais para adoção;
i) Ouvidoria Municipal da Saúde
a) Lição de Vida;
b) Programa Qualiescola;
c) Projovem;
d) Tecendo o saber;
e) Ensino Profissionalizante;
f) Brasil alfabetizado;
g) EJA – Educação de Jovens e Adultos;
h) Alunos nos Trinques;
i) Alfabetização e Letramento;
j) MAIS – Movimento de Aprendizagens Interativas;
k) Programa BBeducar (Cf. SEEL, 2010).
120
funcionamento dos programas e projetos seja eficiente e por
que se espera tanto para ver os programas acontecerem. Será
que faltam motivações para que a criança, o jovem e o adulto
tomem gosto e interesse pela escola? Que motivações são
apresentadas? A impressão que aparece evidentemente é de
que tudo está só voltado para o problema da sobrevivência e,
por isso, a escola não é de interesse maior, pois a mesma não
consegue motivar suficientemente o aluno despertando nele
o gosto pelo estudo, pela leitura, pela profissão futura; em
segundo lugar, a sociedade é muito atrativa e dispersiva com
suas efervescências consumistas envolvendo a todos num
frenesi desenfreado, pragmático e hedonisticamente ativo. A
população tenta usufruir a vida numa visão de falsa liberdade
segundo a qual cada um busca viver a vida sem considerar o
conjunto das exigências e compromissos sociais presentes na
sociedade. Essa visão distorcida da realidade tem sido a lógica
que perpassa o atual contexto social. Mesmo a sociedade
democrática sendo pluralista, não se pode perder o viés
histórico de luta, de conquista das liberdades como fator
determinante da realização humana. O ser humano não pode
viver no anonimato, pois ele como pessoa humana é fim e não
meio.
121
satisfeitos com o estilo de vida da população? O modelo de
educação e o modelo de saúde existente correspondem aos
anseios da sociedade? Obviamente que a resposta de quem
está observando e vivenciando tal situação jamais seria
afirmativa, contudo, parece paradoxal na visão dos gestores
públicos, sobre tais situações como se as mesmas acontecem
por um determinismo social. O pouco que eles investem
parece-lhes muito. Na verdade não percebemos uma vontade
política de erradicar, de uma vez por todas, esse quadro de
miserabilidade e empobrecimento que assola a região
Nordeste.
122
isso, a educação no processo de formação da consciência
crítica vai conduzindo a consciência para um olhar crítico da
realidade e despertando, por outra parte, o compromisso pela
conquista do espaço vital e organização social, como também,
manutenção das transformações sociais possíveis e cabíveis
tendo em vista a autonomia e a liberdade do indivíduo.
Nível Descritivo
123
necessidades básicas. Entretanto, parece que a situação não
teve muitas mudanças, pois em 2005 o PIB atingiu a cifra de
R$ 1.937 bilhões e em 2010 se aproxima um crescimento de
6,4% no ano, mas a situação permanece com a mesma cifra
de pobres e miseráveis. A causa principal, dizia o economista,
é a enorme desigualdade social, principalmente nas regiões
Norte e Nordeste (não houve muita mudança). Atualmente,
no Nordeste são 80% dos 45,4 milhões de habitantes em
condições de vida indigna.
125
Atualmente, o Brasil atinge em 2009 a cifra de 330.825
médicos, 201.905 são7 homens e 128.920 são mulheres.
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/.../2012/.../dilma-ag.
Acesso em 23.04.2012.
126
muito carente nesse ponto, apresentando nesse contexto uma
defasagem significativa com um médico para cada 894
habitantes. Existe uma concentração de médicos nas capitais
dos estados. O estado de Pernambuco tem, em 2010, um total
de 11.633 médicos sendo 8.038 concentrado no Recife e,
somente 2.504 médicos atuam no interior do Estado. Outros
estão inativos (Cf. Rossiter, 2010). Em 2012 já atingiu a cifra
14.021
Nível Praxiológico
134
autor, princípio da sua ação (e não apenas realidade em que a
ação se exerce ou que a ela reage)” (2004:145). Nesse sentido,
é necessário que o homem conquiste os espaços fundamentais
para realizar seus intentos e construir sua própria história num
processo contínuo de humanização para atingir o valor de sua
hominização. O Nordeste é uma região sofrida e sofrível com
um baixo índice de IDH causando um desnível entre
educação e saúde em relação às outras regiões do país.
138
que é sua, mesmo quando ele a partilha com
outros homens. Mas o homem só existe
quando socializado: sem o outro, que se
apresenta sempre sob formas sociais, o
homenzinho permanece “um menino
selvagem”, um “menino lobo”. (2009: 14).
139
(2000:93). Nesse contexto, como a formação da pessoa
humana deve ter parâmetros bem definidos tanto na família
quanto na escola? E como esse processo do ensino-
aprendizagem deve estar comprometido com a formação
humana na escola? Como é possível haver uma relação sadia
entre o ser do ser humano e a educação como promotora
fundamental em desenvolver também a questão da saúde
física e mental no alunado? Como a escola trabalha a saúde
preventiva do corpo, da sexualidade, da afetividade?
141
Segundo Wilfred Carr e Stephen Kemmis a
necessidade de uma ciência educativa crítica contribuirá
significativamente para a construção também de valores,
assim expressam:
Una ciencia educativa crítica, en cambio,
atribuye a la reforma educacional los predicados
de participativa y colaborativa; plantea una
forma de investigación educativa concebida
como análisis crítica que se encamina a la
transformación de las práticas educativas, de los
entendimientos educativos y de los valores
educativos de las persona que intervienen en el
processo, asi como de las estructuras sociales e
institucionales que definen el marco de
actuación de dichas personas. (1988:168).
143
capital e deixando de lado suas obrigações sociais como saúde
e educação em segundo plano. Valla e Stotz já assinalavam a
mais de duas décadas que “o padrão de acumulação do capital
vigente em nosso país impõe um profundo e rápido desgaste
da força de trabalho. Os baixos salários obrigam os
trabalhadores a jornadas simultaneamente intensivas e
extensivas...” (1994:126). É nessa realidade que se enquadra o
professor atualmente.
144
3.2 Educação e saúde: que integração?
145
Os olhares e os projetos na área da educação e da
saúde devem articular a teoria e a prática e devem ser
concebidos de forma integrados. A integração vai sendo o
resultado de uma integração onde as dimensões teóricas,
práticas e éticas se conjugam.
147
sala de aula dando ao aluno o direito de desacatá-lo e ameaçá-
lo; por outro lado, o professor tem de ser muito dinâmico,
criativo, carismático, até humorista para poder obter a atenção
dos alunos que chegam em sua maioria desestimulada para
aprender. Segundo Fernández, o maior desafio é mostrar
como “o ensinar e o aprender não são dois momentos
recíprocos, como o dar e o receber, ou o educar e educar-se.
Há coisas que não se podem ensinar mas, não obstante, se
aprende, como o jogar, o pensar e o humorizar” (2010:143).
Então, qual é o papel do professor? Para o jovem não está
claro o que é ser professor e para quê. Entretanto as famílias
e as escolas motivam os jovens para áreas como medicina,
direito e engenharias por encontrarem maior espaço no
mundo do trabalho com mais status, segurança, maior
remuneração e qualidade de vida.
148
Contudo, educação e saúde são promotoras, segundo
a OMS, de um “bem estar saudável”. Logo, “o promotor
profissional da saúde não pode ter de si próprio a visão de que
os seus conhecimentos exprimem a verdade” (Oliveira,
2004:49). Mas buscar o conhecimento como aquele que dá ao
indivíduo não só conhecer a realidade, mas dominar o mundo,
a natureza.
152
remunerada (o), que se assume como principal responsável
pela organização ou assistência e prestação de cuidados à
pessoa dependente”; c) “o cuidador informal é um membro
do grupo de pertença (da família, do bairro, do grupo religioso
ou da comunidade) que colabora na prestação de cuidados a
um utente com déficit de autocuidado, mobilizando saberes
diferenciados por razões de ordem muito diversa”; d) “o
cuidador informal é aquele que exerce a função de cuidar de
pessoas dependentes numa relação de proximidade física
efetiva – o cuidador pode ser um parente ou pessoa
significativa, a que assume o papel a partir de relações
familiares, ou outras”; e) “os cuidadores informais colaboram
nos hábitos de vida diária, nos exercícios físicos, na
administração de terapêutica, na higiene pessoal, nos passeios
e outros”; f) “em geral, o cuidador informal é aquele que
assume a função social de cuidar de pessoas dependentes
numa relação de proximidade física efetiva, podendo ser um
parente ou pessoa significativa, que geralmente atua de forma
não remunerada”; Ainda, podemos dizer que, g) “os
cuidadores informais colaboram na realização de atividades
que os utentes não são capazes de desenvolver por si próprios,
de forma autônoma”. Essa ajuda pode envolver diversas
atividades da vida diária (vestir, cuidados de higiene,
alimentação…) ou atividades relacionadas com questões
financeiras e administrativas. Envolve ainda um suporte de
natureza emocional e cuidado de saúde pouco diferenciada,
no sentido de proporcionar bem-estar e conforto. Por vezes,
desenvolve-se em complementaridade com o sistema formal,
proporcionando atividades que este não disponibiliza (Cf.
2008:94-96).
153
Como podemos constatar, há um valor intrínseco na
figura humana do cuidador informal que é a capacidade de
sentir-se com o outro, ter compaixão, zelar pela vida do outro
desde o alimentar ao ajudar a medicar na hora certa seguindo
as prescrições e orientações médicas. É dedicar de uma boa
parte de sua vida para que o outro tenha mais qualidade de
vida. São experiências humanas fantásticas e incomparáveis
diante da cegueira e desinteresses praticados entre os
humanos.
154
Na verdade, o cuidador informal é o ser humano que
encare as adversidades das situações-limite humanas que se
lhe apresenta e tem, dessa forma, um espírito de abertura para
encarar o ser na sua condição e capacidade de expressar seu
sentimento de solidariedade e alteridade na entrega ao outro.
O seu conhecimento vem da experiência e das necessidades
humanas, pois não existe um lugar formativo para que haja
um aprendizado de como ser cuidador informal. São as
próprias circunstâncias da vida que impulsionam a pessoa a
cuidar do outro. Segundo Torralba i Roselló, essa entrega não
somente estabelece uma relação interpessoal entre o cuidador
e o ser cuidado, mas se estabelece de maneira livre e com tanta
intensidade que o cuidador se supera diante da vulnerabilidade
do doente e das circunstâncias que o cercam. O próprio
desgaste e a fadiga humana que possa surgir ao cuidar de
alguém são superados (em parte) pela capacidade de
desprendimento e de doação que o cuidador é capaz de fazer,
por isso,
A relação entre o cuidador e o ser cuidado é uma
relação interpessoal assimétrica, mas, nesse
caso, a assimetria tem traços muito específicos.
O que faz essa relação claramente assimétrica
não são as variáveis idades, sexo ou nível social,
mas a experiência da vulnerabilidade atual. A
única coisa que separa cuidador e ser cuidado é
a potência e a intensidade da vulnerabilidade. O
homem doente padece em ato os danos de sua
vulnerabilidade, a dor que desespera, enquanto
que o acompanhante ou cuidador não padece no
ato da vulnerabilidade. (2009:137).
157
homem se perceba esse ser que aí se encontra, porque o
homem é um ser de encontro constante com tudo o que o
cerca, isto é, o outro, o universo e a busca de entender
enquanto ser de transcendência. Essas possibilidades levam-
no ao encontrar-se consigo mesmo e a entender-se como ser
para os demais. Heidegger diz que “O que se busca é um
poder-ser próprio da presença por ela mesma, testemunhado
em sua possibilidade existenciária” (1990:52).
O cuidado é aquela condição prévia que permite
eclodir da inteligência e da amorosidade, o
orientador antecipado de todo comportamento
para que seja livre e responsável, enfim
tipicamente humano. Cuidado é gesto amoroso
para com a realidade, gesto que protege e traz
serenidade e paz. Sem cuidado, nada que é vivo
sobrevive. O cuidado é a força maior que se
opõe à da entropia, o desgaste natural de todas
as coisas, pois tudo de que cuidamos dura muito
mais. (Boff, 2003:22).
159
Essa disposição relativa à ética do cuidado é uma
condição para que haja mais respeito entre os humanos já que
ela passa por “uma moral do sentimento e da relação” (Ferrer,
2005:268). Enquanto isso se vive a contradição entre o agir e
o fazer humano propriamente dito. Mas, por que há tantas
contradições nas ações humanas? É tão difícil entender os
valores éticos e praticá-los? A vida moral começa
verdadeiramente pela resolução dos problemas ou não? Só
haverá vida moral se houver partilha dos sentimentos? Que
sentimentos são esses que o próprio ser humano os tem, mas
não os alcança? Por outro lado o homem precisa deixar que
seus sentimentos estejam sempre a florir e os conduza a
aprendizagem do saber cuidar de si e dos outros. Mas,
também parece que a praticidade da vida consiste em fazer e
somente se preocupar da utilização desse fazer como
resultado objetivo da ação humana. Esse mundo do
utilitarismo pragmático tem uma ética. Mas que ética? Será
que a ética utilitarista levará o homem a perceber-se como
sendo mais humano?
160
autonomia pessoal é importante porque é geralmente
considerada fundamental à nossa agência moral” (2012:219).
161
Por outro lado, o utilitarismo ou ética utilitarista tem
em Jeremy Bentham seu principal promotor. Para Bentham
apud Neves, “O utilitarismo é uma doutrina moral, de
natureza teleológica e consequencialista, que considera a
felicidade e o bem-estar como finalidade suprema da ação e,
como tal, critério de moralidade (princípio de utilidade)”
(2008: 221). Enquanto Peter Singer como teórico apresenta
um “utilitarismo baseado no princípio de igual consideração
de interesses” (Ferrer: 2005:294). E considerando esse modo
de ver a ética utilitária a partir da filosofia também sustenta
que “as exigências morais estão para todos os seres sensíveis”
(Ibid., Ibidem). A questão se faz mais complexa exatamente
quando se trata desses seres sensíveis. Que sensibilidade é essa
que para os humanos se torna tão limitada e pouco
compreensível? Por isso, Peter Singer fala do que a ética não
é, como por exemplo, a ética não é um conjunto de
proibições, principalmente em se tratando da sexualidade
humana; não é um sistema de ideais elevados e nobres, mas
inúteis na prática. Nessa concepção, a moral é reduzida a um
sistema de normas breves e simples (Cf. Ibid., p. 295).9
162
A relativização da vida humana baseada pura e
simplesmente em normas morais simples e práticas parecem
minimizar o próprio ser humano, pois mesmo sendo
necessárias deve-se partir do princípio que a pessoa humana é
centro referencial dos valores, logo, a pessoa humana exige
mais dos princípios e, quando estes não satisfazem geram
polêmica e desequilíbrio social. O Nordeste brasileiro é fruto
dessa relativização de uma pseudomoral, a de que tudo pode
tudo é possível, tudo é permitido. No entanto, a sociedade
também, se torna exigente e seletivamente vai excluindo todo
aquele que não se adeque aos padrões de comportamentos
determinados.
163
em consideração. Independentemente da
natureza do ser, o princípio da igualdade exige
que o sofrimento seja levado em linha de conta
em termos igualitários relativamente a um
sofrimento semelhante de qualquer outro ser,
tanto quanto é possível fazer comparações
aproximadas. Se um determinado ser não é
capaz de sofrer nem de sentir satisfação nem
felicidade, não há nada a tomar em
consideração. É por isso que o limite da
senciência (...) é a única fronteira defensável da
preocupação pelo interesse alheio. Marcar esta
fronteira com alguma característica como a
inteligência ou a racionalidade seria marcá-la de
modo arbitrário. Por que motivo não escolher
uma outra característica qualquer, como, por
exemplo, a cor da pele? (Singer, apud Neves,
Maria do Céu Patrão e Osswald, Walter, 2008,
p. 224).
166
perspectiva de superação e soluções das situações críticas e
problemáticas que o afligem.
170
homem se torna influenciável, consequentemente a
consciência se torna relapsa e a negação do homem como
homem acontece num processo gradativo, levando-o a perder
a sensatez de suas ações, transformando-se em mentor de
injustiças e escamoteador ideologizado da verdade. Essa
prática conduz à desestruturação social por não cumprimento
da ética constituída, gerando um caos social. Com o
famigerado “jeitinho brasileiro”, a sociedade brasileira foi
relativizando suas atitudes e relaxando sua prática, o resultado
dessa atitude conduziu a sociedade a não confiar nas pessoas;
a viver sob o clima de certo temor e medo de duvidar de tudo
e de todos. Gera uma insegurança social. Diante de tal
realidade, os modelos de mediação na política pública,
principalmente, não têm sido suficientemente correspondidos
a redirecionar a vida social do brasileiro, do nordestino. As
políticas públicas estão voltadas e direcionadas para interesses
partidários, de grupos ou pessoais. A sociedade vive um
momento de transição ética comprometedora, na qual a falta
de respeito entre as pessoas tem-se tornado um drama
humano para encontrar a solução. E, por isso, o
individualismo e o egoísmo exacerbados têm frustrado e
destruído vários segmentos da sociedade civil como o fracasso
dos movimentos sociais, sindicatos e associações como o dos
profissionais de saúde que sentem a falta de maior
compromisso do gestor público para com a saúde desde a
preocupação com a formação continuada do agente de saúde
a oferecer condições dignas nos tratamentos aos utentes.
171
a setores jurídicos. Na verdade, as coisas não funcionam
separadamente, isto é, tanto a sociedade civil quanto a
sociedade política impactam-se mediante os desafios surgidos.
A sociedade civil é mais atingida pela falta de presença do
Estado nas políticas públicas como possibilidades de
superação dos desafios existentes, principalmente, na saúde.
Podemos destacar setores como a família, a religião, os meios
de comunicação social que como afirma Pelizzoli, tornam-se
efetivamente uma “instituição de moldagem moral” como o
cinema e a televisão (Cf. 2002:143). Nos setores educacionais
e na saúde estão aquém do almejado. Infelizmente pouco se
tem feito. A educação como elemento fundamental da
formação da consciência ética e como a base que norteia e
orienta para uma vida digna tem sido palco de desestímulo e
de busca do conhecimento pelas novas gerações (escolas
públicas) e as novas gerações (em sua maioria) chegam com
bastante defasagem ao conhecimento, ao mundo
universitário. Não se trata aqui de qualquer crise, ela tem
alcance ético surpreendente. Mas, como existe uma ideologia
falseadora da verdade, ela encobre os impasses, os desafios,
os abusos sociais que se esvaem sobre lugares sociais
politicamente estabelecidos na sociedade, gerando sérias
críticas em busca da cidadania.
172
surpreendem a sociedade. Mediante tal contexto, Dubar assim
expressa esse sentimento: “vive-se hoje num contexto de crise
dos princípios da representação política, (...) configurando o
que designa como “democracia do político”, caracterizada
essencialmente pela dimensão “espetacular” que a política
assume, decorrendo da transformação complementar da
temporalidade da ação, da linguagem e das relações entre os
sujeitos da política” (2010:16).
174
interpelante, capaz de promover uma dinâmica
interpretativa alternativa à multiplicação dos
níveis e das escalas de análise. (Ibid., Ibidem).
176
robotizando-o e alienando-o, tornando-o meio e não fim e,
dessa forma fere a cultura em seus princípios ético-morais,
principalmente quanto a atitude do cuidar. Daí, considerar “os
indivíduos que pensam e agem de modo diverso dos
prescritos numa sociedade dada são rotulados de “des-
educados”, de maus e, em casos extremos, até de loucos. Só
o conformismo (...) é considerado virtude e correção” (Fullat,
1995:150).
178
do descaso a saúde pública segundo a qual o caos está
estabelecido com tanta falta de cuidado e de humanidade.
179
necessária: conhecimento biológico e valores humanos”
(2004:28).
180
Em continuação as suas pesquisas sobre doença e
cultura, Abreu faz alusão mais detalhada a uma pesquisadora
norte-americana, Nancy Sheper-Hughes, que esteve
pesquisando nas décadas de 60 para 70, no Nordeste brasileiro
e vivenciou o drama humano da desolação, do descaso e da
falta de cuidado para com as pessoas; pela falta de assistência
e de políticas públicas sobre a saúde, educação, etc. Ela
defende uma nova antropologia médica que seja capaz de
alavancar novos rumos na construção da ética e da cidadania,
do respeito à vida. Escreveu sobre o Nordeste brasileiro a
seguinte obra em 1993: Death without weeping: the violence of
everyday life in Brazil. “Nancy Scheper-Hughes (…), recusa um
compromisso com a biomedicina e defende a aplicação do
saber antropológico na ‘desconstrução do saber biomédico e
na denúncia do seu carácter opressivo sobre os saberes
locais’” (2003:85).
181
Com os questionamentos da nova antropológica
médica crítica necessária se faz a mudança de paradigmas
éticos, ou seja, não seguir aleatoriamente as éticas tradicionais
que imprimem premissas. Pessini destaca três situações que
levam a uma nova tomada de atitude:
182
porque arrancada da estonteante degradação
humana e ambiental. (2004:110-111).
185
O olhar crítico da pesquisadora Nancy Scheper-Huges
nos coloca numa atitude mais crítica diante de um progresso
das ciências médicas que visam à cura da saúde a partir do
valor econômico, pois a mesma visa a lucrar mais, enquanto a
ética no cuidar requer um olhar mais humano para tratar e
erradicar as doenças que afligem e matam a humanidade.
Segundo Martins,
O direito à saúde está ligado ao poder
económico e às classes mais favorecidas
socilamente. Saúde dentro da visão mecanicista
e económica, não tem nada a ver com os
problemas socioeconómicos do povo pobre e as
suas decorrências. Quem mais precisa do
atendimento à saúde são justamente os
excluídos pelo desenvolvimento da medicina.
Esses não têm nem o básico para viver
dignamente e, por consequência, tem abalada
toda a sua estrutura de pessoa (de física a
psicológica), tornando-se mais suscetiveis a
enfermidade. (2012:37).
186
FORMAÇÃO EM SAÚDE: POLÍTICAS E ATORES
187
pela manutenção da vida humana. Nesse aspecto a saúde é um
campo privilegiado para tais ações e atitudes humanas.
É esta lógica da manutenção da vida que faz com que
entre como condição prioritária a dimensão do cuidado como
sendo um elemento fundante na discussão formativa daquele
que atenta para a tarefa do cuidar a partir da consciência de
que é pela saúde que se pode ter vida longa e com qualidade.
Nesse sentido os agentes de saúde ou os profissionais da
saúde carregam consigo uma responsabilidade social bastante
significativa. Embora haja profissional que descuide dessa
responsabilidade negligenciando o cuidado para com a vida
alheia. Mas, ter consciência de que a existência humana é bem
maior do que sua vida biológica exige dos atores inseridos
nesse processo perceber a grandiosidade do ser humano por
um lado e sua fragilidade por outro, pois é diante da doença
que o ser humano se sente na maioria das vezes, impotente.
Quando o profissional da saúde toma consciência de
que defender a vida pelo cuidar e zelar da saúde do utente lhe
dá a convicção e a sensação de cumprimento do dever,
certamente, é porque, em cada procedimento realizado, o
benefício causado no utente ressalta a dimensão ética
enobrecendo o profissional humanisticamente. Contudo,
entra em evidência sua capacitação formativa (ética) e seu
conhecimento intelectual (científico e técnico). Deva-se
considerar, portanto, o universo acadêmico como o lugar
privilegiado que se reserva a ser o ambiente de onde emanam
grandes experiências e formação de mentores intelectuais e
pesquisadores implacáveis, capazes de eticamente assumir a
realidade de maneira lúcida e transparente com dedicação
exclusiva e capacidade de renúncia de si mesmo para a
realização do bem comum.
Concomitantemente, o maior desafio na realidade
nordestina está na realização das políticas públicas para a
saúde e para a educação. Nesse contexto, tanto o poder
188
púbico quanto os profissionais da saúde e os profissionais da
educação têm de assumir juntos compromissos com a
sociedade que viabilizem a realização dos projetos. Tanto a
formação dos agentes de saúde quanto a formação dos
educadores é de extrema responsabilidade do Estado, haja
vista, serem eles o esteio da manutenção do desenvolvimento
econômico, social, político e cultural da sociedade. A
formação intelectual dos profissionais se torna eficiente
quando se polariza na educação os investimentos de que ela
necessita. A morosidade em atender a estas áreas atrasa tal
desenvolvimento. O Nordeste brasileiro tem sido alvo desse
descaso por não serem, em muitas situações ou regiões, a não
concretização das políticas públicas gerando, todavia, um
desequilíbrio e uma insustentabilidade tanto da formação
humana ético-bioética quanto científica e técnica dos
profissionais. Resta, nessa situação, uma sobrecarga para os
profissionais que por sua vez não respondem à demanda
sobre eles. Consequentemente empobrece e enfraquece a
qualidade dos serviços prestados e realizados.
Nesse quadro social, podemos afirmar que deixar de
considerar no campo da saúde a questão ética e a dimensão
do cuidar é cometer um dos maiores crimes contra a
população, já que no homem vulneravelmente oscila a prática
do bem e do mal. Aqui a bioética exerce o papel ou o objetivo
de ajudar a cada um em suas ações a agir racional e
cautelosamente nesse processo em constante evolução do ser
humano em busca de solucionar seus dilemas e desafios
surgidos na saúde e na educação. A bioética surge como
aquela que nos conduz a reflexão sobre a saúde e que
transporta o profissional a ação de maneira concreta e
diretamente relacional, porque seu maior desafio
193
levando em consideração que ele está inserido no seio da
comunidade e busca conhecê-la por dentro para poder levar
aos outros agentes o conhecimento do terreno do qual estão
pisando, como dizia Bachelar, “conhecer é descrever para
reencontrar” (1927:9). Esse papel do ACS faz com que os
outros profissionais descubram o valor do servir e do cuidar
como uma dimensão profundamente ética e humana. A
formação do ACS o conduz a ter abertura suficiente para
trabalhar em equipe já que ele apresenta-se como uma peça
mestra na relação comunicativa diante da comunidade pela
sua desenvoltura no lidar com as pessoas e, principalmente,
com os utentes. É perceptível que sua atitude de entrega
humanitária com sensibilidade humanística, pela sua
solicitude contínua, é fator de mudança na comunidade.
Portanto, se torna evidente que um processo de
mudança assim, requer consciência de pertença e capacidade
de intervenção por meio da participação ativa, gerindo os
diferentes conflitos que a comunidade apresenta, lembrando-
se de ter sempre presente os indivíduos como elementos do
processo da transformação que se quer promover tanto pela
educação quanto pela saúde. Nesse caso, especificamente,
revolucionar a concepção de saúde na comunidade é uma
grande tarefa, porque todo processo de transformação gera
dinâmica de aprendizagem e conhecimento. Para Paulo
Freire, “A educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a
estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo
histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-
se é conquistar-se, conquistar sua forma humana” (1987:13).
Seguindo esse mesmo raciocínio, destaca-se a
presença do enfermeiro que carrega consigo o valor da
formação adquirida pela enfermagem. Vale salientar que esta
é uma das áreas da saúde mais especificamente humana por
sua conotação humanística no trato cuidadoso com o utente.
A enfermagem, portanto, “é a profissionalização da
194
capacidade humana de cuidar, um processo intersubjetivo e
de conhecimento epistêmico que inclui transação de um ser
humano para outro” (Paiva, p. 55). O contexto da
enfermagem se desdobra enfaticamente no “saber cuidar”, na
experiência humana do sentir mais de perto a dor, o
sofrimento alheio. O enfermeiro é aquele que consegue se
humanizar mais concreta e diretamente, pela própria condição
existencial que lhe concede a profissão no dinamismo da
hominização e, mais do que isso, uma missão repleta de
doação pelo espírito de solidariedade e alteridade que esse
profissional vai adquirindo e se sensibilizando na convivência
com as situações-limite do sofrimento alheio. A enfermagem
faz história na humanidade, pois é só olhar a própria história
e ver que na “antiguidade não se diferenciava o médico do
farmacêutico, do fisioterapeuta ou do enfermeiro” (Gomes,
2012:50). Essa relação se desenvolve também num processo
de hominização juntamente com tudo o mais que faz com que
o homem e a natureza evoluam, porque “A “hominização”
não é adaptação: o homem não se naturaliza, humaniza o
mundo. A “hominização” não é só processo biológico, mas
também histórico” (Freire, 1987:14).
Assim é possível uma melhor compreensão do papel
ou do exercício profissional do enfermeiro que, por sua vez,
o faz necessário ter uma visão mais analítico-interpretativa da
realidade do próprio profissional que é, levando em
consideração o seu lugar social e o universo de trabalho do
qual faz parte. A enfermagem, ainda, compreende, segundo
Lucília Nunes, a essência e a especificidade do cuidar do ser
humano em saúde como também a promoção dos projetos de
saúde que cada pessoa vive e persegue, procurando prevenir
a doença e promover os processos de readaptação após a
doença e, assim, procurando a satisfação das necessidades
humanas fundamentais e a máxima independência na
realização das atividades da vida diária (Cf. Nunes, 2004:37).
195
Não obstante, mediante tal situação, o enfermeiro se percebe
bem relacionado formativa e profissionalmente motivado
cotidianamente em seu labor. É evidente, porém, que a
enfermagem perpasse a linha de um processo construído
progressivamente no decorrer de sua história e o mesmo tem
características e significado próprios importantíssimos como
ressalta Abreu:
198
É nesse contexto que a figura do médico é o
referencial primeiro. O médico se vê envolvido na missão-
tarefa de salvar vidas, buscando um conhecimento que lhe
ofereça “as condições de possibilidade da ação humana
projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local”
(Santos, 2007:48). Como também, “demonstra, com
particular clareza, em que medida se agudiza a relação teoria e
prática sob as condições da ciência moderna” (Gadamer,
2009:32). Porque, na realidade atual a medicina como uma
ciência, trouxe também “um conhecimento funcional do
mundo que alargou extraordinariamente as nossas
perspectivas de sobrevivência. Hoje não se trata de sobreviver
como de saber viver” (Santos, 2007:53).
As políticas sobre a formação do médico é eivada de
um direcionamento não só didático-pedagógico, mas também
de uma dimensão ético-filosófica como estratégia humanística
do futuro profissional da saúde.
Como vemos a sociedade perpassa desafios que
implicam em ações transformadoras em que a educação e a
saúde são dois polos fundamentais que necessitam de
indivíduos com capacidades científicas e técnicas diante do
desenvolvimento da medicina que aí está; o cuidado que se
deve ter diante dos órgãos institucionais burocratizados; a
máquina pública sobrecarregada, inchada de pessoal em vários
setores sem muita produtividade enquanto os profissionais da
saúde que merecem mais atenção, qualificação não tem
políticas públicas que os tornem mais competentes e, por isso,
a crítica da sociedade sobre tais profissionais denigrem a sua
imagem; por outro lado, os profissionais da saúde vivem num
199
ativismo exacerbado e não conseguem atender devidamente à
população, principalmente, a mais carente.
200
quebra o valor da profissão e a distância de um convívio mais
social, mais humano e mais afetivo na relação interpessoal.
A formação do profissional da saúde deve conduzir o
profissional a buscar uma consciência crítica da realidade
através da qual ele possa estabelecer uma nova forma de
comunicação entre ele e o utente que o feedback seja uma
condição primeira na formação dessa consciência crítica.
Segundo Roland Bee, “Criticar é parte integrante da
comunicação efetiva, isto é, daquela que pressupõe um
locutor e um interlocutor” (2000:9). Ter um olhar crítico faz
parte do desenvolvimento do conhecimento. Hoje, a maioria
dos profissionais da saúde não interage com o utente e o trata
fria e indiferentemente. Nesse sentido, deve ser função
também da formação um olhar crítico e comunicativo sobre
a realidade do utente. Comunicar-se criticamente com a
consciência de que “a crítica é ligação entre as coisas que você
faz e diz e a compreensão do impacto que as mesmas exercem
sobre as pessoas. (...) é influenciar pessoas no trabalho, saber
criticar adequadamente é talvez a habilidade interpessoal mais
significativa que se pode desenvolver” (Ibid., Ibidem).
Percebemos que poucos profissionais da saúde agem dessa
forma.
Outra constatação: vivemos numa sociedade em que
se adoece por falta de calor humano e de humanização. Por
falta de amizades sinceras e verdadeiras. É perceptível a
distância entre o profissional da saúde e o utente
(principalmente o médico, que é caracterizado como frio e
calculista). A ciência, a tecnologia e a biotecnologia são
conhecimentos que exigem bastante dos profissionais da
saúde o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e
201
um conteúdo programático que contrabalanceie as questões
humanísticas segundo a concepção do CNM. Por outro lado,
a enfermagem tece sua crítica aos cursos de formação de
técnicos em enfermagem porque os mesmos não dão a
formação adequada e muitas situações de erros crassos são
cometidas por técnicos nos hospitais e clínicas tanto
particulares como públicos. Esses conflitos impactam com
questionamentos o mundo da educação e da saúde quanto à
qualidade do ensino. Também falta viabilização de políticas
públicas que tratem da formação permanente do profissional
em saúde afetando, assim, a qualidade da saúde pública.
Etapa I
203
de prevenção e
controle
207
Como exigência profissional, a práxis humana é
fundamental, pois ela estabelece um compromisso com o
outro, com a realidade e com o mundo. É uma questão de
coerência profissional. Abreu assegura que é importante
observar que “a prática profissional e o contexto clínico
constituem espaços de investimentos integradores de todos
estes conceitos, na medida em que nele gravitam e interagem
pessoas em processo de mudança” (2008:17). É o profissional
da saúde, fundamentalmente, um sujeito em constante
mudança em termos de formação intelectual e humana e que
se torna o principal personagem responsável dessa realidade,
pois lhe cabe o encontrar-se consigo mesmo nesse processo
de mudança e, assim, consequentemente, lançar-se na vida
profissional com senso de responsabilidade, coerência e
compromisso na vida ético-social de forma integradora e não
dissipadora.
A relevância que se dá à formação humana, intelectual
e bioética do indivíduo deve estar ligada a um processo
cognitivo voltado para uma dimensão mais ampla da
complexidade da ação humana, repleta de comunicação para
poder melhor interagir com a diversidade do ambiente de
trabalho socialmente desenvolvido.
Por isso mesmo, a formação científica e ética do
profissional integra de maneira abrangente a relação com o
universo de situações-limite em que o profissional vai se
deparar e, nesse campo de visão, deve haver uma abertura
para uma saúde que está voltada à percepção do mundo do
outro numa sociedade extremamente carente que envolve
dimensões mais significativas na esfera do conhecimento que
se deve adquirir, seja a biologia ou a física, a psicologia, a
sócio-ambiental e a ética-bioética.
O profissional nesse processo formativo estabelece
uma obrigação ética e moral com a sociedade a partir do
conhecimento que estas ciências lhe dão com o devido
208
respaldo para tal. Fontana diz que, “de qualquer forma, quer
exista ou não tal obrigação, os profissionais têm a
responsabilidade moral de evitar perigos” (1998:350).
Todavia, sabemos que atualmente não se trata só de evitar
perigos, mas de minimizar sofrimentos, curar e cuidar do ser
humano com a devida habilidade e desvelo como condição
primeira da formação.
As revoluções que ocorreram continuamente no
mundo do conhecimento científico, técnico, biológico,
biotecnológico e bioético têm exigido da formação do
profissional da saúde cada vez mais competência e
sensibilidade para entender o desenvolvimento do ser
humano numa escalada de valores humanísticos em contínuo
processo de transição histórica, principalmente, o profissional
que está inserido numa realidade desafiadora como a do
Nordeste brasileiro.
Como se tem corroborado, a necessidade contínua de
formar o indivíduo para ser um profissional qualificado
implica, também, mostrar a necessidade de investir
pessoalmente na sua identidade e identificação do ser pessoa
e do ser sujeito da própria mudança durante todo o processo
da aprendizagem concomitantemente às experiências que se
vai adquirindo profissionalmente. Portanto, os valores éticos
e morais fundamentais ao profissional, à medida que vão
sendo internalizados e interiorizados tornam o profissional
compromissado com as possíveis mudanças e transformações
do sujeito como também das suas relações interpessoais e
profissionais nas conquistas e superações dos desafios que
impedem os avanços na saúde da população.
Dubar vê que é diante dessa necessidade patente do
indivíduo que está implícita uma aprendizagem experiencial e
uma identidade reflexiva e, que se faz necessária a
aprendizagem experiencial supondo uma ligação específica
aos saberes e que os mesmos implicam a subjetividade se
209
ancorando em atividades significantes (Cf. 2006:158). E
continua afirmando que esse pensamento deve estar voltado
para a compreensão e a interação dos saberes como
fundamentais que devem progressivamente serem
incorporados pelo ser humano em transformação e, que, em
primeiro lugar, são saberes da ação experimentados numa
prática significante e ligados a um compromisso pessoal
(Idem, Ibidem). Nesse caso, está implícita como deve ser a
formação do profissional da saúde, e é evidente que a
formação científica corresponda a uma responsabilidade ética
pessoal e social. Daí, existir uma preocupação a partir da ética
médica quanto à formação do profissional que segundo Vieira
e Neves a mesma se preocupa com os problemas de
comportamento do profissional desde a aplicação do seu
conceito como fundamental para o bom estabelecimento da
relação médico-utente, à necessidade de investigar a formação
do futuro médico e o que os professores passam como
exemplo para os estudantes (Cf. 2009:22).
No Nordeste, a formação intelectual e ética do
profissional da saúde tem sido alvo de preocupação constante
o que levou à busca de alternativas como suporte nesse
processo formativo como a criação de Comissões de Ética
Hospitalares onde enfermeiros e médicos encontram apoio
para tomar decisões sobre a qualidade de vida dos utentes;
orientar ou não quanto as determinadas terapias ou
intervenções que possam trazer tanto risco como benefício ao
utente e bioeticamente como ter atitudes éticas no exercício
de suas atividades na relação com o utente, tendo em vista os
princípios de beneficência, justiça e autonomia.
Tudo isso para motivar o exercício da ética hipocrática
de modo claro e eficaz. Por isso, a relação com o utente é
caracterizada segundo o princípio de jamais “prejudicar ou
fazer mal a quem quer que seja” (Pessini, 2002:431). No
juramento moderno, o médico professa publicamente:
210
Eu me comprometo solenemente a consagrar
toda a minha vida ao serviço da humanidade. (...)
A saúde do meu utente será a minha primeira
preocupação. (...) Mostrarei o máximo respeito
pela vida humana. (...) Nem mesmo coagido
farei uso dos meus conhecimentos médicos para
fins que sejam contrários às leis humanas.
(Pessini, 2002:432).
211
o lado biológico da vida, mas contemplar o sentido maior da
sua existência.
Contudo, a realização humana é mediada de uma ação
práxica em conformidade com as exigências plausíveis das
circunstancialidades de cada realidade do ser, do ser humano,
que por essência se entende como um ser para a superação.
Mediante tal concepção o envolvimento que o profissional da
saúde tem por meio de atitudes humanitárias é de suma
importância para trazer ao ser humano o rejuvenescimento da
sua espécie.
A viabilidade de tais princípios e avanços favorece a
integração ao mesmo tempo em que requer a capacidade de
intervir nas diferentes situações-limite causadas pelas
manifestações de doenças que exigem do profissional
qualificação para se colocar a serviço do cuidado e da cura.
Logo, Intervir implica manter valores deontológicos
essenciais tanto ao processo da formação (permanente)
quanto no cotidiano do profissional em saúde e,
principalmente, em saúde pública na qual mais se devem
manifestar atitudes humanísticas levando o profissional à
concepção do nível individual ao desenvolvimento pleno das
potencialidades: a autodeterminação, a autogestão, ou a
capacidade de formular e levar a cabo os próprios planos, o
sentido de responsabilidade, a autorrealização (Cf. Arruda,
2010:35). Esses fatores são fundamentais para a concretização
da capacidade do profissional desenvolver intervenções com
prontidão e eficácia, pois a mesma brota das convicções
adquiridas durante o processo formativo e o sentimento de
cuidado ético no trato com o utente.
212
Nesse contexto, a formação não deve ser
negligenciada, porque do contrário, muitos danos serão
causados ao ser humano gerando conflito na subjetividade
tanto do profissional quanto do utente que sofre as
consequências de incompetência, falta de habilidade, de
dedicação, de cuidado, de amor, porque segundo Torralba i
Roselló, “cuidar da saúde é um exercício que transcende o
marco da biologia e da corporeidade do indivíduo e requer a
atenção e o desenvolvimento de outras dimensões
constitutivas do ser humano” (2009:39).
É a partir desse contexto que ações interventivas se
unem às habilidades do profissional capacitando-o e exigindo
dele um compromisso com o ethos do povo, respeitando sua
condição de vida. Então, o ACS, o enfermeiro ou o médico
tem de ter sensibilidade humanamente solidária para cuidar
do povo diante das situações críticas de saúde no Nordeste
brasileiro onde as pessoas se encontram cada vez mais
vulneráveis aos males e as doenças graves e crônicas por falta
de assistência à saúde. Nesse contexto, o princípio de justiça
passa pela capacidade do agente de saúde em saber dar
prioridade a dimensão da equidade tratando os desiguais na
sua desigualdade. Evidente que essa posição deve ser vista
pelo profissional da saúde, em qualquer circunstância, como
prioridade do seu trabalho segundo o código hipocrático.
A intervenção sobre a saúde é uma questão, acima de
tudo, bioética e uma condição sine qua non no agir do ser
humano com relação à prevenção e promoção da saúde.
Portanto, intervir em saúde exige consciência do outro e
cuidado desprendido de interesses individuais e egoístas.
Nesse sentido, cabe ao profissional não perder seu referencial
213
humano como também ter a consciência voltada para o
autocuidado, à ajuda mútua e criar condições para manter
ambientes saudáveis e que favoreça a coletividade (Cf.
Czeresmia, 2003:24). Nessa visão “a medicina é uma profissão
a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser
exercida sem discriminação de qualquer natureza” (Pessini,
2002:435). Paralelamente, a enfermagem é entendida, hoje, a
partir de sua “ação técnico-cientificamente competente para
promover a saúde e prevenir a doença através da prestação de
cuidados de assistência bio-psico-sócio-espiritual à pessoa
humana perspectivada na sua unicidade integral” (Neves e
Pacheco: 2004:15).
214
Araújo destaca três bioeticistas como Gilligan,
Noddings e Baier que se preocuparam em estruturar o modelo
do cuidado como reflexão fundamental da ação moral médica
em que o princípio do cuidado é defendido como expressão
mais humana. Noddings destaca o ter-cuidado como
expressão mais apropriada e mais bem aplicada à enfermagem
por se tratar da essência do pensar-agir bioético, bastando a si
próprio (Cf. 2004:60).
Em contrapartida, a falta de cuidado conduz o homem
a destruir a si próprio como também aos outros, seja pela
exploração e prática da injustiça seja por negar sua condição
humana e sua dignidade humana quebrando, assim, a
possibilidade de tornar a vida humana mais agradável e justa
para com todo ser humano. Ainda, é pela falta de cuidado que
o processo de hominização desperta no homem a percepção
crítica de suas condições subumanas.
É pelo processo de hominização que a ótica do
cuidado se faz presente como aquela que norteia a prática do
bem e a realização da justiça. Portanto, não basta não destruir,
não prejudicar o outro nem mesmo o mais fraco, pois o mais
importante é saber que o homem tem consciência do que é
capaz de realizar como ser e como pessoa humana. O homem
“é pessoa porque é o único ser no qual a vida torna-se capaz
de uma reflexão sobre si mesma” (Souza, 2004:110). E, assim,
tomar consciência de sua realidade seja ela humanizada ou não
remete e encaminha a interagir com o que está ao seu redor,
ao seu mundo e ao mundo do outro de onde emana a
solidariedade e a alteridade que faz os homens
comprometerem-se com a luta pela realização do ser humano,
e é nessa atitude que o processo de hominização vai
215
acontecendo, porque as implicações do cuidado vão surgindo
diante das necessidades da sobrevivência a deparar-se com a
concretização do bem comum.
Ainda, a dinâmica do cuidado implica uma tarefa
edificadora que exige desenvolver racional e intuitivamente a
capacidade de admiração e de possibilidades dialógicas, de
comunicação sem fronteiras. Em toda e qualquer parte do
planeta o cuidar nunca é supérfluo, pelo contrário, é falta. É
necessário aprender ou reaprender a cuidar, isto é, se alguma
vez o homem soube cuidar, hoje ele demonstra que
desaprendeu e que precisa reaprender.
Diante dessa situação, o processo de hominização
conduz o homem a lutar pela superação dos desafios mais
próximos a ele como saúde, alimentação, trabalho, moradia,
lazer, educação. No Nordeste brasileiro, esse processo tem
sido muito lento porque as políticas públicas definidas pelos
gestores públicos em torno do cuidar, principalmente, da
saúde, estão defasadas em termos de tratamento sanitário
preventivo, água potável, saneamento básico, lixo urbano,
educação moral para viver em sociedade, etc. Esses desafios
são os principais causadores de tantos males à saúde pública
em mais de 90% das cidades nordestinas. O que ocorre, de
fato, hoje nas grandes cidades, principalmente nordestinas, é
uma perda considerável de identidade social e cultural, é um
mundo onde todos são desconhecidos, o que Boff chama de
descuido quando diz que “há um descuido e um abandono
crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos
habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados
socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do
simulacro e do entretenimento” (1999:19).
216
Todavia, devemos levar em consideração que no
processo de hominização também acontece o processo do
aprender a cuidar, porque aprender a cuidar é educar-se para
mudar e à medida que essas possibilidades forem ocorrendo,
a sociedade passa a ter mais credibilidade e esperança em si
mesma e num modo de vida mais digna. Os principais
referenciais que fazem avaliar a superação do estágio de
desumanidade, hoje, são a realidade desigual e a constatação
de que a pobreza é a responsável número um pelas
enfermidades, justificando-se, assim, a importância crucial da
equidade, pois, as ações equitativas no mundo da saúde não
devem cair no utilitarismo, nem ficar escravas da eficiência
socioeconômica, esquecendo as dimensões existenciais
fincadas na cultura de um povo. A solidariedade, fruto da
compaixão e da gratuidade, precisa estar na base dessas ações
(Cf. Martins e Martini, 2012:205). Logo, o cuidado é uma
dimensão humana que interliga valores no processo de
hominização.
Leonardo Boff, em sua obra: Saber Cuidar, nos
convida a fazer uma viagem ao universo do cuidar. Ressalta,
ele, que um modo-de-ser não é um novo ser. É uma maneira
do próprio ser de estruturar-se e dar-se a conhecer. O cuidado
entra na natureza e na constituição do ser humano.
O modo-de-ser cuidado revela de maneira concreta
como é o ser humano. Sem o cuidado, ele deixa de ser
homem. Se não receber cuidado, desde o nascimento até a
morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido
e morre (Cf.1999:34). Portanto, é próprio da hominização que
o homem possa prover o mínimo de sua subsistência porque
faz parte da condição de vida do ser humano para que ele
217
possa viver sua humanidade e sua existencialidade. Por isso,
“o ser humano é essencialmente um ser de necessidades (um
animal faminto) que devem ser satisfeitas e, por isso, um ser
de consumo”, corrobora Boff (Ibid., p. 35). No entanto, é no
envolver-se nesse processo que a hominização requer
envolvimento do homem no processo evolutivo histórico de
seu desenvolvimento exigindo dele mesmo, como destaca
Boff, ser um “ser de participação, um sujeito histórico pessoal
e coletivo de construções de relações sociais e mais
igualitárias, justas, livres e fraternas possíveis dentro de
determinadas condições histórico-sociais” (Ibid., Ibidem).
Porque a hominização não pode ser tratada sem a implicação
do cuidado e o cuidado sem pontuar a hominização como um
processo contínuo e profundamente humanístico que visa
resgatar o homem de uma condição de subumanidade para
uma condição de dignidade num processo evolutivo
constante do ser homem.
Hominização e cuidado caminham pari passu por
tratarem da existência humana como o valor supremo do
cuidado. Boff comentando Heidegger diz que do ponto de
vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda
atitude e situação do ser humano, o que significa dizer que ele
se acha em toda atitude e situação de fato, ou seja, o cuidado
significa um fenômeno ontológico-essencial básico (Cf.
1999:34). É pela hominização que o cuidado toma sentido no
evoluir do ser humano dando condições de ter acesso aos
bens que o faz ser mais humano e humanizando de modo
solidário sua história, seu mundo. Sendo assim, o cuidado
aparece como matriz da consciência ética, de modo próprio e
especial, na análise da vulnerabilidade humana, reacendendo
218
uma reflexão que pode constituir-se em um meio de superar
a banalização que a enfermidade, por exemplo, pode provocar
nas pessoas e em um caminho para requalificar as relações
com a vida, porque hominizar consiste também nessa
constante busca de superação dos desafios enfrentado pelo
ser humano (Cf. Martini, 2012:193). Por isso se diz que antes
mesmo da humanização temos como desafio a
“hominização”, ou seja, criar oportunidades aos seres
humanos de existirem e viverem dignamente (Cf.
Barchifontaine, 2012:175).
Bioeticamente, o cuidado está profundamente
relacionado ao processo de hominização. Os desafios servem
com pontos de partida para solidificação dos valores que estão
arraigados na vida gerando para o ser humano paradoxos
entre as situações-limite da existência e a luta pela sua
superação a partir do compromisso ético com o cuidado. Para
a bioética o cuidado é sempre fruto do processo de
hominização.
A dignidade humana deve ser vista, portanto, como
fonte de uma reflexão ética profunda por se tratar da questão
da condição humana ou mesmo buscando atingir a sua
essência. E é nessa realidade reflexiva que os direitos humanos
passam a ser uma expressão direta da dignidade humana por
ter sua fundamentação na filosofia ocidental considerando
que o ser humano se reconhece como tal numa estreita relação
com o outro. Por isso, o princípio de alteridade está
intimamente ligado à questão ética e consequentemente a
dignidade humana.
Segundo Barchifontaine, a expressão “dignidade
humana” é o reconhecimento de um valor. É um princípio
219
moral baseado na finalidade do ser humano (...). Isso quer
dizer que a dignidade humana estaria baseada na própria
natureza da espécie humana...” (2012:172). E a questão ética,
por sua vez, diz respeito a essa relação com a condição
reflexiva como juízo de valores que brotam da subjetividade
humana, tornando o próprio homem capaz de fazer a relação
das atitudes morais com sua capacidade de pensar sobre si
mesmo e sobre os outros.
Ao profissional da saúde foi dada essa atitude de reler
a própria vida humana e fazer valer o princípio da justiça
respeitando de forma equitativa o outro, tendo em vista os
direitos e os deveres a serem cumpridos e vividos numa
escalada socializadora. “Desse modo, a sociabilidade do ser
humano funda-se em dignidade. A pessoa humana advém na
comunidade humana.” (Ibid, Ibidem).
Contudo, o pensar e o agir ético dos profissionais da
saúde têm impacto social fundante na dimensão dos direitos
humanos, respeitando o utente como cidadão fazendo-os
perceber o valor de sua dignidade e de sua cidadania já que
tudo está interligado no exercício da plenitude dos direitos
garantindo sua existência física, cultural, social e política pelo
tamanho da responsabilidade que a todos atinge.
Por direitos humanos “compreende um sistema de
saber e um sistema de ação que buscam integrar a tradição dos
direitos subjetivos com os mais recentes direitos sociais.”
(Junior e Ayres, 2003:63). Por isso, ter consciência dos direitos
sociais é também ter consciência dos direitos subjetivos por
estarem eles ligados à liberdade de ação do indivíduo como
sendo aqueles que “estabelecem os limites no interior dos
quais um sujeito está justificado a empregar livremente a sua
220
vontade. E eles definem liberdade de ação iguais para todos
os indivíduos ou pessoas jurídicas, tidas como portadoras de
direitos.” (Habermas, 1997). Eis a consciência que deve ter
um profissional da saúde pelo tamanho dos desafios que
enfrenta. Saber discernir os direitos humanos voltados ao
utente que, estando fragilizado pela doença, requer cuidado,
apoio e confiança do profissional. Então, a ética passa a ter
primazia nesse sentido.
Contudo, a dimensão ética em saúde estabelece uma
centralidade do agir ético-humanístico do profissional que
tem tudo a ver com sua condição humana de lutar em prol
dos direitos e da dignidade humana por está intrinsecamente
ligado ao ser humano em suas situações-limite referentes à
doença e a saúde.
As implicações éticas dos direitos humanos e da
dignidade humana significam ter-se respeito pela vida,
incluindo a prática da justiça, da tolerância, do cuidado e da
ajuda como fatores de solidariedade. Tudo isso acaba por ser
o resultado de um processo formativo eficiente e de políticas
públicas voltadas para o homem.
221
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