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Macapá
2012
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Macapá
2012
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Banca Examinadora:
Suplentes
AGRADECIMENTOS
A Deus e aos meus pais, Albertino e Écia, pelo amor e pela oportunidade de vida.
Às minhas lindas Sandra, Elizabeth e Eliane pelos exemplos, a serem seguidos ou não,
ao longo da construção da pessoa que sou hoje.
Aos meus amigos e familiares, pela compreensão de minhas horas ausentes em seus
convívios e por todo apoio e incentivo.
Ao meu amado amigo, companheiro e namorado Oscar Pantoja, pela compreensão nos
momentos de angústias e estresse, pelo apoio material dado a este trabalho e, acima de tudo,
por todo amor demonstrado.
William James
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RESUMO
A partir de 2009, com a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem
(PNAISH), evidenciaram-se na sociedade algumas características e posturas dos homens
perante sua saúde, que revelaram que os homens morrem cada vez mais cedo que as mulheres,
que pouco acessam os serviços de saúde e que, segundo a política de saúde do homem, “não
se cuidam”. Mas que fatores levam os homens a tal postura? Assim, este estudo objetiva
verificar se os homens, da cidade de Macapá, acreditam que não se cuidam, como diz a
PNAISH, e indagar sobre os fatores que influenciam neste cuidado. Para tanto se realizou um
estudo transversal quanti-qualitativo descritivo, utilizando-se o método da análise de conteúdo
e teste qui-quadrado para testar a hipótese. Foi aplicado formulário com questões abertas e
fechadas sobre a saúde dos entrevistados, sua relação com as instituições de saúde e sobre o
autocuidado. Os 203 homens entrevistados estão na faixa etária de 20 a 59 anos, e destes,
94,6% concordaram com a afirmativa que os homens não se cuidam. As explicações para o
não cuidado segundo 74,6% dos entrevistados está relacionado aos fatores de gênero, como o
machismo, a virilidade, invulnerabilidade, e 25,4, estavam relacionados com fatores
institucionais como a falta de tempo, horários, filas, falta de serviços voltados para homens.
Nesse sentido conclui-se que fatores de gênero influenciam mais que fatores institucionais na
busca do homem pelo cuidado. As estratégias da PNAISH para adesão dos homens aos
cuidados e aos serviços de saúde devem ir além de disponibilizar serviços voltados para eles,
mas principalmente devem considerar as construções sociais do masculino, envolvendo toda a
sociedade para desconstruir o estereótipo masculino de ter uma saúde invulnerável.
ABSTRACT
From 2009, from the creation of the National Policy of Full Care To Men’s Health (PNAISH
in portuguese), were proved in society some features and attitudes of men towards their
health, which revealed that men die more and earlier than women, that they little access to
health services and that, according to the men’s health policy, they “do not take care of
themselves”. But what factors lead men to such behavior? So it was taken to verify whether
the men in the city of Macapá, believe they do not care of themselves, as PNAISH says, and
inquire about the factors that influence this care. For such, it was performed a descriptive
cross-sectional study in quality and quantity, using the method of content analysis and chi-
square test to verify the hypothesis. It was applied a form with open and closed questions on
respondents' health, their relation to health institutions and self-care. 203 men, aged between
20 and 59 years-old, were interviewed, of whom 94.6% agreed with the statement that men do
not care of themselves. 74.6% of the explanations for the lack of care were related to gender
factors, such as sexism, virility, invulnerability, and 25.4, were related to institutional factors
such as lack of time, schedules, lines, lack of services aimed for men. Accordingly it is
concluded that gender factors influence more than institutional factors in man's search for
care. The PNAISH strategies for adherence of men to care and health services must go
beyond providing services for them, but mostly should consider the social constructions of the
male universe, involving the whole society to deconstruct the masculine stereotype of having
an invulnerable health.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11
HOMEM..................................................................................................................... 36
SAÚDE....................................................................................................................... 65
6 CONCLUSÃO..................................................................................................... 86
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 89
APÊNDICES.............................................................................................................. 95
11
1 INTRODUÇÃO
É costume se ouvir que a vida dos homens começa aos 40, então, dessa perspectiva ele
viveu apenas cinco anos. Inteligente, viril, forte, jovial, sedutor, com instinto protetor e
provedor aparentemente nato, como todos os homens, assim era ele. Contudo, ao longo de
seus 42 até os 45 anos, aflorou-se a fúria de um monstro traiçoeiro, e até então silencioso, que
o acompanhava por longo tempo, a hepatite C. E veio furiosamente corroendo seu fígado,
seus sentidos, seus sentimentos, sua posição social, sua função, seu emprego, seu dinheiro,
seu amor, sua família, sua dignidade, sua vida. Ele sabia da gravidade, mas não a aceitava,
julgava-se forte e resistente, rejeitava cuidados médicos, transplantes ou coisas parecidas, com
o discurso ora de que “não era nada”, ora de que “era tudo e não tinha mais jeito”, ora de que
“não queria dar trabalho” . e ora de que “estava valendo mais morto do que vivo”, referindo-
se ao papel de provedor da família, naquele momento prejudicado pelo desemprego, fazendo
uma alusão aos benefícios previdenciários a serem recebidos por seus familiares. Até nesse
momento, ele não parou de pensar em prover.
Por certo que a árdua prova da doença crônica, com fim anunciado para breve, não é
fácil, nem rotineiro e nem ansiado por ninguém, seja homem, seja mulher. Contudo, para os
homens, isso parece ser muito mais difícil, pois os colocam numa verdadeira inversão de
papéis, do ser protetor, para o ser protegido, do ser provedor para o ser provido, do ser forte
para o ser frágil, do ser que se julga autossuficiente para o ser insuficiente e dependente de
esposas, filhas, médicos, enfermeiros. A motivação deste trabalho teve início num momento
de dor e perda de um amor, de um companheiro, que preferiu recusar os cuidados até onde
pôde para manter a sua imagem de protetor, de provedor, de sedutor de sua amada. Talvez
assim o fizesse para que ela sempre lembre dele como o seu HOMEM de verdade, mesmo
depois de ausente fisicamente.
Paralelo à perda desse ente queridíssimo, inicia-se uma campanha na mídia
televisionada, que afirmava que “os homens morrem mais que as mulheres, os homens vivem
em média sete anos menos que as mulheres porque os homens não se cuidam”. Era o
lançamento em 2009 da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (PNAISH). No
decorrer da campanha, foi disseminada na sociedade uma série de informações sobre o
comportamento masculino em relação à sua saúde, e, dentre estas, muitas vinham de encontro
aos momentos vivenciados no seio familiar. A recorrência dos fatos levou aos
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questionamentos dos porquês dos homens agirem com descaso para com sua saúde? Por que
morrem mais? E mais cedo? De que morrem mais? Por que não se cuidam?
No anseio de conhecer e iniciar a busca das respostas e do entendimento em relação à
saúde do homem, apresenta-se nesta pesquisa: 1) o paradigma atual de saúde e as estruturas e
serviços de saúde disponíveis à sociedade no Amapá; 2) a construção social do homem como
um ser masculino, considerando as discussões de gênero.
No Brasil, a Constituição de 1988 representa um marco na sociedade e também na
Saúde Pública. A partir deste marco, inicia-se a formação do Sistema Único de Saúde (SUS),
formalizado em 1990, pensado como uma proposta de reorganizar os serviços de saúde no
país, de forma a atender integral e igualitariamente a toda população. Regido por princípios
que versam sobre como deve acontecer a atenção ao usuário e como esta deve estar
organizada em níveis de complexidade, o SUS tem como objetivos, dentre outros, a
formulação de políticas públicas de saúde e o fornecimento da assistência de saúde à
população. Realizados por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde, através de ações assistenciais e atividades preventivas.
Contudo, apesar dos princípios de integralidade, universalidade e equidade do SUS,
havia um grupo, que se apresentava no cenário da saúde pública, com uma situação
preocupante e com aparente descuido de sua condição de saúde, os homens. Com isso, no ano
de 2009, é criada a PNAISH, com a intenção de fomentar na sociedade a preocupação e o
cuidado com a saúde masculina, tendo como proposta a política reduzir a morbidade
(capacidade de produzir doenças) e mortalidade (número de óbitos) entre os homens, além de
facilitar o acesso às ações e aos serviços de assistência integral desse grupo populacional.
A necessidade de uma política específica para esse público é decorrente da realidade
apresentada pelos indicadores de morbidade e mortalidade desta população. Segundo dados
do Ministério da Saúde (MS), a expectativa de vida masculina é sete anos menor e a
quantidade de óbitos é muito superior à das mulheres. Destaque-se a violência que vitima o
dobro de homens, e o triplo se for considerado a faixa de 20 a 39 anos. Pelos dados, têm-se
que 82% dos óbitos do sexo masculino são em decorrência de acidentes de trânsito, em geral
jovens, e seis de cada 10 óbitos são doenças do aparelho circulatório (BRASIL, 2009a).
O diagnóstico de saúde, realizado pelo MS que serviu como fundamentação da
PNAISH, destaca, ainda, que o câncer mais frequente na população masculina é o de pele,
seguido pelo de próstata, que teve um aumento de cerca de 120% no período de 1979 a 2006.
Este estudo também revela que os homens são mais sedentários, e que são as maiores vítimas
das problemáticas relacionadas ao álcool e ao fumo.
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Além dos estudos realizados pelo MS, existem alguns outros que destacam as
características da saúde masculina e como estes se comportam perante ela. Figueiredo (2005),
Gomes (2003) e Mota (1998) evidenciam, em seus estudos, que homens são mais vulneráveis
às doenças, sobretudo às enfermidades graves e crônicas, e que morrem mais precocemente
que as mulheres. Essa realidade ocorre, possivelmente, porque os homens só procuram o
serviço de saúde quando perdem sua capacidade de trabalho. E quando necessitam de ajuda,
procuram, primeiro, farmácias ou prontos-socorros, onde o atendimento é mais rápido e
objetivo, embora não seja o mais adequado.
Outro fato a considerar é que as atividades de prevenção e de promoção à saúde são
pouco voltadas à população masculina. Desse modo, vale questionar: os homens não
procuram os posto de saúde e as atividades preventivas porque não têm ações específicas
voltadas para eles ou eles desconhecem por não terem o hábito de ir ao posto?
Em se tratando do Amapá, a população masculina a ser beneficiada pelas ações da
PNAISH é de 147 mil indivíduos, na faixa etária de 20 a 59 anos, segundo o MS. Tal
população apresenta como principal causa de mortalidade as causas externas (representadas
por acidentes, lesões e agressões), com 45% do total de mortes na faixa etária de 20 a 59 anos,
o que se assemelha à realidade nacional. Sendo que, no ano de 2008, o estado foi líder de
mortes com causas violentas no país. A segunda principal causa de morte são as doenças do
aparelho circulatório, entre elas isquemias cardíacas, infarto e doenças cerebrovasculares. A
terceira causa foram as doenças não especificadas, seguida da quarta causa, que foram as
neoplasias.
Estes dados indicam que a PNAISH tem um importante papel a desenvolver no estado
do Amapá – esclarecer e convencer os homens a cuidarem melhor de si, compreendendo toda
a sua vulnerabilidade, num contexto que os criou invulneráveis. Este é o grande desafio na
implementação das ações da política.
A importância e relevância do tema justificaram-se na necessidade de entender a
relação dos homens com a saúde, focando o âmbito local, buscando-se oferecer à sociedade
informações que irão servir de subsídios e compreensão, e, consequentemente, base para a
implementação de ações voltadas para este público. O ineditismo do tema reforça a
necessidade da contribuição, uma vez que é papel da ciência produzir estudos que forneçam
dados e reflexões para subsidiar mudanças na sociedade. Os dados produzidos nesta
dissertação têm, portanto, essa perspectiva e também ser modelo para outros estudos sobre a
saúde de um grupo populacional pouco estudado no estado.
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Esta pesquisa parte da hipótese de que os homens não se cuidam e que fatores
relacionados ao gênero, ou seja, as características construídas socioculturalmente que
representam o que é ser masculino na sociedade, influenciam mais que outros fatores, como
os relacionados às instituições. Entretanto, não se pode perder de vista que a saúde masculina
também pode estar relacionada a condições estruturais e dinâmicas das instituições
relacionadas, direta ou indiretamente, com a saúde, como, por exemplo, postos de saúde,
hospitais, programas e políticas de saúde.
A fim de destacar e situar estas duas vertentes, os fatores de gênero e os fatores
institucionais, no processo de cuidar de si dos homens, iniciam esta discussão a partir dos
conceitos sobre saúde e a partir da crise paradigmática que vive tal conceito até o momento da
criação da PNAISH. Para tanto, é necessário que se esclareça que o conceito de paradigma
aqui utilizado vem em consonância com Khun (1975), que diz que é o conjunto de elementos
culturais, conhecimentos e códigos teóricos ou metodológicos compartilhados pelos membros
de uma comunidade científica, e que a evolução científica se dá por revoluções, denotando as
passagens das fases da normalidade para as crises e daí para novas teorias. E, em relação à
saúde, é possível notar que seu conceito vem mudando, e que ora este atende às necessidades
da sociedade, ora não atende, caracterizando as revoluções ou crises paradigmáticas, como se
reflete a seguir, com autores como Lefevre e Lefevre (2004) e Santos e Westphal (1999).
A saúde pública tradicional, assim como a Medicina e as demais áreas do
conhecimento a ela subordinadas, entende que a doença faz parte da vida humana sobre a
Terra; que, na qualidade de vicissitude, a doença é algo que, simplesmente, existe, sempre
existiu e sempre existirá, enfim, que é uma espécie de fatalidade natural (LEFEVRE;
LEFEVRE, 2004). E, até o século XX, o conceito que considerava saúde como a mera
ausência de doença era a base do paradigma de saúde dominante na época, denominado de
curativista (SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Santos e Westphal (1999) citam que no século XIX a situação da morbidade e
mortalidade em todo o mundo era caracterizada pela predominância de doenças
infectocontagiosas sobre as demais, e que esta teria somente uma causa, um germe. Dessa
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noção decorre que a saúde seria a ausência de doença, isto é, a ausência de um agravo causado
por um patógeno. As grandes esperanças de recuperação da saúde, ausência de doença,
estavam na assistência clínica, especialmente nos hospitais.
No transcorrer do século XIX, ocorre o processo de transição epidemiológica, quando
as doenças infectocontagiosas perdem importância para as doenças denominadas de crônico-
degenerativas. O que, segundo Dardet (1994 apud SANTOS; WESTPHAL, 1999), ocorreu
decorrente da melhoria das condições de vida da população, mais do que dos progressos
médicos da época. Como consequência desse processo, houve o deslocamento da ênfase
curativa para a prevenção, resultando, segundo estes autores, na crise do curativismo, pelo
menos em nível teórico. No Brasil, é possível relacionar o paradigma curativista da saúde com
o sanitarismo campanhista, época na qual a preocupação era erradicar as doenças
infectocontagiosas, utilizando-se de ações que usam a força e a autoridade sob a população.
Nesse período, ainda segundo os autores supracitados, a Saúde Pública assumiu o
paradigma higienista. O objetivo era a resolução do problema das cidades, ainda sem
infraestrutura para abrigar a população crescente, com a remodelação e o saneamento, a
transmissão de normas higiênicas, configurando o que se chamou de dicotomia
prevenção/cura.
No século XX, teve início a era terapêutica reforçada pelo desenvolvimento moderno
do Estado de bem-estar e por aumento dos recursos públicos ao setor saúde. A visão de saúde,
a partir de então, passou de mera ausência de doença para a noção de bem-estar físico e
mental, e daí para o conceito mais amplo que inclui uma adequação de vida social, ocorrendo,
claramente, uma mudança de paradigma, inclusive com a ruptura semântica entre os conceitos
de saúde, modificou-se, inclusive, a prática sanitária de curativa para preventiva e de
promoção à saúde (SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Começa a ser disseminada no mundo a ideia da prevenção e promoção da saúde.
Segundo Terrys (1992 apud SOUZA; GRUNDY, 2004, p. 2), a expressão “promoção de
saúde” foi usada pela primeira vez em 1945 pelo canadense Henry Sigerist, que definiu quatro
tarefas essenciais à Medicina: a promoção de saúde, a prevenção de doenças, o tratamento dos
doentes e a reabilitação. Os autores afirmam ainda que, para se ter saúde, é necessário um
padrão de vida aceitável, no qual estão incluídas condições apropriadas de trabalho, educação,
lazer, bem como a necessidade da interação intersetorial e de alianças interdisciplinares na
promoção da saúde.
Contudo, alguns autores observam que a Medicina preventiva não dá conta de todo o
processo de saúde-doença: ela pode identificar riscos, atuar sobre eles, mas não é de sua
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alçada a gênese desses riscos; nem o estudo de suas naturezas, mecanismos de atuação, meios
para prevenir a sua existência etc. De fato, se é verdade que a Medicina preventiva deu
origem ao novo paradigma, não chegou a romper com o antigo (NOACK, 1987;
STACHTCHENKO; JENICEK, 1990 apud SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Assim, o discurso e a prática sanitária hegemônico baseados no modelo biomédico,
entram em crise, mostrando-se ineficazes para o enfrentamento da complexidade dos quadros
sanitários presentes no mundo, ao final do século XX e início do século XXI. O arsenal
tecnológico, bem como a produção de bens e serviços disponíveis atualmente, tem sido
impotente em muitos casos para proporcionar a melhoria da saúde de pessoas e comunidades,
porém não tem conseguido subsidiar e instrumentalizar políticas públicas que resultem em
intervenções adequadas (LEFEVRE; LEFEVRE, 2004).
Era evidente que o modelo biomédico usado para enfrentar o processo saúde-doença
se tornava impotente em face aos modos de urbanização que vinham estruturando as cidades e
que traziam uma nova realidade na saúde da população (LEFEVRE; LEFEVRE, 2004). É
nesse contexto que, em 1978, um importante evento ocorre em nível mundial e contribui para
a consolidação da ideia de promoção de saúde, a Conferência Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, no Cazaquistão.
A declaração de Alma-Ata, originada desta conferência, foi considerada peça-chave
pela Organização Mundial (OMS) da Saúde na disseminação da importância da atenção
básica de saúde e das ações da promoção de saúde. Nesta declaração, a saúde é enfatizada
como um direito humano fundamental, que necessita de ações em diversos setores sociais e
econômicos para ser garantido. Nesta declaração, é estabelecida a meta de saúde para todos
até o ano 2000 (ORGANIZAÇÃO, 1978).
Vale ressaltar que a atenção básica ou primária de saúde é colocada como o primeiro
contato dos indivíduos com os sistemas de saúde dos países. Assim, a Declaração de Alma-
Ata esclarece que:
de saúde da atenção básica ou primária, como atesta a própria PNAISH (BRASIL, 2009a). Tal
assertiva se constitui uma contradição, haja vista que, em tempos da promoção da saúde, não
se pode fechar os olhos para um grupo que não acessa os serviços da atenção básica, o que
leva a se questionar o fato, buscando responder sobre os “porquês” da ausência. Será a
deficiência das instituições provedoras de saúde? O que leva os homens a não acessarem os
serviços de saúde da atenção básica?
Seja qual for a causa, é necessário que se coloquem em prática os preceitos tão
discutidos e acordados nas várias conferências sobre o assunto, onde países, incluindo o
Brasil, comprometeram-se na execução das ações, assegurando a todos o direito humano
fundamental, que é a saúde. Ressalte-se que este propósito deve ser um esforço de todos os
setores que movimentam a sociedade, seja o setor primário, representado pelo Estado, seja o
secundário, representado pelo Mercado, ou seja o terciário, representado pelas entidades da
sociedade civil. Todos têm o dever de fazer a sua parte para garantir tal direito de forma igual
e integral a todos os membros da sociedade.
E é nesse contexto que nasce a PNAISH, em 2009, com uma proposta de qualificar a
saúde da população masculina na perspectiva de resguarde, de valorização, promoção,
prevenção, proteção da saúde e qualidade de vida, bem como de educação como estratégia de
consolidação da saúde do homem (BRASIL, 2009a, p. 19). Esse programa visa assegurar a
esta parcela da população, até então sem ações específicas no âmbito das instituições de
saúde, o direito, ou, pelo menos, a disponibilização de ações voltadas para os homens.
Após o entendimento da mudança de paradigma ocorrido na saúde e do advento da
promoção da saúde como nova ferramenta para a concretização do direito humano à saúde, o
passo seguinte é contextualizar como essa garantia se dá no Brasil. Para tanto, a seguir, traz-se
ao estudo a formação e o papel do SUS, como instrumento de disseminação da saúde na
sociedade brasileira.
De acordo com Polignano (2001, p. 24), o SUS é regido por princípios, divididos entre
doutrinários e organizativos. Como doutrinários, tem-se:
sentido de refletir sobre o que está acessível à população, e como estão se desenvolvendo as
ações da PNAISH, no Amapá.
1
Obra paralisada pela chamada Operação Pororoca, realizada pela Polícia Federal, que identificou problemas
nas prestações de contas.
30
Com relação à atenção básica, também dita de baixa complexidade, desde o ano de
2002, com a municipalização da rede, passou a ser de gestão dos municípios. Observando a
evolução histórica dos estabelecimentos que compõem a rede de atenção básica, verifica-se
que houve uma redução do número de postos de saúde, de 159 para 139, entre os anos de
2002 a 2009, contudo houve um aumento do número de unidades ou centros de saúde, de 24
para 61 no mesmo período (AMAPÁ, 2006; BRASIL, 2009b). Isso é positivo, pois,
considerando o tipo de atendimento entre posto de saúde e centro ou unidade de saúde, estas
últimas possuem serviços mais especializados com profissionais de nível superior, como
médicos, enfermeiros, nutricionistas, odontólogos, psicólogos. Nos postos de saúde,
entretanto, o poder resolutivo é bem menor, pois o atendimento é feito por profissionais de
nível técnico.
Outro tipo de estabelecimento que faz parte da atenção básica são as unidades mistas
de saúde, que no estado passou de nove para dez, entre os anos de 2002 a 2009 (AMAPÁ,
2006; BRASIL, 2009b). Essas unidades estão localizadas nas sedes dos principais municípios
do estado, prestando assistência básica ambulatorial e hospitalar, e possuem um poder
resolutivo bem maior que os postos de saúde e as unidades ou centros de saúde, pois, além de
possuírem profissionais especializados de nível superior, também realizam procedimentos
hospitalares de baixa complexidade, como emergências e cirurgias de pequeno porte.
Cabe ressaltar que, apesar de a atenção básica ser de responsabilidade do município de
Macapá, esta representa um importante suporte de serviço de saúde a toda população do
estado, pois 75% da população amapaense concentram-se nos municípios de Macapá e
Santana, além de prestar atendimento à população de outros municípios, tanto do próprio
Amapá como do vizinho estado do Pará. Sendo o SUS responsável pela grande maioria dos
atendimentos, apesar do incremento da rede privada nos últimos anos, existem no estado
apenas dois hospitais privados, levando em conta que um deles também atende ao SUS, na
modalidade convênio. E, ainda, nestes hospitais alguns procedimentos não são realizados,
como é o caso das hemodiálises, que, quando necessárias, são realizadas no setor de
nefrologia do Hospital público de Clínicas Alberto Lima (HCAL).
Outro serviço que não está disponível é a radioterapia, procedimento com radiação
ionizante utilizada no tratamento oncológico. Contudo, recentemente foi divulgada, na mídia,
a construção de um centro de radioterapia no estado, com previsão de entrega apenas para o
final de 2013, ressaltando que tal centro é de iniciativa privada, mas que, certamente, atenderá
às demandas do SUS através de convênios. Porém, enquanto se espera o término da
construção, os casos que necessitam do tratamento o fazem através do Tratamento Fora do
31
a repetência escolar e o aumento da oferta de vagas nos ensinos médio e superior. Também os
programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, que, além de contribuírem para o
fator renda, contribuem também para o fator educação com a obrigatoriedade das famílias em
manter as crianças na Escola. O fator longevidade, que envolve a expectativa de vida ao
nascer, foi o que menos contribuiu com o aumento do IDH (BRASIL, 2009g).
Segundo estimativa do IBGE (BRASIL, 2010c), a expectativa de vida do amapaense
subiu de 66 anos em 2002 para 71 anos, ocupando a 20ª posição no ranking nacional. A
expectativa de vida é calculada considerando-se, além das taxas de mortalidade geral e
infantil segundo a classe de renda, o acesso a serviços de saúde, saneamento, educação,
cultura e lazer, bem como os índices de violência, criminalidade, poluição do local onde vive
a população. Sendo, portanto, um indicador de melhorias na saúde de uma determinada
população.
Outro indicador de saúde analisado foi a taxa de mortalidade infantil, que passou de
24,2 para 20,7/1000 nascidos vivos (BRASIL, 2009b). Esta média encontra-se um pouco
abaixo da nacional, que é de 22/1000 nascidos vivos, e é considerada péssima quando
comparada à Islândia, que é de 2,9/1000 nascidos vivos, e excelente quando comparada à
Serra Leoa, que é de 104,3/1000 nascidos vivos (BRASIL, 2010c). A taxa de mortalidade
infantil é um importante indicador das condições de vida e do acesso e qualidade das ações e
serviços de saúde. Significando o número de crianças mortas até um ano de idade para cada
mil nascidas vivas.
Quanto à taxa de mortalidade, que corresponde ao número de óbitos em 1.000
habitantes, no Amapá foi de 3,8, no ano de 2002, e 3,1 no ano de 2008 (BRASIL, 2009b).
Quando são analisadas as causas de mortalidade na população, tem-se que, desde 2002, a
principal causa de mortes são as classificadas, de acordo com Organização (1995), no Código
Internacional de Doenças (CID-10), como as causas externas, que, no ano de 2008, segundo o
MS, atingiu 21,5% dos óbitos, e destes 27% são decorrentes de homicídios, seguidos dos
acidentes de transporte, com 16% (BRASIL, 2009c).
Com relação à PNAISH, o estado, bem como todo o país, ainda se encontra em fase de
implementação das ações propostas. Para tal, foram criadas coordenações estaduais e
municipais, encarregadas de desenvolverem as primeiras atividades, relacionadas à
capacitação de recursos humanos e à divulgação da PNAISH, além da adequação dos serviços
de saúde para o público masculino. As ações, entretanto, ainda são tímidas, no Amapá.
No ano de 2010, em Brasília, foram realizadas capacitações para os gestores da
PNAISH, voltadas a estados e municípios, para que se desse início à implementação das ações
35
propostas pela política para o atendimento dos homens nos serviços de saúde do SUS. Em
Macapá, foi realizado um seminário com os profissionais da saúde da atenção básica, quando
foi discutida a situação atual da saúde masculina, bem como as ações que serão realizadas no
município. Contudo, as ações de implementação dos serviços de saúde específicos para
homens no estado e município ainda se encontram em processo de adequação, pois dependem
de aprovação e disponibilidade financeira.
Segundo informações da Coordenação de saúde do Homem do município de Macapá,
a proposta que se tem ao nível municipal é de adaptar uma unidade básica de saúde para ser
referência em atendimento aos homens, com a presença de médicos especialistas em urologia,
que estariam habilitados, inclusive, a fazer pequenos procedimentos cirúrgicos, dentre eles a
vasectomia. Cabe ao estado o papel de propagar os serviços de saúde aos homens nos demais
municípios, dando ênfase à prevenção do câncer de próstata, facilitando os exames e as
cirurgias relacionadas ao problema. Entretanto, até o início de 2012, as ações da execução
prática da PNAISH ainda encontram-se, como já dito, tímidas e insipientes.
A contextualização sobre a estrutura dos serviços de saúde permitiu apresentar o
funcionamento da rede saúde no Amapá, analisando as lacunas e fragilidades da rede. Partiu-
se do princípio que a saúde deve ser concebida como um direito humano e cabe ao estado
construir as bases para que esse direito se efetive. Esta contextualização foi necessária, pois a
problemática deste estudo possui duas vertentes que podem interferir na busca do cuidado do
homem pelos serviços de saúde: a vertente relacionada aos fatores institucionais e a
relacionada aos fatores de gênero.
Discutidos e destacados os fatores relacionados às instituições de saúde – seu
funcionamento, sua disponibilidade, seus níveis de complexidade, e como estes podem
interferir e influenciar no cuidado a saúde –, é hora de mergulhar nos fatores relacionados ao
gênero, que explicam a construção e as características de comportamento do ser masculino na
sociedade, e como estes fatores interferem na questão de saúde masculina, haja vista que este
estudo parte da hipótese de que estes fatores são os mais determinantes e influenciadores do
cuidado masculino.
36
A saúde é hoje entendida como um bem-estar físico, mental e social, e não apenas
como a ausência de doenças. Deve-lhe ser assegurado, ainda, viver num meio com condições
de moradia, saneamento básico, educação, transporte, lazer, trabalho, renda. E, de acordo com
a promoção da saúde, os indivíduos devem estar aptos a cuidar-se de forma a desenvolver
hábitos de vida que contribuam para sua saúde.
Desde o início desta pesquisa, a máxima de que “os homens não se cuidam” foi
norteadora do estudo. Esse problema está relacionado com os fatores determinantes para que
os homens não se cuidem. Diante da dimensão e da complexidade das teorias pautadas para
explicar e responder ao problema, observa-se que a discussão é longa e complexa. Assim,
como uma forma de justificar a máxima, tão inculcada na sociedade, de que o homem não se
cuida, traz-se dados de mortalidade e morbidade masculina, que justificam a condição de
saúde vulnerável dos homens, buscando-se fazer um comparativo da situação em âmbito
nacional e estadual.
A partir da PNAISH, houve a propagação de dados alarmantes sobre a realidade
masculina. Os homens brasileiros correspondem a 60% das mortes no país, e possuem
expectativa de vida em torno de 7,6 anos a menos que as mulheres. Sedentário e mais
acometido pela problemática da dependência química, principalmente álcool e fumo, o
homem revelado pelo estudo também é pouco preocupado com as questões do planejamento
familiar e com sua saúde de maneira geral (BRASIL, 2009a).
A saúde do homem ganha espaço no SUS e na sociedade através da PNAISH, criada
em 2009, com o objetivo de promover melhorias nas condições de saúde dos homens,
contribuindo para a redução da morbidade e mortalidade masculina, e facilitando o acesso às
ações e aos serviços de assistência à saúde (BRASIL, 2009a). Mas qual o cenário de saúde
dos homens? De que morrem mais? Que doenças são mais frequentes? O que pensam de sua
saúde? As respostas a tais perguntas podem ajudar a colocar em funcionamento ações mais
direcionadas à realidade masculina.
E, para responder e esclarecer tais dúvidas, traz-se à discussão, fazendo-se um
comparativo entre o nacional (Brasil) e o local (Amapá), os dados mostrados pelo diagnóstico
37
mortes prematuras trazem consequências psicofísicas e socioeconômicas, uma vez que são
vidas jovens perdidas em plena fase produtiva.
A segunda causa da mortalidade masculina no Brasil são as doenças do aparelho
circulatório, como também acontece no Amapá. A maior incidência de mortalidade
masculina, no ano de 2005, por esta causa ocorreu após os 60 anos (72,2%). Contudo, o
percentual de óbitos na população dos 25-59 anos foi de 26,8%, o que foi considerado
bastante expressivo no diagnóstico da saúde masculina. As doenças isquêmicas do coração,
entre elas o infarto agudo do miocárdio, foram as principais causas, seguidas das doenças
cerebrovasculares. Quanto às causas das internações hospitalares, a maior parte deve-se aos
acidentes coronarianos (40,5%), seguidos pela hipertensão arterial (18,7%) (BRASIL, 2009a).
No Amapá, as doenças cardiovasculares representam, entre os homens de 20 a 59
anos, 13,6% dos óbitos, sendo as duas principais causas as doenças isquêmicas e
cerebrovasculares, com 8% dos óbitos masculinos na referida faixa etária, exatamente como
acontece ao nível nacional. 10% das internações de homens nessa faixa etária, no estado, são
decorrentes de problemas circulatórios, citados a seguir em ordem de maior ocorrência: 1)
insuficiência cardíaca; 2) doenças isquêmicas do coração; 3) acidente vascular cerebral; e 4)
hipertensão arterial (BRASIL, 2009f).
A terceira causa de mortes no Amapá, com pouco mais de 13% dos óbitos na faixa
etária estudada em 2009, está classificada no CID-10, como sintomas, sinais e achados
anormais ao exame clínico e laboratorial não classificado em outras categorias (BRASIL,
2009h), o que não coincide com a realidade nacional, que tem como terceiro lugar as
neoplasias. Essa inexatidão das causas de mortes pode ser explicada por falhas no momento
do preenchimento dos atestados de óbitos, e pela estrutura deficitária do estado no diagnóstico
de doenças, como visto anteriormente no capítulo que versa sobre a estrutura de saúde do
Amapá.
Vale ressaltar, ainda, que, na classificação do CID-10, “outras causas” não foram
consideradas como causas de mortes na discussão do diagnóstico da saúde do homem, contido
na PNAISH e base para esta discussão. Se estas causas tivessem sido consideradas, estas
seriam a segunda causa de mortes entre os homens, conforme os dados apresentados na
referida política.
Em relação às neoplasias, estas são a terceira causa de morte masculina no Brasil e a
quarta no Amapá, com 6% dos óbitos masculinos, na faixa etária de 20 a 59 anos. A maior
causa de mortalidade, entre as neoplasias, são as relacionadas ao aparelho respiratório
(pulmão, traqueia e brônquios), seguida pelo câncer de próstata e do aparelho digestivo. No
39
Amapá, no ano de 2009, as neoplasias apresentaram 5% dos óbitos masculinos, sendo que
50% dos casos foram decorrentes das neoplasias do aparelho digestivo, 17,8% do sistema
linfático hematopoiético, 7% do aparelho respiratório, e 3,5% de órgãos genitais masculinos
(BRASIL, 2009h).
Em 2007, os tumores do aparelho digestivo, as neoplasias malignas do lábio, cavidade
oral e faringe foram as que apresentaram o maior número de internações (8.744), seguida pelo
câncer de estômago (5.316), pelo câncer de cólon (5.085) e pela neoplasia maligna de esôfago
(4.715) (BRASIL, 2009a). Ressalta-se ainda que, comparando-se o número de internações por
estas neoplasias no ano de 2000 em relação aos pacientes internados em 2007, chega-se à
conclusão que o quantitativo praticamente dobrou neste estado (INSTITUTO, 2011).
No caso do aparelho respiratório, as neoplasias malignas da traqueia, brônquios e
pulmões foram responsáveis, no ano de 2007, por 3.836 internações, seguidas pelo câncer de
laringe, com 3.237 casos. E, dentre as internações por tumores do aparelho urinário, destaca-
se a neoplasia maligna da próstata, com 2.377, enquanto que outros tumores malignos do
aparelho genital masculino foram responsáveis por 2.183 internações, seguidas de 1.510 casos
de neoplasia maligna da bexiga (BRASIL, 2009a).
Quando se analisa os números de internações do Amapá, verificam-se que, em se
tratando de câncer, as principais causas, no ano de 2009, são: o câncer de estômago com
23,7% das internações, seguido dos câncer de cólon com 11,4%, aparelho respiratório com
9,6% e genitais masculinos com 8,8% (BRASIL, 2009e).
Ressalta-se, ainda, a problemática do câncer de pênis, que no Brasil representa 2% de
todas as neoplasias que atingem os homens, sendo 16% dos casos registrados nas regiões
Norte e Nordeste, existindo estados, como é o caso do Maranhão, em que sua incidência
supera até o câncer de próstata, chegando à média de 26,6 novos casos por ano (NARDI;
GLINA; FAVORITO, 2007).
E, tratando-se do câncer de pênis no Amapá, dados mostrados em Seminário de
Capacitação sobre Saúde do Homem realizado pela Prefeitura Municipal de Macapá, em
2010, revelaram que, do ano de 1990 a 2002, foram diagnosticados 22 casos, e, entre os anos
de 2006 a 2009, foram 17 casos; destes, oito pacientes tiveram amputação total do pênis. A
média de idade destes pacientes é de 57 anos com baixo grau de instrução.
Ao relacionar os fatores de morbidade, a PNAISH destaca as disfunções sexuais,
notadamente a disfunção erétil, que acomete cerca da metade dos homens depois dos
cinquenta anos. Identificada como fator que mais interfere na qualidade de vida dos homens, a
40
saúde sexual também pode ser considerada um importante marcador para certas doenças,
como a coronariopatia e as diabetes (BRASIL, 2009a).
Em quarto lugar como causa de mortalidade masculina no Brasil, e quinto no Amapá,
com 4,8% dos óbitos em homens, ficam as doenças do aparelho digestivo, dentre as quais,
destaca-se as doenças do fígado, que, em 2005, foram responsáveis por 70% das causas de
morte de homens de 25-59 anos. Destas, 46% devem-se à doença alcoólica, 36% à fibrose e
cirrose, e 18% a outras doenças do fígado. Destacam-se, ainda, como causas de mortalidade
no aparelho digestivo: a úlcera gástrica, duodenal e péptica (4%), a peritonite (2%), a
colecistite (1%) e outras causas não especificadas (23%). Em relação às internações, as
principais causas foram: doenças ácido-pépticas (35.782), doenças do fígado (27.354) e
colelitíase e colecistite (25.333) (BRASIL, 2009a).
No Amapá, as internações por doenças relacionadas ao aparelho digestivo mostram
que as principais causas foram as hérnias inguinais, com 24,7% das internações de homens
entre 20 a 29 anos, seguido das doenças do apêndice, com 14,4%, e de outras doenças do
esôfago, estômago e duodeno com 12,9% (BRASIL, 2009e). Nesse ponto, é preciso trazer à
discussão o problema do consumo de álcool que parece fazer parte do universo masculino.
Laurenti, Mello e Gotlieb (2005) afirmam que tem sido usual avaliar este impacto do uso por
meio da mortalidade e da morbidade hospitalar, haja vista os efeitos do alcoolismo sobre a
saúde, vistos por meio da frequência da psicose alcoólica, e as síndromes da dependência do
álcool, dentre os transtornos mentais, e da cirrose hepática, dentre as doenças do aparelho
digestivo.
De acordo com Cebrid (2005 apud BRASIL, 2009a), cerca de 19,5% dos homens são
dependentes do álcool, e, para cada seis homens que fazem uso, um fica dependente. Ao passo
que, para as mulheres, os percentuais de dependentes ficam em torno de 6,9%, e, para cada 10
mulheres que fazem uso de álcool, apenas uma fica dependente. Destaca-se, ainda, que no
Brasil, as internações de mulheres por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso
de álcool representaram 2% de todas as internações, enquanto os homens apresentaram um
percentual de 20% (BRASIL, 2009a).
Ficam em quinto lugar das causas de mortalidade no Brasil as doenças do aparelho
respiratório. Excluindo os casos de óbitos por neoplasias malignas e por tuberculose, no ano
de 2005, foram 53.017 óbitos na massa total da população masculina. Os percentuais de
internamentos do aparelho respiratório mais significativos são: pneumonias (43%), doenças
pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC) (12%), asma em suas diversas formas (11%), e a
tuberculose (5%) (BRASIL, 2009a). No Amapá, as doenças do aparelho respiratório
41
ter hipertensão arterial, e 4,7% afirmaram ter diabetes, diagnosticada pelo médico (BRASIL,
2009h). Os dados de mortalidade por diabetes no estado ficam em torno de 3,4% para os
homens, de 20 a 59 anos, de acordo com o MS (BRASIL, 2009h). Também se identificou que
as mulheres procuram mais pelo diagnóstico do que os homens. Enquanto 4,6% dos homens
afirmam ter o diagnóstico da doença, entre as mulheres o percentual foi de 5,6% (BRASIL,
2009h).
Analisando-se os dados, é possível concluir que a realidade da morbimortalidade
masculina do Amapá não difere muito dos dados nacionais. E, mais uma vez, é preciso
repensar os fatores que contribuem para esse cenário. Já se verificaram, nos capítulos
anteriores, as abordagens das dinâmicas institucionais. Agora se convida, então, à reflexão e à
observação de como os próprios homens veem tais informações e como se comportam frente
às suas questões de saúde.
Assim, é preciso que se traga à discussão algo além de meras diferenças entre homens
e mulheres, no aspecto biológico ou epidemiológico, ou seja, acima de tudo, que se
compreenda a construção social do ser masculino. Para tanto, a seguir, aborda-se a teoria de
gênero e a construção da masculinidade, pautada na teoria de Pierre Bourdieu, da dominação
masculina.
É fato que, biologicamente, os corpos de machos e fêmeas são diferentes, mas até
onde essas diferenças são responsáveis por seu comportamento? Hormônios, órgãos,
cromossomos que externalizam características distintas para cada sexo, seios, pelos, pênis,
vagina, pomo-de-adão. A priori, pode-se pensar que homens e mulheres, por conta de tais
características biológicas, têm seu comportamento diferenciado. Os homens são considerados
mais fortes e viris, enquanto que as mulheres são consideradas fracas, delicadas e sensíveis.
Pinheiro (2002 apud GOMES, 2008) refere que, na literatura internacional, é possível
encontrar autores que atribuem as diferenças a fatores genéticos ou hormonais. A diferença
biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo de homem e de mulher, e especificamente a
diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode, assim, ser vista como justificativa natural
da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do
trabalho (BOURDIEU, 2002).
43
Para Costa (2003), gênero é uma referência a categorias de diferenciação de tudo o que
desenha a imagem sexual, indicando os meios pelos quais as características de masculino e
feminino tornam concretas as ideias das pessoas sobre a natureza das relações sociais.
E, como um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças
percebidas, a categoria é compreendida a partir de quatro elementos inter-relacionados e
interdependentes, a saber: 1) os símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações simbólicas (e com frequência contraditórias), a exemplo de Eva e Maria, tidas
como símbolos de mulher na tradição cristã, mas também como mito de luz e escuridão,
inocência e corrupção; 2) conceitos normativos que expressam interpretações dos significados
dos símbolos, que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas, a exemplo dos
conceitos expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas, que
tomam a forma típica de uma oposição binária fixa, que afirma, de maneira categórica e
inequívoca, o significado do homem e da mulher, do masculino e do feminino; 3) a inclusão
de uma concepção de política e social, que deve abranger não só o sistema de parentesco
(centrado no lar), mas também o mercado de trabalho, a educação, o sistema político, a
economia; 4) a identidade subjetiva, que deve ser examinada a partir de sua construção,
relacionando-a com uma série de atividades, de organizações e representações sociais
historicamente específicas (SCOTT, 1990).
Em relação ao poder, a autora se refere à segunda proposição da definição do gênero
como sendo um campo primário, no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é
articulado. Nesse sentido, Scott (1990) traz à sua discussão o sociólogo francês Pierre
Bourdieu, que trata de como a “di-visão do mundo”, baseada em referências às “diferenças
biológicas e aquelas que se referem à divisão do trabalho de procriação e de reprodução”,
funcionam como “a mais fundada das ilusões coletivas”. Estabelecidos como um conjunto
objetivo de referências, os conceitos de gênero estruturam a percepção e a organização
concreta e simbólica da vida social. Na medida em que essas referências estabelecem
distribuições de poder, o gênero interfere na concepção e na construção do próprio poder.
Assim, o gênero pode ser visto como um elemento constitutivo das relações sociais,
que se baseiam nas diferenças entre os sexos, sendo uma forma primária de dar significado às
relações de poder que ocorrem dentro das instituições, como família, igreja, educação, estado,
e na organização social. Para compreender a construção do masculino e como se dão as
relações de poder entre homens e mulheres, e como isso irá interferir na postura do homem
em relação ao cuidado, traz-se à discussão Pierre Bourdieu (2002), que no livro A dominação
masculina descortina como se dá todo esse processo. Além de Bourdieu, traz-se ainda as
46
contribuições de autores como Cuschinir (2000; 2003) e Farrel (1991), que fomentam a
discussão sobre a perda, ou o mito do poder masculino.
Ao se falar de masculinidade, a memória logo recorre à imagem do homem,
masculino, e no seu papel perante a mulher, o feminino. E, na relação homem e mulher,
lembra-se logo da submissão das mulheres e dominação dos homens, da força e virilidade
masculinas e da sensibilidade e fragilidade femininas, da condição de provedor dos homens,
e, de doméstica, das mulheres. E, ainda, da famosa cena dos homens puxando as mulheres
pelos cabelos no tempo das cavernas... O que leva a se pensar que o poder, a força e a
supremacia masculina são uma constante nas relações sociais, vivenciadas e reproduzidas a
cada dia por homens e mulheres.
Desde o advento da Igreja Católica, há aproximadamente dois mil anos, as diferenças
entre homens e mulheres vêm sendo reproduzidas e destacadas. É possível observar, ao ler as
escrituras sagradas, uma concepção nos moldes patriarcais, a exemplo da criação da mulher
através de um pedaço do homem, do filho de Deus ser um homem, da mulher apedrejada por
adultério, do pecado da Eva... A própria estrutura hierarquizada da Igreja, que confere seus
postos mais importantes aos homens, também é reflexo da estrutura social patriarcal. Sendo a
Igreja Católica um dos primeiros e um dos mais importantes coordenadores da moral e da
ética social, esta assumiu um papel fundamental na reprodução das diferenças dos papéis
sociais de homens e mulheres, contribuindo para a concepção de que os homens são mais
fortes, são os primeiros, são os filhos do Pai, e que a mulher é um ser secundário, místico,
terno e desprotegido.
Outro importante momento histórico na construção dos modelos masculino e
feminino, na forma como são entendidos hoje, foi o processo de industrialização, iniciado na
Europa no século XVIII. Até então, as famílias eram unidades econômicas de produção de
subsistência, na qual todos tinham algum papel para a sobrevivência do grupo familiar. Com o
deslocamento do trabalho para fora do espaço doméstico, a família passou de unidade
produtora para unidade consumidora. E, apesar da utilização de mão de obra feminina e
infantil, num primeiro momento, o trabalho fabril era basicamente masculino, o que reforçava
a divisão sexual do trabalho e a cisão entre o espaço público e privado, cabendo o primeiro
aos homens, e o segundo, às mulheres (WANG; JABLONSKI; MAGALHÃES, 2006).
Situados do lado de exterior, do oficial, do público, do direito, do seco, do alto, do
descontínuo, realizar todos os atos ao mesmo tempo breves, perigosos e espetaculares, como
matar o boi, a lavoura ou a colheita, do homicídio e da guerra, estão os homens. E às mulheres
reserva-se o contrário do que foi reservado aos homens, estando situadas do lado do úmido,
47
O mundo social constrói o corpo como uma realidade sexuada e como depositário de
princípios de visão e de divisão sexualizantes. Esta visão irradia-se para todas as coisas na
sociedade, e principalmente ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é o mundo social
que constrói a diferença entre os sexos biológicos, conformando-a aos princípios de uma
visão mítica de mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as
mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão do trabalho, na realidade da ordem social. A
diferença biológica entre o corpo masculino e feminino, especificamente, a diferença
anatômica entre os órgãos sexuais, pode, assim, ser vista como justificativa natural da
diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do
trabalho (BOURDIEU, 2002).
Segundo Saffioti (1987), o “normal” (referindo-se as características mais aceitas pela
sociedade) é socialmente construído pelo costume, e se tornam naturais do ser, de forma que
estas características parecem ser natas dos indivíduos. Nessa esfera dividida entre masculino e
feminino, estabelece-se o que Bourdieu (2002) chama de a dominação masculina, em que a
48
causas externas, mas também para várias causas naturais: câncer de pulmão,
doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose, entre outras.
Ainda nesta linha, Bourdieu (2002) enfatiza que é imprescindível uma ação política
que leve em conta todos os efeitos de dominação, que se exercem através da cumplicidade
entre as estruturas dominantes e dominadas (homem e mulher), e as instituições (Família,
Estado, Igreja, Escola), em que se realizam e reproduzem tal dominação. Para Saffioti (1987,
p. 13), as estruturas de dominação não se transformam meramente através de legislações ou
políticas, e discorre que:
Por outro lado, a aparente hegemonia da dominação e do poder masculino parece estar
abalada, isto porque, ao se observar a sociedade contemporânea, é possível identificar
situações conflitantes com aquelas anteriormente padronizadas de uma sociedade patriarcal
ideal: mulheres no mercado de trabalho, homens cuidando dos filhos e de tarefas domésticas,
mulheres provendo famílias, homens e mulheres assumindo orientações sexuais diversas, e
pesquisas científicas atestando mudanças de padrões sociais entre homens e mulheres.
O autor americano Farrell (1991) questiona a obra de Bourdieu sobre o poder
masculino. Para ele, os homens se tornam fracos pela sua fachada de fortes, e as mulheres se
tornam fortes pela sua fachada de fraqueza. O autor é defensor do masculinismo (que, no
51
Brasil, também é chamado de masculismo), movimento que defende os direitos dos homens e
acredita que os homens estão em situação de inferioridade na sociedade.
Nessa direção, Farrell (1991) exemplifica: os homens são obrigados a servir as forças
armadas e ir às guerras. São os homens que ficam sem os filhos no divórcio e ainda são
obrigados, ainda que sem eles, a continuar a prover o sustento destes. São dos homens os
piores empregos do mundo. São os homens que morrem mais que as mulheres. Somente as
mulheres têm ações de saúde especificas para elas. Os homens são levados a escolher sempre
as profissões que pagam mais por seu papel social de provedor da família, mesmo que esta
escolha não seja o seu desejo...
Farrell (1991) questiona o poder masculino na medida em que acredita que poder é ter
o controle sobre a própria vida e, considerando vários aspectos da vida dos homens,
principalmente nas relações do homem perante as mulheres e a família, ele acredita que o
homem não detém o poder, ou seja, não detém o controle sobre sua própria vida.
No Brasil, o termo masculinismo foi conceituado a primeira vez pelo Professor Doutor
Luiz Cuschnir, em sua tese apresentada, em 1988, na Faculdade de Medicina da USP
(CUSCHNIR, 2003). O masculinismo não é uma reação ao feminismo. O objetivo principal é
tentar reverter o mito de que o homem não precisa de ajuda, não precisa de tratamento, não
precisa de proteção, sendo uma complementação do feminismo. O movimento, como é
próprio dos homens, está crescendo em surdina, diferente do feminismo que foi uma guerra,
pois precisava atuar com firmeza para conquistar o espaço devido às mulheres e para seu
reconhecimento como ser humano por inteiro. O masculinismo não tem esse afã, contudo é
seu objetivo influir na legislação, para criar programas de proteção ao cidadão do gênero
masculino. Esse movimento é realidade em várias partes do mundo, a exemplo dos homens
que lutam pela guarda dos filhos no Canadá.
Os homens podem e devem reivindicar seus direitos humanos, como fazem as
mulheres, pois a conquista da posição de ser humano livre é muito mais do que um dever, é
um direito (SAFFIOTI, 1987, grifo do autor). Cuschnir e Mardegan (2001) destacam que o
masculinismo vem repensar os estereótipos vigentes e construir novos modos de estar no
mundo, para além das demandas e cobranças impostas historicamente aos homens, alertando
que os modelos a serem adotados na construção do que chamam de “novo homem” não
podem limitar-se a absorver características tradicionalmente femininas.
Nesse contexto de revisão de estereótipo, de mudança de papéis, de ter ou não ter
poder, a literatura científica sobre masculinidades parte da ideia que os homens encontram-se,
de fato, num momento de crise, de quebra de paradigmas do que é ser masculino. A
52
Veio a cobrança pelo homem sensível na cama. Isso acabou virando uma
ditadura ao contrário: a do prazer feminino. O sexo é, portanto, o distintivo
que confirma a condição de macho, e é a mulher quem outorga a ele esse
diploma. Na hora em que um homem entrega esse direito à mulher, cria-se
uma situação anômala. As mulheres não entendem quase nada de homem.
Muitas nem sequer sabem que região do pênis lhe dá mais excitação. Sexo
para esse homem em crise pode estar virando uma coisa mecânica. Quase
como se ele fosse ao banheiro uma vez por dia. Ele passa a “cumprir” o
dever de fazer sexo.
53
Para Gomes (2003), dentre os motivos que justificam tal crise, destacam-se as tensões
que surgem entre a manutenção do poder do macho nas relações íntimas entre os gêneros e a
possibilidade de se viver novos modelos de masculinidade, em que se contemplam a
associação entre sexo e afetividade e um relacionamento igualitário com a parceira amorosa.
Cuschnir (2000) menciona, em sua pesquisa sobre o comportamento e os sentimentos
masculinos em relação a vários temas, que encontrou homens perplexos com as mudanças em
suas vidas, especialmente no que diz respeito às relações homem e mulher. A crise do homem
vem de uma profunda transformação no papel masculino diante do novo papel feminino. O
homem sente-se absolutamente desconfortável com tanta transformação em sua vida familiar
e afetiva.
O homem está cada dia mais desorientado diante das exigências atuais, pois tem de se
mostrar macho sem ser machista; frio e calculista para dar conta da lógica das relações
econômicas e, ao mesmo tempo, deve ser terno e acolhedor no lar; fazer sua jornada de oito a
10 horas diárias no trabalho, mas ter disponibilidade e responsabilidade na condução da casa e
da família; precisa continuar a exercer o principal papel: provedor da família, mas também
tem de repartir a responsabilidade da manutenção da casa e da educação dos filhos; querem
que seja extremamente produtivo na lógica fria do capital, mas igualmente colaborador,
agregador, e tenha um bom coeficiente emocional no desempenho profissional. Sem falar da
exigência de ser firme na hora da decisão, mas sensível e capaz de se colocar no papel dos
outros, e, finalmente, que seja atlético e mostre que cuida de seu corpo (CUSCHNIR, 2002).
Ramos (2000) acredita que o masculino vive em crise permanente e endêmica na
sociedade patriarcal, pois a masculinidade não é algo dado, mas algo que constantemente se
procura conquistar. Já Goldenberg (2000) expressa que o momento talvez seja de crise para o
homem, visto que está sendo obrigado a conviver com outros modelos de masculinidade. O
autor ressalta que não acredita mais na sobrevivência do modelo hegemônico de
masculinidade, baseado na força, no poder e virilidade, muito embora homens e mulheres
ainda alimentem esse ideal.
Nessa mistura de masculinidades, encontram-se os metrossexuais, retrossexuais,
homens alfa, beta, ômega, homem novo, homem velho, homem em transformação... Vários
conceitos são usados atualmente para a sociedade classificar os tipos de masculinidades
(CUSCHNIR, [200-?], o que possivelmente ocorra pela angústia de homens e mulheres em se
entenderem e, acima de tudo, entenderem as relações entre si.
54
Para Connell (1995 apud COSTA, 2003, p. 79), existem, atualmente, quatro padrões
principais de masculinidade na ordem de gênero do Ocidente: a hegemônica, a subordinada, a
cúmplice e a marginalizada.
O fato é que a postura da sociedade perante os homens, e dos próprios homens para
consigo, vem mudando. Neste trabalho, vamos considerar o masculino em crise, o masculino
que vem tendo de compartilhar poderes e conviver com o empoderamento feminino. Pois já
não cabe mais, diante de tantos modelos e tantas novas características e posturas masculinas,
pensar num homem com características definidas, pronto e acabado. E isso vem causando
mudanças gradativas nas perspectivas de olhar e pensar os homens e dos homens, e a
PNAISH já é um exemplo disso.
De acordo com a PNAISH (BRASIL, 2009a), os homens não têm o hábito da procura
pelos serviços e ações de saúde. Assim, eles são vistos como negligentes para com sua saúde.
De acordo com estudos, esse comportamento tem origem em dois grupos de fatores: os
relacionados às questões institucionais e os relacionados às questões socioculturais (GOMES,
2003; KEIJZER, 2003; SCHRAIBER et al., 2000 apud BRASIL, 2009a).
Como exemplo de fatores institucionais, tem-se a inadequação das instituições à
realidade e características masculinas, pois não há nos serviços de saúde programas
específicos para este grupo. Os estabelecimentos disponibilizam poucos profissionais do sexo
masculino para atendê-los de forma mais confortável; os horários também são obstáculos para
o acesso desse grupo aos serviços de saúde, já que, por sua condição socioconstruída de
provedor, se ausentar do trabalho colocaria em risco sua condição, sua colocação e, quiçá, sua
masculinidade. Por outro lado, como exemplo de fatores socioculturais, têm-se todas as
características que são exigidas pela sociedade para legitimar o masculino, como a condição
de forte, de invulnerável, de provedor da família, impedido de adoecer e de se cuidar.
Observa-se, ainda, que tal realidade não é exclusividade dos homens brasileiros.
Bancks (2004 apud GOMES, 2008) apresenta fatores que justificam a reduzida procura dos
homens europeus pelos serviços de saúde: a) distância entre o local de trabalho e o serviço de
saúde; b) horários de funcionamento incompatíveis dos serviços de saúde; c) a crença de que
os homens devem ser fortes para a doença; d) a falsa percepção de que os serviços de saúde
são apenas para as mulheres.
Analisando-se as realidades nacionais e internacionais, pensa-se, de fato, que algo que
transcende as meras questões institucionais é o que mais interfere na ausência dos homens nos
serviços de saúde.
A explicação dos homens acerca dessa diferença de gênero em termos de uso dos
serviços de saúde, segundo Gomes et al. (2007), não está relacionada com a oferta e demanda
dos serviços, e sim a hábitos de prevenção usualmente mais associados às mulheres que aos
homens. Neste estudo, os homens entrevistados referiram que todas as pessoas deveriam
procurar por serviços de saúde, contudo, segundo os autores, ficava implícito em suas falas
que suas opiniões se referiam muito mais ao plano ideal do que ao real: em geral, não
mencionavam o hábito relacionado a cuidados de saúde, traduzidos principalmente pela busca
por consultas médicas e exames preventivos, mesmo entre os que tinham planos privados de
saúde.
Costa (2003, p. 84), em pesquisa na cidade de São Paulo, também constatou que todos
os homens entrevistados concordaram com a afirmativa de que os homens procuram menos os
56
que reforça o papel historicamente atribuído ao homem de ser responsável pelo sustento da
família. Ainda que isso possa se constituir, em muitos casos, uma barreira importante, há de
se destacar que grande parte das mulheres, de todas as categorias socioeconômicas, faz hoje
parte da força produtiva, inserida no mercado de trabalho, e nem por isso deixa de procurar os
serviços de saúde (BRASIL, 2009a).
De acordo com o estudo de Costa (2003), os homens vão ao ambulatório levados por
suas parceiras. Na maioria absoluta das vezes, são as mulheres que procuram o ambulatório, e
os homens presentes no ambulatório nos horários de atendimento de planejamento familiar
estão ou acompanhando suas parceiras, ou cuidando das crianças enquanto a parceira está na
consulta, ou esperando (junto com as parceiras) para serem entrevistados pela assistente
social, nos casos de solicitação de laqueadura ou, muito raramente, vasectomia.
Nos modelos de masculinidade idealizada estão presentes, segundo Figueiredo (2005),
as noções de invulnerabilidade e de comportamento de risco – como valores de cultura
masculina – e a ideia de uma sexualidade instintiva e, portanto, incontestável. Associadas a
isso, encontram-se fortalecidas suas dificuldades de verbalizar as próprias necessidades de
saúde, pois falar de seus problemas de saúde pode significar uma possível demonstração de
fraqueza e feminilidade perante os outros.
Gomes e Nascimento (2006), em estudo que objetivou analisar a produção do
conhecimento da saúde pública sobre a temática “homem-saúde”, apontam duas questões
fundamentais sobre a relação homem-saúde: a) modelos hegemônicos de masculinidade
podem dificultar a adoção de hábitos e convicções mais saudáveis, e b) o homem, quando
influenciado por ideologias hegemônicas de gênero, pode colocar em risco tanto a saúde da
mulher quanto a sua própria saúde.
As condutas masculinas podem, segundo Korin (2001 apud GOMES, 2008), trazer
comprometimentos não só para a saúde do homem, como também para a saúde de seus
familiares, exemplificando pelos homens que ignoram a saúde de seus filhos homens, vendo-
os como fracos e perdedores, forçando-os a uma masculinidade estereotipada, transmitindo a
ideia de ter um filho arruinado. Souza (2005), correlaciona algumas das principais causas de
mortes masculinas, os homicídios e os acidentes de trânsito, com os dois símbolos
masculinos: as armas e os carros, que são introduzidos desde muito cedo na vida dos meninos,
tornando-se sinônimos de status, poder, independência e todos os demais simbolismos que
possuem no contexto capitalista ocidental contemporâneo.
A preocupação com a saúde masculina tem sido deixada de lado e só recentemente
vem sendo motivo de pesquisas e debates (BRAZ, 2005). Resta, no entanto, a sensibilização
58
das políticas públicas, que, por não atenderem às necessidades de saúde desta parcela da
população, reforçam o preconceito social, não lhe ofertando, de forma eficiente, serviços de
atendimento compatíveis com suas necessidades.
Nesse ponto, acredita-se ter exposto e construído a ideia dos dois grupos de fatores
que influenciam na busca dos homens pelo cuidado: os fatores institucionais, relacionados aos
serviços, ao acesso e à dinâmica das instituições de saúde, e os fatores de gênero, relacionados
à construção histórico-sócio-cultural e a postura que o homem é cobrado para ser socialmente
reconhecido como homem. Contextualizando o leitor sobre as bases conceituais e estruturais
da saúde em que nasce a PNAISH. E ainda sobre a formação da masculinidade baseada na
teoria de gênero, haja vista estes pontos serem fundamentais para a discussão dos resultados
obtidos na pesquisa.
A seguir, são esclarecidos os passos metodológicos seguidos, para a realização da
pesquisa e os resultados e discussões obtidos.
59
estudo, foi considerado homem todos aqueles que se autodefiniram como homens,
independente de opção sexual, raça, escolaridade, renda ou outra característica que pudesse
colocar em dúvida sua autodefinição de ser homem. Cabe ressaltar, ainda, que na abordagem
aos entrevistados não era feita a pergunta: você é homem? Todos os participantes se
aproximaram da pesquisa por livre e espontânea vontade, através do banner de chamada para
a pesquisa. Com isso, acredita-se ter ficado tácito que todos os participantes se consideravam
homens.
Em relação à amostra de 203 participantes, esclarece-se que 122 participantes foram
entrevistados no restaurante central do SESC, em seu horário de almoço, e os outros 81
homens foram entrevistados em seu local de trabalho, uma empresa de transporte coletivo
urbano.
Porém, vale destacar que a proposta inicial da pesquisa foi realizar todas as entrevistas
em um lugar apenas, o SESC. Contudo, no decorrer da pesquisa, observou-se que não se
conseguiria o total da amostra, pois o público se repetia diariamente, havendo necessidade de
se escolher outro local para alcançar o objetivo inicial, e escolheu-se, então, a empresa de
transporte coletivo urbano. A escolha do SESC e da empresa de transporte coletivo foi devido
à facilidade de acesso da pesquisadora nestes locais, que forneceram todo um suporte
logístico para a instalação dos equipamentos necessários à realização das avaliações
nutricionais, bem como de um lugar reservado para as entrevistas. E ainda por estes lugares
terem grande fluxo de homens, na faixa etária definida para a amostra.
Ressalta-se que os resultados a serem apresentados são da amostra como um todo, e
não resultados comparativos entre os dois grupos, haja vista que a proposta inicial da pesquisa
foi entrevistar homens de 20 a 59 anos, independente do local onde fosse realizada. Não se
constitui objetivo deste estudo comparar os homens entrevistados no SESC com os homens
entrevistados na empresa de transporte coletivo. Apesar de ser esta uma pretensão futura da
pesquisadora, mas que não cabe nos objetivos desta dissertação.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFAP e todos os
participantes que aceitaram participar da pesquisa, antes de responderem às perguntas do
formulário de pesquisa (APÊNDICE A), assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (APÊNDICE B), conforme propõe a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional
de Saúde (BRASIL, 1996). Também foram solicitadas permissão aos estabelecimentos onde
se desenvolveu a pesquisa, através de documento expedido pela UNIFAP, esclarecendo os
objetivos e a importância da sua realização.
62
A coleta dos dados foi realizada nas dependências dos estabelecimentos escolhidos,
num espaço próprio e reservado para a sua realização. O formulário utilizado na coleta de
dados foi construído com base nos objetivos da pesquisa e no referencial teórico pesquisado.
Foi composto por 17 itens, com perguntas abertas e fechadas, sendo dividido em quatro
seções: a primeira referindo-se à identificação; a segunda, às características socioeconômicas
e de escolaridade; a terceira sobre os fatores de risco a saúde e morbidades; e, por fim, a
quarta seção referente à relação com os serviços de saúde.
As variáveis investigadas foram: idade, renda mensal, nível de escolaridade, que
deram suporte para caracterizar a amostra; peso, altura, circunferência da cintura, atividade
física, consumo de fumo e álcool e morbidades, que deram suporte para se traçar o perfil de
saúde dos entrevistados; a data e o local da última consulta médica, os fatores que influenciam
no acesso aos serviços de saúde da atenção básica; e o conhecimento a respeito da PNAISH
foram a base para a identificação da relação dos homens com os serviços de saúde.
Após o preenchimento do formulário pela pesquisadora, de acordo com as respostas
dos entrevistados, foi realizado o exame antropométrico, conforme o protocolo do MS
estabelecido pelo Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)
(BRASIL, 2004). A pesagem foi realizada utilizando-se balança digital da marca Plenna, e o
peso aferido com indivíduo descalço, com roupa e posicionado em pé, ereto, com os pés
juntos e braços estendidos ao longo do corpo, no centro da balança.
A altura foi medida com um antropômetro portátil de precisão de 0,1cm da marca
Wiso, com o indivíduo de pé, ereto, com os braços estendidos ao longo do corpo, com a
cabeça erguida, joelhos e pés unidos, olhando para um ponto fixo na altura dos olhos,
encostando calcanhares, ombros e nádegas no antropômetro.
A circunferência da cintura foi aferida, utilizando-se fita antropométrica da marca
Wiso, com o indivíduo de pé, ereto, abdômen relaxado, braços estendidos ao longo do corpo e
pés separados numa distância de 25 a 30cm. Sem camisa e sem cinto da calça apertado. A fita
antropométrica foi posicionada entre as costelas e a crista ilíaca, sem ficar frouxa ou apertada.
A aferição deu-se no momento de uma expiração total.
Os parâmetros utilizados para o diagnóstico nutricional foram os adotados pelo MS, a
saber: Índice de Massa Corporal (IMC) e da circunferência da cintura.
Os itens do formulário que respondem a pergunta problema da pesquisa são as
respostas dadas pelos homens na questão se estão de acordo ou não que os homens não se
cuidam, e na questão sobre os fatores que mais impedem os homens a cuidar de sua saúde,
63
obtidas através de uma pergunta aberta do instrumento. O método utilizado para interpretar as
respostas dos entrevistados foi a da análise de conteúdo, que:
Ressalta-se, ainda, que uma das ações da PNAISH é exatamente nesse sentido, de
adequar o funcionamento, em dias e horários diferenciados, para que se atendam os
trabalhadores. Nesse sentido, eliminando-se esta lacuna das instituições, presume-se que os
homens que justificaram o tempo e o trabalho como impeditivos do cuidado passaram a
cuidar-se melhor. Daí a categorização do tempo e trabalho como um fator institucional e não
como fator de gênero.
Destaca-se, ainda, que para a tabulação dos dados e as análises estatísticas, utilizou-se
o software Statistical Package for the Social Sciences – SPSS versão 20.0 em português, e
para o teste da hipótese empregou-se o teste não paramétrico qui-quadrado. Para a elaboração
dos gráficos, foi utilizado o Microsoft Office Excel 2007.
65
A amostra foi composta por 203 homens, na faixa etária de 20 a 59 anos, com média
de idade de 34 anos. Quanto ao estado civil, 55,6% dos entrevistados declararam-se casados
ou com uma união estável, e pouco mais de 40% declararam-se solteiros ou separados. Em
relação à escolaridade, cerca de 50% dos entrevistados referiram ter o segundo grau completo,
27% referiram ter o terceiro grau incompleto ou completo, e 18% o primeiro incompleto ou
completo. Considerando a renda mensal, o valor mediano referido pelos entrevistados foi de
R$1.150,00. O valor mediano foi considerado, pois os valores possuíam grandes variações, e
o cálculo da média seria impreciso, estatisticamente.
O primeiro questionamento feito aos entrevistados foi sobre como eles consideravam a
sua saúde. E, nesse caso, 55,2% dos entrevistados classificaram sua saúde como boa ou ótima,
e 44,9% como regular, péssima ou ruim (GRAF. 1). É interessante comparar estes dados com
os resultados da PNAD (BRASIL, 2009i). Nesta, 12% dos entrevistados consideraram sua
saúde como regular, ruim ou muito ruim. Nesse sentido, é possível pensar que os participantes
deste estudo sejam ou estejam muito mais críticos quando autoavaliam sua saúde. Ou, ainda,
que há algo de errado, de fato, com suas saúdes.
Contudo, algumas considerações merecem ser feitas neste ponto. A primeira é com
relação ao método de avaliação nutricional pelo IMC, recomendado pela OMS. O IMC recebe
muitas críticas em relação à sua classificação para homens e idosos, pois é um índice que não
considera a quantidade de gordura e de massa magra corporal, contudo é um bom marcador
para se verificar excesso de peso em populações (KAC; SICHIERI; PETRUCI, 2007). Sabe-
se que os homens, especificamente se praticantes de atividades físicas, podem ter seu peso
aumentado, não por tecido adiposo (gordura) e sim por massa magra (músculos).
Com isso, a alta frequência do sobrepeso entre os entrevistados deverá ser confirmada
pela avaliação dos resultados da circunferência da cintura, que, de fato, verifica a alta
concentração de gordura na região da cintura e é considerada um marcador do risco para o
desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
67
Quanto às bebidas alcoólicas (GRAF. 5), 60% afirmaram consumir, e destes 45%
referiram o consumo semanal, 25% quinzenal e 15% o consumo mensal. Os demais variaram
entre a frequência de consumo bimestral, trimestral, semestral e anual, e menos de 1% referiu
à frequência diária. Cabe aqui trazer a pesquisa da Universidade Federal de São Paulo,
realizada em 2007 (BRASIL, 2009h), que identificou que 52% dos brasileiros acima de 18
anos bebem, pelo menos, uma vez ao ano. Destes, 65% são homens e 41% são mulheres. Em
relação aos homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28% consomem bebida alcoólica de
uma a quatro vezes/semana. Fazendo-se os devidos comparativos, tem-se uma realidade
preocupante dos homens entrevistados em Macapá, tendo em vista que, dos homens que
referiram consumir bebidas alcoólicas, 45% referiram que o faziam semanalmente, ao passo
que a média do Brasil é de apenas 28%.
De acordo com o MS, o álcool é uma droga, cuja ação é responsável pela depressão do
sistema nervoso central, causando alterações comportamentais e psicológicas, além de vários
efeitos metabólicos. O consumo excessivo está relacionado com problemas como a violência,
suicídios, acidentes de trânsito, dependência químicas, além de patologias, como a
desnutrição, hepatopatias, patologias gastrointestinais, cardiovasculares, neurológicas e do
sistema reprodutivo. Também interfere no desenvolvimento fetal e aumenta o risco de
desenvolvimento de vários tipos de câncer (BRASIL, 2006a).
Não se pode deixar de correlacionar o fator álcool com a mortalidade masculina. De
acordo com o MS, o número de óbitos que tiveram como causa básica as doenças plenamente
relacionadas com o consumo de álcool (como acidente de trânsito, quedas, afogamentos etc.),
70
entre 2000 e 2006, concentrou-se no sexo masculino. Dos óbitos registrados, 89,1% foram de
homens, contra 10,9% das mulheres (BRASIL, 2009h).
Dados da PNAISH (BRASIL, 2009a) referem que a dependência de álcool entre os
homens é de 19,5%, sendo que, para seis homens que consomem álcool, um fica dependente.
Dados de Brasil (2006a) indicam que entre 3% e 9% dos adultos das cidades brasileiras são
dependentes de álcool. Destaca-se, assim, que a dependência caracteriza-se, para os homens,
quando consomem mais de seis doses2 e, para as mulheres, quando o consume é de 4 ou mais
doses por dia. E que o consumo, para os que fazem uso, deve ser limitado a duas doses diárias
para os homens e uma dose diária para as mulheres.
Em relação à prática de atividades físicas, reconhecidas e recomendadas pela OMS
como um fator de proteção à saúde, cabe o esclarecimento de alguns conceitos: 1) atividade
física pode ser definida como qualquer movimento realizado pelo sistema esquelético com
gasto de energia, e implica em adotar hábitos mais ativos em pequenas, mas importantes,
modificações no cotidiano, optando-se pela realização de tarefas no âmbito doméstico e no
local de trabalho e por atividades de lazer e sociais mais ativas; 2) exercício físico é uma
categoria de atividade física definida como um conjunto de movimento físicos repetitivos
planejados e estruturados para melhorar o desempenho físico; geralmente, requer locais
próprios para sua realização sob supervisão e orientação de um profissional capacitado em
academias de ginástica, clubes e outros locais. Ambas são formas importantes de manter o
balanço energético (BRASIL, 2006a); 3) sedentarismo: relaciona-se a baixos níveis de
atividade física (KAC; SICHIERI; PETRUCI, 2007).
A recomendação diária de atividade física para a prevenção de doenças sugere que os
indivíduos devam acumular pelo menos 30 minutos de atividade física de intensidade
moderada na maioria ou, preferencialmente, todos os dias da semana. E, no caso de atividade
física intensa, um mínimo de 20 minutos, três vezes por semana (KAC; SICHIERI;
PETRUCI, 2007).
Diante do exposto, questionou-se aos entrevistados se eles praticavam atividade física3
e com qual frequência. Os resultados encontrados (GRAF. 6) foram que 43% dos
entrevistados afirmaram praticar atividade física, e, destes, mais de 67% a realizavam pelo
menos três vezes por semana, o que é o ideal segundo a OMS. E 33% menos de três vezes na
2
O guia alimentar da população brasileira exemplifica o cálculo da dose equivalente de álcool: uma dose
equivale a 150ml de vinho tinto ou 350ml de cerveja ou 40ml de bebida destilada (BRASIL,2006a).
3
O conceito de atividade física e exercício físico foram definidos aos entrevistados.
71
semana, o que, conforme os conceitos discutidos acima, não possuem efeitos benéficos para a
saúde. E 57% informaram não praticar nenhuma atividade.
Confrontando-se os resultados com a pesquisa VIGITEL (BRASIL, 2009h), que
identificou os homens como sendo mais sedentários que as mulheres, observou-se que o
número de entrevistados que se avaliarou sedentário, da amostra (57%), é muito superior aos
dados da pesquisa do MS, que foi de 29,5%, entre os homens do Brasil, e de 20% entre os
homens macapaenses. Vale ressaltar que a pesquisa do MS atribuiu como sedentários aqueles
que não praticaram qualquer atividade física nos últimos três meses; não realizavam esforço
físico intenso no trabalho, não se deslocavam para o trabalho a pé ou de bicicleta; e não eram
responsáveis pela limpeza pesada da casa (BRASIL, 2009h).
e 78,3% se declararam satisfeitos com o atendimento recebido em sua última consulta médica,
independente da data e do tipo de serviço procurado.
É importante destacar o percentual de entrevistados que não se lembra de quando foi
sua última consulta médica (22,7%), o que também confirma a ausência dos homens nos
serviços de saúde. Ressaltando que também foram contabilizados, nesse item, aqueles que
referiram nunca ter ido ao médico depois de adultos.
Outro dado relevante e pouco esperado foi que a insatisfação em relação aos
atendimentos foi maior nos serviços privados do que nos serviços públicos: 55,9% e 44,1%,
respectivamente. E, quando questionados sobre o motivo da insatisfação, 55% das respostas
estavam relacionadas diretamente ao atendimento do profissional médico. Abaixo, destacam-
se algumas falas dos entrevistados:
“O médico não olhou na minha cara, não avaliou o que eu estava sentindo e
nem me pediu exames”;
“Não sei nem o que tive, o médico não me disse o que era, só me passou os
remédios”;
“O médico não me aconselhou, orientou sobre a doença”;
“O médico errou o diagnóstico e tive que refazer a cirurgia”.
As queixas relatadas são comuns na rede de saúde do país, tanto para os homens
quanto para as mulheres e outros segmentos da sociedade. Evidenciam a estrutura deficiente
disponível, como relatada no primeiro capítulo desta dissertação. Assim, é valioso destacar
que as falas dos entrevistados induzem a se pensar que o acolhimento por parte dos
profissionais e nas instituições de saúde influencia na busca do homem pelos cuidados de
saúde. Contudo, serão estes fatores os mais determinantes? Esta pergunta será respondia mais
à frente, quando tratar-se da questão sobre que fatores mais influenciam a busca do cuidado
por parte dos homens. A priori, segue-se com os motivos da insatisfação dos homens nos
atendimentos realizados.
Por fim, destacam-se os motivos relacionados a si próprios, as questões inerentes ao
próprio estereótipo masculino, com 15% das razões para insatisfação. Exemplificando-se
algumas falas em seguida:
E, mais uma vez, traz-se à discussão os homens que classificaram na entrevista sua
saúde como regular, ruim ou péssima. Correlacionando-se estes entrevistados com a data de
sua última consulta, no intuito de justificar tal classificação, verificou-se que 25% dos que
haviam dito ter a saúde regular, ruim ou péssima haviam tido suas últimas consultas médicas
há mais de um ano ou não se lembraram de sua última consulta. E 75% afirmaram ter tido sua
última consulta há menos de um ano, o que sugere que a percepção de uma saúde regular,
ruim ou péssima não está relacionada ao fato de não ir à consulta médica. No caso destes
entrevistados, isso não se aplica, pois a maioria deles referiu ter ido ao médico há menos de
um ano, denotando alguma preocupação com seu estado de saúde.
De acordo com um comercial de televisão da campanha publicitária da PNAISH, “...os
homens morrem mais e mais cedo que as mulheres, porque o homem não se cuida”. A
afirmativa é muito bem traduzida quando se avaliam os dados de morbimortalidade
masculina, discutidos em capítulo anterior. Tal afirmativa forte e contundente do comercial
76
foi uma das razões que instigaram esta pesquisa. Entretanto, o que pensam os homens sobre o
cuidado dos homens? Será que, de fato, compartilham de tal opinião?
Aos participantes da pesquisa foi feito o seguinte questionamento: “Os homens
morrem mais e mais cedo que as mulheres, porque os homens não se cuidam. Você concorda
ou não que os homens não se cuidam?”. Os entrevistados foram quase unânimes em
concordar (94,6%) com a afirmativa (GRAF. 9), ressaltando que esta pergunta exprime um
pensamento sobre os homens de forma geral. Contudo, o questionamento que se seguiu foi em
relação a si próprios, se eles (os entrevistados) se cuidavam (GRAF. 10). E os resultados são
conflitantes, como se expõe a seguir:
Dos entrevistados que foram quase unânimes em concordar que os homens não se
cuidam, 59% afirmaram que se cuidavam, e 41% referiram que não (GRAF. 10). Vale
ressaltar que a diferença de valores entre os que referiram se cuidar ou não, é insignificante
estatisticamente, contudo é relativamente intrigante, pois o que se esperava era que a maioria
afirmasse que não se cuidava, tendo como base as respostas dadas quando questionados sobre
a afirmativa de que os homens não se cuidam.
77
Sobre essa dicotomia entre o que de fato é real e o que é imaginário, também foi
encontrada por Gomes (2008, p. 53) em sua pesquisa, quando questionava os homens
entrevistados sobre sua relação com os serviços de saúde. Na pesquisa, o discurso dos
entrevistados foi o de que todas as pessoas, homens ou mulheres, deveriam procurar os
serviços de saúde, porém os próprios não mencionavam hábitos relacionados à sua saúde,
principalmente relacionados com as consultas médicas e os exames preventivos.
Contudo, cabem aqui algumas reflexões. A primeira é que talvez os homens estejam
de fato se cuidando, mas, pela realidade da morbimortalidade ou do estereótipo criado, eles
próprios acabem sendo induzidos a concordar que homens não se cuidam. A segunda é que
tenha ocorrido outro viés na pesquisa, que por ter um stand com uma chamada de saúde do
homem eles tenham já se tendenciado a responder que se cuidavam. E a terceira é que os
homens, de fato, estejam se cuidando.
Fazendo uma correlação entre os que afirmavam se cuidar e o seu estado nutricional, é
possível afirmar que apenas 41% encontravam-se com um peso adequado, os demais se
achavam com sobrepeso ou obesidade. E 41% dos entrevistados que consideraram não se
cuidar, mais da metade deles (54%) também classificou sua saúde como regular, péssima ou
ruim. O que sugere que o homem, mesmo considerando sua saúde deficiente, ainda assim não
procura cuidados. Sugere também que os homens têm consciência das limitações de sua
saúde, mas ainda o que se sobressai é o padrão masculino do não cuidado.
Outro ponto a destacar é com relação aos que discordaram da afirmativa, não
considerando os números, pois estes foram apenas 3% da amostra, o que é estatisticamente
insignificante, considerando as explicações dadas pela discordância. Assim, seguem algumas
falas:
“Discordo porque a maioria morre de violência, e não de falta de cuidado”;
“Porque os homens fazem mais atividade física”;
“Porque os homens estão mais vaidosos e se cuidando mais”;
“Porque tem muitos na academia, fazer atividade física é muito sexy”.
78
Estas falas nos remetem à discussão das mudanças que vêm ocorrendo nos modelos de
masculinidades, com Farrell (1991), Cuschnir e Mardegan (2001) e Gomes (2008), e mostram
que alguns dos entrevistados já conseguem perceber e expor esta mudança.
Complementando a discussão sobre o cuidado para consigo dos entrevistados, foi
questionado a eles sobre como se cuidavam. Este questionamento foi importante para se
verificar a percepção dos entrevistados sobre o tipo de ações que eles consideram como
cuidado. Os dados mostram que os homens relacionaram o cuidado principalmente à boa
alimentação, à prática de atividade física e à procura do médico (GRAF. 11).
Este comportamento e esta percepção podem estar relacionados com o novo
paradigma de saúde, destacado no primeiro capítulo desta dissertação, que valoriza as ações
de prevenção de doenças e a promoção da saúde. Bem como a forte disseminação do estilo de
vida saudável, que deve ter como base a alimentação e a atividade física.
Nesse sentido, destaca-se que tal disseminação faz parte da proposta de uma estratégia
global da OMS, que visa sugerir a formulação e implementação de linhas de ações efetivas
para reduzir substancialmente as mortes e doenças em todo o mundo:
Outro dado interessante a ser destacado é que o uso de preservativo foi pouco referido
pelos entrevistados como um ato de cuidar de si. O que pode corroborar com a conclusão do
estudo de Costa (2003), no qual a visão dos entrevistados sobre as problemas de saúde dos
homens relaciona-se a partes do corpo sem referência à sexualidade e reprodução. É como se
esses aspectos do ser masculino fossem inabaláveis e totalmente invulneráveis, e que o
cuidado dispensado a eles não fizessem parte da saúde, e sim apenas da masculinidade.
Diante do perfil e das percepções de saúde e de cuidado dos participantes deste estudo,
indagou-se sobre o que, na opinião dos entrevistados, leva os homens a terem o
comportamento de não se cuidarem, já que eles mostraram-se de acordo com a afirmativa de
que os homens não se cuidam.
É relevante que se resgate a metodologia utilizada para se avaliar os dados obtidos
com tal questionamento. As respostas dos entrevistados foram interpretadas e reunidas em
duas categorias: a categoria que continha fatores relacionados ao gênero e a categoria com
fatores relacionados às questões institucionais. Os fatores de gênero referem-se às respostas
relacionadas ao ideário, ao estereótipo masculino, como o fato de os homens serem machistas,
serem mais fortes, não precisarem de médicos, não adoecerem com facilidade, que cuidar-se é
coisa de mulher, que é natural do homem não se cuidar, entre outras.
E os fatores institucionais, referem-se às respostas relacionadas com o excesso de
trabalho, absenteísmo, a falta de tempo de ir ao serviço de saúde, os horários de
funcionamento dos serviços de saúde, a falta de profissionais especializados para o
atendimento de homens, dificuldades na marcação das consultas, mau atendimento. Enfim,
todas as questões que estão relacionadas com o funcionamento das instituições e ao trabalho
ou aos serviços de saúde que dificultem este acesso, ressaltando e relembrando a problemática
80
Além dos dados numéricos, é interessante destacar algumas percepções dos homens
entrevistados, quando foram questionados sobre este tema. Abaixo se citam algumas falas,
relacionadas aos fatores de gênero:
As falas dos entrevistados traduzem bem as características do que é ser masculino nos
padrões aceitos pela sociedade. O que permite a reflexão de que os homens entrevistados
visualizam os homens da sociedade como machistas, à mercê dos instintos, resistentes, com
medo e vergonha, quando se trata de seu cuidado e de sua saúde. Os homens e a sociedade, ao
considerarem o cuidado como um ato feminino, se autoimpedem e são impedidos de o
realizarem. Saffioti (1987, p.116) “reflete que, na medida em que certos campos, ou atitudes,
são considerados femininos e ou negros, o homem em geral e o branco, especialmente, ficam
impedidos de neles penetrar, ou realizá-las” (grifo nosso).
Os homens acabam por se tornar vítimas de um engodo, um embuste, uma trapaça,
quando são levados a agir de forma dominadora na vida social (SAFFIOTI, 1987;
BOURDIEU, 2002; FARREL 1991). Um dos aspectos que mais reflete essa condição de
vítima é na saúde, quando se excluem do processo de cuidar por conta de uma imagem de
fortes e invulneráveis. Assim, é possível observar, nas respostas dos entrevistados, a
naturalização de características construídas socioculturalmente para o que é ser homem e o
que é ser mulher. De acordo com Saffioti (1987), os seres humanos nascem machos ou
fêmeas, e através da educação tornam-se homens e mulheres, através da identidade social, que
é socialmente construída. E esta identidade passa a ser reconhecida como parte da natureza de
homens e mulheres, como revelam algumas falas que referem o “instinto” como a justificativa
para o não cuidado.
82
internet e outros. É válido ressaltar, ainda, que muitos dos que afirmaram já ter ouvido falar,
não sabem, de fato, o que é, qual a finalidade da política e em que isso irá atingi-los, contudo
estas percepções não foram investigadas a fundo neste estudo. Muitos identificaram a política
através dos comerciais de televisão, mas pensavam se tratar apenas de informações soltas,
alertas para que os homens se cuidem mais, sem atrelar os comerciais com ações de uma
política.
Nesse sentido, observa-se que os homens ainda não se reconhecem como alvos de uma
política de saúde, mesmo sabendo da existência dela. E muitos ainda nem tomaram
conhecimento dela, tendo em vista que 47,8% dos entrevistados nesta pesquisa, referiram
nunca ter ouvido falar dela. Kalckmann, Batista e Souza (2005 apud GOMES, 2008, p. 55)
também chegaram à conclusão semelhante em seu estudo, ao enfatizar que “os homens não se
reconhecem como alvo do atendimento de programas de saúde, pois as ações preventivas se
dirigem, ou dirigiam, quase que exclusivamente às mulheres” (grifo do autor).
Contudo, esse desconhecimento pode ser justificado ao verem as ações da política,
especialmente, em Macapá, muito tímidas, com as ações ainda por fazer, com muitos projetos,
pouca prática, com brigas e interferências políticas, como se observou ao buscar informações
sobre a PNAISH nas secretarias municipal e estadual de saúde, processo relatado em capítulos
anteriores.
Assim, a partir da exposição dos resultados e discussões deste estudo, espera-se ter
deixado muitas indagações e questionamentos sobre o assunto. Entende-se que este, pela
constante mudança e complexidade, seja quase que inesgotável, e não houve a pretensão de
esgotá-lo, concluir ou finalizar qualquer questão. A finalidade deste estudo foi de responder
um questionamento, e principalmente discutir questões que permeiam a saúde dos homens.
85
6 CONCLUSÃO
É notória a importância que a saúde dos homens vem ganhando no cenário da saúde
pública brasileira. Desde a criação da PNAISH, os dados de saúde dos homens vêm sendo
evidenciados como preocupantes, uma vez que sua expectativa de vida é sete anos menos e
que morrem mais que as mulheres em quase todas as causas de mortes. Esses dados se
agravam, quando se verifica que os homens pouco acessam os serviços de saúde, o que sugere
que os homens não se cuidam.
Diante dessa problemática, questionou-se e buscou-se analisar a realidade do Amapá
em relação à saúde dos homens. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo verificar se os
homens concordam ou não com a afirmativa da PNAISH de que eles não se cuidam, e, ainda,
que fatores mais os influenciam nesse cuidado. Para tanto, participaram da pesquisa 203
homens, na faixa etária de 20 a 59 anos, que responderam a um questionário com questões
abertas e fechadas sobre a sua saúde. A pesquisa teve caráter quanti-qualitativo e utilizou o
método da análise de conteúdo para obtenção dos resultados. As conclusões do estudo são
descritas abaixo.
Traçando o perfil socioeconômico dos entrevistados, verificou-se que a maioria deles
foi de homens casados, com idade média de 34 anos, 50% com o segundo grau completo e
renda mediana de R$ 1.150,00. Em relação à sua saúde, 55,2% dos participantes a consideram
boa ou ótima. Contudo, mais de 60% foram diagnosticados com sobrepeso e obesidade com
médio e alto risco para doenças cardiovasculares, de acordo com as avaliações nutricionais
realizadas, a partir da análise do IMC e da circunferência da cintura. Os entrevistados foram
considerados sedentários, sendo que 57% admitiram não fazer nenhum tipo de atividade física
regularmente, e, dos que afirmaram praticar, 33% a fazem menos de três vezes na semana, o
que é considerado insuficiente pela OMS para ser benéfico à saúde.
No que se refere às doenças propriamente ditas, 30% admitiram ter alguma doença
diagnosticada por médico, e as mais recorrentes foram hipertensão arterial, gastrite e
dislipidemias, com 16,9%, 15,4% e 10,8%, respectivamente. O consumo de bebidas
alcoólicas também foi elevado, se comparado com o consumo nacional, considerando que
60% dos participantes afirmaram fazer uso de bebidas alcoólicas, e, destes, 45% com
frequência semanal, o que em nível nacional é de apenas 28%. Contudo, em relação ao
cigarro, apenas 14,8% afirmaram fazer uso, o que é um resultado positivo, considerando que,
de acordo com a pesquisa do MS, este índice para os homens de Macapá era de 24,7%.
86
Verificou-se, ainda, que a maioria dos entrevistados, 66%, teve seu último
atendimento médico há menos de um ano. Mas cerca de 20% não se lembravam ou não
tinham passado por nenhum atendimento médico depois de adultos. Ressaltando-se que
atendimento, aqui, foi entendido como qualquer atendimento com o profissional médico em
qualquer serviço de saúde, seja na atenção básica, seja na média ou alta complexidade. E, em
relação à satisfação nesse último atendimento, 78,3% se declararam satisfeito, e os demais
insatisfeitos. Curiosamente, 54,1% das consultas realizadas foram em serviços públicos e,
quando se avalia a insatisfação, esta se fez maior nos atendimentos privados, 55,9%. Sendo
que 55% das explicações, para a insatisfação, estavam relacionadas com a postura do
profissional que o atendeu, como a rapidez e o pouco interesse do profissional pelo paciente,
seguida das justificativas que dizem respeito às instituições de atendimento, principalmente da
demora e burocracias do sistema, e, por último, as que são relacionadas às questões pessoais,
principalmente com a imagem do homem, de invulnerável e forte.
É quase unânime a concordância dos homens com a afirmativa de que eles não se
cuidam: 94,6% estão de acordo. Porém, ao serem questionados se eles tinham cuidados
consigo, 59% afirmou que sim, referindo-se, principalmente, aos cuidados com a alimentação,
prática de atividade física, e a procura de assistência médica ao sentir algo. Aqui se conclui
que a pesquisa pode ter tido um viés, já que a chamada para a participação no estudo era feita
com um banner com uma pirâmide alimentar, e o fornecimento de avaliação e orientação
nutricional após a entrevista com o pesquisado pode ter levado os entrevistados a refletir
sobre a questão saúde no momento da abordagem. Para outros estudos, recomenda-se que a
abordagem seja neutra, sem motivá-los a refletir antes sobre sua saúde, para que tenham
respostas mais fiéis.
Excluindo-se a possibilidade do viés, é possível que os homens, de fato, estejam um
pouco mais cuidadosos com sua saúde. Ou, no mínimo, que os conceitos de cuidados com a
saúde e do culto ao corpo, amplamente divulgados na mídia, estão sendo mais bem absorvidos
e inculcados pelos homens, considerando que, quando questionados sobre como se cuidam, os
principais cuidados referidos foram com a alimentação e a prática de atividade física.
E, quando questionados sobre os fatores que impedem que eles se cuidem, mais de
74,6% citam fatores relacionados ao gênero, ou seja, a imagem, as funções e as características
cobradas pela sociedade de como devem agir os homens. Isso confirmando a hipótese inicial
de que os fatores relacionados ao gênero, à construção social em cima do corpo do homem,
influenciam com maior intensidade no ato de cuidar de si masculino. Eles não se reconhecem
como seres que inspiram cuidados.
87
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original inglês (SCOTT, J. Gender and the Politics of History. New York: Columbia
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2011.
VIEIRA, S. Metodologia científica para a área da saúde. 10. reimp. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2001.
APÊNDICE A
Formulário de pesquisa
APÊNDICE B
Termo de consentimento livre e esclarecido de pesquisa
(Resolução No196/96 – CNS)
Eu,________________________________________________ declaro que consinto
em participar como voluntário da pesquisa “Saúde do Homem em Macapá”, sob
responsabilidade da mestranda Aline Bentes Monteiro, aluna do curso de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, vinculado à Universidade Federal do Amapá. Declaro que fui
satisfatoriamente esclarecido que: A) o estudo será realizado a partir da aplicação de um
formulário de pesquisa e da coleta de meu peso, altura, circunferência da cintura; B) que não
haverá riscos para minha saúde; C) que posso consultar os pesquisadores responsáveis em
qualquer época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida; D)
que estou livre para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa e que não preciso
apresentar justificativas para isso; E) que todas as informações por mim fornecidas e os
resultados obtidos serão mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para
divulgação em reuniões e revistas científicas sem a minha identificação; F) que serei
informado de todos os resultados obtidos, independentemente do fato de mudar meu
consentimento em participar da pesquisa; G) que não terei quaisquer benefícios ou direitos
financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa; H) que esta pesquisa é
importante para o estudo, melhor entendimento, da saúde do homem e quais fatores
dificultam o acesso aos serviços de saúde. Assim, consinto em participar da pesquisa em
questão.
Macapá, ___/___/___.
APÊNDICE C
Teste estatístico no spss: teste não paramétrico de 1 amostra teste qui-
quadrado, nível de significância 0,05 e intervalo de confiança 95%
FATOR GENÊRO/INSTITUCIONAL
a
Chi-Square 42,763
df 1
Asymp. Sig. ,000
a. 0 cells (0,0%) have expected frequencies less than 5. The minimum expected
cell frequency is 88,5.