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METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

Prezado Aluno.

O material que apresentamos foi produzido por professores atuantes no Sis-


tema Universidade Aberta do Brasil e cedido por sua respectiva Universida-
de à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CA-
PES, que o disponibilizou para uso das Universidades integradas ao sistema.

Coordenação UAB/UESC

O módulo a seguir foi reproduzido para o uso na disciplina Metodologia do


Ensino da Língua Portuguesa e Literatura, referente ao semestre 2012.2

Coordenação de Letras UAB/UESC


Metodologia do Ensino
da Língua Portuguesa e
Literatura


Nilcéa Lemos Pelandré
Nelita Bortolotto
Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott
Período Eliane Santana Dias Debus

Florianópolis - 2011
Governo Federal
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ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica
M593 Metodologia do ensino de língua portuguesa e literatura / Nilcéa
Lemos Pelandré ...[et al.]. - Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2011.
194 p. : il.
Inclui bibliografia
Licenciatura em Letras Português na Modalidade a Distância.
ISBN 978-85-61482-29-9
1. Língua portuguesa – Estudo e ensino – Metodologia. 2. Litera-
tura – Estudo e ensino – Metodologia. I. Pelandré, Nilcéa Lemos.

CDD 806.90:37

Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da


Universidade Federal de Santa Catarina.
Sumário
Apresentação....................................................................................... 9

Unidade A - A formação do professor e a constituição da


disciplina língua portuguesa e literatura.................................13
1  A constituição da profissionalidade docente e da disciplina
Língua Portuguesa e Literatura ..............................................................15
2  A organização das escolas e as linhas de pensamento
pedagógico no contexto do desenvolvimento das
políticas educacionais vigentes...............................................................25

2.1 Linhas do pensamento pedagógico no contexto do


desenvolvimento das políticas educacionais vigentes........................27
3  Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e
Literatura..........................................................................................................33
3.1 Metodologia do ensino da Língua Portuguesa e Literatura..............43
3.2 A avaliação ..........................................................................................................49
Considerações finais da Unidade A.............................................................52

Unidade B - A leitura na escola....................................................53


4  O que é ser leitor?.........................................................................................55
5  O papel da escola na formação de leitores. ........................................61
5.1 O papel do professor de Língua Portuguesa na formação
de leitores.............................................................................................................62
6  Concepções de leitura. ...............................................................................69
6.1 O ensino da leitura............................................................................................70
Considerações finais da Unidade B.............................................................79

Unidade C - A leitura literária no espaço escolar..................81


7  A literatura e a sua função ........................................................................83
7.1 O leitor de literatura..........................................................................................87
8  O ensino da literatura na escola: para além do que dizem
os documentos..............................................................................................93
8.1 Da biblioteca escolar a outros espaços de leitura literária...............102
9  O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio:
estratégias metodológicas..................................................................... 109

Poesia..........................................................................................................................109
Varal literário.............................................................................................................110
Exercício Dadaísta...................................................................................................110
Limeriques.................................................................................................................111
Poesia visual..............................................................................................................112
Narrativa.....................................................................................................................112
O Romance................................................................................................................113
O Conto......................................................................................................................114
O Miniconto..............................................................................................................114
Outras possibilidades............................................................................................115
Considerações finais da Unidade C.......................................................... 118

Unidade D - O processo da escrita na escola...................... 119


10  O processo da escrita na escola......................................................... 121
10.1 O texto e o envolvimento do aluno-escritor.......................................122
10.2 Aprendizagem e desenvolvimento da linguagem escrita
e autoria...........................................................................................................125
10.3 Modelos de ensino na pedagogia da língua escrita:
pontos de referência em discussão........................................................132
10.4 Atos de ensino para quem se põe como aprendiz do ensinar.....145
10.5 Práticas discursivas no trabalho com textos na escola:
as relações de interação no ensino e na aprendizagem . ..............148
10.6 Voltando ao ponto inicial: locutor e interlocutor, partes
integrantes do enunciado.........................................................................153
Considerações finais da Unidade D.......................................................... 157

Unidade E - Análise linguística e ensino de gramática.... 159


11  Análise linguística .................................................................................. 161
12  O ensino da gramática. ......................................................................... 173
Considerações finais da Unidade E . ........................................................ 177
Referências....................................................................................... 179

Crédito das imagens.................................................................... 188


Apresentação
Caro estudante,

É com imenso prazer que o recebemos na disciplina Metodologia do Ensino


de Língua Portuguesa e Literatura. Escolhemos para iniciar o diálogo dos con-
teúdos referentes a esta disciplina o poema “O menino que carregava água na
peneira”, do poeta mato-grossense Manoel de Barros.

Convidamos você à leitura do poema:

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.


Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira


era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que


catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.


Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino


que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
tudo ao mesmo tempo

O menino aprendeu a usar as palavras.


Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro


botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.


Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os


vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

(BARROS, Manoel de. O menino que carregava água na peneira. In: ______.
Exercícios de ser criança. São Paulo: Global, 2002.)

Como todo texto literário, este se apresenta ao leitor aberto a múltiplas leitu-
ras. Gostaríamos de aqui refletir sobre algumas imagens desencadeadas pelo
poema e que, sob o nosso ponto de vista, dizem respeito diretamente à disci-
plina que agora iniciamos.
O exercício da palavra escrita, do ato de produzir a escrita, configura-se na
descoberta desse personagem menino-poeta de que as palavras estão abertas
para o brincar e de que com elas é permitido dizer o indizível, realizar o inusi-
tado, como pode-se constatar no verso: “Foi capaz de modificar a tarde botan-
do uma chuva nela”. O ato da escrita literária, do ser e se fazer poeta, artífice
da palavra, assim se anuncia pela metáfora da peneira que nunca se completa
com seu conteúdo.

A imagem poética da peneira, que deixa escorregar por suas fissuras o líquido,
implicitamente traz à cena outro personagem: o leitor. Não carregaria tam-
bém o leitor uma peneira impreenchível? Como podemos dar por encerrada
a nossa cota de leitura? Assim como a escrita, a leitura é um ato de autoria, de
criação e, podemos dizer, de recriação. Não exige o ato da leitura igualmente
um exercício de despropósitos e “peraltagens”?

Às duas imagens – a do escritor e a do leitor – aproximamos a do professor e


seu exercício docente: a sensação de incompletude muitas vezes gerada pelo
ato de ensinar. Por outro lado, os despropósitos e as “peraltagens”, acolhidas
pelo ato de escrever e de ler, deveriam ser acolhidas também pelo ato de ensi-
nar, pensando que o professor pode buscar outras formas de (re)apresentar o
mundo aos alunos. Assim, o exercício de escrever, o exercício de ler e o exer-
cício de ensinar se entrelaçam e se anunciam como imprescindíveis no ato de
pensar o ensino da língua portuguesa e da literatura.

Esta disciplina tem por objetivo discutir questões pedagógicas da profissiona-


lidade docente de forma que você obtenha conhecimentos teórico-metodoló-
gicos sobre aspectos que envolvem o processo de ensino e de aprendizagem da
Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio e, assim, sinta-se capaci-
tado para atuar profissionalmente de modo competente e efetivo na escola.

Cabe, todavia, questionarmos: afinal, no espaço escolar, sendo estudantes de


Curso de Licenciatura em Letras, como alcançamos o domínio desse conhe-
cimento? E, na função de professores, como nos tornamos competentes na
mediação pedagógica do que se ensina e do que é aprendido?

Para responder a essas questões, este livro está organizado em cinco unidades
que centralizam a discussão do nosso objeto de ensino, a linguagem verbal.
Nessa direção, a Unidade A trata da formação do professor e da constitui-
ção da disciplina Língua Portuguesa e Literatura, isto é, apresenta um breve
histórico da constituição da profissionalidade docente e do ensino da Língua
Portuguesa e Literatura e suas implicações no processo do ensinar e aprender.
Referimo-nos, ainda nesta unidade, aos documentos oficiais que orientam a
definição de objetivos, metodologias e avaliação.

Na Unidade B, trazemos a discussão sobre o papel da escola e do professor de


Língua Portuguesa na formação de leitores. Na Unidade C, ainda tematizando
a leitura, continuamos a reflexão sobre a especificidade que está na leitura do
texto literário e sua inserção no espaço de sala de aula do Ensino Fundamental
e Médio. Na Unidade D, tratamos de questões que envolvem o processo de
escrita e seu ensino na escola. E a Unidade E complementa este livro com re-
flexões sobre a atividade de análise linguística e o ensino de gramática.

Não foi nosso objetivo esgotar todas as questões relativas à Metodologia do En-
sino de Língua Portuguesa e Literatura, mas sim abordar pontos que considera-
mos fundamentais no exercício da docência que ensina a linguagem verbal.

O diálogo continua! Seja crítico na sua leitura, relacionando suas vivências


pessoais e docentes ao conteúdo exposto ao longo deste livro.

As autoras.
Unidade A
A formação do professor e a
constituição da disciplina língua
portuguesa e literatura

Interação professora e aluna


Metodologia do Ensino

Nesta Unidade, refletimos sobre alguns aspectos da história da for-


mação docente e da constituição da disciplina de Língua Portuguesa e
suas implicações no processo de ensino e de aprendizagem. Apresenta-
mos, em síntese, as linhas de pensamento pedagógico no contexto do de-
senvolvimento das políticas educacionais em curso e as orientações dos
documentos oficiais que norteiam a prática pedagógica na definição do
objeto de estudo, dos objetivos da disciplina e da orientação metodológi-
ca e da avaliação. Tendo isso em vista, os objetivos desta unidade são:

ӲӲ Refletir sobre fatores que intervêm no processo de formação do


professor de Língua Portuguesa e Literatura.

ӲӲ Compreender as relações entre a organização dos espaços esco-


lares e o desenvolvimento de práticas sociais de linguagem.

ӲӲ Pensar o processo de ensino e aprendizagem de Língua Por-


tuguesa e Literatura considerando os documentos oficiais de
referência e as teorias e os estudos científico-pedagógicos em
circulação.

ӲӲ Refletir sobre possibilidades de elaboração didática dos conhe-


cimentos científicos referentes aos processos de ensino e de
aprendizagem da linguagem verbal.

A Unidade está organizada em três capítulos: um capítulo sobre


a constituição da profissionalidade docente e da disciplina (um breve
histórico); outro capítulo sobre a organização do espaço escolar e as li-
nhas do pensamento pedagógico no desenvolvimento das políticas edu-
cacionais contemporâneas; e um terceiro capítulo sobre os processos de
ensino de Língua Portuguesa e Literatura (os documentos oficiais de
referência e a sistematização teórico-metodológica do ensino de Língua
Portuguesa e Literatura, incluindo a avaliação).

14
A constituição da profissionalidade docente... Capítulo 01
1 A constituição da
profissionalidade docente
e da disciplina Língua
Portuguesa e Literatura
Quando eu comecei na faculdade, eu tinha uma visão, trabalhava obser-
vando o livro didático, era o meu limite. E a faculdade me fez enxergar
além, assim oh!, pesquisar mais, ir à biblioteca, Internet, a questão dos
textos reais, eu trabalhava muito com textos assim... qualquer texto para
mim... quanto mais fáceis... Antigamente se tinha essa visão, por exem-
plo, quando tu falaste da letra T [referindo-se a uma outra professora],
procurava textos que tinha um monte de T, aquela coisa... eram textos de
cartilha mesmo e eu comecei a enxergar outros. (S-br, Entrev. 3: 162-169. Discutiam-se, naquela
In: AGUIAR; PELANDRÉ, 2009, p. 132). época, as relações en-
tre escola e sociedade,
Vivemos, ao final dos anos de 1970 e início da década de 1980, um mais especificamente
sobre como as formas de
forte movimento de democratização da sociedade, em que a luta dos organização da sociedade
educadores trouxe contribuições significativas para a educação e para tinham implicações na
organização dos espaços
o modo de se compreender a escola e o trabalho pedagógico. Essa luta escolares e no processo
colocou “em evidência as relações de determinação existentes entre a educacional desenvolvido.
educação e a sociedade e a estreita vinculação entre a forma de organi-
zação da sociedade, os objetivos da educação e a forma como a escola se
organiza”, escreve a pesquisadora em educação, Professora Helena Costa
de Lopes Freitas, em seu trabalho Formação de professores no Brasil: 10
anos de embate entre projetos de formação (FREITAS, 2002, p. 138).

Os anos de 1980 marcaram, por sua vez, a ruptura com o pensa-


mento mecanicista, que predominava até então, e novas concepções so-
bre a formação do educador passaram a ser consideradas, ancoradas em
perspectiva sócio-histórica (FREITAS, 2002).

Pensamento mecanicista
No pensamento mecanicista, herdado dos filósofos da Revolução Científica do século XVII, como
Descartes, Bacon e Newton, “[…] o valor do novo homem que surge se encontra não mais na família
ou linhagem, mas no prestígio resultante do seu esforço e capacidade de trabalho [...] e a ciência
deixa de ser um saber contemplativo, formal e finalista para que, indissoluvelmente ligada à técni-
ca, possa servir à nova classe [ao novo modo de produção – o capitalismo]”. A natureza e o próprio
homem são comparados a uma máquina. As considerações a respeito do valor, da perfeição, do
sentido e do fim são excluídas da ciência. (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 148).

15
Metodologia do Ensino

A perspectiva sócio-histórica ancora-se, dentre outras, na teoria de


Vygotsky que aponta novos paradigmas para a compreensão do desen-
Há uma nova tradução da volvimento humano. Essa teoria, fundamentada no materialismo histó-
obra de Vygotsky feita por
Paulo Bezerra (2001), a rico-dialético, contrapõe-se aos reducionismos das concepções empiris-
partir da edição em russo ta, tecnicista e idealista, indicando perspectivas de superá-los. Vygotsky,
(VIGOTSKI, L.V. A cons-
trução do pensamento e em sua teoria social do desenvolvimento humano, compreende o sujeito
da linguagem. São Paulo: como constituído e construído nas relações sociais, via linguagem. Ele
Martins Fontes, 2001), no
entanto para a produção afirma também que, na ontogênese, deve ser considerada não só a linha
deste livro nos utilizamos natural, biológica, mas também a linha cultural, social, histórica. Segun-
da versão anterior, a de
1989. do Vygotsky, o indivíduo, na condição de ser biológico e de ser sócio-his-
tórico humano, por meio das relações sociais, pela mediação semiótica,
constitui suas formas de ação e sua consciência (FREITAS, 1994).

A publicação do livro Pedagogia do oprimido (2005), do grande


Ontogênese educador brasileiro Paulo Freire, escrito nos anos de 1967 e 1968, quan-
Ontogênese refere-se ao do de seu exílio no Chile, constitui também esse momento histórico
desenvolvimento do indi-
de construção de novos olhares sobre a formação do professor. Frei-
víduo desde a fecundação
até a maturidade para a re discute uma nova concepção de educação, a partir da compreensão
reprodução (FERREIRA, da realidade social e econômica dos educandos, e denuncia a educação
1988).
bancária, caracterizada pelo aluno que chega à escola e recebe do pro-
fessor o conteúdo como se fosse uma mercadoria.

Paulo Freire (1921-1997) desenvolveu o conceito de “educação bancária” em


seu livro Pedagogia do oprimido, publicado pela primeira vez no Brasil em
1970. Ele referia-se ao modelo tradicional de prática pedagógica em que o
professor é tido como aquele que supostamente tudo sabe e o aluno nada
sabe. Os conteúdos escolares são transmitidos passivamente aos alunos, ou
seja, o professor deposita na cabeça “vazia” de seus alunos o conteúdo que
eles não possuem, como alguém que deposita dinheiro em um banco.
Figura 1 - Paulo Freire

Essas concepções em que o professor não mais é visto como mero


transmissor de conteúdo enfatizam, então, “[...] a necessidade de um
profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da re-
alidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que
lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação
e da sociedade” (FREITAS, 2002, p. 139), corroborando a importância
dos processos de formação de professores nessa perspectiva.

16
A constituição da profissionalidade docente... Capítulo 01
As transformações concretas no campo da escola também se de- Os cursos de pedagogia
ram “[…] no sentido de buscar superar as dicotomias entre professores formavam o professor
para a sala de aula, orien-
e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois tadores educacionais,
a escola avançava para a democratização das relações de poder em seu supervisores e adminis-
tradores escolares; esses
interior e para a construção de novos projetos coletivos”; construindo, últimos nomeados de
assim, “a concepção de profissional de educação que tem na docência especialistas em educa-
ção. Hoje, nos cursos de
e no trabalho pedagógico a sua particularidade e especificidade” (FREI- formação, essa divisão
TAS, 2002, p. 139, grifos da autora). não existe mais. Os cursos
de pedagogia formam
Com relação à formação do professor de Língua Portuguesa e Li- profissionais para atuar
na Educação Infantil e nos
teratura, para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, anos iniciais do Ensino
a Lei no. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional) Fundamental.

reafirma a obrigatoriedade da formação em nível superior, razão pela


qual se organizam, dentre outros programas de formação, os cursos na Lei no. 9394/1996: “Art. 62.
A formação de docentes
modalidade de EaD, dada a impossibilidade de oferta de cursos presen- para atuar na educação
ciais em todos os municípios brasileiros. básica far-se-á em nível
superior, em curso de
licenciatura, de graduação
No que diz respeito ao ensino da Língua Portuguesa, até os anos plena, em universidades
1970 os estudos e pesquisas se faziam na área de conhecimento denomi- e institutos superiores de
educação, admitida, como
nada Didática, que se subdividia em Didática Geral e Didática Especial, formação mínima para o
que, por sua vez, desmembrava-se em Didática do Português. A propos- exercício do magistério
na educação infantil e nas
ta dessa disciplina apontava para um ensino normativo, prescritivo, “um quatro primeiras séries
conjunto de normas, recursos e procedimentos que deveriam informar do Ensino Fundamental, a
oferecida em nível médio,
e orientar a prática dos professores”, de forma a poderem prescrever na modalidade Normal”.
com mais eficácia as normas da língua, diz a professora, doutora e livre-
docente em Educação Magda Becker Soares (1997, p. X).

Considerada uma das maiores pesquisadoras do ensino da Língua Portu-


guesa de nosso país, é Professora Titular Emérita da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Centro de Alfa-
betização, Leitura e Escrita – CEALE – da referida Faculdade. Ela é autora de
várias obras de referência para o ensino da Língua Portuguesa. Destacamos
aquelas que são consideradas clássicas: Linguagem e escola: uma perspectiva
social, da Editora Ática; Letramento: um tema em três gêneros, da Editora Au-
têntica; e Alfabetização e Letramento, da Editora Contexto.
Figura 2 - Magda Soares

17
Metodologia do Ensino

Assim como nos cursos de formação regular, Curso Normal e Cur-


so de Letras, a disciplina de Língua Portuguesa foi tendo seu nome alte-
rado também no Ensino Fundamental e Médio ao longo do tempo. Na
década de 1960, época do antigo curso ginasial, era denominada Portu-
guês, subdividida em Estudos de Língua e Estudos de Literatura, minis-
trados inclusive por professores diferentes. Na década de 1970, passou a
chamar-se Comunicação e Expressão, e dela não fazia parte a literatura,
As professoras Tânia
Regina Oliveira Ramos e que passou a integrar o currículo do segundo grau, como estudo de his-
Gizelle Kaminsky Corso
tória literária e de autores e obras visando aos concursos vestibulares.
(2010), responsáveis pela
disciplina Literatura e Ensi-
no deste curso de Letras a Nos currículos atuais temos, no Ensino Fundamental, a disciplina
distância, no livro que es- de Língua Portuguesa, e a Literatura faz parte dela. Porém, persiste a
creveram sobre esse tema,
discutem com clareza o tendência de se considerarem distintas a língua e a literatura e de o texto
modo como a literatura literário ser utilizado em sala de aula apenas como pretexto para aulas
vem sendo ensinada e
qual a compreensão que de leitura, interpretação e estudos gramaticais. Ainda há forte tendência
dela se tem. Retomaremos em considerar a gramática normativa e prescritiva como conteúdo cen-
essa discussão na Unidade
C deste livro. tral das aulas de língua e compreender o ensino da literatura, quando
objetivado, como o estudo para a caracterização de obras e autores.

No Ensino Médio, no entanto, embora continue fazendo parte da


disciplina de Língua Portuguesa, a “[...] literatura possui alguma auto-
O processo de democra-
nomia de disciplina”, como afirmam Ramos e Corso (2010, p. 29). Es-
tização da sociedade na tudar a língua é também estudar literatura e vice-versa, pois o objeto
área educacional, que
acompanha os aconteci-
do ensino de Língua Portuguesa e Literatura é a linguagem verbal (a
mentos nacionais, trouxe palavra, o texto, a linguagem em uso) nas suas múltiplas formas de ma-
igualmente a discussão
das relações de poder
nifestação, incluindo a literária, nas diferentes esferas sociais.
no interior da escola,
apontando para a cons- O processo de democratização da sociedade trouxe também a de-
trução de novos projetos mocratização do acesso à escola. O número de alunos dobrou no ensino
coletivos, tais como a
elaboração de propostas primário e triplicou no ensino secundário (Soares, 1997, p. IX apud
curriculares de estados e BATISTA, 1997, p. IX). A Lei nº. 5692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases
municípios. Essas discus-
sões provocaram avanços para a Educação Nacional – LDB) estendeu o ensino obrigatório de qua-
no sentido da democra- tro para oito anos e ampliou o Ensino Médio, criando os cursos médios
tização desses projetos
educacionais, principal- profissionalizantes. Até o advento da Lei nº. 5692/1971, denominava-se
mente em estados cujos ensino primário o correspondente aos primeiros quatro anos do ensi-
governantes eleitos eram
considerados de perfil no formal; ensino ginasial ou secundário, os quatro anos seguintes, do
centro-esquerda. primeiro ao quarto ano ginasial, considerado ensino secundário. Atual-

18
A constituição da profissionalidade docente... Capítulo 01
mente, o ensino obrigatório é de nove anos, ampliado pela Lei 9394/1996
(nova LDB), que substituiu, entre outras, a Lei nº. 5692/1971.

A escola, que até então servia quase que exclusivamente às camadas


economicamente mais privilegiadas da sociedade, não consegue atender
de forma adequada a esse novo contingente de alunos que a ela chega,
pois os professores não foram preparados para esse trabalho. Começa-
se a falar da crise da educação e do fracasso escolar. E os indicadores
desse fracasso revelam-se principalmente no ensino de Português, pelo
alto índice de repetência nos primeiros anos e a constatação de graves
problemas de expressão escrita nas avaliações a que são submetidos os
alunos concluintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nos exa-
mes vestibulares e em concursos, nas provas de Língua Portuguesa. Esse
primeiro fenômeno, intitulado crise e fracasso no ensino de Português,
impulsionou a produção intelectual dos anos de 1970 e início dos anos
de 1980, multiplicando-se os estudos, as pesquisas e reflexões sobre a fa-
lência desse ensino, que denunciam as deficiências das crianças e jovens
na leitura e produção de textos escritos.

Soares (1997) aponta ainda um segundo fenômeno que influenciou


a produção intelectual sobre o ensino do Português: a reforma univer-
sitária do final dos anos de 1960 extinguiu a disciplina Didática Espe-
cial do Português, substituindo-a por Prática de Ensino de Português,
passando a ser esta última uma área de conhecimento específico e in-
dependente, cuja produção intelectual começou a ser definida por seus
próprios princípios e pressupostos. A esse fenômeno, a referida autora
acrescenta um terceiro, a chegada dos conhecimentos construídos no
campo da Linguística, disciplina introduzida nos cursos de Letras nos
anos de 1960, cujos efeitos no ensino da Língua Portuguesa começaram
a se fazer sentir somente nos anos de 1980.

A partir de então, inúmeras têm sido as publicações direcionadas a


questões do ensino da Língua Portuguesa e Literatura e com essas obras
e outras que julgamos representativas deste momento atual é que vimos
dialogando, no intuito de trazer à reflexão propostas e alternativas me-
todológicas sobre o que se ensina quando se ensina Língua Portuguesa
e Literatura. A seguir, destacamos alguns exemplos de obras que tratam
do ensino de português:

19
Metodologia do Ensino

GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste,


1984
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. 2. ed. São Paulo, Martins
Fontes, 1987.
KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspec-
tiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,
1985.
KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística.
São Paulo: Ática, 1986.
ROJO, R. (Org.). A prática de linguagem na sala de aula: pratican-
do os PCNs. São Paulo-Campinas: EDUC; Mercado de Letras, 2000.
SOARES, M. B. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São
Paulo: Ática, 1986.
____. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Au-
têntica, 1998.
____. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.

Na década de 1990, as políticas educacionais tomam rumos um


pouco diferentes daqueles em que se enfatizavam as relações de deter-
minação entre a organização da sociedade e a da escola. Os debates não
mais se fazem sobre as relações da escola com a sociedade, mas sim sobre
os conteúdos escolares do ponto de vista das competências e habilidades
a serem desenvolvidas na escola. Aos ideais dos educadores da década
Você pode ter acesso a to-
de 1980, de uma formação humana multilateral, sobrepõem-se políticas
das as avaliações via Portal públicas neoliberais em que a qualidade da instrução e do conteúdo é
do MEC <www.mec.gov.
br>; pode, inclusive, verifi-
condição para a melhoria do processo de acumulação do capital.
car os resultados da escola
onde atua ou pretende Essas políticas traduzem-se, por exemplo, na criação de sistemas de
atuar como estagiário. avaliação, tais como SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educa-
ção Básica; ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio; Provão – Exa-
me Nacional de Cursos de Graduação; ANRESC – Avaliação Nacional

20
A constituição da profissionalidade docente... Capítulo 01
do Rendimento Escolar, Prova Brasil, Provinha Brasil; IDEB – Índice
de Desenvolvimento do Ensino Básico; FUNDEF – Fundo de Manu- O Instituto Nacional de Es-
tudos e Pesquisas Pedagó-
tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização gicas (INEP/MEC) criou em
do Magistério, dentre outras medidas “que objetivam adequar o Brasil 21/05/2010, por meio de
portaria, o Exame Nacio-
à nova ordem, bases para a reforma educativa que tem na avaliação a nal de Ingresso na Carreira
chave-mestra que abre caminho para todas as políticas: de formação, de Docente. Esse exame
estabelece padrões de
financiamento, de descentralização e de gestão de recursos” (FREITAS, referência para o ingresso
2002, p. 142). de professores na Educa-
ção Básica. Diz o texto à
Se por um lado as concepções que subjazem às políticas públicas página 3: “Esses padrões
ressaltam a importância
reduzem o trabalho pedagógico a uma dimensão puramente racional, da valorização do pro-
atribuindo valor excessivo aos dados estatísticos; por outro, impõem ao fessor como alguém que
necessita de conhecimen-
professor reflexões sobre o sentido da docência e sobre a importância tos e habilidades espe-
de se manter em constante relação com a sociedade em que se insere. cíficas para seu exercício
profissional, os quais não
Assim, os professores muitas vezes são responsabilizados pelos baixos podem ser substituídos
índices de desempenho de seus alunos e dos resultados gerais da insti- por mera boa vontade ou
desejo de trabalhar com
tuição escolar. Em decorrência, são impelidos a uma formação contínua crianças” (BRASIL, 2010).
com vistas à melhoria da eficácia do ensino.

Angela Kleiman é professora e pesquisadora do Instituto de Estudos


da Linguagem (IEL), da Universidade de Campinas (UNICAMP/SP). Tem
se destacado na produção de materiais bibliográficos sobre letramen-
to e ensino da leitura e escrita, na perspectiva da formação docente.
Dentre os livros por ela organizados, destacamos: Os significados do le-
tramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita (1995);
Figura 3 – Ângela Kleiman
A formação do professor: perspectivas da linguística aplicada (2001); Le-
tramento e formação do professor: práticas discursivas, representações
e construção do saber (2005), publicados pela Mercado de Letras; e O
ensino e a formação do professor: alfabetização de jovens e adultos, pela
Artes Médicas Sul, em 2000.

A formação profissional do professor do modo como vem se estru-


turando – e se procurou sintetizar isso nos parágrafos anteriores – não
tem conseguido fazer frente à questão da atribuição injusta de valores
de desprestígio social à profissão. Como diz a professora Angela B. Klei-

21
Metodologia do Ensino

man, docente e pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem


(IEL) da UNICAMP/SP:

[...] a representação que a imprensa faz das capacidades de ler e escre-


ver das professoras, geralmente baseada em fatos anedóticos, mostra
suas falhas tanto em relação a práticas cotidianas de leitura e escrita [...]
quanto em relação a práticas especializadas [...]. Além disso, ela é repre-
sentada como não-leitora, não porque não leia, mas porque não tem
familiaridade com a apreciação da literatura legítima (em oposição à li-
teratura para as massas). (KLEIMAN, 2001, p. 43).

Tal crítica fundamenta-se em concepção de língua cuja norma-pa-


drão, variedade linguística de prestígio social, é a única aceita e na qual a
leitura que se considera é, unicamente, a de textos literários.

Estamos falando de questões de letramento. Assim, destacamos


que a pesquisadora Vera Masagão Ribeiro, doutora em Educação pela
PUC/SP e coordenadora da ONG Ação Educativa/SP, comprovou, em
A ONG Ação Educativa foi pesquisa realizada na cidade de São Paulo, que a classe dos professores
fundada em 1994 com a
missão de promover os tem capacidades de uso da escrita superiores aos resultados de outros
direitos educativos e da grupos de profissionais liberais. Esse dado torna-se importante no sen-
juventude, tendo em vista
a justiça social, a democra- tido de contribuir para aumentar a confiança dos professores na sua
cia participativa e o desen- capacidade de desenvolver práticas de letramento que lhe possibilitem
volvimento sustentável
no Brasil. Disponível em melhor compreensão de seu contexto de trabalho e maior controle so-
<http://www.acaoeduca- bre suas decisões (RIBEIRO, 1999). Referimo-nos aqui ao conceito de
tiva.org.br/portal/index.
php?option=com_contex letramento como “[...] um conjunto de práticas sociais que usam a es-
t&task+section&id+2&Ite crita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
mid+73 >. Acesso em: 12
ago. 2010. específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 1999, p. 19). Vale
lembrarmos que esse conceito já foi mencionado no livro Linguística
Textual, na página 65.

A formação do profissional docente, quando compreendida como


um fenômeno social, reveste-se de muita complexidade, pois a profissão
não depende unicamente da vontade de cada ser e de suas experiências
na área em que atua. Em vista disso, podemos dizer que o depoimen-
to que inicia este capítulo é uma demonstração da atitude positiva da
professora frente ao processo de formação e o modo como ele interfere
na constituição da profissionalidade docente. Diz a professora: “[...]...

22
A constituição da profissionalidade docente... Capítulo 01
antigamente se tinha essa visão [...] a faculdade me fez enxergar além...
[...] eu passei a enxergar outros [textos]”.

Assim, toda a complexidade de que se reveste a história do ensino


da Língua Portuguesa em nosso contexto educacional impõe, por con-
seguinte, que os professores estejam em constante formação.

As palavras da professora, postas em epígrafe, mais uma vez cor-


roboram o que vimos apresentando. Quando a professora diz: “[...] eu
trabalhava muito com textos assim... qualquer texto para mim... quanto
mais fáceis... Antigamente se tinha essa visão, por exemplo, quando tu
falaste da letra T [referindo-se a uma outra professora], procurava tex-
tos que tinha um monte de T, aquela coisa... eram textos de cartilha [...]”,
este seu posicionamento em relação ao trabalho com textos, de traba-
lhar com “qualquer texto”, e “quanto mais fáceis [melhores]”, expõe que
a professora desenvolvia um ensino em que os conteúdos valiam por si
mesmos, um ensino marcado pela ênfase dada a aspectos superficiais da
linguagem, em que o saber sobre a língua torna-se mais importante do
que o domínio de seus usos. Os textos quando objetos de ensino eram
de livros didáticos, não importando se eram ou não significativos aos
alunos. Mas a situação narrada também aponta mudança. O ingresso
no curso superior possibilitou, então, a essa professora “enxergar além”,
comprovando a importância da formação continuada.

Leia mais!
Retome o livro de Linguística Textual, Unidade A, em que as autoras
apresentam um panorama histórico da Linguística Textual. Releia tam-
bém o de Literatura e Ensino, Unidades B e C.

Atividade

ӲӲ Reflita e troque ideias com seus colegas, tutores e professores


sobre as questões propostas a seguir. Anote suas ideias para ir
cotejando-as com as leituras dos próximos capítulos. Figura 4 – Reflexão

23
Metodologia do Ensino

• O que é ensinar Língua Portuguesa e Literatura?

• Que conhecimentos são necessários ao professor de Língua Por-


tuguesa e Literatura? Que capacidades lhe são requeridas?

• Que fatores intervêm nos modos de organização escolar e na


prática pedagógica dos professores?

• O que dizem os documentos que orientam essa prática de ensi-


no de Língua Portuguesa e Literatura? de Língua Portuguesa e
Literatura?

• Afinal, qual é a função do professor de Língua Portuguesa e Li-


teratura?

Reflexões sobre essas questões sugeridas serão desenvolvidas nos ca-


pítulos que seguem, pois, como dissemos, a profissionalidade docente
reveste-se de toda a complexidade que permeia a sociedade e, por ser
um fenômeno social, requer que se compreenda o contexto de atua-
ção do professor.

24
A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico... Capítulo 02
2 A organização das escolas
e as linhas de pensamento
pedagógico no contexto do
desenvolvimento das políticas
educacionais vigentes
Nossas escolas hoje mantêm a organização que apresentavam desde
o início de sua existência. Os alunos são agrupados, em geral, por faixa
etária, distribuídos em turmas ou séries que por um período de tempo,
em média quatro horas, ocupam as denominadas salas de aula, espaços
físicos retangulares e com características idênticas (principalmente nas
escolas públicas), mesmo tratando-se de comunidades culturais diver-
sas. Os prédios escolares são construídos dentro de um mesmo padrão:
salas de administração e corredores que dão acesso às salas de aula, as
quais se distribuem uma após a outra.
Sugerimos, para enrique-
Nas salas de aula, os alunos sentam-se em carteiras, enfileiradas cer seus conhecimentos
sobre formas de interação
uma atrás da outra. O professor posiciona-se, em geral, à frente dos alu- em sala de aula, a leitura
nos, dirigindo-se a todos ao mesmo tempo, e em algumas situações faz do seguinte livro: COX,
Maria Inês Pagliarini;
perguntas a alunos em particular e os demais, quando desejam mani- ASSIS-PETERSON, Ana An-
festar-se, levantam o braço – sinal de pedir licença para fazer uso da tônia de (Orgs.). Cenas de
sala de aula. Campinas:
palavra. São poucos os momentos em que se mudam os padrões de in- Mercado de Letras, 2001.
teração, o que faz com que a cultura escolar perpetue formas de comu-
nicação bastante diferentes daquelas usadas fora da escola. São modos
de uso da língua empregados apenas no ambiente escolar. Sociedade
Grafocêntrica
O desenvolvimento dos meios de comunicação e as mudanças por Dizemos que uma so-
que passa a sociedade tornam-na cada vez mais grafocêntrica, e o avan- ciedade é grafocêntrica
quando nela a escrita
ço dos recursos tecnológicos de comunicação (web, internet) impõem
desempenha papel im-
novos modos de uso da linguagem verbal, o que constitui desafio ao tra- portante; as atividades
balho docente no sentido de possibilitar que os alunos tenham acesso a nas instâncias sociais
esse conhecimento e possam assim participar das várias práticas sociais são centradas na escri-
ta, ou seja, a escrita faz
que se utilizam da leitura e da escrita. parte das situações do
cotidiano da maioria
Embora continuem persistindo modos de ensinar como aqueles
das pessoas.
que Paulo Freire denominava de educação bancária, em que o professor

25
Metodologia de Ensino

se julga o único conhecedor do assunto e o transmite/entrega aos alunos


como se o saber fosse uma mercadoria, há outros em que os professores
ousam mudar tal condição, como aqueles em cujas interações em sala
de aula o professor se coloca como mediador, no processo de aprendiza-
gem, entre o conhecimento que os alunos já possuem e o que precisa ser
ensinado. Vygotsky fala da passagem necessária de conceitos cotidia-
nos a conceitos científicos, aqueles que a escola necessariamente tem
de ensinar, aumentando assim as experiências de linguagem dos alunos,
promovendo sempre mais a inclusão social e provocando aprendizagem
e desenvolvimento.
Conceitos cotidianos e conceitos científicos – essas expressões
são conceitos da teoria de Lev Vygotsky (1896-1934). Vygotsky conce-
be o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que se esta-
belece no decorrer da vida. Ele atribui papel preponderante às relações
sociais. A corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é
chamada de sócio-histórica ou sociocultural. Segundo sua teoria, o pro-
cesso de ensino e de aprendizagem constitui-se por meio de interações
que vão se dando nos diversos contextos sociais, razão pela qual a sala
de aula é lugar privilegiado para a sistematização do conhecimento e o
professor passa a ocupar o papel de mediador na construção do saber.
São conceitos-chave na teoria de Vygotsky: zona de desenvolvimento
proximal e mediação. A zona de desenvolvimento proximal “é a distân-
Depois da tradução de cia entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
2001 do livro escrito por através da solução independente de problemas, e o nível de desenvol-
Vygotsky A construção do
pensamento e da lingua- vimento potencial, determinado através da solução de problemas sob
gem, por recomendação a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
de Paulo Bezerra, nomeia-
se zona de desenvolvimen- capazes” (VYGOTSKY, 1989). Infere-se deste conceito que há ensino
to imediato. quando a criança, através da mediação do professor, atinge um nível de
compreensão e habilidade que não dominava completamente, apreen-
dendo um novo conhecimento, ampliando suas estruturas cognitivas.
Por conseguinte, a intervenção pedagógica provoca avanços que não
ocorreriam espontaneamente. O outro conceito-chave, de mediação, diz
respeito a toda relação do indivíduo com o mundo que é feita por meio
de instrumentos técnicos – por exemplo, as ferramentas agrícolas, que
transformam a natureza – e instrumentos simbólicos, como a lingua-

26
A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico... Capítulo 02
gem – que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual perten-
ce o sujeito. Nesse processo de mediação e, portanto, de aprendizagem,
tem-se a formação de conceitos científicos. Os conceitos cotidianos, ou
espontâneos, são aqueles formados a partir de vivências, da observação
do mundo; já os conceitos científicos estão relacionados à instrução in-
tencional. Conceitos cotidianos e científicos influenciam-se reciproca-
mente. Com relação ao aprendizado da escrita, por exemplo, ao adquirir
esse conhecimento, o aluno adquire também capacidades de reflexão e
controle do próprio funcionamento psicológico.

Diferentes turmas de alunos terão diferentes modos de reagir a


cada uma das formas de interação, o que aumenta a importância de se
compreender na formação docente não apenas aspectos do domínio de
conteúdos e habilidades específicas, mas também a constituição das in-
terlocuções na sala de aula, da organização socioespacial do ambiente
educativo.

2.1 Linhas do pensamento pedagógico


no contexto do desenvolvimento das
políticas educacionais vigentes
A década de 1960 foi marcada por uma educação de perspectiva
tecnicista, como já mencionamos. Posteriormente, foi influenciada por
correntes teóricas de cunho comportamentalista e comunicacional,
época em que prevaleceu a concepção de linguagem como instrumento
de comunicação no ensino da Língua Portuguesa. A partir da década
de 1970, as discussões e análises da educação brasileira, realizadas por
intelectuais de campos do conhecimento como a Filosofia, a Sociolo-
gia, a História e a Educação, passaram a incorporar aspectos políticos,
econômicos, sociais e pedagógicos, com orientação da teoria socioló-
gica dialético-marxista. No bojo dessas discussões, as ideias de Paulo
Freire foram também de grande importância para as mudanças ocor-
ridas na educação brasileira e de outros países. Além disso, reafirmando
o que dissemos no capítulo anterior, outras perspectivas teóricas têm
sido consideradas no ensino. São elas: o construtivismo piagetiano e a

27
Metodologia de Ensino

psicogênese da linguagem escrita, desenvolvida por Emília Ferreiro e


Ana Teberosky (1986); a teoria sócio-histórica de Vygotsky e o desen-
volvimento da escrita na criança, segundo estudos de Vygotsky, Luria e
Leontiev (2001), dentre outros autores; as metodologias de ensino da
Vygotsky, Lúria e Leontiev língua segundo a pedagogia de Celestin Freinet (1997); e outros modos
são teóricos da psicologia
histórico-cultural que in- de ensinar, motivados também pelo conjunto de iniciativas estaduais e
vestigaram o desenvolvi- municipais, tais como a Constituição Brasileira de 1988, a Lei de Dire-
mento da mente humana
com base nos princípios trizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9394/96), os Parâmetros
do materialismo dialéti- Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e, em seguida, para
co, de tradição filosófica
marxista. o Ensino Médio, documentos relacionados com estudos e pesquisas aca-
dêmicas sobre educação, alfabetização e ensino da Língua Portuguesa.

No estado de Santa Catarina, a ancoragem metodológica está fortemente


pautada em Vygotsky, Luria e Leontiev. Em vista disso, houve um processo
de reorientação curricular embasado no pensamento histórico-cultural, e
a partir dele a proposta curricular foi construída de forma democrática,
com a participação de grupos de trabalho e estudos, envolvendo educa-
dores da rede pública de ensino e professores de universidades como con-
sultores. Esse processo resultou na elaboração de uma proposta curricular
para o Estado, cuja primeira versão data de 1991, publicada em forma de
caderno. A segunda edição da Proposta Curricular de Santa Catarina foi
publicada em 1998 e constituiu-se de três volumes: As disciplinas curricu-
lares, Os temas multidisciplinares e As disciplinas de formação para o
magistério. Em 2003, houve outra atualização, e em 2005 foram publica-
dos os Estudos Temáticos. Ressaltamos que processos semelhantes ocor-
reram em outros estados e municípios brasileiros.

Tecidas essas considerações, e tendo em vista a importância dos


pensadores anteriormente mencionados, apresentamos uma pequena
síntese, no quadro a seguir, com informações relevantes acerca de cada
um desses estudiosos citados até aqui.

28
A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico... Capítulo 02
Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas

Emilia Ferreiro, psicolinguista argentina, com base na teoria genética


de Piaget, desenvolveu pesquisas sobre como as crianças constroem o
conhecimento no processo de aquisição da escrita, estabelecendo um
marco no desenvolvimento de estudos sobre o processo de alfabeti-
zação, no Brasil. São obras importantes desta autora: Alfabetização em
processo (Cortez Editora e Editora Autores Associados, 2. ed., 1986) e
Psicogênese da língua escrita, em coautoria com Ana Teberosky, publi-
cado pela Artes Médicas, 1986.
Figura 5 - Emilia Ferreiro

Ana Teberosky, também argentina, doutora em psicologia e docente


do Departamento de Psicologia Evolutiva e de Educação da Univer-
sidade de Barcelona, é reconhecida por suas pesquisas sobre alfabe-
tização. Além de Psicogênese da língua escrita, trabalho realizado em
conjunto com Emilia Ferreiro, tem publicadas, dentre outras obras, Psi-
copedagogia da linguagem escrita (Trajetória/UNICAMP, 1989), Apren-
dendo a escrever (Ática, 1994) e Além da alfabetização, em coautoria
com Tolchinsky, L. (Ática, 1995).
Figura 6 - Ana Teberosky

Lev Vygotsky (1896-1934), como já mencionamos, explicou pela


perspectiva do campo da psicologia a constituição histórico-social
do desenvolvimento humano no processo de apropriação da cultura
mediante a comunicação com outras pessoas, em que na mediação
da linguagem os signos adquirem significado e sentido (VYGOTSKY,
1984, p. 59-65). Conheça algumas obras de Vygotsky:
VYGOTSKY, L. V. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1991; VIGOTSKI, L. V. A construção do pensamento e da linguagem.
Figura 7 - Lev Vygotsky São Paulo: Martins Fontes, 2001; VYGOTSKY, L. V. A formação social da
mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991; VYGOTSKY, L. V.; LÚRIA,
A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9.
ed. São Paulo: Ícone, 2001.

Alexander Luria (1902-1977) realizou estudos especialmente sobre


as relações entre linguagem e desenvolvimento intelectual. Em suas
pesquisas, juntamente com Vygotsky e Leontiev, desenvolve a tese de
que os processos mentais são histórico-culturais em sua origem e de-
monstra haver alterações fundamentais no modo de funcionamento
psicológico dos sujeitos em decorrência de processos de alfabetiza-
ção e escolarização e de mudanças nas formas de trabalho. Conheça
algumas obras de Luria:
LURIA, A. R. Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e so-
Figura 8 - Alexander Luria ciais. São Paulo: Ícone, 1990; LURIA, A. R. Curso de psicologia geral, 4 v.,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

29
Metodologia de Ensino

Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas

Alexei Leontiev (1903-1979) desenvolveu o conceito de atividade,


pesquisou os vínculos entre os processos da mente e a atividade hu-
mana concreta. Explicou que na relação ativa do sujeito com o objeto,
a atividade se concretiza por meio de ações, operações e tarefas, sus-
citadas por necessidades e motivos. Para ele, uma atividade distingue-
se de outra pelo seu objeto e se realiza nas ações dirigidas a este ob-
jeto. Desse modo, a atividade humana não pode existir a não ser em
forma de ações ou grupos de ações que lhes são correspondentes. A
atividade laboral se manifesta em ações laborais, a atividade didática
Figura 9 - Alexis Leontiev em ações de aprendizagem, a atividade de comunicação em ações de
comunicação e assim por diante. (LEONTIEV, 1983). Conheça alguns
trabalhos de Leontiev:
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Hori-
zontes, 1978; LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvol-
vimento da psique infantil. In: VYGOTSKY, L.V.; LÚRIA, A. R.; LEONTIEV,
A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9. ed. São Paulo:
Ícone, 2001. Esta última é uma obra clássica dos três autores, Vygotsky,
Luria e Leontiev.

Celestin Freinet (1896 -1966) desenvolveu uma pedagogia que tem


como base a aprendizagem através da experiência real do aluno. As
práticas de elaboração de jornal escolar, troca de correspondências,
trabalhos em grupo, aula-passeio já eram defendidas por ele nos anos
de 1920 (século passado). São obras deste autor os três volumes: Mé-
todo Natural I: a aprendizagem da língua; Método Natural II: A aprendi-
zagem do desenho; Método Natural III: A aprendizagem da escrita, todos
publicados pela Editorial Estampa, Lisboa, 1997.
Figura 10 - Celestin Freinet

Havemos de considerar, ainda, na história do desenvolvimento do


processo educacional brasileiro, que a crescente urbanização da popu-
lação brasileira tem trazido à escola número crescente de crianças de
classes sociais desprivilegiadas e com cultura e variedades linguísticas
distintas daquelas praticadas até então no ambiente escolar. Ademais,
a ampliação da obrigatoriedade do ensino para nove anos tem refor-
çado essa situação. Esses fatores, aliados à divulgação pela mídia dos
resultados das avaliações nacionais de alunos e cursos, sem uma análise
das variáveis que interferem nesses dados, continuam perpetuando o
fracasso da escola.

30
A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico... Capítulo 02
Assim como diferentes teorias filosófico-educacionais, as mudan-
ças na sociedade têm repercussão na esfera educativa. Isso, evidente-
mente, requer dos professores posicionamentos e reflexões diante do
que se está atualizando ou mudando. Há sempre uma cobrança de tra-
balho de qualidade, por parte da sociedade, e as políticas públicas, como
já dissemos, ainda não chegaram em nível de resgatar a valorização do
profissional da educação. Os salários continuam aquém do piso salarial
de outras profissões e não tem havido estímulos à construção de ambien-
tes de trabalho que favoreçam o desenvolvimento de projetos pedagó-
gicos com continuidade, capazes de promover mudanças significativas
na formação dos alunos. Por outro lado, há larga produção de material
bibliográfico, tanto para professores como para alunos, e a maioria das
escolas dispõe de internet, o que possibilita acessar a vasta produção de
bibliografia digital. O ambiente virtual oferece ainda sites educativos,
destinados exclusivamente a professores, portais institucionais, os quais
possibilitam a atualização constante. MEC, Secretarias Estaduais
e Municipais de Educação,
Universidades e outras
Pensar no ensino de Língua Portuguesa e Literatura implica, por- instituições.
tanto, considerar todas as questões mencionadas, levando em conta, so-
bremaneira, o avanço tecnológico que vem propiciando novos modos de
sentir, de ver e de pensar as realidades vivenciadas. A internet chegou às
escolas e temos outro desafio: incorporá-la como ferramenta imprescin-
dível de acesso à informação e à produção de conhecimento. Afinal, nesse
meio encontram-se instrumentos básicos de trabalho, de desenvolvi-
mento social, de participação política, além de possibilitar o domínio de
competências capazes de proporcionar práticas de letramento contínuo,
entendidas como atividades estruturantes do “pensamento-linguagem”
e da cultura (SILVA, 2003, p. 13).

O contexto cultural, econômico, científico e educacional impõe,


por conseguinte, que a prática pedagógica incorpore, principalmente no
que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa e Literatura, outros
conceitos, tais como os de letramento e de gêneros do discurso. Como
explicitado anteriormente, entendemos por letramento “[...] o estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as
práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 1998, p. 47); e por gêneros
do discurso, os tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN,

31
Metodologia de Ensino

2003, p. 262), ou seja, os enunciados orais e escritos, concretos e únicos


proferidos pelos falantes de acordo com as condições específicas e as
finalidades de cada atividade humana. Esses conceitos reafirmam, então,
a palavra em uso, em sua condição concreta de existência.

Leia mais!
A internet na escola − Sobre as mudanças no modo de pensar, de aprender
e de se relacionar com o conhecimento nesta era da informação, sugerimos
a leitura de:

RAMAL, Andréia Cecília. Educação na cibercultura: hipertextualidade,


leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SILVA, Ezequiel Theodoro (Org.). A leitura nos oceanos da Internet.
São Paulo: Cortez, 2003.

Atividade

ӲӲ Você conhece a proposta curricular do seu Estado? E a do seu


município? Investigue o histórico de construção dessas pro-
postas e socialize suas descobertas no seu grupo de estudo.

32
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
3 Diretrizes oficiais para o
ensino de Língua Portuguesa
e Literatura
Neste capítulo vamos tratar dos documentos que têm sido referên-
cia para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura em nossas escolas.
Eles visam a orientar gestores escolares e professores no planejamento
das ações educacionais e atividades de sala de aula.

O ensino público no Brasil, como já vimos, é regido por leis espe-


cíficas. A lei mais importante, atualmente, é a Lei No 9.394, de 20 de de-
zembro de 1996, denominada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), que estabelece da educação em todos os níveis. Ela
institui os dois níveis de educação que temos hoje: a educação básica,
formada pela educação infantil e pelo Ensino Fundamental e Médio; e a
educação superior. Para saber mais sobre
o PNE em vigor e quais
Para atender aos princípios e objetivos estabelecidos nesta lei, o ar- metas foram atingidas
ou não, consulte o site
tigo 9o da LDB estabelece que a União, os Estados e os Municípios devem <http://www.revistaesco-
elaborar, em cooperação, o Plano Nacional de Educação (PNE), para um la.abril.com.br/politicas-
publicas/legislacao/
período de 10 anos, estabelecendo metas para a década em questão. O pne-plano-nacional-de-
PNE em vigor foi elaborado em 2001, com prazo até 2010. Destacamos educacao-537431.shtml>.
que duas metas do PNE foram alcançadas nesse período: a implantação
do Ensino Fundamental de 9 anos e o aprimoramento dos sistemas de
informação e avaliação. Em 2009, 59% das matrí-
culas já foram feitas no
novo sistema de seriação.
A expectativa é que o
No que concerne à avaliação, o MEC tem avaliado todos os sistemas índice de 2010 chegue a
100%. Esperam os espe-
de ensino, com exceção da Educação Infantil. Diversos estados e mu- cialistas que com a garan-
nicípios também têm feito suas aferições. Destacamos o Índice de De- tia do ingresso na escola
aos 6 anos as chances de a
senvolvimento da Educação Básica (IDEB) que fornece um retrato da criança chegar aos 7 ou 8
Educação no Brasil. Assim, sugerimos que você verifique os índices da anos sabendo ler e escre-
ver sejam maiores do que
Educação Básica em seu município, inclusive por escola, consultando o antes. O grande desafio
site <http://ideb.inep.gov.br>. é garantir a qualidade do
ensino.

33
Metodologia de Ensino

A Prova Brasil avalia estu- Para poder avaliar a qualidade do ensino no Brasil, foram criados
dantes das escolas públi- a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que
cas, localizadas em áreas
urbanas, com mais de 20 são exames complementares. Essas avaliações são diagnósticas e visam
alunos na série. Para saber a orientar o ensino para que se tenha educação de mais qualidade, por
mais sobre a Prova Brasil,
consulte o site <http:/ meio de possíveis mudanças das políticas públicas e de paradigmas uti-
portal.mec.gov.br/dmdo- lizados nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
cuments/prova brasil_ma-
triz2.pdf>. A Prova Brasil é aplicada a cada dois anos, para quase todas as
crianças e jovens matriculados na quarta e na oitava séries (quinto e
Matrizes são as referên-
cias para a elaboração nono ano). A primeira aplicação ocorreu em 2005, depois em 2007, e
dos itens dos testes. Cada a última foi em 2009. Ela visa a medir as competências relacionadas à
matriz de referência apre-
senta tópicos ou descri- leitura e aos conhecimentos de matemática.
tores. Veja quais são os
descritores que indicam Por serem instrumentos de avaliação de amplitude nacional, tanto
as habilidades de Língua a Prova Brasil quanto o Saeb exigem a construção de uma matriz de
Portuguesa e Matemática
a serem avaliadas acessan- referência, para a elaboração e avaliação dos testes que lhes confiram
do o site <http:/portal.mec. transparência e legitimidade, informando aos envolvidos, professores e
gov.br/dmdocuments/pro-
va_brasil_matriz2.pdf>. alunos, o que e como o ensino e a aprendizagem serão avaliados. Essas
matrizes têm por referência os Parâmetros Curriculares Nacionais e, se-
gundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Para ter acesso aos docu-
Teixeira (Inep), também foram consultados professores regentes de clas-
mentos referidos, acesse:
Proposta Curricular de San- se de diferentes redes de ensino municipal, estadual e privado.
ta Catarina <http://www.
sed.sc.gov.br/secretaria>; Hoje, portanto, são documentos de referência para o ensino da
Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Paraná Língua Portuguesa o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), a
<http://www.diaadiaedu Prova Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os do-
cacao.pr.gov.br/diaadia/
diaadia/arquivos/File/ cumentos dos estados e municípios, que são as Propostas Curriculares
diretrizes_2009/out_2009/ Estaduais e Municipais.
lingua_portuguesa.pdf>;
Proposta Curricular – CBC Dentre as Propostas Curriculares de interesse para esta disciplina
(Conteúdo Básico Comum)
de Minas Gerais <http:// de Metodologia do Ensino de Português e Literatura, destacamos aque-
crv.educacao.mg.gov. las cujos estados e municípios estão envolvidos no curso de EaD, Letras/
br/sistema_crv/index.
asp?token=0E79FA4E- Português: Proposta Curricular de Santa Catarina, Diretrizes Curricula-
C91E-4CEF-A2AF-50 res da Educação Básica do Paraná e Proposta Curricular – CBC (Con-
A9030C9829&usr> e Plano
Municipal de Educação, teúdo Básico Comum) de Minas Gerais. Além das propostas estaduais,
de Pato Branco, no Paraná alguns municípios e a federação elaboraram seu Plano Municipal de
<http://www.patobranco.
pr.gov.br/secretarias Educação, e Pato Branco, no Paraná, é um deles.
5aspx>.

34
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
No caso dos documentos que orientam o ensino de Língua Portu-
guesa e Literatura no Ensino Fundamental e Médio, vamos destacar, de
modo genérico, o que estabelecem os documentos com relação a obje-
tivos, conteúdos, metodologias e formas de avaliação. Com relação aos
objetivos de ensino, os Parâmetros Curriculares Nacionais para os anos
finais do Ensino Fundamental estabelecem o seguinte: Para ter acesso à íntegra
dos textos dos PCNs,
acesse o site <http://portal.
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola
mec.gov.br/seb/arquivos/
dever organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno pdf/portugues.pdf>.
desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso
público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e
material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s);
destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo
e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso,
os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as di-
mensões pragmática, semântica e gramatical. (BRASIL, 1998, p. 49).

Esse objetivo mais amplo orienta, então, o estabelecimento dos ob-


jetivos específicos quanto às diferentes modalidades da língua: oralida-
de, escuta e leitura, produção oral e escrita de textos e análise linguística,
todas considerando a linguagem em uso, ou seja, os diferentes gêneros
discursivos que circulam nos diferentes campos da atividade humana.

Esses objetivos sustentam-se na concepção de linguagem como for-


ma de interação humana e a de aprendizagem na perspectiva vygotskya-
na. Assim,

Ao organizar o ensino, é fundamental que o professor tenha instrumen-


tos para descrever a competência discursiva de seus alunos, no que
diz respeito a: escuta, leitura e produção de textos, de tal forma que
não planeje o trabalho em função de um aluno ideal para o ciclo, mui-
tas vezes padronizado pelos manuais didáticos, sob pena de ensinar o
que os alunos já sabem ou apresentar situações muito aquém de suas
possibilidades e, dessa forma, não contribuir para o avanço necessário.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a boa situação de aprendizagem
é aquela que apresenta conteúdos novos ou possibilidades de aprofun-
damento de conteúdos já tematizados, estando ancorada em conteú-
dos já constituídos. Organizá-la requer que o professor tenha clareza das
finalidades colocadas para o ensino e dos conhecimentos que precisam
ser construídos para alcançá-las. (BRASIL, 1998, p. 48).

35
Metodologia de Ensino

Vejamos o que diz a Proposta Curricular de Santa Catarina. A


Para ler a Proposta Curri- orientação teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina tem por
cular de Santa Catarina,
acesse: <http://www.sed. fundamento a psicologia histórico-cultural de Vygotsky e a concep-
sc.gov.br/secretaria>. ção de linguagem de Bakhtin. A linguagem – sob o ponto de vista
de suas múltiplas funções – é considerada uma prática social, ou seja,
é acontecimento social, uma forma de interação. (BAKHTIN, 1990).
Da mesma forma que os PCNs, essa proposta orienta-se com base na
concepção interacionista da linguagem, portanto, pela teoria do dialo-
gismo – Bakhtin (1990).

As Diretrizes da Educação Básica do Paraná seguem a mesma


Leia o texto na íntegra,
orientação teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina; vejamos:
acessando: <http://www.
diaadiaeducacao.pr.gov. “O ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os co-
br/diaadia/diaadia/arqui- nhecimentos lingüísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam
vos/File/diretrizes_2009/
out_2009/lingua_ compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir
portuguesa.pdf> com esses discursos” (PARANÁ, 2009, p. 50).

Os documentos, de modo geral, consideram a escola um espaço


de promoção do letramento do aluno. Nela, as práticas de uso da lín-
gua se dão por meio de diferentes gêneros discursivos, com diferentes
funções sociais.

A Proposta Curricular de Minas Gerais, nas suas diretrizes peda-


Para ler a Proposta Cur- gógicas para o Ensino Fundamental do 6o ao 9o ano, estrutura-se com
ricular de Minas Gerais,
acesse: <http://crv. base nos mesmos fundamentos teóricos das propostas curriculares de
educacao.mg.gov.br/ Santa Catarina e do Paraná. Desse conjunto de diretrizes, destacamos as
sistema_crv/index.asp?id_
projeto=27&id_objeto=388 razões para ensinarmos Língua Portuguesa na escola expostas na Pro-
77&tipo=ob&cp=000098&c posta Curricular de Minas Gerais:
p=&n1=&r>.
[...] ensinamos linguagem, não para “descobrir” o verdadeiro significado
das palavras ou dos textos, nem para conhecer estruturas abstratas e
regras de gramática, mas para construir sentidos, sempre negociados e
compartilhados, em nossas interações. Nosso conceito de natureza e de
sociedade, de realidade e de verdade, nossas teorias científicas e valores,
enfim, a memória coletiva de nossa humanidade está depositada nos
discursos que circulam na sociedade e nos textos que os materializam.
Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e, sobretudo, de
palavras de uma língua ou idioma particular. Assim, a primeira razão e
sentido para aprender e ensinar a disciplina está no fato de considerar-
mos a linguagem como constitutiva de nossa identidade como seres

36
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
humanos, e a língua portuguesa como constitutiva de nossa identidade
sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

A linguagem é compreendida, nas propostas curriculares desses Es-


tados, como prática social, como atividade discursiva por meio da qual
os usuários se constituem sujeitos do discurso, desenvolvendo habilida-
des sociocognitivas e apropriando-se de conhecimentos e de culturas
necessárias à sua inserção no meio em que vivem. Consta na proposta
de Minas Gerais:

Ao se constituir e se realizar no espaço eu-tu-nós, sempre concreto e


contextualizado, a linguagem nos constitui como sujeitos de discurso
e nos posiciona, do ponto de vista político, social, cultural, ético e esté-
tico, frente aos discursos que circulam na sociedade. A língua não é um
todo homogêneo, mas um conjunto heterogêneo, múltiplo e mutável
de variedades, com marcas de classes e posições sociais, de gêneros e
etnias, de ideologias, éticas e estéticas determinadas. Nesse sentido, en-
sinar e aprender linguagem significa defrontar-se com as marcas discur-
sivas das diferentes identidades presentes nas variedades lingüísticas.
Significa tornar essas variedades objeto de compreensão e apreciação,
numa visão despida de preconceitos e atenta ao jogo de poder que
se manifesta na linguagem e pela linguagem. Não podemos deixar de
lembrar aqui as razões que devem nortear nosso papel como mediado-
res das experiências dos alunos com a interlocução literária. O sentido
do ensino e da aprendizagem impõe a ampliação de horizontes, de for-
ma a reconhecer as dimensões estéticas e éticas da atividade humana
de linguagem, só ela é capaz de tornar desejada a leitura de poemas e
narrativas ficcionais. É essencial propiciar aos alunos a interlocução com
o discurso literário que, confessando-se como ficção, nos dá o poder de
experimentar o inusitado, de ver o cotidiano com os olhos da imagina-
ção, proporcionando-nos compreensões mais profundas de nós mes-
mos, dos outros e da vida. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

Os objetivos de ensino expressos nos diferentes documentos de re-


ferência definem como objeto do ensino da Língua Portuguesa aquele
por nós já mencionado: a linguagem em uso, ou seja, os textos orais e
escritos que nós mesmos produzimos, que são produzidos por outros na
sociedade de modo geral, os que circulam em nosso meio, aqueles dos
quais fazemos uso para nos informar, para formar e partilhar opiniões,
para nos orientar, para lazer, para informar alguém, para emitir opinião,
para registrar nossas memórias, para expressar ideias e sentimentos,

37
Metodologia de Ensino

para produzir cultura, enfim todas as formas de linguagem verbal que


constituem nossa humanidade.

Elegendo os diferentes textos, os quais materializam gêneros que são pro-


duzidos nos diferentes campos da atividade humana, o conteúdo do ensino
é a própria linguagem verbal, os recursos que ela oferece para que se pro-
duzam esses gêneros, a sua gramática, como ela se estrutura para tornar
possível a interação entre os falantes. Na língua têm-se, então, os estudos
no eixo sintagmático, que tratam da combinação das palavras para for-
mar sentenças; os estudos no eixo paradigmático, que tratam das palavras
enquanto “unidades da língua que apresentam certa autonomia formal”
(MARGOTTI, 2008); os estudos gramaticais de modo geral, conhecimentos
e conceitos que possibilitam a descrição e a análise da língua sob diferentes
abordagens (formal, funcional); os estudos sobre texto, textualidade e pa-
drões de textualidade; os conhecimentos de sociolinguística, que possibili-
tam compreender as relações entre as formas da língua e os diferentes gru-
pos sociais que as utilizam; e conhecimentos sobre a linguagem literária.

Certamente todos esses estudos científicos são importantes para o


professor, que, ao deles se apropriar, será capaz de fazer a mediação en-
tre os conhecimentos que os alunos já possuem e aqueles de que ainda
necessitam ter o domínio para tornarem-se sempre mais capazes de ler
e escrever de modo competente e adequado nas mais variadas situações
em que a língua é requerida socialmente. Tais conhecimentos propi-
ciarão ao professor avaliar o nível de conhecimento dos alunos no que
diz respeito às diferentes modalidades da língua (a escuta, a leitura e a
produção de textos orais e escritos), de tal forma que o processo de en-
sino ancore-se em conteúdos já apreendidos e aprofunde-os ou avance
na aprendizagem de novos conteúdos, segundo os objetivos de ensino e
aprendizagem para dada situação.

Em se tratando do ensino da linguagem em uso, os conteúdos serão


trabalhados não em séries ordenadas por assuntos, mas sim, usando termos
dos PCNs, de forma espiralada e progressiva. Podemos, portanto, sintetizar
os objetivos do ensino de Língua Portuguesa e Literatura nos anos finais do
Ensino Fundamental com o que dizem os PCNs (BRASIL, 1998, p.22):

38
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento lin-
guístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práti-
cas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendiza-
do, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais
esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar
atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas
de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especifici-
dade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber
que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de
linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características
bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino.

Nessa perspectiva de ensino, na qual o professor é o interlocutor


privilegiado nas situações de uso da linguagem, os PCNs enfatizam que
o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental é o jovem adolescente
cujo processo de desenvolvimento caracteriza-se, dentre outros fatores,
pela ampliação das formas de raciocínio, organização e representação,
de expressão de observações e opiniões. Do mesmo modo, é caracte-
rístico o desenvolvimento da capacidade de investigação, levantamento
de hipóteses, abstração, análise e síntese na direção de raciocínio cada
vez mais formal, o que traz a possibilidade de constituição de conceitos
mais próximos dos científicos. É característico ainda dessa fase de de-
senvolvimento um tipo de comportamento tomado de valores específi-
cos dessa faixa de idade, os quais atuam como forma de identidade em
relação ao lugar que esses jovens adolescentes ocupam na sociedade e
nas relações que estabelecem com os adultos e seus pares. Tais valores se
evidenciam, principalmente, no tipo de linguagem em que há a incor-
poração e criação de modismos, uso de vocabulário específico, formas
de expressão adotadas em função da atividade exercida – é o caso dos
surfistas, esqueitistas, funkeiros, etc. –, caracterizadas como falas típicas
de determinados grupos. Por essa razão, o trabalho com a linguagem,
esta entendida como constitutiva e constituidora do sujeito, impõe que
a reflexão seja uma constante, a fim de permitir o reconhecimento, pelo
adolescente, da própria linguagem e de seu lugar no mundo, bem como
a percepção das outras formas de organização do discurso, principal-
mente daquelas dos textos escritos.

A prática de reflexão sobre a língua – análise linguística –, atividade


constante em todo o processo de ensino e aprendizagem, visa, então, ao

39
Metodologia de Ensino

desenvolvimento da capacidade de o aluno produzir e interpretar tex-


tos, na participação em práticas sociais que se utilizam da leitura e da
escrita, de modo ético, crítico, criativo e democrático. Em se tratando de
A atividade metalinguís- prática de análise linguística, no ensino dos anos iniciais, por exemplo,
tica “[...] desenvolve-se no priorizamos atividades epilinguísticas em que a reflexão se volta para o
sentido de possibilitar ao
aluno o levantamento de uso, para o interior da própria atividade, como tomada de consciência
regularidades de aspectos da própria produção e interpretação. Já nos anos finais, em que se es-
da língua, a sistematização
e a classificação de suas pera que os alunos tenham se apropriado de conhecimentos que lhes
características específi- possibilitem produzir discursos orais e escritos, para responder às de-
cas” (BRASIL, 1997, p. 39).
[Ensina-se a falar sobre a mandas das esferas de comunicação mais próximas de seu cotidiano,
língua.] atividades metalinguísticas fazem-se necessárias para que o domínio de
conhecimentos sobre a linguagem possibilite a expansão dos níveis de
letramento escolar dos alunos. As atividades metalinguísticas são aque-
las voltadas à descrição, sistematização e categorização dos elementos de
que se compõe a língua.

Em relação ao Ensino Médio, a LDB/5692/71 indicava que a língua


portuguesa fosse ministrada em duas disciplinas assim nominadas: Lín-
gua Portuguesa e Literatura, com ênfase na literatura brasileira. Os Parâ-
metros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCNEM, apoiados
Para ler o texto na íntegra, na LDB/9394/2006, em vigor, concebem a organização curricular deste
acesse: <http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/ nível de ensino dispostas em três grandes áreas: Linguagens, Códigos e
pdf/14_24.pdf.>. suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
e Ciências Humanas e suas Tecnologias. O ensino da Língua Portuguesa
e de Literatura insere-se, por conseguinte, na área de Linguagens, Códi-
gos e suas Tecnologias (BRASIL, 2000, p. 17). A natureza social e intera-
tiva da linguagem é enfatizada nos PCNEMs e não mais se compreende
a literatura separada da língua, pois ela é da mesma forma compreendi-
da como representação simbólica das experiências humanas manifestas
nas diferentes formas de sentir, pensar e agir na vida social.

A LDB 9394/1996, no artigo 35, estabelece as seguintes finalidades


para o Ensino Médio:

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração de
três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento
dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o
prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz

40
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aper-
feiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria
com a prática, no ensino de cada disciplina. (BRASIL, 1996, não paginado).

Este nível de ensino requer, então, prática pedagógica diferenciada


daquela do Ensino Fundamental ao considerar também as competên-
cias que se espera sejam desenvolvidas na área de Linguagens, Códigos
e suas Tecnologias, tais como:

• Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens


e suas manifestações específicas.

• Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens


como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição
de significados, expressão, comunicação e informação.

• Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,


relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, fun-
ção, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as con-
dições de produção e recepção.

• Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, ge-


radora de significação e integradora da organização do mundo e da
própria identidade. (BRASIL, 2000, p. 8-10).

Em síntese, podemos dizer que no Ensino Médio, como indicam os


documentos mencionados, objetiva-se o aprofundamento dos conheci-
mentos adquiridos no Ensino Fundamental.

As propostas curriculares estaduais para o Ensino Médio seguem


os princípios dos PCNEMs, enfatizando, no entanto, o cuidado em se
continuar trabalhando a linguagem como construção de sentidos, ne-
gociados e compartilhados em nossas interações verbais. A Proposta
Curricular de Minas Gerais representa o que está posto nas de Santa
Catarina e do Paraná em outras palavras:

Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de verdade,


nossas teorias científicas e valores, enfim, a memória coletiva de nossa
humanidade está depositada nos discursos que circulam na sociedade e
nos textos que os materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de co-
res, de sons e, sobretudo, de palavras de uma língua ou idioma particu-

41
Metodologia de Ensino

lar. Assim, a primeira razão e sentido para aprender e ensinar a disciplina


está no fato de considerarmos a linguagem como constitutiva de nossa
identidade como seres humanos, e a língua portuguesa como constitu-
tiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

A leitura dos PCNs e das propostas curriculares de cada estado,


acompanhada de discussões pelos profissionais da educação, é funda-
mental para que o exercício da docência se faça em consonância com os
objetivos propostos nesses documentos. Para organizar o ensino que se
pretende desenvolver faz-se necessário conhecer os documentos oficiais
que são referência para esse ensino e ter clareza dos objetivos pedagó-
gicos a serem atingidos.

Os PCNs+, por exemplo, pressupondo que ao longo do Ensino


PCNs+ : Orientações edu-
cacionais complementares
Fundamental tenham sido aprendidos conhecimentos básicos sobre o
aos Parâmetros Curricu- funcionamento da língua portuguesa, estabelece que
lares Nacionais, para os
diferentes níveis e modali- [...] cabe ao ensino médio oferecer aos estudantes oportunidades de uma
dades de ensino. compreensão mais aguçada dos mecanismos que regulam nossa língua,
tendo como ponto de apoio alguns dos produtos mais caros às culturas
letradas: textos escritos, especialmente os literários. As competências e ha-
bilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (PCNEM) permitem inferir que o ensino de Língua Portuguesa, hoje,
busca desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múl-
tiplas possibilidades de expressão lingüística, sua capacitação como leitor
efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além
da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de
determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e
articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas
inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre
amigos, na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55).

A ação pedagógica em sala de aula pressupõe, por conseguinte, a


mediação do professor no sentido de trazer para a sala de aula textos
que materializem os diferentes discursos que circulam socialmente,
considerando sempre suas condições de produção e circulação, e esti-
mular a produção oral e escrita observando os mesmos critérios. Como
salienta Kleiman (2005):

Quanto mais a escola se aproxima das práticas sociais em outras insti-


tuições, [ou de outras práticas de linguagem utilizadas pelos alunos nos
corredores da escola, fora da sala] mais o aluno poderá trazer conheci-

42
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
mentos relevantes das práticas que já conhece, e mais fáceis serão as
adequações, adaptações e transferências que ele virá a fazer para outras
situações da vida real. (KLEIMAN, 2005, p. 23).

Quanto mais significativas forem as atividades de linguagem para


os alunos, melhores serão os resultados do processo de ensino e apren-
dizagem de Língua Portuguesa e Literatura.

Leia mais!
Caro aluno, indicamos a releitura dos livros de EaD que fizeram parte de sua
formação até esta etapa de curso, pois são elementos importantes na cons-
trução de propostas de trabalho para a docência. Dentre eles, destacamos:

Estudos Gramaticais, de Edair Maria Görski e Claúdia Andrea Rost.


Morfologia do Português, de Felício Wessling Margotti.
Sintaxe do português, de Carlos Mioto.
Linguística Textual, de Rosângela Hammes Rodrigues, Nívea Rohling da
Silva e Vidomar Silva Filho.
Sociolinguística, de Izete Lehmkuhl Coelho, Edair Maria Görski, Gui-
lherme Henrique May e Christiane Maria Nunes de Souza.

3.1 Metodologia do ensino da Língua


Portuguesa e Literatura
Os documentos de referência para o ensino de Língua Portuguesa e
Literatura nos anos inicias do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, PCNs, Saeb, Propostas
Curriculares de Estados e
ainda que apresentem alguma divergência na fundamentação teórica de Municípios.
suas proposições, apontam para o alcance de objetivo comum à educa-
ção oficial: a formação do cidadão capaz de dar conta das demandas
de uso da linguagem oral e escrita (leitura e escritura) do meio social
em que se insere, de forma crítica e criativa. Da mesma forma, os do-
cumentos propõem que os conteúdos não sejam ensinados como um
fim em si mesmos, porém como “[...] meio para que os alunos desen-
volvam capacidades que lhes propiciem produzir e usufruir os bens cul-
turais, materiais e econômicos” (BRASIL, 1997a, p. 73). Assim, estarão
“[...] ampliando o domínio ativo do discurso nas diferentes situações

43
Metodologia de Ensino

comunicativas [...] de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mun-


do da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no
exercício da cidadania” (BRASIL, 1998, p. 32).

Buscando sintetizar o que dizem os documentos de referência sobre o


ensino de Língua Portuguesa e Literatura e no intuito de orientar a ação
docente, propomos encaminhamentos por meio dos quais julgamos
ser possível contribuir para que a formação desse sujeito, pela e na in-
teração com o outro, mediada pela linguagem, possa exercer de forma
crítica e criativa sua cidadania.

Assim, não faremos distinção entre metodologias para os anos fi-


nais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, nem proporemos for-
mas de avaliação específicas para um ou outro ensino. Apenas procura-
remos traçar certos princípios que orientem a atividade da docência em
Língua Portuguesa e Literatura, indicando o que se considera adequado
à consecução dos objetivos propostos, frente à produção acadêmico-
científica, pedagógica e aos documentos oficiais em circulação na nossa
contemporaneidade.

As mudanças na área da educação a partir da década de 1990, oca-


sionadas, dentre outros fatores, pelas teorias filosófico-educacionais e
linguísticas que passam a sustentar os documentos orientadores do en-
sino, conforme já referido em capítulo precedente, vêm acompanhadas
também de discussão, iniciada na Europa, mais precisamente na Fran-
ça, sobre os conceitos de transposição didática (CHEVALLARD, 1985;
1991) e de elaboração didática (HALTÈ, 1998).

As mudanças no ensino de língua fazem-se sentir principalmente em vir-


tude dos estudos de Bakhtin, que desenvolve a teoria dos gêneros do dis-
curso, baseada em concepção de língua como interação verbal. No ensino
da Língua Portuguesa, em nosso caso, tem-se alteração significativa, tanto
no que se refere ao objeto de ensino, como mencionado anteriormente,
como às metodologias, passando-se do ensino centrado na gramática
para a inserção de atividades de oralidade, escuta e leitura e de produção
textual, oral e escrita e análise linguística.

44
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
Os professores necessitam, portanto, apropriarem-se desses saberes
acadêmico-científicos para ensiná-los. Porém, ao convertê-los em obje-
tos de ensino, precisam modificá-los, ou seja, convertê-los em conteúdos
curriculares. Essa interface entre a produção acadêmico-científica sobre
a língua e os conteúdos a serem “didatizados” é o que se denomina trans-
posição didática – o saber se transforma em objeto de ensino “ensinável”,
em condições de ser aprendido pelo aluno (CHEVALLARD, 1985).

A esse conceito de transposição didática, Haltè (1998) contrapõe


o conceito de elaboração didática. Esse autor, tomando como exem-
plo o ensino de francês, destaca a complexidade do objeto de ensino
da língua, “que coloca em circulação conhecimentos de categorias que
se interpenetram, pois envolvem conhecimentos científicos, práticas
de referência, conhecimentos especializados e conhecimentos gerais”
(RODRIGUES, 2009, p. 135). Para Haltè (1998, p. 191 apud RODRI-
GUES, 2009, p. 135), “[...] a noção de transposição didática preconiza o
aplicacionismo, a partir de um processo descendente do conhecimento
científico para o conhecimento a ser ensinado, purificando os objetos
de ensino e provocando uma perda de sentido para os aprendizes”. Já a
elaboração didática dos conhecimentos a serem ensinados e aprendi-
dos preconiza um ensino que o autor denomina implicacionista, opera-
cional e reflexivo; uma didática praxiológica, fundada na pluralidade de
saberes de referência e, por isso, na participação do professor e do aluno,
pois é preciso selecionar, interagir, operacionalizar e solidarizar, “[...]
mais do que transpor conhecimento científico para conhecimento a ser
ensinado” (RODRIGUES, 2009, p. 137).

Nesse sentido, o ensino de língua e literatura, ancorado em pers-


pectiva histórico-interacionista, como indicam os currículos oficiais,
encontra na elaboração didática suporte teórico-metodológico para o
seu acontecimento. Segundo Rodrigues (2008, p. 172), “A opção teóri-
co-metodológica é [...] sempre construí-la no decurso da própria ela-
boração didática (HALTÈ, 1998), por meio das atividades de ensino-
aprendizagem de leitura-estudo do texto, produção textual, de produção
textual e de análise lingüística”. A autora apresenta proposta de elabora-
ção didática, em seis passos, que sintetizaremos a seguir:

45
Metodologia de Ensino

Síntese das etapas de um processo de ELABORAÇÃO DIDÁTICA, se-


gundo RODRIGUES, 2008.

“1º. Busca de conhecimento de referência sobre o gênero do discur-


so: o objetivo é dar sustentação teórica ao professor. [Nesta etapa
o professor procurará obter o maior número possível de conheci-
mentos sobre o gênero ou os gêneros de um determinado campo
de atividade].

2º. Seleção de textos (verbais orais e escritos ou em outro material


semiótico): o objetivo é compor um pequeno banco de dados para
o trabalho com leitura em sala de aula. [Organizando esse banco
de dados, o professor poderá trabalhar com textos diferentes que
representem a relativa estabilidade e a heterogeneidade do gênero
em estudo].

3º. Prática de leitura do texto como enunciado: objetivo é colocar o


aluno na posição de interlocutor do enunciado do gênero em foco.
[A leitura, sempre que possível, será feita observando-se o espaço
material de produção e a recepção desejável àquele gênero – para
um texto de jornal, lê-se o texto no jornal em que se insere ou onli-
ne; um capítulo de livro, lê-se no livro em que foi publicado].

4º. Prática de leitura-estudo do texto e do gênero: essa prática ana-


lítica de leitura (prática de análise lingüística 1[a autora denomina
prática de análise linguística 1 a leitura-estudo do texto e do gênero
para o levantamento das características do gênero]) é feita a partir
dos textos do banco de dados, ou seja, de textos não redigidos pelo
aluno.

5º. Prática de produção textual: nessa etapa, o objetivo é, na medida


do possível, colocar o aluno em uma situação de interação o mais
próxima possível do gênero em questão, isto é, o aluno é instado a
assumir a autoria do gênero e a construir o seu projeto discursivo,
levando em conta as condições do gênero e o interlocutor do seu
enunciado.

46
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
6º. Prática de revisão e reescritura de textos: [nesta etapa é feita] a
revisão, via prática de análise lingüística 2 [a autora denomina práti-
ca de análise linguística 2 o momento em que no processo de rees-
critura dos textos dos alunos são exploradas as características do gê-
nero já vistas nas atividades de leitura e de produção textual], [que]
toma como parâmetro a prática de análise linguística 1 e a atividade
de produção textual proposta”. (RODRIGUES, 2008, p. 172-173).

Para saber mais sobre processo de elaboração didática, sugerimos que


você leia o texto da professora Rosângela Rodrigues, Pesquisa com os
gêneros do discurso na sala de aula: resultados iniciais, publicado na
Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UEM,
v. 30, n. 2, jul./dez. 2008, p. 169-175, acessando: http://www.periodicos.
uem.br/ojs/index.php/ActaSciLangCult/article/viewArticle/6004.

Os princípios destacados para a opção por uma metodologia de en-


sino de elaboração didática reforçam o pressuposto de que “é preciso
planejamento da atividade docente”. Um planejamento bem elaborado
possibilita que o professor antecipe situações capazes de propiciar ao alu-
no a aprendizagem e o desenvolvimento do domínio de conhecimentos
de linguagem e seus usos sociais, evitando principalmente a perda de
tempo e de rumo na condução do processo de ensino e aprendizagem. Figura 11 - Roxane Rojo é
professora e pesquisadora
Roxane Rojo também vem se dedicando à formação de professores, do IEL/UNICAMP.
notadamente no que diz respeito à transposição da teoria de Bakhtin
para as salas de aula. Em seu texto Modos de transposição dos PCNs às
práticas de sala de aula: progressão curricular e projetos (2000), chama a
atenção para questões importantes, principalmente face aos princípios
organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa e dos critérios para
a sequenciação desses conteúdos, e face às organizações didáticas es-
peciais, tais como projetos e módulos didáticos, como os apresentados
pelos PCNs e “dialogados” com outras propostas de ensino. A autora,
com relação aos conteúdos de Língua Portuguesa, apresenta como pos-
sibilidade a sua organização sob a forma de dois eixos: o eixo do USO e
o da REFLEXÃO sobre a língua, e salienta:

47
Metodologia de Ensino

[...] os conteúdos indicados para as práticas do eixo do uso da lingua-


gem são eminentemente enunciativos [...] o texto é visto

como unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino.


[...] os conteúdos [...] do eixo da reflexão sobre a língua e a linguagem
abrangem aspectos ligados à variação lingüística; à organização estru-
tural dos enunciados; aos processos de construção da significação; ao
léxico e às redes semânticas e aos modos de organização dos discursos
(ROJO, 2000, p. 20 e 30).

Nessa perspectiva, os objetivos de ensino estão relacionados às


necessidades de aprendizagem. Segundo a autora, nas últimas décadas
em nossas escolas, as práticas de uso e de análise da linguagem têm
sido substituídas “[...] pela simples adoção de um livro didático, que
passa a ditar os objetivos de ensino e a configurar o projeto de ensino-
aprendizagem” (ROJO, 2000, p. 33). Rojo se põe a favor da teoria do
ensino-aprendizagem de base sócio-histórica vygotskiana e ressalta a
importância de o professor ter esse conhecimento para que possa iden-
tificar as possibilidades e as necessidades de aprendizagem de seus alu-
nos. Ademais, a autora pontua que,

[...] por meio da avaliação do desenvolvimento real de seus alunos, [o


professor determinará] quais serão as possibilidades de aprendizagem
para cada objeto de ensino; e [...] uma reflexão sobre as necessidades
de aprendizagem, de um ponto de vista histórico-cultural [...] o levará
a eleger os objetos histórico-culturais que deverão ser propostos para
a aprendizagem no desenvolvimento potencial do aluno, na criação de
ZPDs – Zonas Potenciais de Desenvolvimento (ROJO, 2000, p. 33).

Essa relação entre aprendizado e desenvolvimento na perspectiva de


Vygotsky, como base para a concepção de ensino, atende aos objetivos
que se deseja alcançar com o ensino de Língua Portuguesa e Litera-
tura na escola; condição que aumenta nossa responsabilidade como
educadores, pois temos como objetivo último do ensino o desenvolvi-
mento de capacidades que levem o aluno a usufruir e a produzir bens
culturais, sociais e econômicos.

Para o ensino da Língua Portuguesa e Literatura nessa perspectiva, os


PCNs dessa área propõem “organizações didáticas especiais” (BRASIL,
1998, p. 87), as quais certamente preveem formas de tratar os conteúdos

48
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
diferenciadas daquelas que se costumava adotar em décadas passadas.
Dentre as possibilidades para o trabalho da docência, há em circulação
diferentes perspectivas de encaminhamento metodológico, tais como
um ensino por meio de projeto, sequências didáticas, elaboração didá-
tica, transposição didática, etc. Deparamo-nos, pois, com muitos “mo-
dos de ensinar”, e sobre esse tema reservaremos um espaço de discus-
são particular nas disciplinas de Estágio Supervisionado I e II.

3.2 A avaliação
[...] é recomendável que se amplie a noção de avaliação escolar, reven-
do a pertinência de se avaliar exclusivamente um momento específi-
co, como o da prova bimestral, em função da necessidade de se avaliar
todo o processo de aprendizagem vivido pelos alunos ao longo de uma
proposta de trabalho. (BRASIL, 2002, p. 83-84).

As concepções de língua e linguagem e de ensino e aprendizagem,


com as quais vimos trabalhando, requerem um novo posicionamento
frente às formas de avaliação praticadas em nossas escolas. Se trabalha-
mos na perspectiva histórico-cultural, ensinamos com base nos conhe-
cimentos reais dos alunos, ou seja, em suas necessidades e possibilidades Nessa perspectiva, o con-
ceito de zona de desenvol-
de aprendizagem. A avaliação se institui no processo do fazer pedagó- vimento proximal (ZDP) se
gico, portanto ensino e avaliação caminham juntos, são processos for- faz presente no processo
de ensino e aprendizagem
mativos. Não cabe, no processo de ensino atual, uma avaliação apenas
seletiva, ela necessariamente tem de se dar em função do processo de
ensino e aprendizagem que se deseja desenvolver. Professor e alunos se
avaliam e são avaliados.

O professor realiza a avaliação formativa para saber quais são os sa-


beres já apropriados pelos estudantes e que atitudes já têm inter-
nalizadas para que possa identificar as possibilidades de ensino e
fazer a mediação entre aqueles e os novos conhecimentos (atuar na
zona de desenvolvimento proximal). Ele realiza, no dizer de Antunes
(2003, p. 158), “[...] uma busca dos indícios, dos sinais da trajetória
que o aluno percorreu, o que, por outro lado, serve de sinal [...] de
como ele tem de fazer e por onde tem que continuar”.

49
Metodologia de Ensino

Não há um momento específico para a avaliação; todos os momen-


tos são, evidentemente, possíveis de serem avaliados. Uma concepção
diferente de avaliação faz dela uma oportunidade de reflexão do próprio
aluno sobre suas conquistas e dificuldades, as razões do sucesso e de
seus fracassos. Antunes (2003) propõe, por exemplo, a avaliação como
exercício de aprendizagem. Assim, o aluno aprende a revisar sua própria
produção textual, quer oral ou escrita, ao tempo que vai desenvolvendo
também certa autonomia e confiança no uso da linguagem. Os objetivos
do ensino balizam os processos de avaliação.

Vale lembrarmos que os PCNs indicam a avaliação

[...] como instrumento que possibilite ao professor analisar criticamente


sua prática educativa; e, por outro lado, como instrumento que apresen-
te ao aluno a possibilidade de saber sobre seus avanços, dificuldades e
possibilidades [...] deve ser compreendida como constitutiva da prática
educativa, dado que é a análise das informações obtidas ao longo do
processo de aprendizagem – o que os alunos sabem e como – que pos-
sibilita ao professor a organização de sua ação de maneira adequada e
com melhor qualidade. (BRASIL, 2002, p. 93-94).

A avaliação é, portanto, dialógica, pois leva em conta quem ensina,


aqueles para quem se ensina, as relações intrínsecas que se estabelecem
entre todos os participantes do processo, as condições de desenvolvi-
mento do trabalho pedagógico e a medida do alcance dos objetivos e de
sua intencionalidade.

Na contramão das práticas tradicionais – em que se buscava encontrar


os “erros”, mais do que os “acertos” dos alunos –, o professor de Língua
Portuguesa deve valorizar os ganhos que o estudante obteve ao longo
de seu processo de aprendizagem, baseando-se nas matrizes de com-
petências e habilidades, que exigem um outro olhar sobre o ensino.
(BRASIL, 2002, p. 83-84).

Nessa perspectiva, o professor que, ao receber uma produção es-


crita do aluno, devolve-a com apenas um “visto” ou com marcações em
vermelho ou com expressões tipo “Muito bem”, “Razoável” ou outras
semelhantes, não compreendeu o sentido do ensino que desenvolveu.
Como interlocutor privilegiado do aluno, em suas aulas de português,
dele é esperada uma resposta coerente, significativa, um procedimento
que diga ao aluno o que ele aprendeu ou o que precisa aprender e o que

50
Diretrizes oficiais para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Capítulo 03
precisa fazer para chegar ao alcance dos objetivos propostos para aquela
situação específica. Os PCNs (BRASIL, 2002) estabelecem critérios para
o processo de avaliação; tais critérios, no entanto, não podem ser toma-
dos isoladamente. Eles são considerados na elaboração dos projetos de
trabalho segundo a intencionalidade da proposta a ser desenvolvida e
visam, sobremaneira, a orientar o processo de avaliação no sentido da
progressão do desenvolvimento dos alunos, para que se tenha sempre
mais um ensino de qualidade e alunos sempre mais competentes no uso
da língua oral e escrita.

Leia mais!
Retome a leitura dos PCNs, PCNEMs e PCNs+ e observe nesses do-
cumentos os critérios que orientam a avaliação em aulas de leitura e
produção textual.

51
Metodologia de Ensino

Considerações finais da Unidade A


Nesta unidade, procuramos traçar um breve panorama sobre ques-
tões que envolvem a formação do professor de Língua Portuguesa e o
desenvolvimento da disciplina de língua e literatura, mostrando que
nessa construção todos nós somos parte, quer como professores, quer
como estudantes, nos diferentes níveis de ensino. Procuramos expor
possibilidades de um fazer pedagógico no qual alunos e professores
sejam interlocutores reais, considerando que não há mais espaço para
relações de faz de conta, pois a sociedade centrada na escrita exige dos
cidadãos domínio crescente desse sistema simbólico de mediação hu-
mana que é a linguagem.

Apresentamos os documentos que são recursos importantes de


apoio ao professor em suas aulas, pois eles tratam de objetivos, con-
teúdos, metodologias, avaliação e indicam bibliografia atualizada sobre
o fazer pedagógico.

Nos capítulos que seguem, serão abordadas questões sobre a leitu-


ra, o papel da escola e do professor de Língua Portuguesa na formação
de leitores, a especificidade da leitura literária no espaço escolar, o ensi-
no da escrita na escola, a análise linguística e o ensino da gramática.

Viremos outras páginas e escutemos novas vozes neste livro e fora dele:
“[...] Quando eu comecei na faculdade, eu tinha uma visão, trabalhava
observando o livro didático, era o meu limite. E a faculdade me fez en-
xergar além, assim oh!”. Esperamos que a voz dessa professora encora-
je-nos a alçar voos nessa trajetória de formação.

52
Unidade B
A leitura na escola

Crianças lendo
Nesta unidade, organizada em três capítulos, discutiremos o papel
da leitura na disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura. No primeiro capítulo, apresentaremos uma breve discussão a
respeito do que entendemos ser “leitor”. No segundo capítulo, refletire-
mos sobre o papel da escola na formação de leitores e, mais especifica-
mente, sobre o papel do professor de Língua Portuguesa na formação de
leitores. No terceiro capítulo, abordaremos algumas concepções de leitura
que existem nesse campo de pesquisa com ênfase na concepção que ado-
tamos para a discussão deste material pedagógico e, ainda, discutiremos
os objetivos para o trabalho com a leitura, apontando alguns caminhos/
estratégias para desenvolver atividades de leitura em sala de aula.

Os objetivos desta unidade são, portanto:

ӲӲ Discutir sobre o que é ser leitor;

ӲӲ Refletir sobre o papel da escola e do professor de Língua Portu-


guesa na formação de leitores;

ӲӲ Apresentar algumas concepções de leitura;

ӲӲ Identificar os objetivos para o trabalho com a leitura;

ӲӲ Apontar caminhos/estratégias para desenvolver atividades de


leitura em sala de aula.
O que é ser leitor? Capítulo 04
4 O que é ser leitor?

Você já se perguntou o que é ser leitor? Você é um(a) leitor(a)? Sempre


foi? Quais são suas memórias de leitura? Faça um exercício e tente re-
cuperar suas memórias de leitura: recorde-se das histórias que leu, das
capas e suas cores, do cheiro dos livros...

É sempre interessante, independente da série e da idade dos alunos


com quem estamos trabalhando nas aulas de Língua Portuguesa, reto-
mar/recordar as suas memórias de leitura, para poder partir do que eles
já conhecem e do que precisam conhecer. Figura 12 – Série Vagalume,
da Editora Ática

Será que nós e nossos alunos passamos a ser leitores apenas quando
conseguimos decifrar os sinais gráficos, ou já somos leitores das ima-
gens, das cores, dos cheiros, do mundo que nos rodeia?

Você se sentiu leitor apenas depois que passou a dominar o código


escrito? Parece que não. Se observarmos, a criança desde muito cedo lê
o mundo que a rodeia e somente mais tarde consegue atribuir sentido
ao código escrito, portanto, neste momento já tem o domínio da leitura
de mundo que

[...] precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-


tinuidade da leitura daquele [...] este movimento do mundo à palavra
e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a
palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos.
(FREIRE, 2003, p. 20).
Acesse: <http://www.
O exercício de rememorar as leituras realizadas na infância foi con- caetanoveloso.com.br/
sec_busca_obra.php?
cretizado por vários escritores e compositores que trouxeram para as language=en&id=162
suas palavras inventadas a sua infância reinventada. Caetano Veloso, na &sec_discogra_todas=1>
e cante com Caetano.
letra de sua composição Livros, (re)escreve sobre sua história de leitura
e a importância que o livro, tanto seu conteúdo escrito como sua mate-
rialidade, teve em sua vida:

55
Metodologia do ensino

Quase não tínhamos livros em casa / E a cidade não tinha livraria / Mas
os livros que em nossa vida entraram / São como a radiação de um cor-
po negro /Apontando pra expansão do Universo / Porque a frase, o con-
ceito, o enredo, o verso / (E, sem dúvida, sobretudo o verso) / É o que
pode lançar mundos no mundo. (VELOSO, 1997).

As dificuldades de acesso ao objeto livro também aparecem no


conto “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector. A menina (porven-
Sugerimos também que
você assista ao belíssimo tura podemos imaginar Clarice) corre pelas ruas do Recife em busca do
curta Clandestina tão almejado livro: Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, que lhe
Felicidade, disponível em
<http://www.portacurtas. escorrega sistematicamente das mãos pelo não empréstimo da amiga
com.br/pop_160. perversa. Quando a protagonista enfim se apodera do livro, a leitura é
asp?cod=311&Exib
=2575>, que mostra protelada e temos toda uma descrição de afeto e gesto de amorosidade
fragmentos de infância, na relação da menina com o livro: “Às vezes sentava-me na rede, balan-
amor pelos livros, e
descoberta do mundo çando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
pelo olhar curioso, Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
perplexo e profundo
da criança-escritora amante.” (LISPECTOR, 1996).
Clarice Lispector.

Figura 13 – Capa do livro Figura 14 – Capa do livro Reinações de Narizinho, de


Felicidade Clandestina, de Clarice Monteiro Lobato.
Lispector, publicado pela
Editora Rocco.

Encontramos na produção poética de Carlos Drummond de


Em <http://www. Andrade várias incursões pelo seu mundo iniciático da leitura. Podería-
memoriaviva.com.br/ mos dizer que ele vai deixando escorregar de seus poemas uma memó-
drummond/verso.htm>,
você encontra muitos ria de leitura. No poema “Iniciação literária”, observa-se a relação entre
poemas de Drummond, a leitura ficcional de Júlio Verne em contraposição ao livro Cultura dos
inclusive alguns
declamados pelo campos, de Assis Brasil:
próprio poeta.

56
O que é ser leitor? Capítulo 04
Leituras! Leituras!
Como quem diz: Navios... Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Júlio Verne.
Mas por que me deram para livro escolar
a Cultura dos Campos de Assis Brasil?
O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares
– soja – fumo – alfafa – batata doce – mandioca
– pastos de cria – pastos de engorda. É mestre em Linguística
Se algum dia eu for rei, baixarei um decreto pela Universidade
Federal de Pernambuco
Condenando este Assis a ler a sua obra. e doutora em Linguística
pela Universidade de
(ANDRADE, 1973, p. 126).
Lisboa. Aposentada
como professora na
No poema “Assinantes” (ANDRADE, 1973, p. 127), somos apresen- Universidade Federal
tados a dois meninos assinantes da Revista Tico-tico, o que lhes qualifica de Pernambuco, hoje
atua como professora
e lhes dá um grau de importância na pequena cidade; em “Infância” de Linguística na
(ANDRADE, 1999, p. 10-11), o poeta contrapõe seu cotidiano familiar à Universidade Estadual do
Ceará. Autora de livros
leitura de Robinson Crusoé; em “Biblioteca verde”, o menino leitor des- e artigos em revistas
cobre, nos 24 exemplares da Biblioteca Internacional de Obras Célebres, especializadas na área da
Linguística Aplicada, tem
a leitura pelos sentidos: contribuído com reflexões
acerca de questões da
Chega cheirando a papel novo, mata de pinheiros toda verde [...] Antes língua e de seu ensino.
de ler, que bom passar a mão / No som da percalina, esse cristal / De Dentre sua produção,
fluida transparência: verde, verde. / Amanhã começo a ler. Agora não. sugerimos a leitura de
Língua, texto e ensino:
/ Agora quero ver figuras. Todas [...] Como te devoro, verde pastagem. outra escola possível e Aula
(ANDRADE, 1973, p. 129-130). de português: encontro &
interação.
Olfato, tato, audição, visão e gustação são sentidos que entram em
ação na leitura do menino poeta. Como expusemos anteriormente, todos
nós carregamos uma memória de leitura, por isso é fundamental que
conheçamos a experiência de vida dos nossos alunos, o conhecimento e a
leitura de mundo que eles trazem para a sala de aula, já que todo esse sa-
ber deverá ser levado em conta no trabalho de leitura que será realizado.

Concordamos, por isso, com Antunes (2009, p. 201) quando afirma Figura 15 – Irandé Antunes

que “[...] formar leitores, desenvolver competências em leitura e escrita


é uma tarefa que a escola tem que priorizar e não pode sequer protelar”.
Entendemos, ainda, que não é só na escola que nos formamos leitores,
uma vez que nos formamos leitores “no mundo”, na nossa casa, com a
nossa família, com os nossos pares, como vimos anteriormente. Assim,

57
Metodologia do ensino

[...] essa prioridade da escola na formação do leitor não exclui, evidente-


mente, a atuação da família, na ação diuturna dos pais, que devem as-
sumir a iniciação da criança nesse mundo gráfico (e, por vezes, mágico)
das palavras. Não exclui ainda a sociedade, os meios de comunicação
– todos: jornais, revistas, TV, páginas da internet – nem exclui (princi-
palmente essas!) as políticas públicas orientadas para a educação e a
promoção da cultura letrada (ANTUNES, 2009, p. 202).

Como você pode observar, ao longo da nossa discussão defendemos


a ideia de que o leitor pode ser leitor do código escrito, pois, necessaria-
mente, é leitor do mundo. Vimos também que esse leitor se forma tanto
na escola, como na sociedade. É geralmente na escola, a partir de um
ensino formal, que o leitor passa a dominar o código escrito, e é também
nesse ambiente que ele tem a oportunidade de tornar-se proficiente na
leitura dos diversos gêneros que circulam na sociedade. A escola tem de
priorizar o trabalho com a leitura. É sobre o papel da escola na formação
de leitores que trataremos a seguir.

Vale lembrarmos que nem todo leitor é leitor do código escrito, uma
vez que temos ainda no mundo um grande número de analfabetos.
Conforme Bortoni-Ricardo et al. (2010, p. 12), os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2008, conduzida pelo Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que temos
no Brasil uma taxa de 10% de analfabetos acima de 15 anos, o que
corresponde a 14,2 milhões da população que não sabe ler e escre-
ver. Já com relação ao analfabetismo funcional, aquele definido como
grau de alfabetização insuficiente para exercer funções básicas da so-
ciedade moderna, há, segundo os mesmos autores, dados fornecidos
pelo Instituto Paulo Montenegro, divulgados em 2009, referentes à
população com idade entre 15 e 64 anos, indicam outros números.
Os dados desse instituto apontam 7% da população brasileira, resi-
dente nas zonas urbana e rural, como analfabeta, 21% alfabetizada
rudimentar, 47% alfabetizada básica, perfazendo um total de 75%
da população considerada analfabeta funcional, com apenas 25% da
população considerada alfabetizada funcionalmente.

58
O que é ser leitor? Capítulo 04
Dados do Pnad (2008) Idade Percentual
Analfabetismo Idade acima de 15 anos 10%
Analfabetismo funcional 75%
Analfabetismo 7%
Alfabetismo rudimentar Idade entre 15 e 64 anos 21%
Alfabetismo básico 47%
Alfabetismo funcional 25%

Leia mais!
O Instituto Paulo Montenegro, em parceria com a ONG Ação Educativa,
realizou a sexta edição da pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional
(Inaf 2009). Acesse <http://www.ipm.org.br/> e conheça os resultados des-
sa pesquisa. Leia sobre o impacto positivo do aumento da escolarização
dos brasileiros e sobre o alerta para a melhoria da qualidade do ensino.

59
O papel da escola na formação de leitores Capítulo 05
5 O papel da escola na
formação de leitores

Passemos agora a refletir sobre o papel da escola na formação de leito-


res. O que você acha que a escola tem feito para formar leitores? Você
tem memórias de leitura em sala de aula? Você lia apenas nas aulas de
Língua Portuguesa ou em outras disciplinas também?

Embora os professores das outras disciplinas trabalhem com textos


e saibam que o aluno-leitor “[...] tem de mobilizar conhecimentos esto-
cados nas diversas áreas e disciplinas para dialogar competentemente
com o texto” (BORTONI-RICARDO et al., 2010, p. 16), muitos deles
acreditam que o trabalho com a leitura é tarefa exclusiva do professor
de Língua Portuguesa.

Por outro lado, muitas vezes nem mesmo o professor de Língua


Portuguesa atribui importância para as aulas de leitura. Ora porque é
cobrado, tanto pela escola quanto pelos pais dos alunos, para centralizar
o ensino na gramática, ora porque acredita que a leitura é um saber que
o aluno já adquiriu na fase da alfabetização, momento em que passou a
dominar os sinais gráficos e, desse processo em diante, tornou-se profi-
ciente – não há, portanto, mais o que aprender. Esquece-se o professor
que “[...] a leitura é uma atividade de acesso ao conhecimento produzi-
do, ao prazer estético e, ainda, uma atividade de acesso às especificida-
des da escrita” (ANTUNES, 2003, p. 70) e que o processo de seu ensino
e aprendizagem é, portanto, contínuo.

Além disso, existe outra questão levantada para o ensino da leitura


que se relaciona à experiência que o aluno traz para a sala de aula. Ob-
servamos, por exemplo, que os alunos que têm na família pessoas que
leem, ou seja, exemplos de leitores e têm ainda acesso a materiais escri-
tos, mais facilmente chegam à escola com alguma bagagem de leitura.
Uma vez inseridos em ambiente onde cedo aprendem a ler imagens,
imitam os pais/a família na invenção de histórias, aprendem o código

61
Metodologia de Ensino

escrito e passam a atribuir significado para aquele conjunto de rabiscos


na página. Mais tarde, na escola, esses alunos vão se formando leitores
cada vez mais hábeis, pois já trazem um conhecimento prévio, não fi-
cando somente na dependência da escola a sua formação de leitor.

Já para aqueles alunos que não têm acesso a material escrito em


casa, que não têm exemplos de leitores na família, a formação do leitor
fica restrita à escola. Por isso,

[...] até o momento, aprender a ler, ou melhor, ser leitor, tem sido no Brasil
prerrogativa das classes mais favorecidas. Quer dizer, os meninos po-
bres são levados a se convencerem de que “têm dificuldades de apren-
dizagem” e, portanto, não nasceram pra leitura. Tentam por alguns anos;
cansam-se e acabam desistindo. Grande parte das pessoas acha isso na-
tural; ou seja, ninguém considera absurda a “coincidência” de apenas os
pobres não aprenderem a ler (ANTUNES, 2009, p. 186, grifos da autora).

É importante ressaltarmos que, embora alguns alunos não tenham


acesso a material escrito ou exemplos de leitores em casa, estão, de
qualquer forma, inseridos em uma cultura letrada, mesmo em loca-
lidades mais afastadas. Numa sociedade como a que vivemos, em
todos os lugares há propagandas escritas, letreiros, outdoors, rótu-
los de produtos alimentícios, de remédios, bulas, manuais, enfim, há
escrita por toda parte. Dessa forma, a escola deve considerar esse
contato com a cultura escrita, atentando para o conhecimento que
os alunos trazem a ela, em função de uma vivência maior ou menor
com esse material escrito.

5.1 O papel do professor de Língua


Portuguesa na formação de leitores
Como vimos anteriormente, tanto o professor de Língua Portugue-
sa como o professor das outras disciplinas trabalham com textos em
sala de aula. Vale lembrarmos, no entanto, que enquanto o professor das
outras disciplinas utiliza o texto como pretexto para ensinar o conteúdo

62
O papel da escola na formação de leitores Capítulo 05
específico de suas aulas, o professor de Língua Portuguesa tem, neces-
sariamente, o texto como objeto do ensino da sua disciplina. Sendo as-
sim, iniciamos nossa conversa, neste momento, refletindo sobre como
se dá a seleção dos textos que circulam nas aulas de Língua Portuguesa.

Você acredita que esta tarefa cabe ao professor de Língua Portu-


guesa? Ou aos autores do livro didático? Talvez seja interessante você, João Wanderley Geraldi
é doutor em Linguística
professor, fazer uma primeira pergunta a si mesmo: pela Universidade
Estadual de Campinas
(1990). Foi Diretor do
Instituto de Estudos da
• Para que meus alunos leem o que leem? Linguagem e Pró-Reitor
de Assuntos Comunitários
• É para levantarem argumentos para uma produção textual, para da Universidade Estadual
de Campinas. Atualmente
buscarem citações para um texto que irão escrever? é Professor Colaborador
Voluntário da Unicamp.
• É para ficarem informados, saberem mais sobre determinados Autor de diversos livros
assuntos? na área do discurso e
do ensino da língua, ele
• É para estudarem para uma disciplina da escola, da faculdade? é considerado um dos
precursores das mudanças
• É por prazer, por fruição? no ensino de Língua
Portuguesa no Brasil.

A leitura em sala de aula deve servir para tudo isso. No entanto,


como muitos professores não selecionam os textos que entram na sala
de aula, nem sempre conseguem dar conta dos objetivos da ampla tarefa
a que a leitura se ocupa. Se pensarmos no livro didático, por exemplo,
notaremos, como bem o pontua Geraldi (1997, p.168-169), que Figura 16 – João Wanderley Geraldi

[...] toda a lição ou unidade destes livros, organizados em unidades e, em


geral, sem unidade, iniciam-se por um texto para leitura. Como tais lei-
turas não respondem a nenhum interesse mais imediato daqueles que
sobre os textos se debruçam, a relação interlocutiva a ocorrer deverá se
legitimar fora dela própria.

Como resolver essa questão se, em algumas escolas, o livro didático


é o único livro a que os alunos têm acesso?

Primeiro temos de pensar na questão da escolha do livro didáti-


co. Ela deve ser feita pelo professor que irá trabalhar com o livro, pois
mesmo não conhecendo ainda os alunos que receberá no ano seguinte,

63
Metodologia de Ensino

tendo em vista que a escolha do livro1 se dá no ano anterior, ele já sabe


O Programa Nacional
1 qual material se ajusta melhor ao seu trabalho com leitura. Além disso,
do Livro Didático (PNLD) o professor já tem algum conhecimento sobre os alunos com os quais
é o mais antigo dos
programas voltados à irá trabalhar e as possibilidades de ensino e aprendizagem que se lhes
distribuição de obras apresentam. Esse material deverá ainda se adequar à sua formação, à sua
didáticas aos estudantes
da rede pública de ensino concepção de linguagem, e consequentemente de leitura, aos objetivos
brasileira e iniciou-se, das suas aulas e às suas expectativas com relação aos alunos. Afinal, esse
com outra denominação,
em 1929. Ao longo material também “precisa se pautar nas capacidades de leitura que se
desses quase 70 anos, o supunha ter o aluno e nas capacidades que se pretenda que ele venha a
programa se aperfeiçoou
e teve diferentes nomes ter” (PIETRI, 2007, p. 36).
e formas de execução.
O PNLD é voltado para
o Ensino Fundamental
público, incluindo as Passada a etapa da escolha do livro didático, o professor deverá ter
classes de alfabetização em mente que é si atribuída a tarefa de conduzir a disciplina. Assim,
infantil. O Programa
Nacional do Livro Didático o livro didático é material de apoio, de consulta, de complementação
para o Ensino Médio de suas aulas, de modo que, além de utilizar o livro didático espe-
(PNLEM) foi implantado
em 2004, pela Resolução cificamente para as aulas de leitura, o professor selecionará outros
no 38 do Fundo Nacional materiais que possam favorecer o ensino-aprendizagem da leitura.
de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), e prevê
a universalização de livros
didáticos para os alunos
do Ensino Médio público Como o mesmo assunto pode ser tratado por meio de diferentes
de todo o país. Para obter
mais informações, acesse: gêneros do discurso2, é importante propormos atividades de leitura de
www.mec.gov.br. textos diversos. Se o livro didático traz, por exemplo, um texto argu-
2
O conceito de gêneros mentativo sobre adolescência, podemos acrescentar uma notícia de jor-
discursivos foi abordado nal, uma propaganda ou um conto que trate do mesmo tema. E como
no livro-texto Linguística
Aplicada. Retome a são gêneros discursivos distintos, apresentarão diferentes marcas dis-
discussão, se julgar cursivas, seja em função dos objetivos da interação, seja em função do
necessário.
suporte, o que possibilitará atividades de leitura diversificadas e interes-
santes. Essas atividades desencadearão outras atividades e, assim, suces-
sivamente. Ademais,

[...] não é possível considerar uma aula de leitura que se limite a apresen-
tar um único texto, isoladamente, sem referência a outros textos. Não é
possível considerar uma aula de leitura que se esgote no tempo de uma
aula. Do mesmo modo que a leitura de um texto não se restringe a um
texto, uma aula de leitura não se restringe a uma aula. (PIETRI, 2007, p.
86, grifos do autor).

64
O papel da escola na formação de leitores Capítulo 05
Salientamos que não cabem ao livro/manual do professor as res-
postas para as questões de interpretação dos textos com os quais se irá
trabalhar. Há normalmente outras respostas possíveis que o livro/ma-
nual do professor não contempla. As respostas dependem também do
conhecimento prévio e de mundo, determinado pelas diferentes experi-
ências que os alunos vivenciaram e que, portanto, provocarão sentidos
diferentes para cada aluno. Isso, no entanto, não significa que todas as
respostas sejam aceitáveis. Há, de alguma forma, um limite que é impos-
to pelo texto escrito. Em outras palavras, todo o texto deve ser entendi-
do como uma obra aberta, mas não escancarada.

Para que os alunos mergulhem no mundo das linguagens escritas,


há algumas ações que a escola pode realizar, conforme nos sugere An-
tunes (2009, p. 205):

ӲӲ Estimular a cultura do livro.

ӲӲ Possibilitar fartura de um bom e diversificado material de


leitura.

ӲӲ Permitir acesso fácil e bem orientado a esse material.

ӲӲ Diversificar os objetivos de leitura.

ӲӲ Promover com frequência atividades de ler e de analisar mate-


riais escritos.

ӲӲ Formar o gosto estético na convivência com a literatura.

Ao longo deste capítulo, discutimos sobre o papel da escola na for-


mação de leitores e ainda sobre o papel do professor de Língua Portu-
guesa nessa formação. No capítulo seguinte, apresentaremos algumas
concepções de leitura que circulam nesse campo de pesquisa, eviden-
ciando a que adotamos aqui.
Acesse dados desta
pesquisa no site:
Antes de iniciarmos o próximo capítulo, gostaríamos de salientar <www.prolivro.org.br/
alguns resultados de uma pesquisa realizada em 2008, na época da publi- ipl/publier4.0/dados/
anexos/48.pdf>.
cação da segunda edição de Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo
Instituto Pró-Livro – uma organização social de interesse público que
tem como objetivo principal o fomento à leitura e à difusão do livro.

65
Metodologia de Ensino

Essa pesquisa teve como objetivo principal diagnosticar e medir


o comportamento dos indivíduos como leitores que, segundo o docu-
mento, apresentam níveis de leitura significativamente inferiores à mé-
dia de países industrializados e em desenvolvimento, e levantar junto
aos entrevistados suas opiniões relacionadas à leitura.

A pesquisa nos interessa principalmente pelas reflexões que traz


para o trabalho da escola e do professor de Língua Portuguesa na for-
mação de leitores, assunto foco deste capítulo. Ademais, os resultados
da pesquisa reforçam “[...] o papel extraordinariamente poderoso das
escolas no desenvolvimento da leitura como também sinaliza os cami-
nhos para fomentar sua prática fora dela e pela vida afora dos leitores”
(INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 11).

A amostra da pesquisa constituiu-se de 5012 informantes distribu-


ídos em todas as unidades da federação. As entrevistas foram realizadas
entre 29/11 e 14/12 de 2007. Os resultados gerais apontam que 16% do to-
tal de entrevistados são considerados não alfabetizados; 48% declararam-
se não leitores, pois não haviam lido um livro nos três meses anteriores
Embora entendamos que
à pesquisa. Desses não leitores, 33% são analfabetos e 37% têm até a 4a
o leitor não se constitui série, faixa em que as práticas de leitura ainda não estão consolidadas.
somente pela leitura
de livros, a pesquisa A pesquisa informa ainda que a maior parcela de não leitores está
apresentada aqui adota
como critério de entre os adultos e que esse número diminui de acordo com a renda fa-
leitura o livro. miliar e com a classe social. Não foram encontrados não leitores na clas-
se A e há apenas 1% de não leitores na faixa em que a renda da família é
superior a 10 salários mínimos.

Os índices apontam também para a importância da escola “na tare-


fa de reverter o índice de não-leitores no Brasil, por meio de programas
de alfabetização de jovens e adultos, e pelo investimento em curto prazo
e maior na valorização social da leitura e do livro e no aperfeiçoamento
do processo educacional” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14).

A pesquisa evidencia ainda que a valorização da leitura cresce à


medida que avança a escolarização dos entrevistados, que se mostram
mais espontaneamente dispostos à leitura. Dentre os entrevistados, 61%
gostam muito de ler, 30% gostam um pouco e 9% não gostam.

66
O papel da escola na formação de leitores Capítulo 05
Entre as dificuldades de leitura, há a indicação de que algumas ha-
bilidades básicas não foram desenvolvidas e, portanto, houve fra-
casso no processo educacional: 17% leem muito devagar, 7% não
compreendem o que leem, 11% não têm paciência para ler e 7% não
têm concentração. Já as alegações para a ausência de leitura variam
entre falta de tempo (54%), outras preferências (34%), desinteresse
(19%), falta de dinheiro (18%) e falta de bibliotecas (15%).

Os dados da pesquisa assinalam que entre os adultos a leitura de-


cresce muito, a não ser quando se trata dos entrevistados que fizeram
ou fazem curso universitário. Isso é o que faz os analistas da pesquisa
suporem que “[...] a escola não tem formado leitores para a vida intei-
ra, talvez por práticas pouco sedutoras e obrigatórias, das quais o não
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os limites da escola”
(INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 15).

No documento, aparecem sugestões para que a leitura se vincu-


le definitivamente à vida dos alunos e para que os materiais de leitura
tornem-se cada vez mais próximos desses alunos. Sugere-se, para tanto,
“ultrapassar os muros da escola, visitar de forma planejada, conseqüente
e prazerosa ambientes onde se criam jornais, revistas e livros, conversas
com os atores de cada uma das cadeias de criação e produção desses
materiais, conhecer sites que enfocam a leitura, ir a feiras [...]” (INSTI-
TUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 15).

Enfim, a pesquisa do Instituto Pró-Livro evidencia que todos os


dados apresentados mostram que a escola tem de necessariamente as-
sumir seu papel de formadora de leitores, “intensificando sua ação em
todas as direções que se relacionam com o gosto pela leitura” (INSTI-
TUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14).

67
Metodologia de Ensino

Leia mais!
Sugerimos a leitura de algumas publicações de João Wanderley Geraldi,
autor que apresentamos a você neste capítulo: O texto na sala de aula, Lin-
guagem e ensino: exercícios de militância e divulgação e Portos de passa-
gem.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de
militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.
_____. (org.) O texto na sala de aula: leitura & produção. 2. ed.
Cascavel: Assoeste, 1984.
_____. Portos de Passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

68
Concepções de leitura Capítulo 06
6 Concepções de leitura

Você talvez esteja se perguntando de que concepção de leitura estamos


falando. Estamos falando de uma perspectiva sociointeracionista de lei-
tura, que “[...] compreende a leitura como interlocução entre sujeitos
e, como tal, espaço de construção e circulação de sentidos” (GERALDI,
1996, p. 96). Assim, os alunos interagem com o texto, agem sobre o texto
e são atingidos por ele, estabelecendo relações com o texto e com a lin-
guagem, a partir do exercício da leitura, que previamente não existiam.

Além disso, sob essa perspectiva acredita-se que “[...] o texto sozinho
(como o locutor no diálogo) não é responsável pelas significações que faz
emergir, o que cria um primeiro problema para os textos que se querem
transparentes [...]” (GERALDI, 1996, p. 112); do contrário, os textos te-
riam de ser extremamente longos, e por isso a importância de experiên-
cias com outros textos, outras linguagens no exercício da leitura.

Acredita-se ainda, diante dessa concepção, que

[...] o leitor não é totalmente livre na construção de significações, já que


um dos instrumentos com que opera nesta construção é precisamente
o texto presente, cujo processo de produção manuseia também as mes-
mas “regras” de interpretação existentes numa “comunidade interpreta-
tiva”, de que o autor é parte. (GERALDI, 1996, p. 113).

Assim, embora consideremos a experiência prévia e de mundo dos


nossos alunos, sabemos que existe um limite para as possibilidades de
interpretação textual, limite imposto pelo próprio texto, pelos objetivos
e intenções do autor, como já dissemos anteriormente referindo-nos às
respostas a questões de interpretação textual.

Temos de levar em conta ainda que, nessa concepção, “[...] os senti-


dos do texto resultam também dos elementos que compõem a ‘cena’ de
sua produção e a outra, não menos pertinente, de sua circulação” (AN-
TUNES, 2009, p. 203). Diante disso, além de levar em consideração a
questão da autoria na interação com o texto, como já vimos, temos de
considerar, nas nossas atividades de leitura, a questão da sua circulação.

69
Metodologia de Ensino

Defendemos aqui que o trabalho de leitura é um trabalho de inte-


ração, pois o sujeito-leitor atribui sentido ao que lê, dá vida ao escrito
a partir da sua leitura, dialoga com o autor – rejeitando, confirmando,
saboreando suas ideias, e sempre reconstruindo o texto à medida que
age sobre ele. Assim,

[...] o produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele se


realiza a cada leitura, num processo dialógico cuja trama toma as pontas
dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro borda-
do, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra história. Não
são mãos amarradas – se o fossem, a leitura seria reconhecimento de
sentidos e não produção de sentidos; não são mãos livres que produ-
zem o seu bordado apenas com os fios que trazem nas veias de sua
história – se o fossem, a leitura seria um outro bordado que se sobrepõe
ao bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. Suas
mãos carregadas de fios, que retomam e tomam os fios que no que se
disse pelas estratégias de dizer se oferece para a tecedura do mesmo
e outro bordado [...]. É o encontro destes fios que produz a cadeia de
leituras construindo os sentidos de um texto. E como cadeia, os elos
de ligação são aqueles fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas
pela experiência de produção do outro (o autor) com que o leitor se
encontra na relação interlocutiva de leitura. A produção deste, leitor, é
marcada pela experiência do outro, autor, tal como este, na produção
do texto que se oferece à leitura, se marcou pelos leitores que, sempre,
qualquer texto demanda. Se assim não fosse, não seria interlocução, en-
contro, mas passagem de palavras em paralelas, sem escuta, sem con-
trapalavras: reconhecimento ou desconhecimento, sem compreensão.
(GERALDI, 1997, p. 166-167).

Vimos então, ao longo desta seção, que consideramos a concepção


sociointeracionista de leitura, aqui assumida, como a mais adequada
para orientar o processo de ensino e aprendizagem da leitura na escola. A
seguir, destacaremos aspectos mais específicos do ensino da leitura, tais
como objetivos e encaminhamentos para o trabalho em sala de aula.

6.1 O ensino da leitura


Partindo da concepção de leitura como forma de interação, vamos
discutir os objetivos para o trabalho com a leitura na escola e apontar al-
guns caminhos/estratégias para desenvolver atividades em sala de aula.

70
Concepções de leitura Capítulo 06
Quando preparamos atividades de leitura, nossa primeira tarefa é sele-
cionar os textos. Como vimos anteriormente, muitas vezes delegamos
essa tarefa aos autores do livro didático, mas, conforme observamos
também, ainda que tenhamos adotado um livro didático, selecionare-
mos textos para complementar as atividades propostas pelo livro com
o qual iremos trabalhar. De um jeito ou de outro, temos de partir, então,
da seleção dos materiais para nossas aulas de leitura.

Sabemos que há extensa diversidade de gêneros do discurso cor-


respondente à diversidade de práticas sociais existentes. Como afirma
Bakhtin, “[...] a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são in-
finitas, porque são inesgotáveis as possibilidades da atividade humana”
(2003[1920-1924], p. 262). Assim sendo, temos de privilegiar o trabalho
com alguns desses gêneros. Os PCNs, por exemplo, indicam uma sele-
ção de gêneros feita a partir “[d]aqueles cujo domínio é fundamental à
efetiva participação social” (BRASIL, 1998, p. 53).

No documento referido, esses gêneros organizam-se em função


de sua circulação social em: gêneros literários (conto, novela, romance,
crônica, poema, texto dramático), de imprensa (notícia, editorial, arti-
go, reportagem, carta do leitor, entrevista, charge e tira), de divulgação
científica (verbete enciclopédico, relatório de experiências, artigo), e de
publicidade (propaganda). (BRASIL, 1998, p. 54).

Há gêneros que não estão contemplados nas discussões dos PCNs.


É o caso daqueles que circulam na internet, como chat, e-mail, blog,
pois pertencem a situações de interação social mais recentes. Eles cons-
tituem, evidentemente, material privilegiado para as aulas de leitura, em
função de sua presença nas práticas sociais com as quais mais nos envol-
vemos atualmente.

Temos, então, diferentes gêneros à disposição para o trabalho com a


leitura, cada um deles gerando textos específicos. Devemos, portanto,
levar em conta o seguinte questionamento: de que forma faremos a
seleção desses gêneros para nossas aulas?

71
Metodologia de Ensino

Nossa inserção na escola faz com que tenhamos compromisso com o


seu Projeto Político-Pedagógico e, por consequência, com a consecu-
ção dos objetivos educacionais para a série ou séries com que iremos
trabalhar.

Assim, teremos em mente que os gêneros a serem selecionados para


o ensino da leitura estarão relacionados ao projeto pedagógico. Projeto
que é pensado para uma turma específica, em função dos seus interesses
e, como já salientamos anteriormente, das capacidades (linguístico-cog-
nitivas, sociointerativas, discursivas, etc.) que queremos que nossos alu-
nos desenvolvam naquele momento. O projeto do qual as leituras farão
parte terá uma unidade temática, na qual o assunto eleito será abordado
sob diferentes enfoques, tratado a partir dos gêneros do discurso e dos
textos selecionados como os mais adequados às necessidades de apren-
dizagem dos estudantes. Isso ajudará, por certo, a priorizar determina-
dos textos e a definir objetivos para as atividades de ensino de leitura.

Esses objetivos estarão também claros para os alunos. A cada ati-


vidade de leitura o professor estabelecerá com que finalidade o texto
selecionado será lido. Por uma abordagem cognitivista, por exemplo, o
aluno poderá apreender as estratégias de leitura, ter consciência destas
e valer-se desse conhecimento nas mais diferentes circunstâncias que
envolvam atos de leitura.

Antes de iniciar a leitura, é importante o professor, além de expli-


citar o objetivo da atividade, procurar ativar os conhecimentos prévios
dos alunos acerca do assunto que será tratado. As atitudes responsivas
ativas dos alunos são pistas sobre o seu conhecimento, o que ajudará no
estímulo para a leitura e ainda favorecerá o trabalho do professor no di-
recionamento da atividade, já que este terá condições de atentar para o
que os leitores ainda não sabem. Bakhtin (2003[1920-1924]), discorren-
do sobre “O enunciado como unidade da comunicação discursiva”, do
diálogo, diz que no processo de interlocução os participantes ocupam
sempre “posição ativa responsiva”; ou seja:

[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do


discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele [falante] uma ativa

72
Concepções de leitura Capítulo 06
posição responsiva: concorda, discorda dele (total ou parcialmente),
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc., essa posição responsi-
va do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e com-
preensão desde o seu início [...] toda compreensão é prenhe de resposta
[...] o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003 [1920-1924], p. 271).

A compreensão é um processo ativo e responsivo; é, portanto, um


processo de relação entre locutor e interlocutor. Já está no horizonte do
enunciado do locutor a possível reação-resposta daquele a quem esse
enunciado está sendo dirigido e lhe orienta sentidos e estrutura (aspec-
tos da língua).

Os PCNs sugerem, em vista disso, uma série de conceitos e proce-


dimentos subjacentes às práticas de linguagem. Afinal, para o trabalho
com a leitura não basta que tenhamos recursos materiais disponíveis,
é preciso enfatizar o uso que fazemos desses recursos. Consideramos
esses conceitos e procedimentos bastante relevantes e, por isso, repro-
duzimos a seguir, a partir dos PCNs (1998), aqueles que se relacionam à
leitura de textos escritos:

ӲӲ explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo


do texto em função das características do gênero, do su-
porte, do autor, etc.;
ӲӲ seleção de procedimentos de leitura em função dos dife-
rentes objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação
pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das carac-
terísticas do gênero e suporte:
1) leitura integral: fazer a leitura seqüenciada e extensiva
de um texto;
2) leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de
textos para leitura posterior;
3) leitura tópica: identificar informações pontuais no texto,
localizar verbetes em um dicionário ou enciclopédia;
4) leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado,
determinadas inadequações em relação a um padrão
estabelecido;

73
Metodologia de Ensino

5) leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo coman-


dos que pressupõem uma ordenação necessária;
ӲӲ emprego de estratégias não lineares durante o proces-sa-
mento de leitura:
1) formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, an-
tes ou durante a leitura;
2) validar ou formular as hipóteses levantadas a partir das
novas informações obtidas durante o processo da leitura;
3) avançar ou retroceder durante a leitura em busca de in-
formações esclarecedoras;
4) construir sínteses parciais de partes do texto para poder
prosseguir na leitura;
5) inferir o sentido de palavras a partir do contexto;
6) consultar outras fontes em busca de informações com-
plementares (dicionários, enciclopédias, outro leitor);
ӲӲ articulação entre conhecimentos prévios e informações tex-
tuais, inclusive as que dependem de pressuposições e in-
ferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto,
para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões figu-
radas, opiniões e valores implícitos, bem como das inten-
ções do autor;
ӲӲ estabelecimento de relações entre os diversos segmentos
do próprio texto, entre o texto e outros textos diretamente
implicados pelo primeiro, a partir de informações adicio-
nais oferecidas pelo professor ou conseqüentes da história
de leitura do sujeito;
ӲӲ articulação dos enunciados estabelecendo a progressão
temática, em função das características das sequências
predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argu-
mentativa e conversacional) e de suas especificidades no
interior do gênero;

74
Concepções de leitura Capítulo 06
ӲӲ estabelecimento da progressão temática em função das
marcas de segmentação textual, tais como: mudança de
capítulo ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para textos
em prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em
versos;

ӲӲ estabelecimento das relações necessárias entre o texto e


outros textos e recursos de natureza suplementar que o
acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no
processo de compreensão e interpretação do texto;

ӲӲ levantamento e análise de indicadores lingüísticos e ex-


tralingüísticos presentes no texto para identificar as várias
vozes do discurso e o ponto de vista que determina o trata-
mento dado ao conteúdo, com a finalidade de:

1) confrontá-lo com o de outros textos;

2) confrontá-lo com outras opiniões;

3) posicionar-se criticamente diante dele;

ӲӲ reconhecimento dos diferentes recursos expressivos utili-


zados na produção de um texto e seu papel no estabele-
cimento do próprio texto ou de seu autor. (BRASIL, 1998,
p. 55-57).

Desejamos que nossos alunos, a cada ano da escolarização, ampliem


gradativamente sua capacidade de leitura e que, ao final do Ensino Médio,
tornem-se leitores proficientes de determinados gêneros. E o que significa
ser um leitor proficiente? O leitor proficiente é aquele que sabe selecionar,
entre a infinidade de textos de variados gêneros à sua disposição; aquele
que melhor lhe convém em determinada situação. É aquele que consegue
selecionar as estratégias mais adequadas para tal leitura, pois sabe que
não se lê um e-mail da mesma forma que se lê um romance, por exemplo.
É aquele que consegue estabelecer diálogo entre as leituras que já fez (seja
de texto escrito, de texto oral, de imagens, de mundo). Esse leitor conse-
gue fazer uso dos “dez direitos imprescritíveis” que lhe cabem:

75
Metodologia de Ensino

“O direito de não ler.


O direito de pular as páginas.
O direito de não terminar de ler o livro.
O direito de reler.
O direito de ler não importa o quê.
O direito ao “bovarysmo” (doença textualmente transmissível).
O direito de ler não importa onde.
O direito de “colher aqui e acolá”.
O direito de ler em voz alta.
O direito de se calar.” (PENNAC, 1992)

Encontramos nos PCNs algumas sugestões para que a escola favo-


reça o trabalho com a leitura:

ӲӲ A escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam colo-


cados à disposição dos alunos, inclusive para empréstimo,
textos de gêneros variados, materiais de consulta nas di-
versas áreas do conhecimento, almanaques, revistas, entre
outros.

ӲӲ É desejável que as salas de aula disponham de um acer-


vo de livros e de outros materiais de leitura. Mais do que
a quantidade, nesse caso, o importante é a variedade que
permitirá a diversificação de situações de leitura por parte
dos alunos.

Figura 17 – A leitura.
ӲӲ O professor deve organizar momentos de leitura livre em
que também ele próprio leia, criando um circuito de leitu-
ra em que se fala sobre o que se leu, trocam-se sugestões,
aprende-se com a experiência do outro.

ӲӲ O professor deve planejar atividades regulares de leitura, as-


segurando que tenham a mesma importância dada às de-
mais. Ler por si só já é um trabalho, não é preciso que a cada
texto lido se siga um conjunto de tarefas a serem realizadas.

76
Concepções de leitura Capítulo 06
ӲӲ O professor deve permitir que também os alunos escolham
suas leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que
lêem. É preciso trabalhar o componente livre da leitura,
caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão para trás.

ӲӲ A escola deve organizar-se em torno de uma política de for-


mação de leitores, envolvendo toda a comunidade escolar.
Mais do que a mobilização para aquisição e preservação do
acervo, é fundamental um projeto coerente de todo o tra-
balho escolar em torno da leitura. Todo professor, não ape-
nas o de Língua Portuguesa, é também professor de leitura.
(BRASIL, 1998, p. 71-72).

Uma das sugestões apontadas pelos PCNs (1998, p. 72) ressalta a


questão da avaliação da atividade de leitura: “Ler por si só já é um tra-
balho, não é preciso que a cada texto lido se siga um conjunto de tarefas
a serem realizadas”. Assim, o professor terá em mente que a atividade de
leitura não deve ser realizada com intuito único de avaliar o aluno, seja
através de fichas, seja através de resumos, resenhas, o que transforma-
rá a atividade que poderia ser prazerosa e eficiente no sentido de formar
leitores em uma tarefa desinteressante e desmotivadora. De acordo com
Kleiman (2008, p. 23), “[...] a insistência no controle diminui a semelhança
entre a leitura espontânea, do cotidiano, e a leitura escolar, ajudando na
construção de associações desta última com o dever e não com o prazer”.

Além disso, devemos levar em consideração que algumas tarefas


avaliativas cabem para determinados gêneros discursivos e não para ou-
tros. Os PCNs apontam, por exemplo, que “produzir esquemas e resumos
pode ajudar na apreensão de tópicos mais importantes quando se trata de
um texto de divulgação científica; no entanto, aplicar tal procedimento a
um texto literário é desastroso, pois apagaria o essencial – o tratamento
estilístico que o tema recebeu do autor” (BRASIL, 1998, p. 70).

Não podemos esquecer ainda, no encaminhamento das atividades


de leitura, as relações que esta estabelece com a escrita, pois

77
Metodologia de Ensino

[...] grande parte do trabalho com leitura é “integrado” à produção em


dois sentidos: de um lado ela incide sobre “o que se tem a dizer”, pela
compreensão responsiva que possibilita, na contrapalavra do leitor à
palavra do texto que se lê; de outro lado, ela incide sobre “as estratégias
do dizer” de vez que, em sendo um texto, supõe um locutor/autor. (GE-
RALDI, 1997, p. 165-166).

Assim, para escrever precisamos “ter o que dizer”; precisamos de


argumentos para convencer, precisamos de palavras para encantar, para
emocionar, divertir, informar, e para tanto, precisamos de exercícios de
leitura.

Leia Mais!
Sugerimos que você leia, para ampliar seus conhecimentos sobre a pers-
pectiva sociointeracionista, os seguintes livros:
BAKHTIN, Mikhail [Volochínov, V. N.]. Marxismo e filosofia da
linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006[1929].
FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão; CASTRO, Gilberto de
(Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes,
2006.

78
Considerações finais da Unidade B
Como fechamento desta unidade, sugerimos que você elabore uma
proposta prática de atividade de leitura. Para tanto, você escolherá uma
turma de Ensino Fundamental ou Médio, preferencialmente uma tur-
ma em que você lecione. Inicialmente, você selecionará um gênero que
circula no contexto social do aluno, um texto (texto-enunciado) com
as configurações desse gênero a ser trabalhado e, em seguida, elaborará
um plano para desenvolver em suas aulas, elencando os conteúdos a
serem trabalhados, os objetivos a serem alcançados e os procedimentos
metodológicos a serem desenvolvidos. Depois execute o planejamento
com sua turma, discuta e avalie a sua realização com seus alunos, seus
colegas de turma, seus tutores e seus professores. Faça anotações e guar-
de-as para socializá-las no transcorrer do Estágio Supervisionado.

79
Unidade C
A leitura literária no espaço escolar

Livros de literatura infantojuvenil


Nesta unidade nos propomos a apresentar para você reflexões so-
bre o papel da leitura literária na formação leitora do indivíduo, em
especial no espaço escolar, apresentando os documentos de referência
que norteiam a sua inserção na escola, bem como trazendo discussões
sobre as práticas pedagógicas recorrentes, ampliando as possibilidades
de trabalho com a literatura com base em propostas para um uso mais
efetivo e afetivo da palavra literária. Esta unidade tem como principais
objetivos:

ӲӲ Promover reflexões sobre a literatura no espaço escolar;

ӲӲ Refletir sobre as práticas sociais de leitura literária;

ӲӲ Desenvolver algumas estratégias metodológicas para o ensino


da Literatura no Ensino Fundamental e Médio.
A literatura e a sua função Capítulo 07
7 A literatura e a sua função
Para iniciarmos este nosso diálogo sobre a literatura e a sua im-
portância no cenário social e, em particular, na escola, escolhemos este
depoimento de uma mãe que, ao ser solicitada, tenta definir a Arte:

Como é mesmo a pergunta? Ah! Quando eu ia dizendo que arte é um


trabalho assim mais maneiro, é que é assim mesmo. Pode até não ser,
mas parece. É aquele trabalho que não é a luta de todo dia. Tá certo
que tem uns que lutam com isso mas... Arte é um que-fazer assim que
inventa uma alegriazinha, a senhora compreende? Quer dizer, trabalho
mesmo não é, que trabalho é como uma dor. E escola também. Pros
pobres é. A gente acostuma porque é a vida e... vai indo, vai indo... Per-
di. Ali, sim: arte eu não sei. Não é isso das festas na escola? Acho que
na escola não carece disso, não. Essa arte, não. Os meninos precisam ir
levando jeito p’ra agüentar o trabalho daqui de fora. Se fica muito ani-
mado, aquela coisa frouxa, eles amolecem e... Aqui fora isso vinga, não.
(LINHARES, 2003, p. 99).

A definição dessa mãe sobre o que seria Arte tem uma abrangência
geral e não a especificidade do literário, mas podemos aqui nos aproxi-
mar da literatura, arte da palavra, apresentada por ela como: um trabalho
“maneiro” capaz de inventar alegrias. Palavras definidoras, carregadas
de sentido e coerência: a arte com seu poder de inventividade é capaz
de promover festas no cotidiano escolar. Essa mesma mãe nega, no en-
tanto, a possibilidade da alegria, inserindo trabalho e escola no mesmo
conjunto de atividades que não deleitam, mas se constituem como espa-
ço de “dor”. Ela ainda destaca que a escola não precisa de “festa”, pois a
animação e a não rigidez do que seria artístico amolece a criança/jovem,
não o preparando para a vida fora da escola.

Tal depoimento aproxima em dois polos distintos a escola/utilidade e


a arte/prazer. A literatura, sendo a arte da palavra, constituir-se-ia num
fazer inútil. Esse debate sobre a utilidade ou não da literatura permeia
a sua história. Apresentaremos a você algumas posições para que per-
ceba que este assunto desde cedo gerou debates e polêmicas, cremos
ainda não resolvidos. Na Antiguidade Clássica, por exemplo, vários pen-
sadores, entre eles Aristóteles e Platão, debruçaram-se sobre o tema.

83
Metodologia de Ensino

O filósofo Platão, no século IV a.C., ao construir uma cidade ideal


Em A República, Platão para as novas gerações de Atenas, bane a poesia desse território. O filó-
cria uma cidade ima- sofo divide a literatura em duas espécies: uma verdadeira e outra falsa.
ginária e utópica para
contrapô-la à decadência Na literatura falsa inclui primeiramente as fábulas que são ensinadas às
de Atenas do século V a.C. crianças, pois, segundo ele, “[...] é sobretudo nessa altura que se é mol-
Nesta cidade idealizada,
os guardiões devem ser dado, e se enterra a matriz que alguém queira imprimir numa pessoa”
instruídos desde a infância (PLATÃO, 1990, p. 87). Ele aconselha, ainda, uma vigilância aos autores
para exercerem bem o seu
ofício. Como serão criados desse gênero, porque em seu conjunto contam mais mentiras que verda-
e educados estes homens des. Nega, assim, a maioria das fábulas contadas nesse período de discus-
é o passo para buscar e
investigar as melhores são, mas propõe que se deva selecionar, acolhendo as que forem boas.
possibilidades de educa-
ção para essa geração. O modelo que o poeta deveria seguir para cumprir e compor bem
sua fábula é aquele que apresenta um exemplo correto de moral e reli-
giosidade aos guardiões da cidade. A poesia, portanto, não é capaz de
educar, trazer conhecimento. Platão expulsa a poesia da República e
acolhe a filosofia como forma de conhecimento.

Aristóteles, em seu livro Poética (1973), faz uma defesa ao discurso


poético, apresentando uma distinção entre a figura do historiador, aque-
le que narra fatos reais e acontecidos, e a do poeta, aquele que narra o
que poderia acontecer, o ficcional. Considerando a imitação como con-
Sugerimos que você gênita ao homem, ele focalizará o prazer do homem em ver-se represen-
releia o livro da disciplina tado, abrindo a possibilidade de aprendizagem através da mimese, reco-
Estudos Literários I (VAR-
GAS, 2008); lá, retomará nhecendo, desta forma, o lugar da poesia como forma de conhecimento,
um pouco da vida desse desde que subordinada à filosofia.
poeta e alguns de seus
poemas.
O poeta latino Horácio 65 a.C. a 8 a.C.), em Arte poética, define
a poesia como uma atividade doce e útil (docere cum delectare); a pri-

Figura 18 - Estátua de Sócrates em Figura 19 - Mosaico de Pompeia Figura 20 - Busto de Aristóteles,


Atenas, Grécia. recria a Academia de Platão: am- desenho de Peter Paul Rubens
biente de aprendizado. (Século XVII).

84
A literatura e a sua função Capítulo 07
meira seria o contraponto ao dever, obrigação, aquilo que poderia ser
realizado sem imposição; o útil estaria relacionado ao aproveitamento
do tempo, aquilo que é necessário/pragmático. Segundo o poeta latino,
essas duas funções estariam em confluência na palavra poética.

Assim, ao longo da história, vão-se tecendo oposições e contraposi-


ções referentes à função da poesia (neste caso a literatura). Outro binô-
mio que pode aqui ser citado é o real em oposição ao ficcional que jogou
a referência para um campo à parte da literatura, no entanto é sabido
que um texto literário, em sua trama inventiva, não tem como escapulir
da inserção referencial. O discurso literário consegue, evidentemente, ir
além da referência e representação de mundo, ao criar um novo mundo,
a partir de dados referentes à vivência do leitor. (DEBUS, 1996).

Como destaca Fernando Fraga de Azevedo, professor e pesquisa-


dor do ensino da língua materna em Portugal, o texto literário partilha
com os leitores, independentemente da idade, valores de natureza social,
cultural, histórica e/ou ideológica, por ser uma realização da cultura e
estar integrado num processo comunicativo. Assevera, porém, que pelo
potencial ficcional “[...] esses valores são dados a ler de forma não explí-
cita, através do jogo de negociação de sentidos estabelecido no diálogo
leitor/texto” (AZEVEDO, 2006, p. 19).

A literatura tem como elemento constitutivo a palavra; a palavra re-


gistrada por meio da escrita. Poderíamos então nos indagar: Todo texto
escrito é literatura? Nas palavras de Tavares (1996, p. 27): De sorriso largo e voz
mansa, o poeta mato-
Ao lermos ou ouvirmos certas produções como um telegrama, uma cer- grossense de 93 anos,
Manoel de Barros, tem
tidão de nascimento, um anúncio, uma poesia, uma passagem de um
apresentado ao público
romance ou de um conto, notamos logo sensível diferença no modo leitor um inusitado fazer
de dizer de cada uma. Todas encerram um conjunto de palavras, assim poético que se constrói,
em grande proporção, a
a matéria prima é a mesma: a palavra. Mas em algumas, como na poe-
partir de revisitação de
sia, nossa atenção é despertada para determinadas características, tais sua infância.
como a combinação das palavras, o valor significativo e expressivo dos
termos, a gama sonora dos vocábulos, produzindo tudo isso uma im-
pressão bem particular.

Por esse viés, nem toda palavra escrita é literatura; algo a diferencia,
portanto, das outras formas escritas. O poeta Manoel de Barros (2010)
ao longo de sua produção tem “teorizado” poeticamente sobre o exercí- Figura 21 – Manoel de Barros.

85
Metodologia de Ensino

cio do fazer poético. Segundo ele, a literatura é um fazer “terápico” que


“[...] consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nos-
sos mais fundos desejos” (p. 347). O poeta tem como ofício “[...] fazer
casamentos incestuosos entre palavras” (p. 399), em contraponto aos
textos informativos, que exigem uma “fidelidade” ao fato acontecido. Na
literatura “os absurdos enriquecem” a sua construção.

Cabe, todavia, questionarmos: para que nos serviria este (des)


arranjo de palavras que nos põe de sobressalto diante a realidade per-
cebida? A sensibilidade estética representa a principal função do texto
literário: desenvolver no indivíduo um olhar atento e sensível ao que
nos rodeia. Isso é, enfim, reconhecer o papel humanizador da literatura,
como destacam as palavras de Antonio Candido (2006, p. 62): “A lite-
Na Unidade 1 do livro ratura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que
Literatura e ensino (RA-
MOS; CORSO, 2010), você nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
encontra outros posicio- semelhante”.
namentos de Antonio
Candido sobre o tema.
Vale a pena consultar! No que diz respeito ao papel da escola na formação do leitor literá-
rio, Tânia Rösing (2009, p. 136) destaca que

[...] o esforço deve direcionar-se para o convencimento dos docentes


acerca dos benefícios da leitura literária: os textos literários passam a
constituir cenários com os quais se pode refletir sobre o que somos,
sobre o que são os outros, como podemos melhorar nosso vir-a-ser no
mundo, como podemos transformar o mundo a partir de mudanças em
nosso entorno.

É fundamental, no entanto, pensarmos que o leitor, por mais abs-


trato e/ou idealizado que seja, está inserido em um contexto, pois é um
indivíduo marcadamente histórico; sendo assim, receberá o texto e o
lerá dentro dos protocolos estabelecidos/construídos pelas práticas so-
ciais do seu tempo.

Se pensarmos que os suportes e instrumentos da e para escrita fo-


ram influenciados e adaptados conforme a tecnologia presente na sua
criação – dos rolos de papiro, pergaminhos manuscritos, textos em pa-
pel à tela do computador –, perceberemos que as práticas de leitura tam-
bém foram se metamorfoseando: novas formas de escrever propiciam
novas formas de ler.

86
A literatura e a sua função Capítulo 07

Figura 22 - Escrita Figura 23 - Escrita hiero- Figura 24 - Papiro: uma Figura 25 - e-reader*
cuneiforme em placa glífica egípcia: hieróglifos a tinta parte do papiro Rhind.
de argila. e vinheta de um Livro dos Mortos Depositado no Museu
em papiro, da 19ª dinastia. Britânico, Londres.

*Leitor de livros digitais (e-Reader, em inglês) é um pequeno aparelho que tem como função principal mos-
trar em uma tela, para leitura, o conteúdo de livro digitais (e-books) e outros tipos de mídia digital. (www.
wikipédia.org).

Convidamos você para a leitura da próxima seção, que lhe permiti-


rá fazer algumas reflexões sobre a constituição do leitor de literatura.

7.1 O leitor de literatura Outros cartazes criados


pela agência de propa-
Personagens que saltam das páginas dos livros e ganham vida, este ganda Kaspen/Jung Von
Matt podem ser visualiza-
foi um dos recursos utilizados pela livraria Tcheca Anagram para sua dos no site <www.dobras-
campanha de marketing que tem o slogan “Palavras criam Mundos”. Sem daleitura.com>.

sombra de dúvidas, esta é uma imagem que remete ao poder da palavra


literária: conferir ao leitor o deslocamento de um mundo
ao outro ou a outros. No entanto, devemos lembrar que
este mundo do (im)possível só é vivificado pelas mãos do
leitor; isto é, cabe ao leitor instituir vida à narrativa que o
livro guarda ao descerrá-lo e abrir as suas páginas.

Contemporaneamente podemos dizer que a leitura li-


terária é valorizada socialmente. Provavelmente você não
ouviu falar que a leitura de um romance pode lhe fazer mal
física e psicologicamente, no entanto até o século XVIII
era temerário valorizar a leitura literária, em especial
aquela realizada pelo público feminino. Supunha-se que Figura 26 - Cartaz criado pela agência de propa-
ganda Kaspen/Jungv.Matt.

87
Metodologia de Ensino

a identificação com as personagens provocaria reações desautorizadas


socialmente, isto é, o devaneio da leitura poderia levar as mulheres a
se identificarem com as personagens e atentar contra a moral e os bons
costumes (ABREU, 2010).

Na unidade anterior, quando apresentamos a possibilidade de (re)visitar


as memórias de leitura e trouxemos para a cena as memórias de leitura
de alguns escritores, você por acaso lembrou das leituras literárias rea-
lizadas? Você é um leitor de literatura? Poderíamos ir além e perguntar:
o que caracteriza o leitor de literatura? A literatura hoje está presente
no cotidiano dos cidadãos brasileiros? Quais são as formas sociais de
inserção da literatura em nossa sociedade contemporânea?

A leitura literária vinculada à leitura de um público feminino e os


gestos de devaneios provocados pelo ato dessa leitura estão registrados
em várias pinturas, em especial do século XIX. Martine Poulain, ao se
debruçar sobre cenas de leitura, em três formas de registros iconográ-
Martine Poulain: pesqui-
sadora francesa, nascida ficos – na pintura, na fotografia e no cartaz – entre os anos de 1881
em 1948. É curadora de a 1989, apresenta algumas constatações referentes a representações da
biblioteca e, atualmente,
é diretora da Media Dix, leitura. Entre elas está a do objeto livro como sinal de poder social ou de
biblioteca da Universidade saber intelectual e a leitura desse objeto frequentemente representado
de Paris X.
pela cena do feminino em devaneio. Segundo ele “[...] mesmo sua leitu-
ra sendo efetivada ou interrompida pelo pintor, é sempre muito intenso
o sentimento de absorção nessa prática, como testemunham ora o olhar
ora a atitude corporal” (POULAIN, 1997, p. 63).

Essa relação entre a leitura literária e o feminino também é repre-


sentada na ficção. Em O primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, a pro-
tagonista Luiza é descrita em seus protocolos de leitura: “E saltando na
ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás de uma compo-
ta um livro um pouco enxovalhado, veio estender-se na voltaire, quase
deitada, e, com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha,
começou a ler interessada” (QUEIRÓS, 2010). O livro enxovalhado lido
pela protagonista é A dama das Camélias, que a leva a cometer adultério,
Figura 27 - A leitora, de Jean-Honoré influenciada pela leitura.
Fragonard (1770-1772).

88
A literatura e a sua função Capítulo 07
Machado de Assis, em seus romances considerados românticos
como Helena, Diva, Iaiá Garcia e A mão e a Luva, insere suas persona-
gens femininas em cenas de leitura, ora silenciosas e individuais, ora em
voz alta como prática de sociabilidade.

Márcia Abreu (2010), ao construir uma breve história da leitura de


textos em voz alta argumenta:

Durante a primeira metade do século XIX a leitura oral era uma das for-
mas de mobilização cultural e política dos meios urbanos e dos ope-
rários. Depois disso, numerosas formas de lazer, de sociabilidade e de
encontro, antes mantidas pela leitura em voz alta, tornaram-se cada vez
mais restritas. A partir daí as elites passaram a restringir os usos da orali-
zação dos textos. Lia-se em voz alta nas Igrejas e nos tribunais. Lia-se em
voz alta nas escolas para controlar a qualidade de sua leitura silenciosa
– objetivo final da aprendizagem. No passado, a leitura tomava parte
em um conjunto de práticas culturais que passavam pelo livro: a escuta
dos textos, sua memorização, o reconhecimento, nas letras impressas
no papel, do texto repetidas vezes ouvido, sua recitação para si ou para
um grupo. (ABREU, 2010, não paginado).

E o leitor de hoje? Qual a representação que melhor cabe? Provavel-


mente não é da leitura como recolhimento, o leitor sossegado e só,
nem a da leitura linear. Vivemos a era digital em que a linguagem da
hipermídia demanda novas exigências do exercício de ler e escrever.
Maria Zilda Cunha, professora da USP, afirma que “[...] o grande poder
da hipermídia está no confluir das matrizes de linguagem e pensamen-
to, na hibridização de mídias que ela aciona, e, consequentemente, na
mistura de sentidos receptores e na sinestesia reverberante conforme
o receptor interage, co-operando na sua realização” (CUNHA, 2009, p.
181). Assim, ao leitor cabem novas exigências, demandas provenientes
dos novos suportes de leitura (não mais unicamente o papel).

O termo hipertexto, comumente utilizado na contemporaneidade,


relacionado ao texto eletrônico, pode também conceitualizar a leitura
de muitos livros infantis e juvenis produzidos no formato tradicional
impresso. Os projetos gráfico-editoriais de muitos livros propõem tal
interação entre imagem e texto verbal que confluem para uma leitura

89
Metodologia de Ensino

dinâmica e não linear. Poderíamos dizer que essas novas propostas ul-
trapassam a esfera da restrição etária e contemplam todos os leitores.

Dilvo Ristoff, no prefácio do livro de Wandelli (2003), assim se re-


porta ao assunto:

Embora o meio eletrônico encoraje uma escrita mais fluida e facilite a li-
beração do pensamento e das narrativas do jugo das sequencialidades,
por si só ele é insuficiente para garantir a existência de um processo ou
de uma arquitetura hipertextual. Para Wandelli é, pois, falsa a dicotomia
entre livro impresso e o meio eletrônico em termos de oposição biná-
ria entre o velho e o novo. As narrativas contemporâneas mostram que
o livro impresso também mudou e que a mudança iniciada de forma
dramática nas últimas décadas, não só responde às novas tecnologias
da era da informática como de certa forma antecipa algumas das estra-
tégias e possibilidades. (RISTOFF apud Wandelli, 2003).

O leitor do hipertexto é um leitor imersivo e interativo, a leitura não


é mais realizada somente no papel, surge à tela do computador. Santaella
(2004, p. 179) classifica o leitor imersivo em três níveis: errante, detetive
e previdente, cada nível navega de acordo com suas habilidades. Assim,
o leitor imersivo ideal seria aquele capaz de

[...] misturar de modo equilibrado os três níveis de leitura imersiva: o


errante, o detetivesco e o previdente. O ideal é que esse leitor não se
entregue às rotinas sem imaginação do previdente, mas se abra para as
Nome proposto por Wim surpresas, entregue-se às errâncias para poder voltar a vestir a roupa-
Veen e Bem Vrakking gem do detetive, farejando pistas. (SANTAELLA, 2004, p. 181).
(2009) para aqueles que
nasceram a partir do início Um novo sujeito leitor se avizinha não mais leitor só do impresso,
da década de 1990 – “pri-
meiros seres digitais”. mas leitor da tela digital do computador. O Homo Zappiens, categoria à
qual pertencem aqueles que sabem que há muitas fontes de informações
e que elas apresentam e defendem verdades diferentes; é um sujeito que
possui uma grande habilidade icônica, é capaz de lidar com uma mul-
tiplicidade de linguagens, executa várias tarefas ao mesmo tempo, lida
com diferentes níveis de atenção enquanto navega (MSN, sites, Twitter,
blog, Orkut, entre outros), tem um comportamento não linear, e possui
habilidades colaborativas.

Cabe à escola saber desenvolver atividades que levem em conta esse


novo leitor. Segundo Veen e Vrakking (2009, p. 70):

90
A literatura e a sua função Capítulo 07
Os pensadores digitais, como são as nossas crianças, podem fazer muito
mais do que se espera delas na escola. Podemos desafiá-las, apresen-
tando-lhes problemas complexos para resolver e dar a elas um amplo
controle sobre seus processos de aprendizagem. As crianças gostam de
ser desafiadas, pois elas passaram por experiências semelhantes ao jo-
gar no computador. Elas também gostam de ser desafiadas em tarefas
complexas. A abordagem pedagógica de trabalhar passo a passo não é
O iPad é um “iPhone
o que elas gostam de fazer. Elas são não lineares – o que é mais desafia- gigante”, mas não tem
dor. Elas gostam de estar imersas em situação em que não se saber por funções de celular, embo-
onde começar e nem como agir. Gostam de aprendizagem experiencial, ra possa ser usado para
chamadas por meio da
como a dos jogos de computador. internet (com uso de pro-
gramas VoIP). O aparelho
O leitor contemporâneo, ao mesmo tempo em que lê o texto im- navega na internet por
presso no formato livro, desloca seu olhar para o e-reader, e ainda mais meio de conexões sem fio
(Wi-Fi e 3G) e também traz
impressionante é a leitura de alguns títulos pelo iPad. Faça uma expe- conexão Bluetooth para
riência: acesse o endereço eletrônico <http://www.youtube.com/watch? se comunicar com peri-
féricos, como teclados e
v=gew68Qj5kxw&feature=player_embedded#at=12> e acompanhe, no webcams sem fio. (http://
Youtube, a leitura de Alice no País das Maravilhas, em um iPad. Certa- tecnologia.ig.com.br).
mente você ficará surpreso com o movimento das cenas, a ampliação
das ilustrações, e os diferentes efeitos da tecnologia.

Assim, pensar experiências de leitura na contemporaneidade im-


plica refletir sobre a constituição desse novo leitor que nos indaga, no
espaço da escola, sobre novos protocolos de leitura.

Pesquise e socialize com seus colegas, tutores e professores

Convidamos você a pesquisar imagens de leitura literária na foto-


grafia e na ficção e socializá-las com seus colegas.

• Você poderá escolher fotografias impressas em revistas, inter-


net, livros, bem como aquelas de álbum particular (muitos de
nós temos nossa Fotografia Escolar).

• Outro caminho pode ser recolher fragmentos de romances que


tragam imagens de leitura – você pode ir ao encontro de algum
já citado nesta seção.

91
Metodologia de Ensino

Leia mais!
Para saber um pouco mais sobre a história da leitura e do impresso:
CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: Práticas da leitura. São Paulo:
Estação Liberdade, 1996. p. 77-105.
Neste artigo, o historiador francês constrói uma história do impresso, enten-
dida como história de uma prática cultural, a partir dos usos, dos manuseios,
das formas de apropriação e da leitura do material impresso.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Bra-


sil. São Paulo: Ática, 1996.
O presente livro foi redigido a quatro mãos por Marisa Lajolo e Regina Zil-
berman e, dos quatro capítulos que o compõem, sugerimos a leitura atenta
do segundo: “Direitos e esquerdas autorais”. Fatiado em nove itens, o texto
apresenta, através de depoimentos e relatos ficcionais de escritores brasi-
leiros, a árdua tarefa de ver seus textos publicados em fins do século XIX e
nas primeiras décadas do XX; as contradições da aceitação da obra como
mercadoria e a remuneração do trabalho, entre outras, o que nos faz ampliar
o olhar para: uma história da leitura que focaliza o lado da produção.

Acesse o blog Palavra Fiandeira <http://palavrafiandeira.blogspot.com>


Organizado por Marciano Vasques, e leia a entrevista com Peter O´Sagae.
Nela você encontrará a opinião desse estudioso sobre a literatura e as novas
tecnologias, em especial o seu trabalho no site Dobras da Leitura.
Figura 28 - Peter O’ Sagae

92
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
8 O ensino da literatura na
escola: para além do que
dizem os documentos

Apresentaremos, nesta seção, a orientação dos documentos de refe-


rência para o ensino da literatura no nível Fundamental e no Médio
e de outras obras bibliográficas, cujas teorias que veiculam têm seus
reflexos no processo de ensino. Primeiramente é necessário saber que,
de acordo com os PCNs, no Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano (cor-
respondente ao terceiro e ao quarto ciclo), a literatura não tem foro
de disciplina, ela está inserida no ensino da Língua Portuguesa. Já no
Ensino Médio, embora a literatura continue fazendo parte da disciplina
de Língua Portuguesa, integrante da área de Linguagens e Códigos, há
referência explícita ao seu ensino quando o documento traz como um
dos seus objetivos: “Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas
instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio repre-
sentativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no
eixo temporal e espacial” (BRASIL, 2000, p. 24).

Os PCNs (BRASIL, 1998) da Língua Portuguesa para o Ensino


Fundamental apresentam o texto como unidade de ensino, desenvol-
vendo uma reflexão específica sobre a “especificidade do texto literário”
considerando-o como uma “forma peculiar de representação e estilo,
construção autônoma onde predominam a força criativa da imaginação
e a intenção estética” (BRASIL, 1998, p. 26) em que entram em diálogo
a realidade e a fantasia:

Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros


modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que
se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de
aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a ins-
tauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade
podem estar misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais e,
mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se
na imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas,
o texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhe-
cimento. (BRASIL, 1998, p. 26).

93
Metodologia do ensino

Nesse nível de ensino, embora os gêneros literários apareçam refe-


renciados como privilegiados para a prática da escuta e leitura de tex-
tos, bem como para a prática e produção de textos orais e escritos, não
são apresentados encaminhamentos metodológicos específicos para o
trabalho com a literatura. Tal constatação é feita também por Gomes
(2010). Esse autor destaca ainda a inexistência de referência à vasta pro-
dução literária que circula no mercado editorial brasileiro, cujo público-
alvo são os alunos dessa faixa etária; a falta de circulação dessa produ-
ção, a partir dos programas de promoção da leitura desenvolvidos pelo
governo, assim como a desconsideração para a importância do papel
dessa literatura na formação de leitores. Falamos aqui da literatura de
recepção infantil e juvenil.

Como você já estudou na disciplina Literatura e ensino, temos hoje


no mercado editorial brasileiro um amplo acervo de títulos à dis-
posição do leitor, com características e temáticas as mais variadas
possíveis. Veremos, na próxima seção, que as políticas públicas de-
senvolvidas nos últimos anos têm contemplado a inserção de títulos
literários no espaço escolar, mas essa chegada dos livros à escola não
tem sido acompanhada de alternativas didáticas que aproximem o
jovem, em especial aquele que cursa o Ensino Médio, da leitura.

Os documentos de 2000 (PCNEM) e 2002 (PCNEM+) referentes


ao Ensino Médio destacam que, nesse grau de ensino, deve-se dar “[...]
especial atenção à formação de leitores, inclusive das obras clássicas de
nossa literatura [...]” (BRASIL, 2002, p. 68), configurando-se assim uma
intenção de que a literatura seja incorporada ao ensino da Língua Por-
tuguesa, porém, não há políticas claras para a formação de formadores
de leitores. Em 2006, no documento sobre As orientações curriculares do
Ensino Médio, no item “Conhecimentos de Literatura”, os consultores
Neide Luzia de Rezende, Maria Zélia Versiani Machado e Enid Yatsuda
Frederico, bem como os leitores críticos Lígia Chiappini Moraes Leite
e Haquira Osakabe, buscam integrar a literatura e a sua especificidade
como disciplina no Ensino Médio; no entanto ela continua integrando a
disciplina de Língua Portuguesa, como já mencionamos.

94
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
No que diz respeito ao ensino da literatura, os estudiosos citados no
parágrafo anterior apontam alguns problemas dos PCNs +, entre eles:

ӲӲ Uma radicalidade no que diz respeito ao critério de juízo do


texto literário que fica supervalorizado na figura do interlocu-
tor, nesse caso o aluno leitor.

ӲӲ “O foco exclusivo na história da literatura” – embora critiquem


a prática viciosa do seu ensino, acabam por privilegiar o eixo
temporal e espacial, permanecendo as práticas das escolas/dos
movimentos literários, as obras e os respectivos escritores.

ӲӲ A fruição estética – exemplificada somente pelo exercício


coletivo da leitura literária e não a sua individualização.
(BRASIL, 2006, p. 57-58).

Se os documentos apresentam um rompimento com uma visão histo-


riográfica desvinculada do texto no ensino de literatura, por que então
tal prática ainda persiste? Por que ainda persiste no Ensino Médio um
ensino da literatura numa linha diacrônica de movimentos literários, au-
tores e obras? Nossa intenção, aqui, não é polemizar, mas expor as fragi-
lidades que compõem os documentos, pois a posição sobre o ensino da
literatura, em especial no Ensino Médio, não é fato dado, algo resolvido.

É necessário lembrar que, desde o século XIX até os nossos dias, as


análises e os estudos literários enveredaram por rumos diversificados que,
em síntese, podem ser definidos como se ligando, sucessivamente, aos três
elementos que constituem o fato literário: o autor, a obra e o leitor.

Num primeiro momento, concentraram-se na produção da obra,


destacando a figura do autor e o seu contexto histórico (críticas biográfi-
cas e deterministas); num segundo momento, sobrevalorizaram o texto
e o que ele tinha para dizer por si só, confiante na sua autossuficiência,
uma visão imanentista que se utilizou da linguística como ciência prio-

95
Metodologia do ensino

ritária (Formalismo Russo, New Criticism e mesmo a Crítica Estilística,


para chegar ao Estruturalismo). Dessa forma, as pesquisas voltaram-se
para o polo da textualidade, em detrimento do aspecto comunicativo.
Para o entendimento des- No terceiro momento, surgem as reflexões sobre a figura ativa do leitor.
sas questões, vale a pena
retomar os conteúdos
estudados na disciplina Estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Hans
Teoria da Literatura V. Robert Jauss (1921-1997) ampliam essa discussão e levam em conta, no
ensino da literatura, a teoria literária que prioriza o leitor, tornando-o
protagonista.

Bakhtin, começa a publicar suas reflexões na segunda década do sécu-


lo XX, período de grande efervescência cultural, regido pelo futurismo
e por outras vertentes literárias, enquanto os estudos literários vivem
sob a égide do formalismo. No campo político e social, crescentes trans-
formações se processam na Rússia marcada pela Revolução Socialista.
Sua produção científica está vinculada ao espaço da pesquisa docen-
te, como professor no Instituto Pedagógico de Saransk e em colégios
locais de Kímri, até culminar sua carreira na Universidade de Saransk.
Em Problemas da Poética em Dostoiévski (1929), o pensador introduz na
Figura 29 - Mikhail Bakhtin discussão literária termos como polifonia e carnavalização. Suas obras
chegam ao Ocidente a partir da década de 1970. Como você já deve ter
percebido, os estudos de Bakhtin são referências importantes para o de-
senvolvimento do ensino de Língua e de Literatura.

Contemporâneo ao formalismo, não segue essa corrente, concebe


o texto como dialógico, discursivo. Já com as teses desenvolvidas por
Jauss, no final da década de 1960, começou-se a enfatizar a figura do lei-
tor, ao privilegiar a relação autor-obra-público. Ambos marcaram épo-
ca e contribuíram, cada qual a sua maneira, para os estudos literários
contemporâneos. Entre as ideias e as reflexões desses dois estudiosos,
algumas centelhas se cruzam apesar do tempo que os separa. O que nos
parece ponto de cruzamento encontra-se no processo de dialogização
desenvolvido por ambos: Bakhtin pelo diálogo com a tradição e Jauss
pelo diálogo com o leitor. Para o primeiro, o texto deve ser vislumbrado
na sua tradição literária e na sua comunicabilidade, pois toda produção

96
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
textual presente incorpora, de forma mais ou menos intensa, a produção
passada. Para o segundo, é o leitor que, por meio da leitura, estabelece a
relação dialógica com o texto.

Jauss vivencia a revolução de costumes da década de 1960,


a emergência dos movimentos estudantis e as adaptações e
reformas universitárias motivadas por essas transformações.
Autor de alguns ensaios sobre a literatura medieval, suas
ideias tornam-se públicas após a conferência inaugural do
ano letivo de 1967, na Universidade de Constança, em 13 de
abril, denominada de Was ist und zu welchem ende atudiènt
man literaturgeschichte? (O que é e com que finalidade se
estuda história literária?). Jauss desenvolve sete teses através
das quais se propõe a fundamentar metodologicamente e re-
escrever a história da literatura, pois seu objetivo não consistia
Figura 30 - Jauss em banir a história dos estudos literários, mas reorganizá-la
sob outro viés.

Jauss (1994) propõe uma história da arte e da literatura fundada


em outros princípios: as análises literárias deveriam mudar o enfoque,
não mais se centrando no texto ou no autor, e sim no que denominou
de “terceiro estado”: o leitor. Tal perspectiva colocaria em foco a figura
do sujeito produtor (destinador) interagindo com a do consumidor (re-
ceptor). A arte obedeceria, assim, a uma função dialética: formadora e
modificadora de percepção (ZILBERMAN, 1989, p. 32).

Na concepção de Bakhtin (1990, 2003), a palavra constitui um elo


entre vários discursos. Ela não é estática, mas um signo social dialéti-
co, dinâmico e vivo, por isso ativa e mutável; portanto, nunca é neutra
e está sempre a serviço de algo, carregando consigo as interpretações e
pressões dos contextos que já integrou. Bakhtin vinculou o texto lite-
rário à história e à sociedade, vistos como outros “textos” possíveis de
leitura. Assim, todo texto comportaria o diálogo de vários discursos:
do emissor, do destinatário e do contexto e/ou contextos anteriores.

97
Metodologia do ensino

O escritor já não é o “Adão bíblico” em busca do verbo primeiro, à


medida que todo discurso está sempre habitado por outras vozes, por
outros discursos.

Percebemos, desse modo, que a essência do princípio dialógico se


fundamenta como tal numa relação de alteridade, ou seja, o proces-
so de comunicação exige o reconhecimento do outro. Na perspectiva
bakhtiniana, o permanente processo de dialogização vai refletir na re-
lação dinâmica estabelecida entre o autor, o texto literário e o leitor,
pois a palavra, como criação ideológica, vai desenvolver-se de forma
diversa das normas estabelecidas. A pluralidade de vozes inseridas no
discurso romanesco revela, por conseguinte, ao leitor um horizonte di-
verso do habitual.

Ivanda Martins, estudiosa da área de Língua Portuguesa e Litera-


tura, no artigo “A literatura no Ensino Médio: quais os desafios do pro-
fessor” (2006), destaca que a discussão sobre o ensino nesse nível passa
pela reflexão dos subsídios teórico-metodológicos que contribuem com
a prática pedagógica. Para ela,

A sistematização de certos conceitos específicos da teoria e crítica li-


terária precisa alcançar maior profundidade, exigindo-se do aluno um
repertório mais amplo de leituras e o conhecimento da organização
estética da obra literária. A carência de noções teóricas e a escassez
de práticas de leituras literárias são fatores que contribuem para que o
aluno encare a literatura como objeto artístico de difícil compreensão.
(MARTINS, 2006, p. 83).

Martins (2006, p. 84) salienta ainda que a leitura literária é pouco


valorizada em todos os níveis de ensino da educação Básica (da Educa-
ção Infantil ao Ensino Médio) e as contribuições das teorias literárias
contemporâneas pouco têm sido contempladas nas escolas, persistindo
as abordagens formalistas, estruturalistas, biográficas.

Ela traz para seu discurso as contribuições de Beach e Marshall,


que fazem distinção entre leitura da literatura e ensino da literatura,
porém enfatiza que tanto a leitura como o ensino da literatura devem
estar presentes em todos os níveis de ensino.

98
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
Leitura da literatura: “Relacionada à compreensão do texto, à expe-
riência literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura.”

Ensino da literatura: “O estudo da obra literária, tendo em vista uma


organização estética.”

Esses dois níveis dialogicamente relacionados deveriam conviver na


escola de modo articulado.
(MARTINS, 2006, p. 84-85)

Martins (2006) também destaca que a relação literatura e escola é


marcada por mitos e nos apresenta três deles: 1) literatura é muito difí-
cil; 2) é preciso ler obras literárias para escrever bem; e 3) a linguagem
literária é marcada por especificidade.

O primeiro mito se efetiva pelo incentivo exclusivo de leitura de


obras clássicas, uma vez que esses textos “[...] apresentam uma lingua-
gem pertencente a contextos espaço-temporais distantes da realidade
do aluno” (MARTINS, 2006, p. 92). A autora não é contra o uso de obras
clássicas, mas afirma que elas devem ser contextualizadas para que os
alunos compreendam “[...] as conexões entre as características estilís-
ticas do texto e o contexto em que foi produzido” (MARTINS, 2006,
p. 92). Por outro lado, muitas vezes, essas obras são apresentadas em
fragmentos no livro didático, provocando um consumo rápido de um
trecho do texto, sem haver, por parte do professor, um incentivo para a
leitura integral, de forma que o aluno compreenda as relações intertex-
tuais provocadas pelo texto literário. No que diz respeito à análise e à
interpretação dos textos literários, há um enfoque na intenção do autor
durante a sua produção, pois “[...] a literatura torna-se, assim, um objeto
impenetrável, indecifrável, e o aluno-leitor não se conscientiza de sua
participação como co-enunciador do texto, pois seu papel na recepção
textual não é tão privilegiado” (MARTINS, 2006, p. 93).

O segundo mito é o de que a leitura de obras literárias, em espe-


cial os clássicos (inclui-se Machado de Assis, José de Alencar, entre
outros), facilitaria o acesso ao domínio da norma padrão; mito enfati-
zado pelas gramáticas normativas quando as utilizam como exemplo,

99
Metodologia do ensino

[...] desconhecendo que o fazer artístico não se prende a regras, mas


transcende os limites da gramática-padrão. Não é valorizada a intenção
estética que propicia a liberdade criativa do autor, o qual pode fugir da
norma culta se sua intenção é representar o dialeto não-padrão, por
exemplo. (MARTINS, 2006, p. 94).

A leitura do texto literário, por sua vez, na maioria das vezes, é


acompanhada da produção de uma redação ou do preenchimento de
fichas de leituras. Por esse viés, “[...] a leitura literária está diretamente
atrelada ao cumprimento de tarefas escolares” (MARTINS, 2006, p. 95).

O terceiro mito, o de que a linguagem literária é marcada pela es-


pecificidade, muito presente nas salas de aula, tem base em enfoques
formalistas e estruturalistas, que não levam em conta as relações texto e
contexto e leitor e texto, isso é, as condições de produção e recepção. A
autora traz, como exemplos, os estudos de Pratt, que desenvolve refle-
xões sobre a obra literária como “[...] representação da fala diretamente
relacionada ao contexto comunicativo” (MARTINS, 2006, p. 95). Desse
modo, a discussão sobre a linguagem literária e não literária deveria re-
cair sobre os “[...] pontos de confluência entre a literatura e os discursos
que produzimos cotidianamente” (MARTINS, 2006, p. 96).

Tendo isso em vista, cabe questionarmos: No que esses mitos con-


tribuiriam para um tratamento inadequado do literário no espaço esco-
lar? Segundo Martins (2006, p. 96),

Disseminam perspectivas preconceituosas subjacentes à prática peda-


gógica que precisa ser repensada. Ao perpetuar esses mitos, a escola
contribui para a formação de leitores possivelmente acríticos, com uma
visão reduzida do fenômeno literário e promove a manutenção do status
daqueles que encontram, na leitura literária e nas habilidades intelectu-
ais, uma forma de poder, discriminando aqueles que não percebem a di-
mensão polissêmica, simbólica, transgressora do fazer artístico literário.

Certamente você já ouviu comentários ou leu a expressão “escolari-


zação” vinculada à arte como sinônimo de negatividade. Magda Soares,
com relação à escolarização da literatura infantil e juvenil, afirma que:

Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos,


saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à

100
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
constituição de ‘saberes escolares’, que se corporificam e se formalizam
em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo
isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um
espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 1999, p.
20, grifos da autora).

Soares (1999) assevera que não devemos atribuir conotação pejo-


rativa à escolarização, pois ela é inevitável e necessária. Negar a escolari-
zação seria negar a própria escola, no entanto existe uma escolarização
adequada e outra inadequada no trato com o conhecimento, nesse caso,
o literário. A primeira seria

[...] aquela que conduza mais eficazmente às práticas de leitura que


ocorrem no contexto social e às atitudes e valores que correspondem
ao ideal de leitor que se quer formar - e uma escolarização inadequada,
errônea, prejudicial da literatura - aquela que antes afasta que aproxima
de práticas sociais de leitura, aquela que desenvolve resistência ou aver-
são à leitura. (SOARES, 1999, p. 25).

Importa destacarmos que Soares (1999) apresenta ainda as três


principais instâncias de escolarização da literatura infantil e juvenil: a
biblioteca, a leitura e o estudo de livros de literatura e a leitura e o estudo
de textos de literatura.

1) A biblioteca e as suas estratégias: local escolar onde os livros


ficam guardados e disponibilizados; a organização do espaço e
do tempo de acesso ao livro e à leitura; estratégia de seleção dos
livros que os alunos devem/podem ou não ter acesso e eventos
relacionados à biblioteca.

2) A leitura e o estudo de livros de literatura: a leitura do livro lite-


rário orientada pelo professor configura-se como tarefa/dever
escolar e é sempre avaliada. Há exigência de comprovação do
que foi lido.

3) A leitura e o estudo de textos de literatura: leitura do fragmento


do texto literário no livro didático. Em estudo sobre os livros di-
dáticos de 1ª a 4ª séries, a autora apresenta a forma inadequada
pela qual os textos literários são tratados nos livros didáticos.

101
Metodologia do ensino

8.1 Da biblioteca escolar a outros espaços


de leitura literária
A biblioteca escolar é compreendida pelos documentos oficiais de
referência como um espaço de fundamental importância para a dis-
seminação da leitura, em especial da leitura literária. Veremos a seguir
que políticas públicas têm levado em conta este local como espaço irra-
diador da leitura, pois não é possível se ter um projeto pedagógico que
leve em conta a formação do leitor sem pensar neste ambiente, uma vez
que o

[...] projeto pedagógico com vistas à formação do leitor da Literatura


deve incluir a estruturação de um sistema de trocas contínuo, sustenta-
do por uma biblioteca com bom acervo e por outros ambientes de lei-
tura e circulação de livros. A ampliação dos espaços escolares de leitura
resultará, com certeza, na ampliação dos tempos, diga-se de passagem,
A Ethiopia Reads foi criada exíguos de aulas de Literatura, além de possibilitar trocas menos artifi-
em 2003 por Yohannes
Gebregeorgis, um etíope ciais, já que colaboram para a criação de uma comunidade de leitores
residente nos EUA, com tão importante para a permanência da literatura, sobretudo em con-
o objetivo de promover textos sociais que não dispõem de uma biblioteca pública e/ou livraria.
o desenvolvimento da
Etiópia através da leitura. A (BRASIL, 2006, p. 80).
Biblioteca Móvel de Burro
surgiu mais tarde, para Vários locais, no Brasil e fora dele, possuem espaços de leitura que,
servir às crianças das zonas num primeiro momento, parecem sui generis, mas acabam sendo fun-
rurais perto de Awassa, a
capital agrícola do país. Os damentais para a formação de leitores. Vejamos alguns desses projetos e
burros são os animais mais iniciativas: Barca do livro (Florianópolis), Ônibus biblioteca (São Paulo,
importantes, como meio
de transporte, embora Rio Grande, Recife, Uberlândia, Contagem e outras cidades), emprés-
nem sempre sejam trata- timos em terminais de ônibus (Curitiba, Passo Fundo) e metrôs (São
dos cuidadosamente.
Paulo, Belo Horizonte); Burro biblioteca (Etiópia, Colômbia).

Uma das ações necessárias para a educação e a promoção da cultu-


ra escrita é o desenvolvimento e a permanência de políticas públicas.
Como professor de Língua Portuguesa e Literatura, é importante que
você conheça algumas políticas que estão sendo desenvolvidas no País
Figura 31 - Biblioteca Móvel com o objetivo de promover a leitura. Como cidadãos e profissionais
de Burro (Etiópia)
da Educação, devemos acompanhar a implementação dessas ações e
verificar se estão sendo concretizadas a contento.

102
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
O Ministério da Educação brasileiro, no que se refere ao livro e à
sua circulação no espaço escolar, tem se voltado preferencialmente para
o desenvolvimento de políticas de acesso ao livro didático. Das ações
que dizem respeito à biblioteca escolar, ao incentivo à eitura e à forma-
ção de leitores, podemos mencionar o que segue.

Entre os anos de 1984 e 1996, ocorreu o Programa Nacional Salas


É necessário lembrar que,
de Leitura (PNSL), instituído pela Resolução MEC/FAE nº 14, de 26 de em paralelo à política de
julho de 1984. Esse programa tinha como finalidade a criação de um governo, houve o Pro-
jeto Ciranda de Livros,
espaço alternativo nas escolas públicas que fugisse ao formato da biblio- realizado pela Fundação
teca tradicional. Nacional do Livro Infantil e
Juvenil (FNLIJ) em parceria
Em 1997 foi instituído o Programa Nacional Biblioteca da Escola com a Fundação Roberto
Marinho e da Hoescht;
– PNBE (Portaria Ministerial nº 584). Em 2000, o PNBE privilegiou a teve a duração de 4 anos
distribuição de obras voltadas para a formação do professor às escolas e promoveu o acesso a 15
títulos de literatura infantil
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Cabe lembrar que, de 2001 a ao ano para mais de trinta
2003, o PNBE desenvolveu o projeto Literatura em Minha Casa e Palavra e cinco mil escolas. Hoje
parece pouco, mas na
da Gente, focado na distribuição de coleções de literatura diretamente época este acervo era co-
ao aluno, com objetivo de oportunizar ao estudante e seus familiares o memorado pelas crianças
e professores das escolas
acesso ao livro literário. As coleções compunham-se de um conjunto de do interior do País.
títulos de gêneros variados.

Em 2001, o projeto Literatura em Minha Casa foi direcionado a


alunos de 4ª e 5ª séries. Em 2002, para alunos de 4ª série e em 2003, para
alunos de 4ª e 8ª séries e do último segmento de Educação de Jovens e
Adultos (EJA). No ano de 2004, com a mudança de governo no País, há
uma avaliação do referido projeto anterior e a distribuição particulari-
zada ao aluno é revista e se retorna a ações de implementação do acervo
coletivo dos espaços de leitura na escola: bibliotecas e salas de leitura.

Segundo a avaliação do MEC, com o projeto Literatura em Minha


Casa não houve investimento no acervo coletivo das bibliotecas escolares:

[...] debilitando a biblioteca como espaço próprio de organização e dis-


ponibilização de materiais diversificados – de obras de referência a pe-
riódicos; de livros de literatura a obras de não-ficção; de mapas a novas
tecnologias – lugar em que se promove a sociabilidade, mas principal-
mente a democratização do conhecimento. Considerando a importância
de universalizar o atendimento a todas as instituições públicas de Ensino
Fundamental, independentemente do número de alunos matriculados,

103
Metodologia do ensino

bem como ao coletivo da escola e de permitir o acesso de alunos e pro-


fessores às obras em seus formatos e projetos originais, o MEC retomou
a distribuição de acervos coletivos às bibliotecas/salas de leitura das es-
colas. (BERENBLUM; PAIVA, 2009, p. 12).

Foram distribuídos, em 2005, às escolas do primeiro segmento do


Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano) livros de literatura no formato
disponível no mercado editorial. Em 2006/2007, foram selecionados e
distribuídos livros de literatura ao segundo segmento do Ensino Funda-
Pela primeira vez um edi- mental (do 6º ao 9º ano). Cabe, ainda, registrarmos que, em 2007/2008,
tal para seleção de livros
literários contemplou esse a seleção e distribuição de livros de literatura foram voltadas para alunos
nível de ensino da educação infantil e das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental.

Constatamos, ainda, que a seleção e a distribuição de livro de li-


teratura foram, em 2008/2009, voltadas para alunos do Ensino Funda-
mental (do 6º ao 9º ano) e do Ensino Médio. Destacamos que, a partir
de 2009/2010, as obras de literatura têm sido voltadas para as crianças
da educação infantil (creches e pré-escolas), para os alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental e para os alunos da educação de jovens
e adultos (Ensino Fundamental e Médio).

Embora não sejam títulos de literatura, neste período também foi


lançado o edital PNBE Professor 2010, com o objetivo de subsidiar
teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disci-
plinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educa-
ção básica. Foram selecionados 154 títulos divididos em cinco cate-
gorias: 53 para os anos iniciais do Ensino Fundamental; 39 para anos
finais do Ensino Fundamental; 45 para o Ensino Médio e educação
de jovens e adultos; e 17 para os anos iniciais e finais do Ensino Fun-
damental da educação de jovens e adultos.

Importa frisarmos que, embora tenhamos essas ações, ainda exis-


te carência de bibliotecas escolares. Há, todavia, esperança de que se
reverta este quadro, pois foi sancionada a Lei nº 1.244/2010, publicada
no Diário Oficial da União, em 25 de maio de 2010, que determina que
toda escola pública e privada tenha um acervo mínimo de livros nas bi-

104
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
bliotecas escolares, correspondente a um título por aluno matriculado.
A referida lei estabelece o prazo de 10 anos para a criação de espaço ex-
clusivo para a guarda do acervo e a admissão de profissional habilitado
para administrar esse acervo.
Leia a matéria sobre os
Acompanhemos o levantamento sobre o índice de bibliotecas pú- dados do déficit de biblio-
tecas escolares em nosso
blicas e fiquemos atentos à implementação da Lei nº 1.244/2010, exigin- País em http://www.cultu-
do de nossos governantes que a executem em prol da melhoria da qua- ra.gov.br/site/2010/06/03/
faltam-93-mil-bibliotecas/.
lidade do ensino em nossas escolas e, consequentemente, da educação
no Brasil.

O QUE É O PNLL? O Plano


Nacional do Livro e Leitura
se constitui de “[...] um
conjunto de projetos,
programas, atividades e
eventos na área do livro,
leitura, literatura e biblio-
tecas em desenvolvimen-
to no país, empreendidos
Figura 32 - Retrato de um povo sem livros. pelo Estado (em âmbito
federal, estadual e muni-
cipal) e pela sociedade”
Faz-se necessário destacar que, a partir de 2003, com a Lei nº 10.753, (BRASIL, 2007). Conheça
que institui a Política Nacional do Livro, desenvolveu-se um Plano Na o PNLL acessando o site
http://www.pnll.gov.br.
cional do Livro e Leitura (PNLL) e várias ações de promoção da leitura
foram desencadeadas.

105
Metodologia do ensino

Outras instituições não governamentais têm se aliado em prol de


reflexões sobre a leitura literária no Brasil, entre elas podemos citar o
Movimento por um Brasil literário e a Fundação Nacional do Livro In-
fantil e Juvenil (FNLIJ).

O Movimento por um Brasil Literário teve início em 2009, com a


publicação do Manifesto por um Brasil Literário, lançado em julho da-
quele ano durante a Festa Literária de Paraty (FLIP). O movimento se
constitui a partir da iniciativa da união de instituições e pessoas físicas,
envolvidas com a temática da literatura no País. O Manifesto procura
“[...] ampliar o debate em torno da importância da leitura de livros, aco-
Figura 33 - Logo da FNLIJ. lher propostas e engajar o maior número de pessoas em torno desta cau-
sa”. Os representantes do Movimento buscam participar de ações que le-
Você pode saber mais so- vem em conta a leitura literária. Leiamos um fragmento do Manifesto:
bre a FNLIJ no site: http://
www.fnlij.org.br/.
A leitura literária é um direito de todos e que ainda não está escrito. O
sujeito anseia por conhecimentos e possui a necessidade de estender
suas intuições criadoras aos espaços em que convive. Compreendendo
a literatura como capaz de abrir um diálogo subjetivo entre o leitor e a
obra, entre o vivido e o sonhado, entre o conhecido e o ainda por conhe-
cer; considerando que este diálogo das diferenças, inerente à literatura,
nos confirma como redes de relações; reconhecendo que a maleabilida-
de do pensamento concorre para a construção de novos desafios para
a sociedade; afirmando que a literatura, pela sua configuração, acolhe a
todos e concorre para o exercício de um pensamento crítico, ágil e in-
ventivo; compreendendo que a metáfora literária abriga as experiências
do leitor e não ignora suas singularidades, que as instituições em pauta
confirmam como essencial para o País a concretização de tal projeto.
(MOVIMENTO POR UM BRASIL LITERÁRIO, 2009, não paginado).

A FNLIJ, por sua vez, é uma instituição sem fins lucrativos. Foi
criada em 1968, com os objetivos de promover a leitura literária e divul-
gar os livros de qualidade, para crianças e jovens, publicados no Brasil.
A instituição desenvolve várias ações para cumprir seus objetivos, entre
elas: concurso para promover a leitura e os livros de qualidade; cursos
que visam à formação do professor-leitor, leitura e seleção de livros para
crianças e jovens, pesquisas sobre a leitura e literatura, publicações e
atividades internacionais com a participação no International Board on
Books for Young People (IBBY), por meio da seção brasileira.

106
O ensino da literatura na escola Capítulo 08
Em 1974, a FNLIJ inicia a premiação dos melhores livros de recep-
ção infantil e juvenil. Esta premiação conta, atualmente, com 18 catego-
rias: Melhor livro para a Criança; Jovem; Imagem; Poesia; Informativo;
Tradução Criança; Tradução Jovem; Tradução Informativo; Tradução
Reconto; Projeto Editorial; Revelação Escritor; Revelação Ilustrador;
Melhor Ilustração; Teatro; Livro Brinquedo; Teórico; Reconto; e Litera-
tura de Língua Portuguesa. Além disso, ela elenca dez títulos em cada
categoria da premiação para receberem o Selo de Altamente Recomen-
dável. A lista dos livros premiados pela FNLIJ tem servido de orien-
Você pode acessar a lista
tação para a aquisição e compra de livros, por diferentes organismos dos livros premiados de
públicos e particulares e por leitores em geral. 2001 a 2010 em: http://
www.fnlij.org.br/principal.
Em 1994, a FNLIJ criou também o Concurso FNLIJ – Os Melho- asp?cod_mat=32&cod_
menu=2004.
res Programas de Incentivo à Leitura junto a Crianças e Jovens, para
valorizar o trabalho de pessoas físicas e instituições envolvidas em ini-
ciativas de promoção da leitura. A partir de 1999, tem sido realizado
anualmente o Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens (RJ), com
o objetivo de contribuir para a formação de leitores, com foco na lite-
ratura infantil e juvenil.

Você conhece os espaços públicos de leitura na sua cidade? Isto é, você


conhece a biblioteca pública de sua cidade? E os projetos de leitura da
Secretaria Municipal de Educação ou de outras instituições públicas ou
privadas? A sua cidade tem livrarias? Feira de livro? Saraus literários?
Círculos de leitura? Ressaltamos, assim, que conhecer quais os locais
e as práticas de promoção da leitura literária se faz necessário para a
realização de parcerias em prol de um trabalho com a literatura.

Pesquise e socialize com seus colegas, tutores e professores

Visite o site do PNLL <www.pnll.gov.br>, escolha um dos seus eixos


de atuação, verifique as ações das linhas e identifique no seu muni-
cípio e/ou Estado se elas estão sendo implementadas, além daque-
las desenvolvidas pelo PNBE.

107
Metodologia do ensino

Leia mais!
Acesse o site http://leituracatarinense.blogspot.com/ :
lá você encontrará os resultados do projeto Clube da leitura: a gente cata-
rinense em foco, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de
Florianópolis. Esse projeto contempla o trabalho com textos de autores ca-
tarinenses, bem como o contato desses escritores com os leitores, por meio
de visita às escolas envolvidas com o projeto.

Reflita!

Que possibilidades você vê de desenvolver projeto semelhante na


escola em que trabalha ou no seu município?

108
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 09
9 O ensino da literatura no
Ensino Fundamental e Médio:
estratégias metodológicas
Poesia
Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate
(Carlos Drummond de Andrade, 1967)

A luta com a palavra, considerada como a batalha mais vã, é trazi-


da para este espaço de reflexão como algo possível e aprazível, pensar a
leitura do poema, bem como a sua escrita, como exercício de prazer que Para conhecer ou (re)ver a
deve ganhar espaço na sala de aula. O objetivo do ensino do poema não leitura pública de poemas
por Lindolfo Bell, acesse:
se constitui em formar escritores/poetas, mas em aproximar e sensibili- a) http://br.youtube.com/
zar os alunos, quer do Ensino Fundamental, quer do Ensino Médio, em watch?v=C_RT6Ex1rZI; b)
http://br.youtube.com/
relação à leitura da palavra poética e, se possível, à escrita. watch?v=mIrbP6HDWHg;
e c) http://br.youtube.
Gostaríamos de retomar aqui a proposta do poeta catarinense com/watch?v=X8ViouBZw
Lindolfo Bell, que, na década de 1960, juntamente com o poeta Rubens tk&feature=related.

Jardim, concretizou o exercício de levar a poesia às ruas, movimento


conhecido como Catequese Poética. A poesia ganha as ruas na boca do
Para saber mais sobre a
poeta que recita no Viaduto do Chá (SP); nas camisetas com novas es-
Catequese Poética, acesse
tampas: a palavra poética; nos painéis-poema, nos papéis de carta poe- o site: http://versoeprosa.
ma; nos poemas escritos no chão das praças. É a poesia livre de amarras, ning.com/profiles/blog/sh
ow?id=2138728%3ABlogP
solta no ar. ost%3A15131.

Essas estratégias de vivificar as palavras construídas pelo poeta


podem, evidentemente, ser aplicadas por nós professores. Assim, vale
questionarmos: Por que não lançar para os alunos a proposta de reti-
rar os poemas dos livros e apresentá-los em outros suportes? Isso pode
ser solicitado a qualquer grupo, independentemente da faixa etária ou
do nível de ensino. Em 2008, na Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL), estudantes do Curso de Letras realizaram, por exemplo, ati-
vidade com fim de dar visibilidade à palavra poética. O grupo de alunos
emoldurou os poemas de Lindolfo Bell em pequenos quadros e em sa-
colas poéticas, conforme podemos constatar na imagem a seguir.
Figura 34 - Bell em palavras.

109
Metodologia de Ensino

Varal literário
Outro trabalho interessante a ser realizado com os alunos é a
construção do Varal Literário. Os primeiros varais literários começa-
ram a circular em Santa Catarina na década de 1970, idealizados pelo
poeta Alcides Buss. Atualmente são muito utilizados para divulgar e
expor poemas.

O varal literário consiste em pendurar num cordão (como um varal


Figura 35 - Alcides Buss
de roupa) as produções literárias dos alunos e também de escritores por
escolhidos eles. Os poemas podem, igualmente, ser apresentados em fo-
Para saber mais sobre
varais literários, consulte lhas de ofício e/ou cartolinas.
o blog do escritor: www.
alcidesbuss.com.

Figura 36 - Varal literário I Figura 37 - Varal literário 2


Exercício Dadaísta
O movimento Dadaísta, como você estudou em Teoria Literária,
Ele originou-se em 1915, valorizava o acaso e o absurdo, buscava “libertar a imaginação via des-
na cidade de Zurique.
Você pode obter mais truição das noções artísticas convencionais”.
informações sobre o Da-
daísmo no seguinte livro: O poeta Tristan Tzara deixou uma receita para fazer um poema
TELES, Gilberto Mendon-
ça. Vanguarda européia dadaísta. Vejamos:
e Modernismo brasileiro.
10. ed. Rio de Janeiro: Pegue um jornal.
Record, 1987.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar
a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam

110
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 09
esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do
saco.
      O poema se parecerá com você.
      E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade
graciosa, ainda que incompreendido do público.

Você pode realizar essa ativida-


de com alunos de diferentes níveis de
ensino. Para isso, solicite aos partici-
pantes que recortem frases de revistas
e jornais aleatoriamente e coloquem
em um envelope ou saco. Divida a
turma em pequenos grupos e dis-
tribua uma frase ou várias palavras
para cada participante, daquelas re-
colhidas no envelope. Cada pequeno
grupo fará um texto/poema somente
com as frases recebidas para apresen-
Figura 38 - Poema Dadaísta
tar ao grande grupo.

Limeriques
Limerique é uma construção poética com temática maluca, ab-
surda, surreal. Compõe-se de cinco versos e o primeiro, o segundo e o Poema traduzido por José
último verso têm de terminar com a mesma rima. O terceiro e quarto Paulo Paes: There was an
Old man on whose nose/
versos são mais curtos e apresentam rimas diferentes dos demais versos. most birds of the air could
Não se sabe ao certo a origem de sua estrutura, mas seu sucesso se deve repose;/But they all flew
away/at the closing of
ao escritor inglês Edward Lear (1812-1888). A seguir, apresentamos um Day,/ Which relieved that
exemplo desse tipo de poema: Old Man and his nose.

111
Metodologia de Ensino

Havia um homem em cujo nariz


A passarada sentava-se, feliz.
Dali só saía
quando terminava o dia,
Para alívio do dono do nariz.
(LEAR, 1992)

No Brasil, Tatiana Belinky tem produzido vários livros constituídos


de limeriques, entre eles Limeriques da Coconha (2008), em que descre-
ve esta cidade imaginária. Você pode acessar outros Limeriques de Ta-
tiana Belinky no site: http://diariosdabi-cicleta.blogspot.com/2008/02/
limeriques-da-tatiana.html.

A vida ali é um deleite


Suave tal qual puro azeite —
Na bela Cocanha
Figura39 - Capa do livro Limeri-
ques da Cocanha O povo se banha
Em rios de mel e de leite.
(BELINKY, 2008)

Poesia visual
Para introduzir as crianças e adolescentes na poesia visual, nada
mais interessante do que o livro Poesia Visual, de Sérgio Capparelli e
Ana Claudia Gruszynski. Além dos poemas impressos, o leitor poderá
brincar com os poemas e interagir com eles no site: www.ciberpoesia.
com.br.

Figura 40 - Poema Zigue-


zague, de Caparelli e Gruszynski Narrativa
No trabalho com a narrativa, apresentaremos, a seguir, algumas su-
gestões metodológicas que, acreditamos, podem contribuir para o exercí-

112
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 09
cio da leitura literária em prosa na escola. É necessário lembrar que estas
atividades não excluem informações básicas e necessárias já estudadas
por você durante o curso, explicitando os gêneros literários dentro do
estilo narrativo: o romance, o conto, a crônica, a fábula, entre outros; e as
categorias da narrativa ação, tempo, espaço, personagens e narrador.

O Romance
Martins (2006) sugere a análise comparativa entre textos por auto-
res em tempo e espaço diferentes, o que incentiva o trabalho com os di-
ferentes níveis de compreensão de intertextualidade. O quadro a seguir,
elaborado pela autora, apresenta sugestão de como trabalhar os diferen-
tes níveis de intertextualidade:

Nível de inter- Definição Exemplo


textualidade [da intertextualidade] [de como fazer]
Na obra machadiana, analisar a representação dos
Relação entre textos produzidos
Homoautoral perfis femininos (Capitu, Virgília, etc.) que dialogam
por um mesmo autor.
constantemente.
Diálogo entre textos de autores Abordar as relações entre a obra machadiana Dom
Heteroautoral
distintos. Casmurro e a tragédia shakespeariana Otelo.
Relações intertextuais entre tex- Considerar as relações entre obras literárias como
Endoliterária tos que fazem parte do sistema Missa do Galo, de Machado de Assis e Missa do Galo,
literário. de Gilvan Lemos.

Relações intertextuais entre Relações entre o romance Boca do inferno, de Ana Mi-
uma obra literária e outro texto randa (obra literária), e os documentos históricos que
Exoliterária
que não participa do sistema li- forneceram subsídios para a autora ficcionalizar a bio-
terário. grafia de Gregório de Matos (MARTINS, 2006, p. 99).

Outra possibilidade de trabalhar com o romance apresentamos a se-


guir. Para introduzir no Ensino Médio a leitura dos romances do escritor
português José Saramago, sugerimos, por exemplo, a leitura de um conto
do autor publicado em formato de livro infantil, denominado A maior
flor do mundo (Ilustração de João Caetano). Nesse conto, o escritor tece
considerações sobre as dificuldades das relações humanas e as de escre-
ver para a infância. Para completar, você pode assistir ao filme, adaptado
e dirigido por Juan Pablo Etcheverry, A flor mais grande do mundo, dis-
ponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-KTL94Rl7CI>.

113
Metodologia de Ensino

O Conto
O gênero conto é mais facilmente trabalhado em sala de aula devido
a sua extensão, pois não exige muito tempo de leitura como o romance.
Construído de forma simples, a brevidade é uma de suas características,
como destaca Alceu Amoroso Lima (apud Gotlib, 2003, p. 63-64):

O tamanho representa um dos sinais característicos de sua diferencia-


ção. Podemos mesmo dizer que o elemento quantitativo é o mais ob-
jetivo dos seus caracteres. O romance é uma narrativa longa. A novela é
uma narrativa média e o conto é uma narrativa curta. O critério pode ser
muito empírico, mas é muito verdadeiro. É o único realmente positivo.

O Miniconto
Embora o Miniconto, ou microconto, ou nanoconto – espécie de
conto muito pequeno – não seja reconhecido como gênero literário pela
Teoria Literária, sua inserção nas produções de muitos escritores tem
ganhado cada vez mais força, e muitos são os seus adeptos. Uma das
características do miniconto é a sua incompletude, que possibilita ao
Leia outros minicontos leitor outras representações para além do texto.
desse escritor no blog:
http://minicontos.blogs- Vale a pena consultar o blog do escritor Silvio Vasconcellos, “Mini-
pot.com/. contos cotidianos” . A estratégia do escritor é utilizar-se de manchetes de
notícias jornalísticas, bem como de suas fotografias e produzir um mi-
niconto com até 300 caracteres. A partir da matéria do jornal El Clarín
(Argentina, de 31/08/2007) intitulada “Obligan a cuatro turistas a lim-
piar enormes graffitis que pintaron en rocas de Sierra de la Ventana”,
Silvio Vasconcellos escreveu: Eram os deuses artistas?

O fiscal do parque viu as pinturas nas pedras e lembrou-se do gru-


po de jovens que ia descendo as montanhas. Ainda tentaram alegar que
eram figuras rupestres, mas quando o fiscal perguntou por que os pré-
históricos escreveriam Fuera Bush, responderam que além de astronau-
Figura 41 - “Obligan a cuatro
tas os incas eram videntes.
turistas a limpiar enormes graffitis
que pintaron en rocas de Sierra de la
Ventana”.

114
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 09
Outras possibilidades
Apresentaremos, a seguir, atividades de promoção da leitura lite-
rária que têm caráter interdisciplinar. Elas possibilitam o aguçar do ato
criativo e a autonomia da leitura e podem ser realizadas nos diversos
espaços da escola (sala multimídia, bibliotecas, auditórios) e conjunta-
mente com professores de outras disciplinas. Algumas dessas atividades
estão presentes no artigo “A leitura literária, escola e biblioteca escolar:
inquietações” (DEBUS, 2006).

Saraus literários I – leituras em voz alta de textos temáticos a se-


rem realizadas pela comunidade escolar em períodos extracurricu-
lares. A proposta é que essa atividade não esteja vinculada a deter-
minada disciplina da grade curricular.

Saraus literários II – presença de escritores de literatura infantil


e juvenil na escola para dialogar com os leitores sobre suas obras
e promover a audição de seus textos. Tal momento exige a leitura
antecipada dos títulos do autor convidado.

Feira de Livros – evento que aproxima a comunidade escolar da


leitura. As livrarias e/ou divulgadores editoriais aceitam o convite
para participar, pois é uma maneira de divulgar seus produtos e
também de vendê-los. A escola pode solicitar, como contrapartida
dos expositores, a presença de contadores de histórias, escritores,
ilustradores e mesmo a doação de um acervo mínimo de títulos.

Intercâmbio de leituras – promoção de contato epistolar (tradi-


cional ou eletrônico) dos alunos da instituição na qual você traba-
lha com estudantes de instituições nacionais e internacionais (por
exemplo, entre Brasil e Portugal) para que possam trocar impres-
sões sobre leituras. Primeiro os leitores socializam internamente as
suas leituras, para que ocorra uma permuta de apreciações críticas
ou de opiniões sobre as leituras realizadas, antes de compartilhá-las
com o grupo externo.

115
Metodologia de Ensino

Sessão Audiovisual I – Sessão de filmes que sejam adaptações de


obras literárias, no intuito de comparar a transposição do texto lite-
rário para outro suporte e as inserções e adaptações realizadas pelos
roteiristas e diretores. No Brasil temos vários títulos de autores espe-
cificamente brasileiros, O menino maluquinho (Ziraldo), Antes que
o mundo acabe (Marcelo Carneiro da Cunha), Memórias Póstumas
de Brás Cubas (Machado de Assis), O Cortiço (Aluízio de Azevedo),
Clandestina Felicidade (Clarice Lispector). E de estrangeiros, como
Razão e Sensibilidade, de Jane Austin; O leitor, de B. Schlink; Harry
Potter e o cálice de fogo, de J.K. Rowling, e tantos outros.

Figura 42 - Antes que o mundo acabe –


livro e filme (Editora Projeto, 2000), de
Marcelo Carneiro da Cunha, com fotos
de Roberto Conte e Ado Henrichs, foi
adaptado para o cinema em 2010,
dirigido por Ana Luiza Azevedo, com
participação de Jorge Furtado no
roteiro. Para saber mais, acesse: www.
antesqueomundoacabeofilme.com.br.

Sessão Audiovisual II – Sessão de filmes que possuam como tema


a leitura, em especial a literária, e os espaços sociais de leitura, que
provoquem e estimulem a discussão da sua importância: Sociedade
dos poetas mortos, Abril despedaçado, Farenheit 451, Nunca te vi,
sempre te amei, Mensagem para você, O leitor.

Sessão Audiovisual III – Audição de músicas adaptadas de poe-


sias e CDs de poesias declamadas.

116
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 09
Leia mais!
O livro Os cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Mo-
riconi, é uma referência importante, pois é uma coletânea que reúne nar-
rativas curtas produzidas no Brasil, entre os anos de 1900 e fins de 1990.
Participam dessa coletânea os mais diversos escritores, como João do Rio,
Clarice Lispector, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de An-
drade, Rubem Fonseca, Ana C. César, Fernando Sabino, Hilda Hilst, Dalton
Trevisan, Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles, Victor Giudice, João Antônio,
Luiz Fernando Veríssimo, Raduan Nassar e Nélida Piñon.
Para saber mais sobre o poeta Lindolfo Bell, sugerimos a leitura de Quixote
catarinense, de Helen Francine (Editora da UFSC, 2005). Nesse livro, a autora
conta sobre a trajetória e algumas batalhas desse poeta catarinense.
Para conhecer a produção poética de Manoel de Barros, sugerimos a leitura
de títulos como: Poeminhas pescados numa fala de João (2001), Memórias
inventadas (A infância) (2003), Ilustrações de Martha Barros, e o já citado neste
livro Poesia completa (2010). Você pode conhecer alguns dos poemas do
autor no site: http://www.releituras.com/manoeldebarros_bio.asp. E pode
conhecer um pouco mais sobre a biografia do poeta assistindo a dois docu-
mentários: Língua de brincar – viagem à poesia de Manoel de Barros, da pro-
fessora Lúcia Castelo Branco, da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, em
parceria com Gabriel Sanna, e Só dez por cento é mentira: a desbiografia oficial
de Manoel de Barros, de Pedro Cezar.
Convidamos você a acessar o site: http://bravonline.abril.com.br/conteu-
do/literatura/tzvetan-todorov-literatura-nao-teoria-paixao-531493.shtml e
ler a interessante entrevista “Literatura não é teoria, é Paixão”, com Todorov.
Acesse o site Dobras da Leitura: www.dobrasdaleitura.com. Adentra-se num Núcleo vinculado ao Pro-
espaço em que a literatura infantil e juvenil é o foco da atenção. Lá você en- grama de Pós-Graduação
contra links para os sites de escritores e ilustradores brasileiros, como Mon- em Literatura e ao De-
teiro Lobato, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, entre outros. No link “Sala de partamento de Línguas e
aula: leitura em construção”, você tem acesso a várias experiências de ensino Literaturas Vernáculas, do
registradas em formato de plano de aula, bem como a relatos de experiên- Centro de Comunicação
e Expressão, da Univer-
cias de atividades exitosas com o texto literário em sala de aula. Visite! sidade Federal de Santa
Vale a pena consultar a página do Núcleo de Pesquisas em Informática, Li- Catarina (UFSC).
teratura e Linguística - NUPILL). Lá você encontra uma biblioteca digital de
literatura, há obras integrais do Brasil e Portugal. O banco de dados é com-
posto de 63645 obras, de 16321 autores e pode ser acessado em: http://
www.nupill.org/.

117
Metodologia de Ensino

Considerações finais da Unidade C


Acesse a Revista virtual de Poesia Tigre Albino em: www.tigrealbino.
com.br. Nela se discute a poesia para crianças e jovens. Está estruturada
em cinco seções, e uma delas, “Tigre em movimento”, apresenta relatos
práticos de trabalho com a poesia infantil em qualquer nível de ensino.
Ali você encontrará várias possibilidades de trabalhar com poesia.

118
Unidade D
O processo da escrita na escola

Aprendizagem e desenvolvimento da escrita


Nesta unidade, objetivamos discutir o desenvolvimento do pro-
cesso da escrita na escola, observando-o pelos princípios do pensa-
mento filosófico-linguístico da linguagem como interação social (te-
orias de Mikhail Bakhtin e seu Círculo) e da visão sociointeracional
do ensino e da aprendizagem (teorias de Vigotski e discípulos). Não
é, pois, nosso objetivo discutir a trajetória histórica das teorias sobre
concepções de língua, de linguagem e de texto e implicações desses
estudos nas ciências da linguagem e destas na atualidade. Essa ta-
refa já se cumpre no conjunto dos materiais publicados no curso de
Letras-EaD. Nessa unidade põem-se em foco os principais movimen-
tos historicamente ocorridos no espaço acadêmico e escolar na im-
plementação dessas teorias, ou em sua aplicação prática, amparados
por diferentes visões ou concepções desse objeto de conhecimento.
Com essa abordagem esperamos fornecer algumas orientações que
possam subsidiar a formação do professor em Letras-Português, na
perspectiva teórico-metodológica aqui assumida.

Podemos, então, pontuar algumas especificidades previstas para


essa nossa meta, quais sejam:

ӲӲ contextualizar as implicações do princípio dialógico da lin-


guagem e das questões de ensino e aprendizagem pela
perspectiva sociointeracionista nas práticas de linguagem
da sala de aula;

ӲӲ compreender a relação entre a interação verbal e social na


escola e o ensino e aprendizagem da escrita (produção oral
e escrita);

ӲӲ discutir aspectos da relação entre concepção de língua, de


linguagem e atividade pedagógica.
O processo da escrita na escola Capítulo 10
10 O processo da escrita na
escola
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
“Método” é entendido
ao mesmo tempo. aqui como um sistema
de passos a executar
O menino aprendeu a usar as palavras. fielmente para a
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. realização de uma
atividade. O método
E começou a fazer peraltagens. se apresenta como
um discurso externo,
(Manuel de Barros, 2002) legitimado; “metodologia”
como “[...] orientação
pedagógica geral para
o processamento de
Nesta unidade, o convite é para dialogarmos sobre a escrita; sobre o
uma prática congruente,
que envolve esse processo de conhecimento e seu ensino na escola. não dissociada daqueles
princípios que regem
Escrever! Ler! “Autorar”! Antes de tudo, você vai conhecer os nossos ob-
a concepção [...]
jetivos para que, neste trabalho de leitura, estudo, pesquisa e ativida- assumida, com todas
as suas implicações.
des, possa atingi-los a contento. Queremos que você, caro estudante,
[...] Trata-se, pois, de
obtenha conhecimentos teórico-metodológicos sobre aspectos que uma estratégia global
prevista para orientar o
envolvem o processo de ensino e aprendizagem da língua materna no
trabalho, ou seja, dar-lhe
ensino fundamental e médio e assim, como profissional, sinta-se capa- sentido, coerência. [...] a
metodologia diz respeito
citado e possa atuar de modo competente e efetivo na escola.
à orientação específica
a assumir dentro de
um campo de trabalho.
Ela é [...] subordinada à
E, nesse contexto, algumas perguntas iniciais se insinuam: orientação geral e tem
o selo da plasticidade,
1) Afinal, no espaço escolar, sendo estudantes, como alcançamos uma vez que somente
o domínio desse conhecimento? E, na função de professores, a dinâmica das relações
no âmbito escolar é
como nos tornamos competentes na mediação pedagógica do que indicará os passos
que se ensina e do que é aprendido? subseqüentes.” (SANTA
CATARINA, 1998, p. 68-69,
grifos do autor).
2) Como compor um processo educativo, uma metodologia de
ensino direcionada ao ato da escrita, que possibilite a cada um
de seus participantes a aquisição (se for esse o caso), o desen-
volvimento dos usos da escrita tanto no que diz respeito à ha-
bilidade individual como no coletivo?

121
Metodologia de Ensino

Bem, é disso que trata o convite para a leitura destas nossas próxi-
mas páginas: a palavra flertada nos seus propósitos ou despropósitos;
importância ou desperdício; no que é dito ou no que é silenciado.

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

(Manuel de Barros, 2003)

Nada melhor, então, do que iniciar escrevendo pelo que está na me-
mória de escritos escolares e do que de lá foge; sobre o que percorremos
Figura 43 – Palavras fatigadas de até chegarmos a um curso de Graduação em Letras, cuja proposta é li-
informar
cenciar, conferir grau a seus partícipes, legitimar o ofício do ensino da
Língua Portuguesa àqueles a quem a palavra não passa impune; àqueles
que, assim como o menino que carregava água com a peneira, descobrem
que escrever é “como carregar água na peneira”, é ser “capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo”, é aprender a “usar as palavras”, a
“fazer peraltagens”, “encher os vazios com as peraltagens”. Assim, a cada
palavra dita, nesse instante, estando onde estivermos, – no lugar ou no
tempo –, estejamos envolvidos com o apanhar a palavra no seu efeito mais
profundo ou na fantasia para não nos fatigarmos da informação, com ela
Yolanda Reyes, professora possamos “cirandar” pela nossa unidade de trabalho pedagógico.
e escritora de Bogotá,
Colômbia. Olga Cuéllar
ilustra livros para crianças
e também é colombiana. 10.1 O texto e o envolvimento do aluno-
Ruth Rocha, escritora
brasileira de livros para escritor
crianças (Cf. o livro de
Literatura e Ensino; Cap. 6). Frida, nome que dá título a um livro de literatura estrangeira, de Yo-
landa Reyes, com tradução de Ruth Rocha e ilustrações de Olga Cuéllar,
traz uma história que começa assim:

De volta à escola. Outra vez, o primeiro dia de aula. Faltam três meses,
vinte dias e cinco horas para as próximas férias. O professor não preparou
a aula. Parece que o novo curso o apanhou de surpresa. Para sair desse
impasse, ele ordena, com a voz de sempre: - Peguem os seus cadernos
e escrevam com esferográfica azul e com letra legível uma composição
sobre as férias. No mínimo uma página, de margem a margem, sem pu-
lar nenhuma linha. Cuidado com a ortografia e com a pontuação. Vocês

122
O processo da escrita na escola Capítulo 10
têm quarenta e cinco minutos. Alguma pergunta? Não há perguntas. E
nem respostas. O que há é a mão, que não obedece às ordens, porque
está chegando das férias. É um caderno pautado de cem páginas que
estréia hoje com o velho tema de todos os anos: O que fiz nas minhas
férias? (REYES, 1999, p. 5).

Após esse início, todas as demais páginas do livro Frida contam,


pela voz do Santiago, a primeira paixão desse menino: uma sueca que
veio de férias para a Colômbia visitar os avós e que viveu, com Santiago,
esse sentimento. Entre as muitas passagens da narrativa do encantamen-
to mútuo, da fase do conhecimento à despedida, há uma que demonstra
a intensidade do encontro de ambos e que destacamos:

Agora ela está muito longe. Na maior lonjura do mundo: na Suécia! Eu


nem posso ficar imaginando o que acontece lá, porque não conheço
seu quarto, nem sua casa, nem seus horários. Decerto está dormindo
enquanto eu escrevo esta composição. Para mim, a vida se divide em
duas partes: antes e depois de Frida. Não sei como pude viver estes onze
anos da minha vida sem ela. Não sei como fazer para viver de agora em
diante. (REYES, 1999, p.23-25).

Ao final da narração, Santiago continua desolado: “À noite dormi


chorando e acho que chorei dormindo, pois meu travesseiro amanheceu
molhado. Essa coisa de se apaixonar é muito difícil [...]” (REYES, 1999,
p. 27). Virando a página, a última do livro, lemos:

Levanto a cabeça e descubro os olhos do professor cravados nos meus.


– Vamos, Santiago. Leia em voz alta o que escreveu, tão concentrado.
Eu então começo a ler com a voz de sempre a mesma composição de Figura 44 – Frida

todos os anos: “Nas minhas férias não fiz nada de especial. Não fui a lugar
nenhum, fiquei em casa, arrumei meu quarto, joguei futebol, li muitos
livros, andei de bicicleta, etc., etc., etc. ...”. O professor me olha com um
olhar longínquo, descrente e distraído. Será que ele também se apaixo-
nou nessas últimas férias? (REYES, 1999, p. 29).

Como vemos por essa história, as vivências de escolaridade se as-


semelham e, em nosso país, fomos ou somos muitos os “Santiago” com
uma vida cotidiana e uma escolar descoladas – como dois mundos um
à parte do outro – pelas propostas construídas para ler e escrever na sala

123
Metodologia de Ensino

de aula, no tempo e espaço de uma disciplina curricular. Isso supõe que


haja uma lacuna na cultura escolar entre o ensino da leitura e da escrita
na instituição e as práticas sociais de letramento. Supõe também um
possível distanciamento no processo de mediação, no que se refere à
escrita, entre professores e estudantes. Avaliando essas situações, nelas
estão envolvidas questões de ordem teórica e metodológica as quais
têm provocado rumos diferentes do que seria normal se esperar à prá-
tica do ensino da Língua Portuguesa.

Como alunos, muitos de nós vivenciamos a experiência, à seme-


lhança de Santiago, de estar diante de uma folha em branco e com pro-
fessor com olhos cravados em nós solicitando-nos que escrevêssemos
“um texto com base em um título qualquer: uma data festiva; visita à
casa de avós etc.”. Habituamo-nos com relações de assimetria: pelo dis-
curso pedagógico que ensina basicamente pelo livro didático (conteú-
dos); pelas lembranças do que aprendemos com nossos professores e,
como alunos, assumindo um papel de “aquele que desconhece neces-
sariamente o que lhe é ensinado”. E, alunos e professores, vimos repetin-
do ações de submissão à palavra do outro. “Professor, como começo a
minha redação/composição/texto?” Lembram desse enunciado? Alguns
professores respondiam (ou respondem?) a seus alunos: “Você não sabe?
Pense, esforce-se! A ideia está na sua cabeça, é só passar para o papel!”
Outros nos “davam” um começo. Vocês recordam de algo semelhante
ao que estamos dizendo? É, mas essa é uma longa história, que trata de
uma prática pedagógica que ocupou (ainda ocupa?) uma boa fatia dos
modelos de ensino. E quanto à correção do que produzíamos? Ou rece-
bíamos uma avaliação (nota/conceito) ou observações generalistas (sua
redação não está boa, reescreva-a; tente melhorar o final; sua redação
não tem começo, meio e fim; falta coesão; melhore a ortografia, reveja a
pontuação e a concordância verbal, etc.). Poderíamos nos alongar nessas
descrições que habitam as memórias de ensino, mas as trouxemos para
começar a falar sobre a aprendizagem de ministrar aulas, cujo objetivo é
ensinar a linguagem verbal escrita; não aos moldes das memórias acima
resgatadas. Vamos atuar nas séries finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio, mas acima desse nosso compromisso está o necessário

124
O processo da escrita na escola Capítulo 10
entendimento do objeto de ensino da Língua Portuguesa e Literatura.
Com essa consideração temos, então, de tocar em questões que dizem
respeito ao acesso à cultura da escrita pelo ensino sistematizado e inten-
cional desse conhecimento, sem esquecer que isso implica olhar para o
ser que escreve, o Ser humano.

Atividade:

Como sugestão, convidamos para que você visite o site: http://www.


youtube.com/watch?v=gWl1gs0dJ. Depois de assistir ao vídeo re-
comendado, escreva, em um documento digital, um pequeno me-
morial de seus primeiros anos escolares. Deposite no fórum de seu
ambiente on-line.

10.2 Aprendizagem e desenvolvimento da


linguagem escrita e autoria
Apresentamos abaixo quatro “textos”, dois exemplares retirados de
cartilhas brasileiras e dois de alunos da primeira série do Ensino Funda-
mental produzidos em meados do segundo semestre letivo.

Textos de cartilhas e de alunos de classes de alfabetização


A) Textos de cartilhas B) Textos de alunos
(1A) Sara come salada. (1B) A cama
A sola do sapato está furada. Fernando tem uma cama.
Silas socorre Sônia. Mamãe tem uma cama.
Pedro tem uma cama.
[(1) ALMEIDA, Paulo Nunes de. Pi- Rita tem uma cama.
poca: método lúdico de alfabeti- brinquedos
zação. 6 ed. São Paulo: Saraiva.] Rita olha a cama.
[(8) Lucas* - 1ªsérie
(*nome fictício)]

125
Metodologia de Ensino

(2A) (2B) A Teve


Roque é quieto? Ana não tinha Teve a Ana tem
Roque comeu o queijo de Quiri- uma saia cor de rosa, um lacinho
no. verde, e camisa cor de rosa Ana era
Roque jogou o caqui no aquário. louca por uma Teve.
Roque queimou o leque. Ana disse para o marido
O leque era de Quitéria . vamos comprar
- Moleque , eu quero meu leque. uma Teve sabado.
as semanas foram pasando e
[(2A) ALMEIDA, Doracy de Paula finalmente chegou o sabado e
Falheiros de. No reino da alegria. veio a Teve.
São Paulo: IBEP, sd. ] ela ficou tão feliz que se esqueceu
de preparar o almoço do/ marido
aí quando o marido chegou
ele falou: Ana a minha comida
ai a Ana disse
o marido desculpe é que eu gostei
tanto da teve que esqueci da tua
comida eu estou muito feliz
Fim 1ªsérie

[(2B) Pedro* - 1ª série.


(*nome fictício)]

Se partirmos para uma análise comparativa


dessas escritas, podemos dizer que na relação entre
“textos” de cartilhas e “textos” de alunos há algo que
aproxima os textos de cartilhas (1A, 2A) do texto do
aluno (1B) e algo que difere dessas três produções
em 2B (texto de aluno). Os dois textos da primei-
ra coluna (cartilha) trazem uma frase a cada linha,
repetição de palavras e concentração de certas síla-
bas de “famílias silábicas”. O texto do aluno “1B”, na
segunda coluna, traz as marcas de um ensino pela
cartilha, aquele que objetivava a ensinar a escrita
mediante o uso de texto, isto é, do que se compre-
endia ser texto à época e o ensino adequado à al-
fabetização escolar: um ensino por modelos, pela
repetição de frases criadas com esse fim. Traz uma
configuração típica de textos de cartilhas.
Figura 45 – Cartilha. Fotografia: Horton Group, USA - http://www.
sxc.hu/photo/510148

126
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Atividade:

Visite os sites que trazem cartilhas on-line, faça download de no


mínimo três delas e teça um comentário indicando as fontes de con-
sulta. Poste no fórum específico de seu curso. A título de sugestão,
indicamos o site: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/02/
download-da-cartilha-caminho-suave.html.

Na produção de Lucas (1B) há marcas evidentes desse modo de en-


sino com base em uma linguagem criada exclusivamente para esse fim
e que é representativa do que ora expomos: frases simples; justapostas;
uma escrita sem elementos coesivos, sem preocupação com a coerência;
palavras repetidas; coesão sustentada pela manutenção da palavra que
é tema da escrita. Enfim, um modelo de ensino que, apoiado em uma
determinada compreensão desse fenômeno que é a linguagem, gradua o
conhecimento do fácil ao difícil, do simples ao complexo. Há, portanto,
no que o aluno produz as marcas dos processos de ensino.

No caso que ora discutimos – o texto de Lucas –, as evidências põem à


mostra um processo de ensino assumido por um número importante
de professores, que considera pouco (ou desconsidera) a compreensão
que as crianças têm sobre a linguagem verbal quando chegam à es-
cola; e, em nome de uma concepção de linguagem, de organização e
sistematização de conteúdos de linguagem a ensinar, gradua conteú-
dos: do concreto ao abstrato, do simples ao complexo, do particular ao
geral, entre outros procedimentos, como já observamos. Escolariza-se
o conhecimento. E aqui uma ressalva quanto à crítica feita há pouco,
pois não se intenta um ensino sem organização e planejamento, pelo
contrário, sem tais condições, entende-se, não há como interagir para o
desenvolvimento do conhecimento da língua materna de estudantes.
A questão para a qual convocamos a reflexão interroga sobre a concep-
ção de linguagem que traça nossos atos educativos. Voltando nossa
observação para os textos de cartilhas (1A e 1B) e a do aluno Lucas,

127
Metodologia de Ensino

avalia-se que esse estudante opera com sua escrita ao modo como au-
tores de cartilhas operam com seus textos-exemplares. Há, podemos
dizer, certa homogeneização na escrita de textos de cartilhas que se faz
representar na escrita de alunos (alunos de escolas nas quais se ensina
desse modo; caso do aluno Lucas).

Diferentemente de Lucas, Pedro tenta pôr-se como autor de sua


escrita ao escrever sobre uma personagem sua (conhecida ou criada)
e com frases e encadeamentos únicos (não reconhecidos). Há muito,
certamente, para Pedro aprender sobre a escrita ainda e, mesmo agora,
nessa etapa, se lermos com os olhos do rigor da norma escrita, podere-
mos não atribuir um valor que o texto do aluno manifesta. Mas, rees-
Figura 46 – Escrita crevendo-o e aproximando-o um pouco mais da norma gramatical da
escrita, no texto de Pedro ficam ainda mais evidentes as marcas de um
aluno que, mesmo estando ainda em processo inicial de aprendizagem
da escrita no seu desenvolvimento dessa aprendizagem, já é autor de
seus enunciados. O processo de ensino de Pedro foi certamente outro, e
o que produziu tem as marcas dessa diferença.

Vejamos a escrita retomada por nós levando em conta alguns as-


pectos da norma da língua:

A Tevê

Ana não tinha tevê. A Ana tem

uma saia cor de rosa, um lacinho

verde e camisa cor de rosa. Ana era

louca por uma tevê. Ana disse para o marido:

- Vamos comprar uma tevê sábado?

A semana foi passando e

finalmente chegou o sábado e veio a tevê.

Ela ficou tão feliz que se esqueceu

de preparar o almoço do marido.

128
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Aí, quando o marido chegou,

ele falou: Ana, a minha comida?

Aí a Ana disse:

Ô, marido, desculpe! É que eu gostei

tanto da tevê que esqueci da tua

comida! Eu estou muito feliz!

Fim 1ªsérie

Atividade:

Colete textos de alunos e passe-os em modo de apresentação digital


ilustrando essa apresentação. Comente sobre o possível processo de
ensino que motivou a escrita dos textos. Poste no ambiente AVEA.

Diante do que expusemos, podemos perceber que os procedimen-


tos para o ensino sistematizado da leitura e da escrita estão ancorados
nas concepções de linguagem (língua/linguagem) e de ensino e apren-
dizagem que seus proponentes possuem (de modo consciente ou não)
e se expressam nas escolhas tanto da ordem das relações sociais como
discursivas (processos de interação social e verbal). Tais escolhas pro-
vocam uma ou outra modalidade de interação social e verbal. Dessa
forma, é imperiosa a observação da constituição das inter-relações, ou
seja, a observação dos processos sociais, históricos e ideológicos envol-
vidos na singularidade das relações sociais e discursivas nas salas de
aula: um ambiente com a finalidade do ensino intencional do português
nas suas diferentes modalidades, cuja finalidade põe em perspectiva a
responsabilidade social para com a formação do cidadão com vistas a
uma sociedade mais justa e solidária. A escola, como instituição social,
é parte de uma complexa formação social e preconiza por meio de seus
projetos de ensino particulares um determinado modo de educação não
desarticulado daqueles que circulam em outras esferas sociais. Como
profissionais responsáveis pela ação pedagógica, professores lidam com
a memória do que é o ensino, do que é a aprendizagem, constituídos,

129
Metodologia de Ensino

ambos os processos, ao longo de um tempo e espaço históricos. Nesse


tempo e espaço, lida-se, portanto, com a memória dos sentidos que fo-
ram sendo construídos sobre o que se compreende como uma aula de
língua materna (no caso, o português).
Na Unidade A, caros
alunos, vocês tiveram a
oportunidade de estudar Pelas aulas os estudantes passam a se vincular a essas comunida-
especificamente sobre des sociodiscursivas e passam também a construir sentidos do processo
o tema “formação de
professores”. educativo (do que é ser professor, do que é ser aluno, do que é a leitura
(ser leitor), escrita (ser escritor), entre outros). Não passamos, portanto,
impunes pelas salas de aula, pelas instituições que se ocupam com a
educação formal ou que com elas estabelecem elos sociais. Os textos de
cartilhas e de alunos apresentados neste capítulo expõem – ainda que
de modo singelo e pontual –, a relação de consequência entre posturas
filosóficas, teóricas e metodológicas e a prática pedagógica na sala de
aula. Ainda: que mudanças dessas posturas levam a processos e a pro-
dutos distintos e nos indicam a necessidade de articulação das pesquisas
(conhecimento produzido) com o ensino (conhecimento produzido e
socializado) e a aprendizagem e desenvolvimento do conhecimento.
Na composição deste
livro, cujas modalidades Pensar em metodologias de ensino da escrita ou de quaisquer das
da língua apresentam-
se, para efeito didático, modalidades da língua implica considerar que quaisquer desses proces-
em unidades – formação sos de conhecimento não iniciam necessariamente no espaço da insti-
de professores, leitura,
literatura, escrita, tuição escolar. É, contudo, desse espaço que, como futuros professores,
reflexões sobre a língua temos a responsabilidade de responder socialmente pelos estudantes
–, igualmente não as
concebemos de forma que formamos nessa disciplina denominada Língua Portuguesa. E,
estanque, menos ainda como diz Bakhtin (2010 [1920-1924]), referindo-se à dimensão ética
trabalhamos alicerçando-
nos na fragmentação da do agir humano, não temos álibi para escapar dessa responsabilidade.
língua ou das próprias Ainda, nessa direção, a metodologia assumida para essa pedagogia re-
atividades.
quer a definição de uma unidade de fundamento para o ato educativo.
Assumir uma determinada concepção de linguagem é configurar uma
unidade de fundamento à prática pedagógica e o que dela decorre como
possíveis e prováveis relações sociais desencadeadas.

Neste livro de Metodologia, assumimos uma concepção interacionista


de linguagem e, então, se focarmos nosso olhar sobre o ensino da escri-
ta, cabe-nos a pergunta: o que fazer, como fazer, para que fazer quando

130
O processo da escrita na escola Capítulo 10
ensinamos a escrita ancorados nessa compreensão filosófica, teórico-
linguística da língua? Certamente o comentário mais imediato aponta
que o ensino não pode ser desenvolvido pela fragmentação da lingua-
gem verbal. Ensinar com base em uma didática que fragmente a aula
com o objetivo de obter o domínio da escrita por meio de exercícios-
treino, propondo aulas de leitura, de interpretação de textos, de exercí-
Na concepção dialógica
cios gramaticais, de paráfrases textuais, etc., como atividades estanques da linguagem, enunciados
que pouco ou jamais se inter-relacionam vai na contramão do que se são unidades reais na
cadeia verbal (Bakhtin
compreende sobre a natureza da linguagem verbal. [Volochínov], 1990, p.
126). Acompanhando
as palavras de Bakhtin
([Volochínov], 1990,
De outro modo, pelo entendimento de língua como interação, a p.123), “Qualquer
enunciação [enunciado],
linguagem é constituída nas atividades humanas ao mesmo tempo em
por mais significativa
que é constituidora dessas atividades. Nela, os enunciados produzidos e completa que seja,
constitui apenas uma
pela sua natureza dialógica são tomados no “grande diálogo da comuni-
fração de uma corrente
cação discursiva.” (BAKHTIN, 2003, p. 323). de comunicação verbal
ininterrupta (corrente à
Então, pedagogicamente temos a responsabilidade da compre- vida cotidiana, à literatura,
ao conhecimento, à
ensão da linguagem em toda sua complexidade, e a aprendizagem da política, etc.). Mas essa
escrita é uma delas porque é elo nesse processo. A compreensão da lín- comunicação verbal
ininterrupta constitui,
gua, consequentemente, passa pelo entendimento de que se tratarmos por sua vez, apenas um
de recortes desse fenômeno estes necessitam ser analisados conside- momento da evolução
contínua, em todas as
rando-os no contexto da cadeia ininterrupta da linguagem. Se essa é a direções, de um grupo
realidade concreta do fenômeno língua/linguagem, essa é a realidade social determinado”. Para
aprofundar esse tema,
concreta para seu ensino. indicamos a leitura das
seguintes obras: BAKHTIN,
Mikhail [Volochínov].
Marxismo e filosofia
A essa altura vocês poderiam estar se perguntando: mas por que inte- da linguagem. 5. ed.
ressaria a nós que iremos atuar nas séries finais do Ensino Fundamental São Paulo: Hucitec, 1990
(especialmente o capítulo
e no Ensino Médio discutir questões de alfabetização e não ir direto às 6 – páginas 110 a 127);
questões do ensino da escrita no nível em que vamos atuar? É por esse SOUZA, Geraldo Tadeu.
Introdução à teoria do
motivo. Necessitamos entender a aquisição desse conhecimento que enunciado concreto
é a linguagem verbal no seu percurso histórico de constituição e de do círculo de Bakhtin/
Volochínov/Medvedev. 2
prática pedagógica, bem como sua natureza dialógica, como vimos. ed. São Paulo: Humanitas/
FFLCH/USP, 2002
(especialmente a III parte
– páginas 85 a 135).

131
Metodologia de Ensino

10.3 Modelos de ensino na pedagogia da


língua escrita: pontos de referência em
discussão
Historicamente, com base nas orientações sobre o ensino da escrita
Se fôssemos percorrer o nas séries iniciais, por não considerarem que a aprendizagem iniciava
diálogo histórico da teoria antes mesmo de a criança entrar na escola (pensava-se que a criança
dos modelos e métodos
direcionados à pedagogia chegava a zero na escola, era uma “tábula rasa”, isto é, sem nenhum sa-
da Língua Portuguesa, ber), o conhecimento era apresentado de modo gradual e progressivo e,
certamente teríamos
muito a dizer e ainda a muitas vezes, artificial, não só do ponto de vista linguístico, mas tam-
investigar. Porém, nos bém por estar desconectado da realidade vivencial da criança. Como
limites deste Livro e deste
capítulo, nosso objetivo decorrência, as experiências escolares com a escrita concentravam-se
é expor certos princípios em atividades mecânicas de reprodução, correspondência entre som e
de ações de educação,
ensino e formação que grafia, enfim, basicamente constituíam-se de treino da escrita (mediante
tratam do ensino da cópia mecânica, ditados, exercícios repetitivos que obedeciam rigorosa-
escrita, com a intenção de
situar tais princípios no mente a uma graduação de dificuldades).
contexto da pedagogia
da língua escrita por
aceitar também que é
ainda uma necessidade
Há um número variado e importante de publicações estrangeiras e
a produção de pesquisas nacionais – e em linhas teórico-filosóficas distintas – que, nos últi-
sobre o percurso histórico
do ensino da Língua
mos tempos, têm trazido contribuições importantes para as refle-
Portuguesa no nosso país. xões sobre o processo de aprendizagem da escrita antes de as crian-
ças iniciarem a sua escolaridade. Ver, por exemplo: FERREIRO, E.;
TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Ar-
tes Médicas, 1986; VYGOTSKY, Lev S. A formação social da men-
te. São Paulo: Martins Fontes, 1984; VYGOTSKY, Lev S. Pensamen-
to e linguagem, São Paulo: Martins Fontes, 1988 (VIGOTSKI, L. V.
A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de
Paulo Bezerra, São Paulo: Martins Fontes, 2001); SMOLKA, Ana Luiza
B.; GÓES Maria Cecília R. de (Org.) A linguagem e o outro no es-
paço escolar. Campinas, SP: Papirus, 1994; SMOLKA, Ana Luiza B. A
criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo
discursivo. São Paulo: Cortez. 1988; KATO, Mary. No mundo da es-
crita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986.

132
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Vejamos em: “Sara come salada./A sola do sapato está furada./
Silas socorre Sônia.” (observemos a artificialidade do texto por centra-
lizar-se na letra “S”, no momento, o objetivo metodológico e objeto da
aprendizagem). O pressuposto é de que os estudantes, por não terem o
conhecimento de todas as letras e sons numa determinada etapa, não
apresentariam condições de produzirem textos espontâneos, apesar de
eles, na oralidade, narrarem histórias, acontecimentos cotidianos que
lhes estivessem mais próximos e certamente com uma configuração dis- Tais “textos” retratam a
cursiva muito distinta dessa apresentada pela linguagem do método. As concepção de leitura
e escrita centrada
crianças na sua relação com as práticas sociais de escrita, fora de espaços basicamente no
específicos para essa aprendizagem, produzem textos com sentidos, ain- reconhecimento ou
percepção de letras,
da que não tenham aprendido a convenção alfabética da escrita. Dificil- palavras ou frases muitas
mente uma criança falaria ou escreveria uma sequência discursiva como vezes vazias de sentido
para os aprendizes.
a apresentada nesse suposto “texto” de cartilha.

Bortolotto (2001[1998], p. 23), discutindo o processo de ensino


para produzir texto escrito no âmbito da sala de aula de alfabetização,
alertava sobre o uso, pelo professor, de métodos com passos previstos e
predeterminados para esse ensino:

A literatura mostra que muitos professores apoiam o trabalho de alfabe-


tização em métodos específicos, seguindo uma forma de ação que tem
certo caráter de legalidade e segurança por ser o método reconhecido
como um caminho que apresenta alguma garantia de resultado. [...]

Trata-se, na terminologia de Charaudeau (1983), do discurso do método,


que pressupõe um “contrato de fala” propondo um ideal de “como fa-
zer” para demonstrar a “verdade”. O sujeito que o enuncia se constitui,
assim, em “Conselheiro” de um programa que deve ser seguido, e esta
autoridade lhe é assegurada pelo reconhecimento e pela experiência Figura 47 – Livro: A interlocução na
sala de aula
anterior bem-sucedida – e mais, o programa de “Fazer” é apresentado
de tal modo que pode ser desligado do “Conselheiro” quanto às suas
condições de realização.
[...]
quando o professor seleciona um método, está selecionando juntamente
com ele um discurso delimitador que enquadra o desenvolvimento das
atitudes e atividades escolares. Ali tudo parece estar definido. O professor
fala pela voz memorial de um discurso (legitimado) que não é seu, mas
que passa a assumir como seu. É a voz técnica, a fala prevista para ser dita
por e para qualquer locutor nos limites de uma situação pedagógica.

133
Metodologia de Ensino

[...]

O efeito da fala do método no contexto real é uma enunciação circuns-


crita ao preestabelecido. Esta forma de organizar o processo de ensino-
aprendizagem da leitura e da escrita desencadeia uma situação que
dificulta o fluir da interlocução, que fere o princípio discursivo da lin-
guagem como efeito de sentido produzido na relação de interlocução,
privilegiando, em nome de uma fala técnica supostamente eficiente, a
transmissão unilateral de conhecimentos a alunos que supostamente
ignoram. (BORTOLOTTO, 2001 [1998], p. 23-25).

Como consequência disso tudo e por desconsiderarem que a crian-


ça quando chega à instituição escolar já manifesta suas leituras e escri-
tas (ainda que não pelas convenções da escrita, como já observamos)
e, portanto, já produz textos, os professores viam (ou veem?) o texto
apenas como o coroamento do processo de aprendizagem e
de produção.

Caso nos ocupemos somente com a adequação do texto


às estratégias de alfabetização em sua perspectiva restrita de
domínio graduado do sistema gráfico, estaríamos tornando
o texto escrito um conteúdo e um pretexto, desconsideran-
do, portanto, que há uma relação de interação social e verbal
que motiva e origina quaisquer ações com esse objeto que se
chama escrita, que se chama linguagem verbal.

Passando agora aos níveis seguintes do ensino escolar,


podemos observar que a metodologia adotada é semelhante
à da primeira série. Há o uso de manuais didáticos que tam-
bém se cercam de objetivos semelhantes aos das produções
de cartilhas e guias didáticos para alfabetizadores, determi-
nando-lhes atitudes e caracterizando um trabalho mais de
reprodução do que de conhecimento em produção.

Vejamos, por exemplo, uma proposta de estudo de texto


retirada de um livro da década de 1980 que exemplifica o
modo como tais estudos eram encaminhados à época, refor-
çando a tendência, no trato da leitura e escrita, a enfatizar
aspectos mais periféricos e descritivos do texto em proposta
Figura 48 – Atividade em livro didático. de estudo.

134
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Atividade:

Tente ocupar o lugar de aluno e responda às questões propostas


nesse excerto do livro didático. Após essa experiência, posicione-se
escrevendo um breve comentário a um colega de turma, apoiando-
se, para a construção de seus argumentos, nos estudos sobre leitura
feitos até o momento e indicando sua contribuição mediante pro-
posta de trabalho.

Esta é apenas uma representação do modo como a didática da Língua


Portuguesa iniciava seus “estudos de textos”. De modo geral, tais publi-
cações mantinham um modus operandi para os procedimentos didáticos
de apresentação desses estudos. Os passos poderiam ser previstos, pois a
cada página a sistemática de apresentação era a mesma ou, quando muito,
semelhante. A conduta que se esperava do professor era que seguisse tais
passos, agindo desse modo, poderia ele “garantir” êxito a seu processo pe-
dagógico (o do livro didático, mas assumido como seu). Conduta, como
vimos e agora repisamos, que se assemelha à dos manuais de alfabetização
e das propostas para ações dos alfabetizadores. Se observarmos a proposta
de estudo do texto (entendimento e análise) que está dirigida para alunos
que estão por cinco anos na escola, verificaremos que as respostas espera-
das não exigem dos estudantes mais que a decodificação do código escrito
(leitura-decodificação), mais que a localização de informações com base
no fragmento de um texto literário selecionado para estudo (diga-se, sem
mencionar tal situação de produção escrita).

Ademais, o texto é tratado como um conjunto preciso de informa-


ções, levando o aluno a possíveis equívocos, como o de ser a leitura um
ato de reprodução do sentido do texto (leitura parafrástica), de a garan-
tia da leitura passar necessariamente por exercícios de entendimento e
análise (respostas excludentes; objetivas – sem espaço para outras posi-
ções interpretativas). Esse modo de ensino pode imprimir uma rotina
pouco saudável àqueles jovens estudantes partícipes da rica produção
humana nos usos e práticas de linguagem na realidade concreta da co-
municação discursiva.

135
Metodologia de Ensino

As propostas de escrita de textos expostas pelos livros didáticos


– até sem eles – sustentavam-se nessa “preparação” pela leitura de um
dado “texto” (normalmente fragmento de algum gênero de discurso)
como momentos de “estudo do texto” para que o aluno exteriorizas-
se em momentos subsequentes sua produção escrita, baseando-se no
estudo proposto no livro didático; ou ainda que escrevesse um texto
com base em “tema livre”, como experimentou Santiago na sua aula de
Português.

Essa não é, contudo, uma crítica negativa a estudos de textos que


tenham como ponto de partida para escritas “estudos dos textos”, afinal
é essa uma das nossas tarefas na profissão, mas tal opção de trabalho
alerta para que se pense o que estamos entendendo como leitura, como
escrita, como leitura para estudo de um “texto”, leitura para “escrita de
textos”. Necessitamos pensar com profundidade sobre os manejos peda-
gógicos, buscando a compreensão, mas reagindo reflexivamente e com
atitudes, nutridos pela concepção de língua que se assume com essa ou
com aquela ação. Mesmo porque também podemos nos deparar com
alunos com seus processos de aprendizagem e de desenvolvimento do
conhecimento da escrita distante do que é esperado. Então, se temos de
compreender a natureza da linguagem e dessa concepção traçar nosso
ato pedagógico, se temos de olhar a comunicação discursiva no seu fluxo
ininterrupto, também temos de olhar para os interlocutores desse pro-
cesso, para o professor (e sobre ele já falamos um pouco, mas destinare-
mos um espaço especial neste livro), sobre sua condição de aprendiz do
ensinar; sobre suas condições sociais, históricas, ideológicas de trabalho
(formação; condições de trabalho), sobre seus alunos, na relação que se
estabelece entre professores, alunos e objeto de conhecimento.

Assim, caros alunos, é tempo de falarmos um pouco do ponto de vis-


ta desses estudantes interlocutores da aula, na aula de Língua Por-
tuguesa. Muitas vezes há um distanciamento entre o que se propõe
como ensino e a necessidade concreta do aluno, ou seja, de suas con-
dições de aprender naquele tempo e espaço de sua história pessoal de

136
O processo da escrita na escola Capítulo 10
aprendizagem. Vejamos essa situação pelo relato de um evento peda-
gógico de ensino de escrita.

Alunos do sexto ano do Ensino Fundamental (nível que estará sob


nossa responsabilidade), após participarem de um projeto de ensino de
português em cuja proposta de aprendizagem da escrita estava previs-
to um trabalho com o gênero de discurso “comentário” e convites para
eventos, escrevem:

Projeto Transpondo da Língua Portuguesa! No projeto “transpondo muro pela Língua Portuguesa
Eu convido é um geito de executar a nossa arte no muro,
Para um teatro da Língua minha turma 604 ano faz arte na frente da escola
Portuguesa Um teatro de um ligar no dia 26/06/10. Uma mulher grafiteira vai ajuda
De omoristas e de culinaria nois fazer arte na frente da escola.

Destacamos que esses dados são resultado de um projeto de estágio


supervisionado produzido por alunos do curso de Letras na modalida-
de presencial (primeiro semestre de 2010), com o título “Transpondo
muros pela Língua Portuguesa: a arte no grafite”, desenvolvido pelas
acadêmicas Maria Eduarda Piazza Fazzini e Tânia Maria Britz Soares. O
projeto trazia, pela arte do grafite de muros e a pichação, a discussão
(entre outros pontos) da responsabilidade dos atos pessoais e coletivos
diante daquilo que tornamos público. No trabalho de ensino da escrita
em suas diferentes modalidades (oralidade, escuta, leitura, escrita, refle-
xões sobre a língua) que permeava toda essa discussão, estava prevista
a aprendizagem e o desenvolvimento do conhecimento do gênero do
discurso comentário, a produção de folders e convites para eventos de
arte. O referido projeto desencadeou a produção de uma obra de gra-
fite em uma das paredes da escola na qual o estágio foi desenvolvido.
Essa produção foi realizada a muitas mãos: por alunos, pessoas da co-
munidade escolar (diretores, professores – da escola e da universidade
–, serventes, técnicos da administração escolar), todos acompanhados
por duas grafiteiras. A proposta da escrita que é estampada aqui trata
do convite a ser dirigido à comunidade escolar e circunvizinha à escola

137
Metodologia de Ensino

para conhecerem a obra que resultou das atividades desencadeadas ao


longo do estágio de docência. Na proposta do convite havia a indica-
ção de os alunos apresentarem um breve comentário sobre o processo
pedagógico que culminou na produção do convite.

Figura 49 – Grafite em parede de escola

Essas duas escritas de alunos demonstram que as reflexões sobre es-


crita não podem considerar esse objeto de conhecimento de modo apar-
tado, separando alfabetização da disciplina Português que percorre o cur-
rículo dos Ensinos Fundamental e Médio, menos ainda, exclusivamente
pelo ano de escolaridade em que se encontra o aluno (séries iniciais, finais
do Ensino Fundamental; Ensino Médio; Ensino Universitário). Ainda: há
também a necessidade de se pensar nas especificidades das escolhas meto-
dológicas em razão do grupo de sujeitos aos quais direcionamos o ensino
em tempo e espaço históricos determinados. Tratamos de um fenômeno
Na teoria do Círculo
de Bakhtin, se falo em social que é a linguagem escrita e por isso é importante compreender a
sujeito, já pressuponho sua natureza como objeto e do ponto de vista daqueles que se apropriam
dois interlocutores – a
constituição do desse conhecimento (pelo ensino formal ou não). Necessitamos, portan-
eu pelo outro. to, de uma teoria, de uma metodologia da Língua Portuguesa. Daí que
precisamos ter também, ainda que de modo amplo, a compreensão do

138
O processo da escrita na escola Capítulo 10
processo de apreensão da linguagem escrita no complexo da cadeia da
comunicação discursiva (como já vimos), pois podemos nos deparar com Saiba mais: BAKHTIN,
alunos que, mesmo não estando em classes de alfabetização ou frequen- Mikhail [Voloshinov].
Marxismo e filosofia
tando outras séries iniciais do Ensino Fundamental, estão sob a nossa res- da linguagem. 5. ed.
ponsabilidade e necessitam de conhecimentos de alfabetização, situação São Paulo: Hucitec,
1990. Especialmente na
para a qual não temos álibi para não considerá-la. segunda parte dessa
publicação concentra-
se a teoria filosófica da
linguagem de Bakhtin/
Para traçarmos nossos projetos de ensino de escrita, necessitamos saber Volochínov (“a língua
de onde partir e onde pretendemos chegar, portanto, saber o que nos- se realiza através da
interação verbal social
sos alunos dominam ou necessitam saber. Esse é também um dos pon- dos locutores.”).
tos a serem postos em consideração quando falamos de ensino da es-
crita: não perder de vista os sujeitos do processo nas práticas de escrita.
Necessitamos de conhecimentos sobre o objeto do nosso ensino, mas
também sobre a aprendizagem dos sujeitos, sobre nossa mediação na
relação social escolar (porque também somos aprendizes do ensinar).
Isso para ficar nessas relações mais imediatas envolvidas na produção
do conhecimento da escrita em uma instituição especializada para tal
tarefa. Não iremos encontrar turmas homogêneas com pessoas com as
mesmas necessidades de conhecimento, portanto nossos desafios no
ensino da escrita são importantes e instigadores e requerem saber o
que os sujeitos sabem (tanto professores quanto alunos).

Os textos apresentados anteriormente demonstram tal desafio. Te-


mos, sim, muito a ensinar e muito a aprender quando a relação social
se instaura em uma sala de aula, em uma escola, em uma instituição.
Embora esses dois alunos estejam no sexto ano de escolaridade, o que
dominam – e aí não precisamos ser especialistas para atingir tal conclu-
são – ainda não atende aos objetivos requeridos para um ensino e apren-
dizagem daqueles que estão, há seis anos, envolvidos com a linguagem
escrita; especialmente, no caso, em razão dos problemas com o padrão
normativo da língua ou da textualidade requerida na escrita de um gêne-
ro como o comentário. O objetivo precípuo do ensino da escrita é enca-
minhar para uma escrita com autoria, o que demanda um longo proces-
so de ensino e de aprendizagem. Se no caso das crianças em processo de
alfabetização, pelo método com passos previstos e predeterminados da
cartilha (casos aqui exemplificados), os textos são praticamente isentos

139
Metodologia de Ensino

de lapsos da norma da língua, distantes de uma escrita espontânea e pró-


ximos da escrita dos autores das cartilhas, nesses dois casos da escrita dos
dois convites (anteriormente apresentados), os alunos não escreveram
pelo rigor da norma porque exercitaram a escrita visando à adequação
ao gênero em ensino: convite para evento artístico.

O domínio do código, o domínio da escrita, ficou evidenciado por-


que a força do método não camuflou o processo de aprendizagem,
as marcas do desenvolvimento do conhecimento dos sujeitos em
aprendizagem. Apesar de nos causar surpresa o (pouco) domínio da
escrita desses dois alunos após seis anos de escolaridade, a forma de
encaminhamento do ensino forneceu condições para que a escrita
real, concreta, com autoria fosse posta à mostra. A metodologia
para o ensino da escrita foi determinante para um ou para outro re-
sultado. O último caso narrado (das duas escritas) se assemelha à
escrita de Pedro (alfabetização/ “A tevê”).
Em ambos os processos de ensino dos quais esses alunos fizeram
parte, a concepção de linguagem que alicerçava a opção pedagógi-
ca tomava como compreensão a sua natureza social. Essa também é
uma realidade que produz outra realidade: a da inter-relação social,
verbal e ideológica dos atos da linguagem na escola. Com tais con-
siderações e voltando nosso olhar para o que escrevem os alunos
hoje, temos muito a pensar, dizer e fazer. O que pensam sobre isso?

Geraldi (1997), em uma discussão sobre a relação entre escrita na


escola e escrita literária, retoma entre outras observações que o princípio
fundamental que deveria orientar o trabalho com produção de textos na
escola é o de que “[...] um texto é sempre uma versão, a ele devendo-se
retornar continuamente até dá-lo como pronto, sabendo-se que sempre
será possível uma nova versão”. Trata-se, continua o autor, “[...] de pen-
sar a produção de textos não como tarefa, mas como trabalho”. Conside-
rando essa premissa, indica o papel do professor, qual seja:

Como leitor privilegiado de escritores iniciantes, seu papel é fundamen-


talmente aquele do co-autor que, aproveitando-se de seu maior conví-
vio com textos escritos, é capaz de formular ao iniciante um conjunto
de questões que lhe permitirão retornar ao seu texto, reelaborá-lo, rees-

140
O processo da escrita na escola Capítulo 10
crevê-lo não como uma simples higienização superficial de problemas
gramaticais, mas como aquele que, conhecendo as condições de enun-
ciação de seu aluno, pode apontar para enunciados produzidos para
neles fazer emergir tais condições: o sujeito, sua história, seus pontos Contrapalavra
Termo usado na te-
de vista, suas articulações com o convívio de outros, fazendo a ponte
oria de Bakhtin, cujo
de diálogo constante do texto que agora se produz com os textos já sentido é de reação-
existentes. (GERALDI, 1997, p. 225-226). resposta do interlocu-
tor, estabelecida no ato
dialógico da lingua-
As colocações de Geraldi e o que se faz representar na escrita desses
gem entre eu e outro
dois estudantes do sexto ano nos indicam que a escrita é movimento, é
processo e sempre temos a aprender ocupando o lugar do aluno (para
olhar de um lugar exotópico) ou de professor. Até porque se escrita é
trabalho e trabalho entendido como construção social, este nos exige
Na teoria de Bakhtin,
empenho, mas também sutileza no trato tanto do processo quanto do o termo “exotopia”
que é produto, já que lidamos com produção humana. Da mesma for- corresponde ao excedente
de visão que cada ser
ma, o necessário cuidado com o sentido construído pelo outro (nosso humano tem em relação
aluno), pelo que ele disse ou desejou dizer, mas ainda não disse, não a seu outro, dado que
sempre vemos do outro
apenas em sua relação indivíduo-conhecimento, mas na relação indiví- algo que ele próprio não
duo-conhecimento social/coletivo, já que entendemos a aprendizagem consegue ver diretamente.
Pelas palavras do autor e
da escrita como uma experiência social, isto é, mediada pelo outro (es- acrescentando sentidos:
critor-leitor), em que ambos compartilham de um universo de sentidos “Esse excedente da
minha visão, do meu
e representações no interior de uma dada coletividade. Ou o cuidado conhecimento, da minha
de provocar aprendizagens que não firam a palavra do outro, que não posse – excedente sempre
presente em face de
alterem os sentidos trazidos ou que anulem a palavra desse outro (inter- qualquer outro indivíduo
locutor-aluno) pela imposição de sua própria (a de professor), mas antes – é condicionado pela
singularidade e pela
assuma uma postura de mediação pela contrapalavra (de professor), insubstitutibilidade do
esse é nosso papel magisterial. meu lugar no mundo:
porque nesse momento
e nesse lugar, em que sou
o único a estar situado
É no curso dessa disciplina Metodologia do Ensino de Português e Lite- em dado conjunto de
circunstâncias, todos os
ratura que poderemos desenvolver, aprofundar os conhecimentos, as outros estão fora de mim.”
experiências necessárias ao nosso futuro desempenho profissional, co- (BAKHTIN, 2003, p. 21).
lhidas durante as mais variadas disciplinas do curso. Nessas diferentes
disciplinas vocês estudaram teorias que discutiam a Língua Portuguesa
e a Literatura. Agora, estamos diante do desafio de pensar a atuação
profissional e provocar-lhes aprendizagens e desenvolvimento de

141
Metodologia de Ensino

conhecimentos sobre a linguagem escrita. Necessitamos agir, então,


necessitamos saber como agir. Necessitamos, então, de um método?
De uma metodologia? Ou, antes de tudo, de uma concepção de lin-
guagem, de entender o que é linguagem?

A tradição do ensino escolar da escrita já nominou de muitos mo-


Retome a leitura desse dos o objeto de seu ensino, como retórica, poética, gramática, gramática
tema no Livro Produção histórica, composição, redação, produção textual e, em um tempo his-
Textual Acadêmica I (1);
Linguística Textual (4); tórico mais próximo do nosso, perfilam expressões como discurso es-
Linguística Aplicada. crito, gêneros do texto, gêneros do discurso, tipos de texto e de discurso.
Essas diferentes nominações expressam uma dada concepção de escrita,
uma dada concepção de texto que, por sua vez, põe em perspectiva uma
determinada concepção de linguagem. Enfim, são muitos os quadros
conceituais provocadores de desdobramentos importantes para as/nas
práticas educacionais. Batista (2001[1997], p. 3-4) retrata essa condição.
Recomendamos a leitura Diz o autor:
do livro de Antônio
Augusto G. Batista Aula [...] no ensino de Português, o que se ensina é o produto de uma visão,
de Português: discursos e entre outras coisas, do fenômeno da língua e do papel de seu ensino
saberes escolares. Como
o próprio título indica, numa determinada sociedade. É a alteração do ponto de vista sobre es-
vocês, caros alunos, ses e outros fenômenos que pode, em parte, explicar as mudanças que
encontrarão nessa obra a vem sofrendo o ensino de Português ao longo de sua história, e que se
possibilidade de pensar
com o autor sobre “o que expressam na alteração de seu nome: Gramática Nacional, Língua Pátria
se ensina, quando a aula ou Idioma Nacional, Comunicação e Expressão, Português. É também a
é de Português: quando alteração desses pontos de vista – ou, particularmente, a competição
se ensina português, o
que se ensina?”, como entre eles – que pode explicar, em certa medida, as polêmicas e as ver-
bem o disse Magda Soares dadeiras lutas que com freqüência se travam para a definição de seu
ao comentar a obra de objeto e objetivos: a gramática? A leitura e a escrita? A língua oral? O
Batista – BATISTA, Antônio
Augusto Gomes. Aula de processo de enunciação de textos orais e escritos? O domínio de uma
Português. São Paulo: língua considerada lógica e correta em si mesma? O domínio de uma
Martins Fontes, 2001 [1997] variedade lingüística prestigiada socialmente? (1) Dependendo das res-
postas que forem dadas a essas questões, diferentes práticas ensinarão
diferentes objetos, com diferentes objetivos. Todas essas práticas, no en-
tanto, poderão ser identificadas pela mesma designação: “Português”.

(1) Compreender, através dessas polêmicas, o processo pelo qual são pro-
duzidos os objetos de ensino escolares é uma lacuna a ser preenchida no
campo de estudos e investigações sobre o ensino de Português. [...].

142
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Atividade:

Consulte livros da EaD de Produção Textual Acadêmica I (1); Lin-


guística Textual (4).

Não apenas nos restringindo ao Português, mas retornando à lin-


guagem em seu sentido genérico, amplo, busquemos em Bakhtin [Vo-
lochínov] (1990) a explicação histórica para a compreensão desse fe-
nômeno que é a linguagem humana. Para ele, Bakhtin [Volochínov]
(1990), duas grandes correntes do pensamento filosófico-lingüístico (da
filosofia da linguagem e da lingüística geral) tiveram influente assento
nessa busca: uma que o autor denominou de subjetivismo individualista
e outra denominada objetivismo abstrato. A primeira atribui a constitu-
tividade da língua ao “ato de criação individual”, monológico; a segun-
da, a um “sistema lingüístico” compartilhado por uma mesma comuni-
dade lingüística (“o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais
da língua”). Bakhtin [Volochínov] (1990), em observação e crítica às
“linhas mestras” dessas duas orientações, apresenta tese própria, apon-
tando como a verdadeira substância da língua o “fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação, ou das enunciações”
(p. 123, grifos do autor). Nas palavras do autor:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abs-


trato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno
social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enun-
ciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da
língua (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 1990, p. 123).

Atividade:

Retome nos livros Estudos Gramaticais 1 e Linguística Textual 4 o


item que trata de “Concepções de língua(gem)”. Elabore e poste um
resumo no fórum do seu curso.

143
Metodologia de Ensino

A língua concebida como forma de interação requer uma meto-


dologia de estudo de outra ordem. Bakhtin [Volochínov] (1990, p. 124)
propõe, então, como “ordem metodológica” estudar:

a) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as con-


dições concretas em que se realizam;

b) as formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em


ligação estreita com a interação de que constituem os elementos,
isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica
que se prestam a uma determinação pela interação verbal;

c) a partir daí, examinar as formas da língua na sua interpretação


lingüística habitual.

No que concerne a essa questão, o autor ainda afirma:

É nessa mesma ordem que se desenvolve a evolução real da língua: as


relações sociais evoluem (em função das infraestruturas), depois a co-
municação e a interação verbais evoluem no quadro das relações so-
ciais, as formas dos atos de fala evoluem em conseqüência da interação
verbal, e o processo de evolução reflete-se, enfim, na mudança das for-
mas da língua. (Bakhtin [Volochínov], 1990, p. 124).

Segundo Miotello (2006, p. 179), Bakhtin alerta

[...] para que a gente não estude as formas “picando fonemas”, ou “não
conseguindo ultrapassar a segmentação em constituintes imediatos”.
Não dá para separar formas lingüísticas do curso histórico das enun-
ciações. Da mesma forma não dá para separar formas lingüísticas dos
meios extraverbais e da palavra do outro. A estrutura da enunciação é
sempre uma estrutura social. Ela existe no enfrentamento permanente
com a história, com a mudança.

Tais concepções tiveram repercussão na esfera educacional brasilei-


ra e, consequentemente, nas propostas que orientam o ensino da Língua
Portuguesa. Geraldi (1984), apoiado nas posições teóricas de Bakhtin
[Volochínov] (1990), aponta que

[...] quando se fala em ensino uma questão que é prévia – para que
ensinamos o que ensinamos? – e sua correlata – para que as crianças
aprendem o que aprendem? – é esquecida em benefício de discussões
sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. (GERALDI,
1984, p. 42, grifos do autor).

144
O processo da escrita na escola Capítulo 10
No caso, Geraldi (1984) chama a atenção para a finalidade dos atos
do ensino. Se temos de pensar em “o que” ensinar, “como” ensinar, há
uma pergunta que antecede porque define as duas primeiras. Responder
ao “para quê”, diz o autor, “envolve tanto uma ‘concepção de linguagem’
quanto uma postura relativamente à educação.” (p. 42, grifos do autor).
Com base em tais ponderações, Geraldi, em forma de síntese, observa a
relação entre concepções de linguagem correntes no interior dos estudos
linguísticos e suas evidências no ensino da Língua Portuguesa:

a. a linguagem é a expressão do pensamento: esta concepção ilumi-


na, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem
como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que
não conseguem se expressar não pensam;

b. a linguagem é instrumento de comunicação: esta concepção está


ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de
signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao recep-
tor uma certa mensagem. Em livros didáticos, esta é a concepção con-
fessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora
em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais;

c. a linguagem é uma forma de inter-ação: mais do que possibilitar uma


transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem
é vista como um lugar de interação humana: através dela o sujeito que
fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com
ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos
que não pré-existiam antes da fala.

Grosso modo, estas três concepções correspondem às três grandes cor-


rentes dos estudos linguísticos: a) gramática tradicional; b) o estrutura-
lismo e o transformacionismo; c) a lingüística da enunciação. (GERALDI,
1984, p. 43).

10.4 Atos de ensino para quem se põe como


aprendiz do ensinar
No âmbito educacional, a consideração a tais pensamentos filosó-
fico-linguísticos fornece desdobramentos específicos nas práticas peda- Cf. Círculo de Bakhtin:
gógicas, como vimos pelas posições de Geraldi. Bakhtin no conjunto de vede livro Linguística
Textual (2008, p.22).
sua obra e os membros do seu Círculo, diga-se, não tratam de questões
de ordem pedagógica, contudo a teoria dialógica da linguagem desse

145
Metodologia de Ensino

Círculo de pensadores, ou seja, a linguagem concebida como produção


humana no processo da interação verbal, teve – como tiveram as demais
teorias da linguagem – consequências repercutidas no pensamento e
nas ações da esfera escolar da mais ampla produção de organização in-
teracional à mais específica em salas de aula. Várias são as publicações
de estudos e pesquisas que tratam do tema da inserção das teorias fi-
losófico-linguísticas no processo de ensino e aprendizagem da língua.
E especialmente no final da década de 1970 e início de 1980, quando
chega até nós com mais força a teoria do dialogismo, essa situação se
avoluma e adquire visibilidade. Apesar de o tema ocupar espaço nas dis-
cussões de cunho filosófico, científico-acadêmico e inclusive haver em
documentos oficiais de referência para o ensino da Língua Portuguesa
(PCNs; PC Estaduais, Municipais e outros) expressiva orientação com
base em tais pressupostos teóricos, estampa-se ainda, quando o assunto
é a sala de aula, certo desconforto entre o que é dito e o que é feito nas
relações sociais escolares entre alunos e professores.

Atualmente, O texto na Quanto a mudanças no ensino da escrita, duas obras tiveram im-
sala de aula é reeditado portância mais particularmente na pedagogia da escrita, o livro orga-
pela Ática.
nizado por Geraldi O texto na sala de aula (1984) e um outro não tão
lembrado por quem se ocupa com resgates históricos de publicações
com influência no pensamento sobre o ensino. Falamos do livro O en-
sino de Língua Portuguesa no primeiro grau, assinado por Lilian Lopes
Martin da Silva, Sarita Maria Affonso Moysés, Raquel Salek Fiad, João
Wanderley Geraldi e publicado em 1986.

O ensino de Língua Portuguesa no primeiro grau, está com a sua


publicação esgotada. Neste livro, os autores abrem a apresentação
da obra com a pergunta “O que se pode esperar de um livro sobre
o ensino de Língua Portuguesa?”. A publicação se desenhava à sua
época como crítica ao ensino fragmentado da língua, norteado por
manuais com caráter prescritivo e centrado no ensino da gramática
normativa. A proposta de ruptura era indicada não apenas por tra-
zer esse tema ao público leitor, mas também pelo modo como espe-
cialmente essa publicação foi escrita e organizada. Um livro escrito
de um modo diferente, por um grupo de “diferentes”.

146
O processo da escrita na escola Capítulo 10

Figura 50 – Livros Figura 51 – Livro de Magda Soares Figura 52 – Leituras

A irreverência para a qual chamamos a atenção marcou um perío-


do histórico. Professores como Sarita Maria A. Moysés, João Wanderley
Geraldi, Raquel Salek Fiad, Lilian Lopes Martin da Silva representam um Indicamos algumas
grupo de professores, nesse caso da UNICAMP, que teve influente papel outras leituras para o
aprofundamento da
na mudança dos rumos das discussões e encaminhamentos metodológi- história da constituição
cos sobre o ensino da língua, especialmente no nosso país. Tal movimento da disciplina (a atividade
pedagógica; percursos,
envolveu, além desses autores, outros e de outras instituições. Magda Soa- métodos, modelos, etc.)
res no prefácio que faz ao livro de Batista (2001[1997]) Aula de Português: e dos domínios das
metodologias propostas
discurso e saberes escolares, com o cuidado de pesquisadora que é, resgata em épocas diversas:
da produção brasileira obras de autores que tiveram influente destaque no GNERRE, Maurizzio.
Linguagem, escrita e
pensamento da pedagogia da Língua Portuguesa. A leitura desse prefácio poder. São Paulo: Martins
nos auxilia, então, a compreender os caminhos do pensamento brasileiro Fontes, 1985.; MURRIE,
Zuleica de Felice (Org.).
sobre o ensino da língua, sobre a aula de Português, pelo olhar de uma au- O ensino de português.
tora que foi e ainda é parte expressiva dessa história. Um de seus livros da São Paulo: Contexto,
1992.; PÉCORA, Alcir.
década de 80, Linguagem e escola: uma perspectiva social (SOARES, 1986) Problemas de redação.
teve especial influência para a compreensão da crise no ensino da língua São Paulo: Martins Fontes,
1983.; SILVA, Ezequiel
e do fracasso escolar de pessoas pertencentes a extratos sociais menos fa- Theodoro da. Leitura e
vorecidos economicamente, ao apresentar a discussão sobre as relações realidade brasileira. 2.ed.
Porto Alegre: Mercado
entre linguagem, escola e sociedade. Aberto, 1985.; SILVA,
Lilian Lopes Martin. A
escolarização do leitor:
a didática da destruição
Atividade: da leitura. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1986.
Marquem com seu tutor e com mais um grupo de colegas um encontro
virtual para escrever no wiki comentários sobre o que foi lido e que você
considera importante nas obras sobre as quais fizemos referência.

147
Metodologia de Ensino

10.5 Práticas discursivas no trabalho


com textos na escola: as relações
de interação no ensino e na
aprendizagem
Nesta seção, focalizaremos basicamente questões atinentes ao texto
como unidade de ensino, com base na concepção dialógica de linguagem.

10.5.1 O texto como conteúdo de ensino

Não há como pensar o ensino da língua sem focar o olhar nas con-
cepções de texto e seu ensino, como já indicamos nessa unidade. Desde
o processo da alfabetização, seja como ponto de partida, seja como “co-
roamento” desse processo, a aprendizagem da escrita de textos já se in-
sinua. A proposta de ensino da escrita com base na concepção dialógica
de linguagem toma os sujeitos (eu e o outro da interlocução) como inte-
rativos, portanto como sujeitos que constituem seus enunciados verbais
(nas suas diversas manifestações) e são por eles constituídos, algo que
vimos repisando no âmbito de nossas colocações.

Desse modo, os sujeitos, no fluxo da comunicação discursiva, não se valem


de fragmentos de enunciados, mas de enunciados reais concretos, com
sentido. Por que, então, no ensino da escrita de textos, buscar uma mate-
rialidade fragmentada da língua, um ensino fragmentado? Tal atitude com
o objetivo de um ensino gradual e sistemático, ao fragmentar o objeto da
aprendizagem, não estaria dificultando a compreensão desse objeto?

Afinal, nas práticas sociais discursivas – caso como o do processo


da produção escrita e da oralidade – “[...] a língua constitui um processo
de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal so-
cial dos locutores”, como nos diz Bakhtin [Volochínov] (1990, p. 127).
É certo que temos de cercar nosso olhar investigativo, pontuar o que
vamos abordar; é certo também que necessitamos de delimitações para
não correr o risco do olhar tudo e nada ao mesmo tempo, mas é certo
também que esse algo tem de ter sentido, e para tê-lo não podemos nos

148
O processo da escrita na escola Capítulo 10
apoiar na visão parcial, porque será, pela sua própria condição, parcial.
Vocês, caros alunos, conhecem a parábola Os cegos e o elefante?

Atividade:

Faça uma analogia entre a parábola Os cegos e o elefante e o comen-


tário anteriormente apresentado; registre-a em documento digital e
poste-a no fórum do nosso curso. Há várias versões que você pode
consultar na internet. Como exemplo, indicamos: http://coachingsp.
wordpress.com/2009/08/12/parabola-hindu-os-cegos-e-elefante

Indo ao encontro do que tal parábola nos permite interpretar como


analogia ao processo de conhecimento da escrita de textos na escola e
apoiados na concepção da língua como atividade interlocutiva, o texto
(oral ou escrito) só pode ser compreendido fundeado no social, pelo lu-
gar de encontro de sujeitos historicamente constituídos, pelo encontro
de pontos de vista sobre o mundo e não como produção de um sujeito
abstrato, homogêneo, que assume a posição de “emissor de mensagens”
e, por conseguinte, uma posição discursiva que se subsume à orientação
do discurso do outro – interlocutor definido. No horizonte da fala do
locutor está o interlocutor de quem o locutor espera uma compreensão
ativa do que é enunciado. Essa orientação ao discurso do outro deter-
mina a própria estrutura do enunciado proferido. Os textos são, pois,
configurados no acontecimento social; são, na condição de enunciados
concretos, produtos de atividades humanas, das relações que são estabe-
lecidas pelos sujeitos nessas atividades; são, como diz Bakhtin (2003, p.
263), gêneros do discurso, isto é, “tipos relativamente estáveis de enuncia-
dos”. Assim, aqui na prática discursiva (oral ou escrita) está implicada
a alteridade. A proferição de enunciados verbais busca a compreensão
ativa do outro que não é ouvinte passivo, mas participante do projeto do
dizer (projeto discursivo).

Bortolotto (2009, p. 108), tratando da relação de inserção da teoria


do dialogismo de Bakhtin e seu Círculo, teoria dos gêneros do discurso
no campo educacional, expõe que

149
Metodologia de Ensino

[...] os gêneros do discurso compõem uma arquitetônica, no que se re-


fere à temática, à finalidade e às situações de enunciação que permiti-
riam identificar os mecanismos envolvidos na relação entre linguagem
e atividade laboral.

Os gêneros apontariam matizes das mudanças sociais pelas relações


que se estabelecem entre as atividades discursivas e as práticas culturais
em geral. O estudo dos gêneros do discurso, por esta perspectiva, não
poderia se restringir à materialidade verbal que os expressa em “tipos
relativamente estáveis de enunciados”. Os gêneros demandam o reco-
nhecimento da sua natureza formadora, ou seja, também as dimensões
histórica e social objetivadas na manifestação verbalizada (material ver-
bal) e na realidade concreta ali refratada.

[...]

Pode-se, então, considerar que os gêneros constituem-se como ele-


mentos importantes para a análise e compreensão da própria atividade
pedagógica. A “teoria do gênero” de Bakhtin e autores do Círculo (espe-
cialmente Medvedev e Volochínov) orienta-se para a realidade concreta,
O texto completo está
disponível em http:// para o real das relações sociais, dos acontecimentos, dos problemas etc.
forum.ulbratorres.com. Os “gêneros”, em qualquer esfera social, encerram o dialogismo da co-
br/2009/palestras_texto/ municação social e verbal: eles organizam, orientam ou projetam (pelo
PALESTRA%2016.pdf
horizonte de expectativas) atividades laborais, de convívio social etc., ou
verbais (da vida e da cultura).

Furlanetto (2009, não paginado), ao rediscutir ideias de Bakhtin


(2003) sobre os gêneros do discurso, se posiciona para pensar o ensino
Para um estudo da Língua Portuguesa:
aprofundado sobre o
tema gêneros do discurso, Encarado como enunciado – como acontecimento discursivo – o texto
indicamos a leitura do abarca o horizonte social, integrando outras formas de linguagem (a ima-
capítulo “Os gêneros do gem, o som, o gesto). Como unidade complexa, pode ser apresentado
discurso” – BAKHTIN,
Mikhail. Estética da criação sob vários ângulos: é uma unidade de sentido, com tema específico; é ob-
verbal. Tradução do russo jeto linguístico, histórico e ideológico; tem autor; relaciona-se com outros
por Paulo Bezerra. São textos e com a memória dos discursos sociais; é produzido numa forma
Paulo: Martins Fontes,
2003. de gênero, correspondente ao espaço onde se origina: relatório, ofício,
artigo de opinião, artigo científico, resenha, notícia, receita, bula, piada, e
todas as formas mais ou menos conhecidas de produção textual.

Os gêneros, em suas formas concretas textuais, com certo acabamento


(a unidade textual, a coesão de seus elementos, sua coerência semânti-
ca, dando-lhe um tema) emergem, circulam e produzem seus efeitos no
tecido social. Representam os valores sociais.

150
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Mais especificamente quanto ao ensino escolar, retrata que

[...] a “redação” ainda é praticada, e às vezes até mesmo sob a nova deno-
minação [a de produção textual], o que significa que ainda pesa a tradi-
ção de escrever na instituição escolar segundo moldes mais antigos, em
que a preocupação maior é escrever corretamente segundo os princípios
normativos atados a certa concepção de gramática. Nesse caso, põe-se
como secundário o propósito de estabelecer “comunicação discursiva”
propriamente dita, que se processa através de gêneros específicos. É ver-
dade que esse procedimento também aparece entrelaçado a um traba-
lho mais cuidadoso de promover a metodologia que é recomendada nas
propostas curriculares elaboradas no País. É, de fato, muito complicado
abandonar valores tradicionais. Ideologicamente nosso comportamento
tem sido orientado para que haja homogeneização, por isso há pressão
para que nos sujeitemos ao que se enraizou na sociedade. E é preciso
compreender como as instituições funcionam se queremos realizar es-
forços para transformar o que acreditamos que não está conduzindo aos
objetivos propostos. (FURLANETTO, 2009, não paginado).

Vale lembrarmos que, quando afirma que “a ‘redação’ ainda é prati-


cada”, Furlanetto (2009) está se referindo àquela produção escolar
tradicional, a qual passaria a ser denominada “produção de textos”,
não só para evitar ressonâncias apreendidas e interiorizadas, mas
também para que realmente se efetue a ultrapassagem desses va-
lores retidos na memória, mediante uma nova compreensão do que
seja textualidade.

A posição da autora vem ao encontro das argumentações aqui de-


senvolvidas, ou seja, que nos estudos, na elaboração/criação ou na ava-
liação de textos na escola os aspectos formais e periféricos vinham (e
ainda vêm) ocupando a centralidade nos encaminhamentos metodoló-
gicos. O olhar do professor vai em busca de algum erro no âmbito for-
mal da língua, apoiado consciente ou inconscientemente em pressupos-
tos teóricos e na memória de trabalho com textos na escola (memória
dos discursos sociais).

151
Metodologia de Ensino

Já os princípios da teoria sociointeracionista do Círculo de Bakhtin


orientam para a observação das condições de produção, para as re-
lações discursivas, para os modos das formulações discursivas, isto
é, para a língua no seu funcionamento (PC/SC, 1998). Tal conduta
decorre de se considerar o texto como enunciado (na sua situação
real de produção: com projeto discursivo; interlocutores definidos;
valoração; relação com outros textos, com a comunicação discursiva
nas esferas de uso da língua); em sua constituição linguístico-textual,
ou seja, os elementos centrais de construção textual, como coesão,
coerência, concatenação de ideias, argumentação, não contradição,
adequação ao tema proposto, fluência verbal, entre outros, e não
como pretexto para o ensino de aspectos normativos da língua –
ortografia, regência, concordância, estudo de vocabulário, para ficar
com alguns. Os aspectos normativos da língua precisam ser avalia-
dos, sim, mas não com a ênfase tradicionalmente dada na escola e
como se mais nada houvesse a avaliar.

Segundo a orientação aqui assumida para o trabalho da docência, a


análise linguística é parte da compreensão da produção discursiva (oral
ou escrita), mas, como já vimos, essa dimensão integra-se à dimen-
são social, histórica e ideológica da comunicação. Como disse Bakhtin
(2003, p. 319):

Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em


toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado. Estamos
interessados primordialmente na formas concretas dos textos e nas con-
dições concretas da vida dos textos, na sua inter-relação e interação.

Pensar o texto como unidade de ensino é pensá-lo na sua complexa


constituição e levar em conta tal constituição nas pedagogias para ensi-
no de linguagem verbal (práticas específicas). Não se trata de substituir
nominações (composição, redação, produção textual, gêneros textuais,
gêneros do discurso), mas de provocar reflexões e atitudes entre aquilo
que permanece, muitas vezes, ressignificado e aberto à criação, porque
ainda é uma necessidade, e o que se desloca, é ultrapassado, por não
atender às necessidades deste tempo presente.

152
O processo da escrita na escola Capítulo 10
10.6 Voltando ao ponto inicial: locutor e
interlocutor, partes integrantes do
enunciado
Retomemos aquela fala que tanto perturbou Santiago, nosso perso-
nagem que abriu as páginas desta unidade, proferida pela voz de autori-
dade de seu professor e, sabemos, de muitos outros professores toda vez
que iniciavam ou reiniciavam mais um etapa escolar. Vozes que certa-
mente ainda ecoam nos ouvidos de muitos de nós, alunos que já fomos:
– Peguem os seus cadernos e escrevam com esferográfica azul e com letra
legível uma composição sobre as férias. No mínimo uma página, de mar-
gem a margem, sem pular nenhuma linha. Cuidado com a ortografia e
com a pontuação. Vocês têm quarenta e cinco minutos. Alguma pergunta?

Assim, indagamos: será que falas como essa inquietam ainda hoje ouvi-
dos e corações sensíveis (ansiosos para dizerem a sua palavra) como os
de Santiago? E nosso aluno, como fica em situações como essa? Será
que ele entende sua escrita como uma oportunidade de constituir-se
como escritor, autor, interlocutor, ou ainda como produto de interação
entre ele e seu leitor? Mas eis a grande questão: quem é o seu leitor? O
professor? Sempre o professor? Se for apenas este, o aluno, de antemão,
entende, ou poderá entender, pelo que está instituído por tradição que
seu texto servirá apenas como pretexto, um meio de exercitar-se no uso
do “certo”, do “correto” da escrita, na letra, na pontuação; ou, quando mui-
to, no desenvolvimento da criatividade e do raciocínio e, finalmente, um
meio para melhorar a nota (a avaliação). Será este o destino dos textos
escolares? A mesa do professor, as mãos, e finalmente a pasta do profes-
sor? E, diante da natureza dialógica da linguagem, como fica a situação
de interlocução? Onde está o interlocutor do aluno, real ou imaginário,
para que ele possa posicionar-se perante sua escrita, ajustá-la de acor-
do com esse interlocutor; enfim, desencadear a bipolaridade necessária
ao processo de interlocução? Não estaria, em grande parte, na escola a
causa para o fracasso de muitos alunos na produção escrita? Não estaria
nas condições de produção que orientam a produção escrita na escola?

153
Metodologia de Ensino

Certamente, muitos de vocês, sensíveis a esse quadro escolar histo-


ricamente constituído, consideram não ser simples revertê-lo. Concor-
damos. Entendemos, todavia, que a mudança deve vir primeiramente
na postura, no posicionamento do professor, de sua visão de língua, de
linguagem. Assim, se comunga do caráter interacionista desses objetos
de conhecimento, sua metodologia, seu planejamento, deve ser coerente
com esse princípio. Então, ao elaborar seu planejamento, ao decidir tra-
balhar com a escrita, com o que escrever (não esquecer, nessa decisão,
da importância de compartilhar e discutir a ideia com os alunos), deve-
rá já ter em mente tanto o sujeito-escritor (aluno) como o sujeito-leitor
(definido pelo grupo – professor e alunos – num processo participativo,
interativo). Seu trabalho guiar-se-á, então, por esta questão: a quem os
alunos irão destinar o que escrevem? Como já vimos, isso irá determinar
o como escrever. Vamos dar um exemplo que nos toca de
perto. Quando nós – o grupo de professores que escreveu
este Caderno – esboçamos nossos primeiros planejamen-
tos, esse pressuposto tornou-se logo evidente. Seríamos
os sujeitos-escritores que iríamos destinar o que escrevês-
semos a sujeitos-leitores bem definidos: alunos de Letras
a distância. Foi fundamental termos nosso interlocutor
previamente definido, pois essa modalidade de ensino re-
quer um tipo de texto com características especiais, já que
nosso interlocutor, ausente no tempo e no espaço e não
presencial em uma sala de aula, necessita logicamente de
uma metodologia com estratégias especiais.
Figura 53 – Olho nas letras

Atividade:

Procure comparar este Livro (no que diz respeito à composição grá-
fica, ao conteúdo, à forma de apresentação, à organização textual,
ou em outros itens que lhe chamaram a atenção) com outros ma-
teriais teórico-metodológicos, tais como livros, manuais, cadernos,
etc. destinados a alunos de Letras na modalidade presencial. Em que
diferem? Em que se assemelham? Marque com seu tutor e com mais
um grupo de quatro estudantes um encontro virtual para escrever
no wiki seu comentário crítico a respeito desse assunto.

154
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Estamos vendo, então, que o que se escreve, a quem se escreve de-
termina o como se escreve. Daí a importância de nosso aluno ter seu
interlocutor bem definido para que possa determinar o como escrever.
Claro está que o como escrever pressupõe também o domínio de um
conjunto complexo de habilidades que vão sendo adquiridas ao longo
do processo de aprendizagem, que inicia, como vimos, antes mesmo de
a criança entrar na escola, passa pelo aprendizado do sistema alfabético,
vai amadurecendo e se aprofundando no decorrer dos outros níveis de
ensino e pode perdurar ad infinitum, já que somos eternos aprendizes.
O que queremos frisar aqui é a importância, no decorrer de toda essa
aprendizagem, de o aluno sentir-se, assumir-se como locutor/escritor,
sentir-se partícipe de uma ação interpessoal; enfim, autor de seu texto,
pelo qual poderá atuar sobre seu interlocutor, e que, para tanto, deverá
selecionar um conjunto de estratégias que julgar adequadas para aquele
tipo de situação de interlocução. Vejamos como Geraldi (1991) configu-
ra isso por meio de um gráfico.

Assumir-se como
implica Locutor implica
(d)

Escolher
Ter o que dizer estratégias
(a) para dizer
(e)

supõe supõe

exige Interlocutores
Razões para dizer a quem se diz
(b) (c)

Relação
Interlocutiva

Figura 54 – Gráfico: inter-relações na escrita, que mostra “as condições necessárias à produção de um
texto” (cf. GERALDI, 1991, p. 161).

155
Metodologia de Ensino

Claramente estamos aqui constatando que, pela perspectiva que as-


sumimos, não há como isolar o aluno de seu contexto sócio-histórico, de
sua realidade e pedir-lhe que escreva uma redação. Sabemos que, para
que haja discurso (oral ou escrito), é fundamental uma estrutura, uma
organização social em que locutores e interlocutores dela se sintam parte
integrante. Para Bakhtin (2003), o interlocutor é parte constitutiva do
enunciado, pois sem a existência dele não haveria discurso. Dessa forma,
o enunciado não pode ser tomado como unidade convencional (como
uma abstração), mas como unidade real, em sua construção dialógica.

156
O processo da escrita na escola Capítulo 10
Considerações finais da Unidade D
Enfim, considerando tudo o que foi dito ao longo deste texto e se
formos fiéis ao princípio da dialogia, temos de ouvir as múltiplas e dife-
rentes vozes que emanam de diferentes textos e a elas nos alinharmos ou
nos contrapormos com enunciados próprios, com autoria, produzindo
outras e outras vozes; afinal, “[...] a língua passa a integrar a vida atra-
vés de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de
enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p.
265). Nosso desafio é olhar para os textos com olhos de observadores,
com atitudes na direção da compreensão ativa (com a possibilidade de
resposta), com apreciação (consciente), pelo trabalho na lida da palavra
falada, lida, escutada, escrita, analisada nos seus mais diversos e diferen-
tes níveis, aprendendo a ser autores e a formar autores; olhando, pers-
crutando, procurando conhecer o trabalho da docência, o trabalho na
docência com a palavra (o verbo) e de lá aprender a encontrar o outro
(as vozes) tecendo a sua própria formação de aprendiz do ensinar. Ten-
do isso em vista, destacamos que “A palavra quer ser ouvida, entendida,
respondida e mais uma vez responder à resposta, e assim ad infinitum”
(BAKHTIN, 2003, p. 334).

Nesta unidade, apresentamos alguns movimentos na tentativa de


ensinar e aprender a produzir textos orais e escritos; e, ao nos entrela-
çar a muitas dessas vozes, construímos nosso texto para, no aguardo
de contrapalavra de vocês, caros alunos, apreendermos a tessitura das
atividades humanas, sem álibi quanto a nossa responsabilidade de en-
sinar a ler e a escrever àqueles que nos forem destinados neste tempo e
espaço históricos, pela proposição de uma comunicação discursiva real,
em nada anônima.

Na unidade seguinte, para fechar o quadro das reflexões até aqui


efetuadas sobre esse objeto de conhecimento complexo que é a lingua-
gem, você encontrará importantes subsídios que poderão nortear seu
posicionamento quanto ao ensino da gramática ancorado nos princí-
pios sociointeracionistas aqui defendidos.

157
Unidade E
Análise linguística e ensino de
gramática

Grammatica da lingoagem portuguesa [Fernão de Oliveira] (1536)


Nesta Unidade objetivamos salientar a importância da prática de
análise linguística como atividade escolar de linguagem necessária ao
desenvolvimento de conhecimentos sobre as estratégias de discurso, ou
seja, as escolhas discursivas que fazemos ao produzir os textos. Traze-
mos também à discussão conceitos de gramática visando orientar o en-
sino cujos conteúdos referem-se à organização da língua, a sua estrutura
e ao conjunto de regras que a tornam inteligível.
Análise linguística Capítulo 11
11 Análise linguística
Assim como a criança lê o mundo desde muito cedo, ela também se
apropria da linguagem verbal e opera sobre esta desde muito pequena.
Ela percebe as diferentes entonações da linguagem, seja no momento
em que ouve uma história contada para ela em que o contador varia o
tom de voz de acordo com o personagem, seja no momento em que a
mãe se refere a ela com carinho ou com repreensão. Percebe ainda que,
dependendo do seu interlocutor, deve reagir de forma diferente: com
um parente que se dirige a ela, reagirá de certa forma; com o médico que
a examina, reagirá de outra forma; e com uma pessoa estranha, também
reagirá de forma diferente.

Esses conhecimentos dos quais a criança vai se apropriando no de-


senvolvimento da sua linguagem, por meio da interação com pessoas
mais experientes no uso da língua, com os quais ela chega à escola e que
lhe possibilitam, além do domínio da língua e do saber usá-la para falar
sobre as coisas do mundo, desenvolver reflexões sobre o uso da própria
língua; é o que denominamos análise linguística.

Como vimos discutindo ao longo deste material pedagógico, o objeto


de ensino da disciplina Língua Portuguesa é a linguagem em uso. As-
sim sendo, as atividades de análise linguística que se fazem na escola
têm como função refletir sobre essa linguagem em uso, favorecendo
seu domínio, tanto na escuta e na leitura quanto na produção de textos
orais e escritos.

Quando falamos em reflexão sobre a língua em uso, temos claro


que a prática de análise linguística “não pode ficar reduzida apenas ao
trabalho sistemático com a matéria gramatical” (BRASIL, 1998, p. 27),
Ao contrário, temos de

[...] criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria lin-
guagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de es-
colaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando
atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de formas e de

161
Metodologia de Ensino

usos lingüísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais


e estruturais em que se dão. (BRASIL, 1998, p. 28).

Embora estejamos falando de reflexão sobre a língua em uso como


se fosse algo intrínseco às aulas de Português, sabemos que, de fato, a
tradição da disciplina de Língua Portuguesa é o trabalho com a gramá-
tica tradicional. Esse trabalho manteve-se durante muitos anos, e ainda
se mantém em algumas salas de aula, na crença de melhorar o desempe-
nho linguístico dos alunos, seja na leitura, seja na produção escrita. Ao
longo dos anos, tem-se percebido, no entanto, que esse objetivo pouco
tem sido alcançado. Como ressalta Geraldi (1996, p.129-130), a sistema-
tização dos conteúdos gramaticais

[...] não se dá, na prática de sala de aula, de forma tão sistemática. O


simples manuseio de alguns livros didáticos, ou de materiais alternati-
vos produzidos para substituí-los, nos mostra que a sequência em que
são trabalhados tais conteúdos gramaticais dificilmente permitirá, ao
final de oito anos de estudos, que o aluno tenha um quadro sinóptico
de ao menos uma proposta gramatical. O conteúdo é distribuído, nas
diferentes séries, de uma forma tão irracional que a uma lição sobre o
plural de substantivos compostos pode se seguir uma lição de análise
sintática. Qual é, então, a sistematização que se oferece à reflexão prévia
do estudante? Tratar-se-ia de uma sistematização a cada vez local? Por
conta de quem ficaria, então, a construção de uma visão geral da teoria
gramatical estudada? Por conta do estudante?

Como vimos evidenciando, tomamos o texto como unidade de en-


sino e, assim sendo, os aspectos a serem elencados para as ativida-
des de análise linguística não poderão se referir apenas à dimensão
gramatical. A dimensão discursiva será necessariamente levada em
conta, pois essa prática requer interpretação e produção de texto.
Dessa forma, temos de ter em mente que “[...] prática de análise lin-
güística não é uma nova denominação para ensino de gramática”
(BRASIL, 1998, p. 78).

O modo de ensinar, sugerido pelos PCNs de Língua Portuguesa,

[...] não reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e


exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão pro-

162
Análise linguística Capítulo 11
duzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples
e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do co-
nhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas vezes, chegar a
resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja
descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da lin-
guagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros ma-
teriais e fontes. (BRASIL, 1998, p. 29).

Tendo como objeto de ensino a linguagem em uso, a prática de aná-


lise linguística, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio,
tem de estar articulada às práticas de linguagem. Assim, “Deve-se ter
claro, na seleção dos conteúdos de análise linguística, que a referência
não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é reconstruir
com os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de gramática
escolar [...]” (BRASIL, 1998, p. 29); ao contrário, temos de selecionar
como conteúdos para nossas aulas de análise linguística dificuldades
apresentadas pelos nossos alunos nas atividades de produção, leitura e
escuta de textos.

Os PCNs apontam que

[...] quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se con-
sidere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização
preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades linguísticas
dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas con-
dições de produção: isto aponta para a necessidade de priorização de
alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacio-
narem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibili-
dades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses
conteúdos e não com todos. (BRASIL, 1998, p.78-79).

Reproduzimos, a seguir, alguns procedimentos metodológicos, su-


geridos pelos PCNs, para a prática de análise linguística:

ӲӲ isolamento, entre os diversos componentes da expressão oral


ou escrita, do fato linguístico a ser estudado, tomando como
ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos: o
ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o aluno
para o domínio cada vez maior da linguagem;

163
Metodologia de Ensino

ӲӲ construção de um corpus que leve em conta a relevância, a


simplicidade, bem como a quantidade de dados, para que o
aluno possa perceber o que é regular;

ӲӲ análise de corpus, promovendo o agrupamento dos dados a


partir dos critérios construídos para apontar as regularidades
observadas;

ӲӲ organização e registro das conclusões a que os alunos tenham


chegado;

ӲӲ apresentação da metalinguagem, após diversas experiências


de manipulação e exploração do aspecto selecionado, o que,
além de apresentar a possibilidade de tratamento mais eco-
nômico para os fatos da língua, valida socialmente o conhe-
cimento produzido. Para esta passagem, o professor precisa
possibilitar ao aluno acesso a diversos textos que abordem os
conteúdos estudados;

ӲӲ exercitação sobre os conteúdos estudados, de modo a per-


mitir que o aluno se aproprie efetivamente das descobertas
realizadas;

ӲӲ reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em ati-


vidades mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou
na prática de produção de textos orais e escritos. (BRASIL,
1998, p. 79).

Para que o aluno possa se apropriar dos conhecimentos gramati-


Você encontra nesta obra
de Geraldi, no capítulo cais evidenciados e fazer uso na sua produção escrita, o que somente o
“Prática de Sala de Aula”, estudo dos tópicos da gramática escolar não garante, os PCNs sugerem
algumas atividades
sugeridas pelo autor para a refacção dos textos produzidos pelos alunos, uma prática já testada e
o trabalho com análise que tem dado certo.
linguística em sala de aula
no Ensino Fundamental.
Conforme Geraldi (2002, p.73-74), “[...] a análise linguística que
se pretende partirá não do texto ‘bem escritinho’, do bom autor selecio-
nado pelo ‘fazedor de livros didáticos’. Ao contrário, o ensino gramati-
cal somente tem sentido para auxiliar o aluno. Por isso partirá do texto

164
Análise linguística Capítulo 11
dele”. Assim, o professor seleciona o texto produzido pelo aluno e “[...]
pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características estrutu-
rais dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais
que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escri-
ta da língua” (BRASIL, 1998, p. 80).

Seguem procedimentos sugeridos pelos PCNs para o encaminha-


mento da atividade de refacção textual:

ӲӲ Seleção de um dos textos produzidos pelos alunos, que seja


representativo das dificuldades coletivas e apresente pos-
sibilidades para discussão dos aspectos priorizados e enca-
minhamento de soluções.

ӲӲ Apresentação do texto para leitura, transcrevendo-a na lou-


sa, reproduzindo-o, usando papel, transparências ou a tela do
computador.

ӲӲ Análise e discussão dos problemas selecionados. Em função


da complexidade da tarefa, não é possível explorar todos os
aspectos a cada vez. Para que o aluno possa aprender com a
experiência, é importante selecionar alguns, propondo ques-
tões que orientem o trabalho.

ӲӲ Registro das respostas apresentadas pelos alunos às questões


propostas e discussão das diferentes possibilidades em fun-
ção de critérios de legitimidade e de eficácia comunicativa.
Nesta etapa é importante assegurar que os alunos possam ter
acesso a materiais de consulta (dicionários, gramáticas de ou-
tros textos), para aprofundamento dos temas tratados.

ӲӲ Reelaboração do texto, incorporando as alterações propostas.


(BRASIL, 1998, p. 80).

Os PCNs apontam alguns aspectos a serem levados em conta pelo


professor ao desenvolver a atividade de refacção textual. Vínculos de
confiança entre o professor e o grupo são importantes para que os alu-
nos não se sintam constrangidos ao ver suas produções expostas para

165
Metodologia de Ensino

a turma. Se o objetivo da atividade não envolver, por exemplo, conte-


údos ligados a ortografia, a versão a ser trabalhada pode ter problemas
dessa ordem corrigidos, para que a atenção dos alunos se volte para os
aspectos que se queira de fato trabalhar. Se o objetivo da atividade en-
volver conteúdos dos quais os alunos não tenham domínio, o professor
pode assinalar os trechos do texto que quer trabalhar, assim os alunos
concentram-se na tarefa de refazer os trechos com problemas, ao invés
de investirem na tarefa de encontrar os problemas. Quando o professor
tiver como objetivo trabalhar aspectos morfossintáticos, por exemplo,
poderá ao invés de reproduzir um texto na íntegra, selecionar trechos de
vários textos que apresentem o problema a ser reescrito.

Quando os alunos já dominarem a tarefa de refacção textual, o pro-


fessor pode complexificá-la sugerindo trabalho de refacção em duplas
ou em grupos e até mesmo em forma de oficinas em que questões mais
específicas poderão ser propostas (BRASIL, 1998, p. 81).

As atividades de análise linguística possibilitam ao aluno, além do


conhecimento sobre a língua, a apropriação de recursos expressivos que
não fazem parte do seu repertório linguístico. Assim, o aluno irá, aos
poucos, na escola, adquirindo uma variedade da língua diferente da-
quela que adquiriu em casa, com seus pares. De acordo com Geraldi
(1997, p. 192-193),

[...] além dos objetivos que tais atividades possam ter em si próprias,
enquanto conhecimento que produzem sobre a língua, acrescente-se o
fato de que elas podem servir e servem para uma outra finalidade: a do
domínio de certos recursos expressivos que não fazem parte daqueles
já usados pelos alunos. Toda reflexão feita deve estar no horizonte: o
confronto entre diferentes formas de expressão e mesmo a aprendiza-
gem de novas formas de expressão, incorporadas àquelas já domina-
das pelos alunos, levam à produção e ao movimento de produção da
variedade padrão contemporânea. Note-se, esta nova variedade não
dispensa o conhecimento da variedade padrão anterior, mas faz deste
conhecimento (que não precisa necessariamente ser total) uma condi-
ção na construção da nova variedade.

Para tanto, há que se ter cuidado para que o aluno não tenha a
sensação de que sua variedade linguística deverá ser substituída pela
variedade da escola. O trabalho a ser desenvolvido visa somar uma nova
variedade àquela que o aluno já domina.
166
Análise linguística Capítulo 11
O livro infantil Uma escola assim eu quero para mim, de Elias José,
representa muito bem situações vivenciadas em muitas escolas por alu-
nos e professores. Na história, a escola é o espaço central da narrativa.
Nela se desenvolve o conflito do menino Rodrigo, que vem do meio
rural e tem como expectativa a aprendizagem das letras na cidade, mas
não encontra apoio na professora Marisa e nos colegas, os quais satiri-
zam o seu modo “caipira” de falar.

Observemos o diálogo:

- Rodrigo, trouxe os exercícios da semana passada? – perguntou ela,


cumprindo a promessa de cobrar.
- Eu truce, mas o di onti eu num consegui... Figura 55 – Capa do livro Uma escola
assim eu quero para mim.
Nem acabou a frase e dona Marisa berrou:
- Repita: eu trouxe, mas o de ontem não consegui.
Rodrigo repetiu certinho, mas tremendo, vermelho e gaguejando. A
sala morria de rir. Rodrigo queria morrer, sumir, virar inseto e voar. (JOSÉ,
1999, não paginado).

A cena entre o menino Rodrigo e a professora Marisa descrita por


Elias José, embora esteja no plano do ficcional, nos possibilita visualizar
uma prática comum no espaço escolar: o desrespeito à linguagem colo-
quial, ao dialeto que a criança traz do seu cotidiano. Tal discriminação
pelos seus pares, crianças como ele, e pelo adulto, a professora, é um dos
fatores que muitas vezes leva o aluno à exclusão, ao abandono escolar.

E os problemas se acumulavam, somavam com o ódio da escola, da pro-


fessora e da turma. Ele não conseguia ler, escrever ou entender por que
“Ivo viu a Eva. A Eva viu a uva. Didi deu um dado ao Dodô. A bola bateu
bem na boca do Beto” (JOSÉ, 1999, não paginado).

Assim como os PCNs, alguns autores da área da sociolinguística apon-


tam a necessidade de se trabalhar a variação linguística em sala de aula.

A seguir, evidenciaremos algumas propostas, discutidas em Mongui-


lhott (2006), de estudiosos brasileiros que têm se dedicado a aplicar o
conhecimento que a sociolinguística vem elaborando, principalmente
desde a década de 1980, no Brasil, para a sala de aula.

167
Metodologia de Ensino

Para Bagno (2002, p. 32), todas as variedades sociolinguísticas de-


O que o autor entende
por língua viva é a língua
vem ser objeto de estudo das aulas de português “para que o espaço da
de fato usada pelos sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de
falantes. Já o conceito
de norma-padrão é visto
maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa
sob dois aspectos “[...] de do idioma em sua multiplicidade de formas e usos”. O autor ressalta que
um lado, temos a norma-
padrão lusitanizante,
sua proposta se justifica em função da impossibilidade de se delimitar as
ideal de língua abstrato, diferentes variedades que se organizam em um continuum.
usado como verdadeiro
instrumento de repressão Em relação às propostas de se ensinar na escola a “língua culta”,
e policiamento dos
usos lingüísticos; do Bagno (2002, p. 64) sugere que haja, em sala de aula, a investigação da
outro temos as diversas língua viva, falada e escrita, para que o aluno entenda que “[...] existe
variedades prestigiadas,
usos reais da língua por uma distância muito grande entre a norma-padrão tradicional (que não
parte das classes sociais é uma ‘língua culta’ real e sim uma língua ‘cultuada’, ideal) e as realiza-
urbanas com escolaridade
superior completa” ções empíricas da língua por parte dos falantes cultos [...]”.
(BAGNO, 2003, p. 87).
Em sua proposta, Bagno (2002, p. 65) julga primordial que o pro-
fessor delimite um corpus de língua culta falada e escrita para analisar
Norma culta, de acordo a “[...] língua real e não o padrão idealizado e artificial”. Esse corpus
com Bagno (2003, p. ajudará na comprovação e na explicação da variação e mudança que
51), é “[...] a linguagem
concretamente ocorre na língua viva. A explicação, de acordo com o autor, virá a partir
empregada pelos do arcabouço teórico que o professor deve buscar.
cidadãos que pertencem
aos segmentos mais Bagno (2002, p. 41) evidencia ainda a questão do preconceito lin-
favorecidos da nossa
população”. guístico que há em função dos valores sociais atribuídos às diferentes
variedades linguísticas, valores que, na verdade, são atribuídos aos fa-
lantes dessas variedades. O valor que a variedade recebe está diretamen-
te relacionado ao valor que o falante dessa variedade recebe no mer-
cado social. Quanto mais distante dos usos prestigiados, mais “erros”
esse falante será acusado de cometer. Essa crença ainda existe, embora já
esteja “mais do que comprovado que, do ponto de vista exclusivamente
científico, não existe erro em língua, o que existe é variação e mudança”,
ambas constitutivas da língua.

Dessa forma, ao invés de o professor mostrar para o aluno o que


está “certo” e o que está “errado” em termos de uso linguístico, poderá

[...] discutir os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, enfa-


tizando a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da
língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguísti-

168
Análise linguística Capítulo 11
ca, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva
ou negativa (BAGNO, 2002, p. 75). Como os que a autora
analisa, especialmente
sobre o fenômeno
Scherre (2005, p. 66) aponta que, para a discussão do preconceito da concordância no
linguístico, pode-se usar resultados de pesquisas sociolinguísticas, português brasileiro
e europeu, em textos
[...] apresentando fatos interessantes, que evidenciam que os políticos publicados na mídia
impressa.
e as autoridades brasileiras – falantes nativos do português brasileiro
– não estão simplesmente “nocauteando a concordância”, “tropeçando”
ou cometendo “gafes”, mas, sim, deixando seu vernáculo emergir [...].

Scherre apresenta uma discussão a respeito do conceito do certo


e do errado em português, afirmando que não são conceitos absolu- A autora faz uma
tos, pois não há usos linguísticos melhores ou superiores a outros, “[...] reflexão, ao longo de
todo o livro, sobre formas
existem, sim, línguas e dialetos diferentes, igualmente complexos e sis- linguísticas veiculadas
temáticos, bem como culturas diferentes [...]. A idéia [...] da superiori- pela mídia impressa
que “fogem” do padrão
dade linguística ou [...] cultural não resiste a qualquer análise científica” culto (que a própria
(SCHERRE, 2005, p. 128). Ainda sobre a noção de certo e errado, ela mídia veicula de forma
bastante preconceituosa,
evidencia que tendemos a “[...] rotular de erradas predominantemente como é o caso da
as formas que fazem correlação estreita com classe social, mesmo que, jornalista Dad Squarisi
no Correio Braziliense,
consciente ou inconscientemente, façamos uso destas mesmas formas citado por Scherre), no
na fala espontânea e na escrita revisada” (SCHERRE, 2005, p. 117). entanto, como não são
formas associadas a
Bortoni-Ricardo (2004, p. 34), assim como Bagno e Scherre, apon- classes sociais menos
privilegiadas, não são
ta como compromisso da escola trabalhar a língua de forma a desfazer vistas como “erradas”.
qualquer tipo de preconceito linguístico, advindo da noção acientífica
do erro. Evidencia que as variedades linguísticas ganham prestígio em
função de fatores históricos, políticos ou econômicos, já que “[...] nada
têm de intrinsecamente superior às demais”. Ela salienta que a escola de-
verá estar atenta às diferenças entre a cultura que os alunos trazem para
a escola e a cultura da escola, conscientizando-os dessas diferenças. Res-
saltamos, no entanto, que Bortoni-Ricardo reconhece a dificuldade que
os professores apresentam em relação a essa questão, pois não sabem se
devem corrigir os alunos ou não, que “erros” devem corrigir ou até mes-
mo se podem falar em erros (Bortoni-Ricardo, 2004, p. 38). Dessa forma,
a autora sugere que “[...] diante da realização de uma regra não-padrão
pelo aluno, a estratégia do professor deve incluir dois componentes: a
identificação da diferença e a conscientização da diferença” (Bortoni-
Ricardo, 2004, p. 42). A conscientização implica que o aluno passe a mo-
nitorar seu próprio estilo, para adequá-lo às situações exigidas.

169
Metodologia de Ensino

Bortoni-Ricardo ressalta que, ainda que cheguem à escola com-


petentes em Língua Portuguesa, os alunos irão entrar em contato com
novos domínios de interação social, por isso terão de “[...] ampliar a
gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções
sociais, que definem o uso lingüístico adequado a cada gênero textual,
a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação” (2004, p. 75). Essa
ampliação de recursos comunicativos, de acordo com a autora, deve en-
Bortoni-Ricardo (2004, contrar lugar privilegiado na escola.
p. 75-76) associa três
parâmetros à questão Silva (2004, p. 27-28) atenta para dois fatos essenciais no ensino de
da ampliação desses língua: o de que as línguas naturais são fenômenos históricos, por isso
recursos: grau de
dependência contextual, estão em contínuo processo de fazer-se e refazer-se e o de que “[...] o en-
grau de complexidade sino-aprendizagem de língua materna se define em um processo mútuo
do tema abordado e
familiaridade com a tarefa de intercâmbio linguístico entre senhores da matéria”, ou seja, o aluno
comunicativa. também é detentor dos conhecimentos a serem trabalhados na discipli-
na de Língua Portuguesa. Ela salienta que a escola desconsidera o saber
linguístico diferenciado que os alunos possuem no intuito de levá-los
a dominar o padrão culto idealizado, “[...] o que só alcançam, havendo
exceções, claro, alguns daqueles que já vêm das camadas sócio-culturais
em que esse padrão é a base da comunicação cotidiana, apenas com di-
ferenças próprias aos registros de formalidade” (SILVA, 2004, p. 29).

A proposta de Silva é a de que o ensino leve em consideração o todo


da língua e não apenas algumas de suas formas, socialmente privilegia-
das. Só assim, conforme a autora, o indivíduo desde que começa a re-
fletir sobre a língua terá consciência de que “[...] sabe falar a língua que
fala todo dia, mas que precisa saber mais sobre ela e que esse saber pode
crescer com ele por toda a sua vida” (SILVA, 2004, p. 35). Para que o alu-
no perceba que, mesmo antes de iniciar o processo de escolarização, já
domina sua língua materna, a autora sugere que o ensino-aprendizagem
tenha como ponto de partida a oralidade, “[...] a introdução da escrita e
da leitura será integrada ao currículo escolar, mais tarde ou mais cedo,
a depender do tipo de população que a escola atenda” (SILVA, 2004, p.
76). Em relação “[...] ao aperfeiçoamento da língua materna para novos
usos, a escola deverá ter uma organização curricular diferenciada para
melhor atender à diversidade sociocultural e sociolingüística da popu-
lação a que serve” (SILVA, 2004, p. 76). Para ela, no momento em que

170
Análise linguística Capítulo 11
o professor trabalhar com as variantes que ocorrem na fala brasileira,
distinguindo as “[...] mais salientes e socialmente estigmatizadas, para,
sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a fim de treinar o uso
formal falado e os usos escritos de seus alunos” (SILVA, 2004, p. 115),
estará contribuindo para “[...] uma efetiva virada no ensino da Língua
Portuguesa no Brasil” (SILVA, 2004, p. 115).

Bakhtin também discute a questão da variação linguística. Em “O


Discurso no Romance”, tendo como foco a linguagem literária, o au-
tor assume que a língua como meio vivo é plural tanto na perspectiva
ideológica quanto na social. Admite que há estratificação na língua, de-
terminada pelos gêneros, quando afirma que “[...] estes ou outros ele-
mentos da língua adquirem o perfume específico dos gêneros dados:
eles se adéquam aos pontos de vista específicos, às atitudes, às formas de
pensamento, às nuanças e às entonações desses gêneros” (BAKHTIN,
1990 [1920-1924], p. 96).

Os gêneros fazem usos característicos da língua, sendo assim, apre-


sentam estilos diferentes. Para Bakhtin, a variação linguística está
ligada às diferentes esferas da atividade humana. Os usos da língua
serão tão variados quanto as possibilidades de interações humanas.
O autor evidencia a questão da adequação do modo de dizer do fa-
lante ao modo de dizer da situação de interação, ou seja, o gênero
condicionando as escolhas linguísticas.

Bakhtin salienta a influência que a história, a idade, o estrato so-


cial, a escolaridade, entre outros fatores, exercem sobre a língua. Nessa
perspectiva,

Cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em cada


uma de suas camadas sociais, tem sua linguagem: ademais, cada idade
tem a sua linguagem, seu vocabulário, seu sistema de acentos espe-
cíficos, os quais, por sua vez, variam em função da camada social, do
estabelecimento de ensino (a linguagem do cadete, do ginasiano, do
realista, são linguagens diferentes) e de outros fatores de estratificação
(BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 97-98).

171
Metodologia de Ensino

Bakhtin ressalta também a importância dos fatores externos na


análise do discurso. Segundo ele, “estudar o discurso em si mesmo, ig-
norar a sua orientação externa, é algo tão absurdo como estudar o so-
frimento psíquico fora da realidade a que está dirigido e pela qual ele é
determinado” (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 99). Dentre os fatores
externos, o autor destaca profissão, gênero, geração, idade, intenção,
como podemos constatar quando afirma o seguinte:

Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero, uma tendência,


um partido, uma obra determinada, uma pessoa definida, uma geração,
uma idade, um dia, uma hora. Cada palavra evoca um contexto ou con-
textos, nos quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as palavras e
formas são povoadas de intenções (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 100).

Ao longo das discussões de Bakhtin, fica evidente a ênfase dada à


variação estilística da língua: de acordo com a situação de interação o
mesmo indivíduo vai se utilizar de uma determinada variedade da lín-
gua. A citação a seguir parece evidenciar a visão do autor:

Deste modo, o camponês analfabeto, nos confins do mundo, ingenu-


amente mergulhado em uma existência que considerava ainda imóvel
e inabalável, vivia no meio de vários sistemas linguísticos: ele rezava a
Deus em uma língua (o eslavo eclesiástico), cantava suas canções em
outra, falava numa terceira língua no seio familiar, e quando ele come-
çava a ditar ao escrivão uma petição para as autoridades ele o fazia em
uma quarta língua (a língua oficial correta e “cartorial”). Todas elas eram
línguas diferentes, até mesmo do ponto de vista de índices abstratos
sociais e dialetológicos. [...] cada uma delas estava indiscutivelmente no
seu lugar, e o lugar de cada uma não podia ser discutido (BAKHTIN, 1990
[1920-1924], p. 102).

Mobilizar as capacidades e os conhecimentos da língua que o alu-


no já possui torna-se imprescindível para que ele se sinta encorajado a
novas descobertas e a querer aprender não somente aquilo que é ime-
diatamente necessário e importante, mas também o que pode ser útil e
importante em outras situações sociais de uso da língua.

172
O ensino da gramática Capítulo 12
12 O ensino da gramática

Certamente você deve estar se perguntando: Ensina-se leitura, produ-


ção textual, a fazer análise linguística; e a gramática, como fica?

Após a conclusão do Ensino Médio, alguns estudantes buscam o in-


gresso em um curso de nível superior e outros a sua inserção no mer-
cado de trabalho. Essa passagem se dá, na maioria das vezes, por meio
de concursos ou processos seletivos que incluem prova de Português.
E esses processos seletivos exigem conhecimentos gramaticais.

A concepção de língua que sustenta os encaminhamentos metodoló-


gicos propostos nesse curso a compreende como forma de interação,
como ação entre interlocutores reais que se constituem na e pela lin-
guagem. Diz-se que se ensina o que é necessário e que vem ao encon-
tro das situações sociais de uso da língua. E o que ensinar de gramática?
E como?

Primeiro é preciso ter clareza sobre o que se entende por gramática.

Um conceito simples e que tem dado conta do que entendemos por


gramática é o que a considera um conjunto de regras que especifica o
funcionamento de uma língua. Isso significa dizer que toda língua tem
uma gramática e que os falantes, de algum modo, dominam as regras da
língua que falam. Caso contrário, não haveria entendimento entre as pes-
soas por meio da linguagem verbal. Possenti (1996), no entanto, propõe
três definições para gramática, a partir desse conceito básico, no sentido
de encaminhar uma opção de ensino que contemple o conhecimento que
possibilite ao falante, produtor de textos orais e escritos, usar a lingua-
gem verbal nas diferentes esferas sociais de modo desejável e adequado.

Esse primeiro conhecimento de regras da língua de que falamos,


aquele que torna as pessoas capazes de se comunicarem com seus
pares e se fazerem entender e serem entendidas, ainda que não

173
Metodologia de Ensino

tenham frequentado a escola, Possenti (1996, p.69) denomina de


gramática internalizada: “[...] refere-se à hipótese sobre os co-
nhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequên-
cias de palavras de maneira tal que essas frases e sequências são
compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua”.
Uma segunda definição de gramática apresentada pelo autor, nós a
conhecemos bem, é a de gramática normativa. Ela é comum aos
livros didáticos e às gramáticas pedagógicas. Trata-se do “conjunto
de regras que devem ser seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 64, grifos do
autor) cujo objetivo é fazer com que os usuários da língua falem e
escrevam corretamente. A tradição escolar tem privilegiado esse en-
sino sem, no entanto, ter alcançado o êxito desejado, como já discu-
timos em unidade anterior. E uma terceira definição diz respeito ao
“conjunto de regras que são seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 65, grifos
do autor), que é a gramática que orienta o trabalho de linguistas
– descrição e explicitação das línguas como elas são faladas –, gra-
mática descritiva. Essas definições de gramática são importantes
para orientar o ensino que se deseja desenvolver.

Antunes (2003) salienta outras questões que são igualmente im-


portantes. Partindo do princípio de que todo falante tem domínio de
regras de funcionamento de sua língua e de que, ao usá-la, ele faz uso
de enunciados aos quais subjazem conhecimentos de organização das
estruturas linguísticas que são compartilhados pelos interlocutores, a
autora afirma que todos têm uma gramática internalizada. Ela reforça
sua posição considerando que são múltiplas as situações de uso da lin-
guagem verbal e que cada uma delas requer “tipos relativamente estáveis
de enunciados”, o que a faz reafirmar: não existe falante sem conhecimen-
Relembrando – conceito
de gênero do discurso de to de gramática (ANTUNES, 2003, p. 86, grifo da autora). Isso não signi-
Bakhtin.
fica, porém, que os falantes saibam o que são complementos nominais,
quais são as desinências verbais e assim por diante. Eles sabem as regras
de uso de modo a tornar inteligíveis os textos que produzem. Por isso,
diz Antunes, o necessário é ter clareza sobre o que são regras gramati-
cais e o que não são regras gramaticais.

174
O ensino da gramática Capítulo 12
As regras gramaticais são as orientações de “[...] como usar as uni-
dades da língua, de como combiná-las, para que se produzam determi-
nados efeitos, em enunciados funcionalmente inteligíveis, contextual-
mente interpretáveis e adequados aos fins pretendidos na interação”
(ANTUNES, 2003, p. 86, grifos da autora). São regras gramaticais aque-
las referentes às concordâncias nominais e verbais, ao uso e emprego dos
pronomes, ao uso das flexões verbais para indicar diferenças de modo
e de tempo de ocorrência das ações, ao emprego adequado de palavras
que indicam relações semânticas entre partes do texto (relações de cau-
sa, de tempo, de oposição, etc.), enfim, são os saberes que garantem,
como já enfatizado, que seja dito o que se deseja de forma adequada,
considerando a situação de interlocução dada àquela comunicação. Em
contraposição à regra gramatical, têm-se as “questões metalinguísticas
de definição e classificação das unidades da língua” que “não são re-
gras de uso” (ANTUNES, 2003, p. 87, grifos nossos), tais como o nome
das conjunções e sua classificação, as denominações para os diferentes
tipos de oração; a função sintática das classes de palavras e toda a no-
menclatura constante dos compêndios de gramática. Os conhecimentos
que não são regras de uso são aqueles que rotulam, dão “nome às coisas
da língua” (ANTUNES, 2003, p. 87).

A autora ressalta ainda que a questão não é “[...] ‘ensinar ou não


ensinar gramática’ [...] é discernir sobre o objeto de ensino: as regras (mais
precisamente as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados
gêneros de textos orais e escritos” (ANTUNES, 2003, p. 88, grifos da auto-
ra). Coloca-se, então, ao professor a tarefa de decidir quais regras ensinar
e em que perspectiva esse ensino dar-se-á para que os objetivos de ensino
da língua sejam atingidos, na perspectiva da formação de um leitor e pro-
dutor de textos, consciente da importância de ampliar sempre mais sua
competência discursiva, ampliando suas experiências de letramento. E, se
necessário, questões metalinguísticas também serão ensinadas, desde que
relevantes, contextualizadas e de algum interesse para os alunos.

Considerada a gramática internalizada do aluno, seu conhecimento


implícito pode ser ampliado e enriquecido por um ensino que explicite
o funcionamento desse saber internalizado, referente ao léxico, à sinta-
xe, à pragmática, à gramática, ao contexto de uso da língua.

175
Metodologia de Ensino

Como mencionado em seção anterior, a atividade de análise lin-


guística possibilitará o desenvolvimento do ensino referente a essas
questões. Assim,

[...] pode-se dizer que a [análise linguística] é parte das práticas de letra-
mento escolar, consistindo numa reflexão explícita e sistemática sobre a
constituição e o funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica
(ou gramatical), textual, discursiva e também normativa, com o objetivo
de contribuir para o desenvolvimento de habilidades de leitura/escuta,
de produção de textos orais e escritos e de análise e sistematização dos
fenômenos lingüísticos. (MENDONÇA, 2006, p. 208).

Ressaltamos, portanto, que se advoga um ensino de gramática em


que o professor selecione conteúdos que sejam relevantes ao desenvolvi-
mento da leitura e da produção textual em curso; deve fazer uso, inclusi-
ve, da metalinguagem que se fizer necessária ao saber dizer, pois a “[...]
escola valoriza não apenas o ‘saber’, mas o ‘saber dizer’, [resultado] de
uma prática discursiva privilegiada” cuja consequência é “[...] a maior
capacidade para verbalizar o conhecimento e os processos envolvidos
em uma tarefa” (KLEIMAN, 1995, p. 27).

Leia mais!

ӲӲ Márcia Mendonça, professora de Língua Portuguesa da Uni-


versidade Federal de Pernambuco, em seu texto Análise lin-
guística no Ensino Médio: um novo olhar, um outro objeto –
publicado em: BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Org.).
Português no Ensino Médio e formação do professor. São
Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 199-226 –, discute com mui-
ta clareza questões do ensino da gramática, apresentando as di-
ferenças entre a abordagem tradicional do ensino da gramática
e a prática de análise linguística e a abordagem dos conteúdos
na perspectiva da análise linguística. Vale a pena a leitura!

ӲӲ Sobre a relação entre as práticas sociais de linguagem e o en-


sino e a aprendizagem da Língua Portuguesa na escola, leia o
texto Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler
e a escrever?, de Angela Kleiman, acessando www.iel.unicamp.
br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/.../5710.pdf.

176
O ensino da gramática Capítulo 12
Considerações finais da Unidade E
Propomos, para o fechamento desta unidade, uma reflexão sobre
como foi o ensino de gramática vivenciado por você ao longo de sua
vida escolar. Discuta com seus colegas se ele foi produtivo e em que
medida se relacionou com as atividades de leitura e escritura que eram
realizadas em sala de aula e fora dela.

Você tem desenvolvido práticas de análise linguística com seus alunos?


Que efeitos tem observado no processo de ensino e aprendizagem?

O que tem mudado em sua prática docente a partir das questões que
vêm sendo levantadas sobre esse novo olhar para o ensino da Língua
Portuguesa?

As discussões levantadas ao longo desta disciplina de Metodologia


do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura não se esgotam nesta etapa
do curso. Assim como anunciamos na apresentação do livro, o exercício
de escrever, o exercício de ler e o exercício de ensinar, aqui tratados,
entrelaçam-se e se anunciam como imprescindíveis no pensar o ensino
da Língua Portuguesa e da Literatura.

Esperamos que os conhecimentos teórico-metodológicos que par-


tilhamos com você o motivem a contínuas reflexões e a promover mu-
danças, e que possa, em suas aulas, alcançar seus objetivos de ensino de
Língua Portuguesa e Literatura de modo que os alunos desenvolvam
aprendizagens mais efetivas e eficientes e com mais autonomia.

177
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Figura 6 – Ana Teberosky


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Figura 7 – Lev Vygotsky


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Metodologia do ensino

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Fonte: Disponível em: <http://img.blogs.abril.com.br/1/ricardo/avatar/
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Fonte: Disponível em: <http://ensaiogeral.com.br/wp-content/
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Figura 16 – João Wanderley Geraldi


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Figura 17 – A leitura
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stock-photo-image-of-schoolgirl-sitting-on-the-heap-of-books-and-
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Figura 18 – Estátua de Sócrates em Atenas, Grécia


Disponível em: <http://mitocw.udsm.ac.tz/OcwWeb/Writing-and-
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Acesso em: 13 nov. 2010.

Figura 19 – Mosaico de Pompéia recria a Academia de Platão:


ambiente de aprendizado
Fonte: Araldo de Luca/Corbis / Stock Photos. Disponível em: <http://
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Figura 20 – Busto de Aristóteles, desenho de Peter Paul Rubens
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Figura 21 – Manoel de Barros


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Figura 22 – Escrita cuneiforme em placa de argila


Fonte: Visconti e Junqueira (1994, p.17).

Figura 23 – Escrita hieroglífica egípcia – hieróglifos a tinta e vinheta


de um Livro dos Mortos em papiro, da 19ª dinastia
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Figura 24 – Papiro: uma parte do papiro Rhind. Depositado no


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Figura 25 – e-reader
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Figura 26 – Cartaz criado pela agência de propaganda Kaspen/


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Figura 28 – Peter O’ Sagae


Fonte: Disponível em: <www.dobrasdaleitura.com>. Acesso em: 28 jul.
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Metodologia do ensino

Figura 29 – Mikhail Bakhtin


Fonte: Disponível em: <http://gegelianos.blogspot.com/2010/09/sobre-
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Figura 30 – Hans Robert Jauss


Fonte: Disponível em: <http://www.kath.de/akademie/
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Figura 31 – Biblioteca Móvel de Burro (Etiópia)


Fonte: Disponível em: <http://tudosobreleitura.blogspot.com/2010/03/
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Figura 32 – Retrato de um povo sem livros


Fonte: adaptado de O dia online, de 22 de maio de 2010. Disponível
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Figura 33 – Logo da FNLIJ


Fonte: Disponível em: <http://www.fnlij.org.br/>. Acesso em: 28 jul.
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Figura 34 – Bell em palavras


Fonte: Acervo de Eliane Debus

Figura 35 – Alcides Buss


Fonte: Disponível em: <http://www.clicrbs.com.br/rbs/image/4856575.
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Figura 36 – Varal literário I


Fonte: Disponível em: <www.unibrasil.com.br/fotos/semana_poesia1.
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Figura 37 – Varal literário II


Fonte: Acervo de Eliane Debus

Figura 38 – Poema Dadaísta


Fonte: Disponível em: <www.belasartes.br/portfolio/marinamanduca>.
Acesso em: 28 jul. 2010.

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Figura 39 – Capa do livro Limeriques da Cocanha
Disponível em: <http://diariosdabicicleta.blogspot.com/2008/02/
limeriques-da-tatiana.html>. Acesso em: 28 jul. 2010.

Figura 40 – Poema Zigue-zague


Fonte: Caparelli e Gruszynski (2005)

Figura 41 – “Obligan a cuatro turistas a limpiar enormes graffitis


que pintaron en rocas de Sierra de la Ventana”
Fonte: Clarín, Argentina, de 31 ago 2007. Disponível em: <http://
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Acesso em: 28 jul. 2010.

Figura 42 – Antes que o mundo acabe – livro e filme


Fonte: Disponível em: <http://www.sebodomessias.com.br/
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10 nov. 2010; e <http://www.imagemfilmes.com.br/resources/
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Figura 43 – Palavras fatigadas de informar


Fonte: Disponível em: < http://mamiferas.blogspot.com/2010/05/
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Figura 44 – Frida
Fonte: Acervo de Nelita Bortolotto

Figura 45 – Cartilha
Fonte: Disponível em: <http://www.sxc.hu/photo/510148>. Acesso em:
28 jul. 2010.

Figura 46 – Escrita
Fonte: Acervo de Isabel Monguillhott

Figura 47 – Livro: A interlocução na sala de aula


Fonte: Arquivo de Nelita Bortolotto

193
Metodologia do ensino

Figura 48 – Atividade em livro didático


Fonte: MESQUITA, R. M.; MARTOS, Cl. R. Pai – Comunicação e
Expressão – 5a série, 1o grau. 8. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva,
1982.

Figura 49 – Grafite em parede de escola


Fonte: Acervo de Nelita Bortolotto

Figura 50 – Livros
Fonte: Arquivo pessoal de Nelita Bortolotto

Figura 51 – Livro de Magda Soares


Fonte: Disponível em: <http://serfelizeserlivre.blogspot.com/2010/06/
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Figura 52 – Leituras
Fonte: Disponível em: <http://sxc.hu>. Acesso em: 28 jul. 2010.

Figura 53 – Olho nas letras


Fonte: Disponível em: <http://www.sxc.hu>. Acesso em: 28 jul. 2010.

Figura 54 – Gráfico: inter-relações na escrita.


Fonte: adaptado do gráfico de Geraldi (1991, p.161) sobre “as
condições necessárias à produção de um texto”.

Figura 55 – Capa do livro Uma escola assim eu quero para mim


Fonte: Disponível em: <http://i.s8.com.br/images/books/cover/
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194

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