Você está na página 1de 12

1

FACULDADE DE TEOLOGIA DE SÃO PAULO


IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DO BRASIL

EDENILDO DA SILVA

O ATRIBUTO DA SOBERANIA DE DEUS

São Paulo
2018
2

EDENILDO DA SILVA

O ATRIBUTO DA SOBERANIA DE DEUS

Trabalho apresentado em cumprimento às


exigências da disciplina de Teologia
Sistemática I da Faculdade de Teologia
de São Paulo, ministrada pelo Prof.
Reginaldo von Zuben.

São Paulo
2018
3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................…………..4

1.MÉTODOS PARA DEFINIR OS ATRIBUTOS DE DEUS E SUAS


CLASSIFICAÇÕES…………………………………………………………………………5

2. O ATRIBUTO DA SOBERANIA DE DEUS: AMOR E


LIBERDADE………………………………….…………..................................................8

CONCLUSÃO...................................................................................…….. …………...11

BIBLIOGRAFIA…………………………………………………………..………….….....12
4

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema “O Atributos da Soberania de Deus”.


Pretendemos aqui desenvolver de forma breve mas fundamentada quais os métodos
para se definir os atributos de Deus e as suas classificações mais comuns.

No primeiro capítulo apresentaremos as formas tradicionais de interpretar e


classificar os atribudos de Deus mais conhecidos e verificar o por que são
inadequados para uma reflexão e aplicação dos mesmos na vida cristã. Em seguida
abordaremos os critérios atuais para uma adequada interpretação e reflexão dos
atributos de Deus conforme os anseios e sofrimentos do mundo contemporâneo.
Levando em consideração não uma discussão da natureza de Deus e suas
qualidades, mas apontando para uma ênfase cristológica e relacional dos atributos
divinos.

No segundo capítulo pretendemos tratar do atributo da soberania de Deus e


a sua liberdade em amar os seres humanos. Aqui refletiremos da importância em
dar um novo sentido para essa doutrina tão conhecida na teologia reformada e a
sua relevância para o mundo de hoje. Vamos verificar que esse atributo deve estar
embasado na Bíblia e a sua relação com a obra de Deus realizada em Cristo Jesus
na Cruz do Calvário e a sua ressurreição.
5

1. MÉTODOS PARA DEFINIR OS ATRIBUTOS DE DEUS E SUAS


CLASSIFICAÇÕES

Para a Teologia Sistemática Deus não é um objeto que os seres humanos


possam manipular pelos meios da própria razão. Deus é um mistério que escapa da
nossa percepção humana. Por isso, ele não pode ser definido em sua totalidade.
Tudo o que se disser sobre Deus não passará de mera especulação. No entanto,
apesar de não ser possível analisar a Deus como um experimento cientifíco, a
Teologia Sistemática se propõe a analisar a Deus como tema de reflexão partir de
alguns critérios e dentro de um sistema. E uma das maneiras de estudar sobre os
“Atributos de Deus” é procurar entender suas qualidades e suas referência descritas
na revelação bíblica.
Na teologia tradicional o estudo sobre os atributos de Deus se desenvolveu
a partir de classificações e critérios que apenas apresentam a natureza de Deus
sem levar em conta como ele se relaciona com a sua criação. Berkhof, por exemplo,
classifica os atributos de Deus como sendo:

atributos incomunicáveis e comunicáveis. Os primeiros são


aqueles aos quais nada análogo existe na criatura, como
ansiedade, simplicidade, imensidade, etc.; os últimos, aqueles
com os quais as propriedades do espírito humano têm alguma
analogia, como poder, bondade misericórdia, retidão, etc.
(2012, p. 54).

Percebemos que neste tipo de classificação, quando Berkhof se refere aos


atributos incomunicáveis, fica a imprensão de ser algo inalcansável para o ser
humano, sendo impossível abordarmos ou refletirmos sobre eles. Na verdade todos
os atributos de Deus em sua classificação tradicional são “comunicáveis” e vão
deteminar nossa concepção a respeito de Deus e sua pessoa. Com tudo isso, há a
possibilidade de se estudar e refletir sobre os atributos de Deus levando em conta
não apenas sua pessoa e suas qualidades mas como ele se relaciona com a
humanidade.
6

Para Jenson a forma tradicional de se classificar os atributos de Deus não


correspondem ao que está revelado no evangelho. Jenson afirma que o critério para
interpretarmos os atributos de Deus devem estar fundamentados na obra de Deus
em nosso favor. Assim para ele “é a ressurreição do Crucificado que apresenta a ele
e seus sofrimentos como Deus-por-nós – e apenas isso, de fato, ele é Deus-por-
nós”. (1990, p. 194). Com isso Jenson entende que para uma adequada e coerente
interpretação dos atributos de Deus para os dias de hoje faz-se necessário estudá-
los a partir de uma perspectiva relacional, isto é, ele procura desenvolver os temas
dos atributos divinos com uma ênfase cristológica, sendo Jesus Cristo e a sua
ressurreição como critérios.
Nas Escrituras Sagradas percebemos um Deus que procura de todas as
maneiras se relacionar com a sua criação, principalmente os seres humanos. Na
Bíblia vamos encontrar um Deus que deseja ter uma relação e comunhão intensa
com a humanidade. E ninguém melhor para ser exemplo disso do que Jesus Cristo.
Ele (Jesus Cristo) é o exemplo maior de como Deus quer e procura se relacionar
com os seus filhos. Assim tudo o que for dito e escrito sobre Deus deve ser sob a
dimensão relacional.
Os atributos divinos da perpectiva tradicional, a partir da dimensão
relacional, podem ganhar um novo sentido e corresponder aos anseios do ser
humano nos dias de hoje. De acordo com Jenson os atributos mais tradicionais
como: “infinitude, imutabilidade, onipresença, incorporalidade, invisibilidade,
simplicidade, espiritual, imortalidade, onipotência, bondade, misericórida, justiça,
onisciência, livre-arbítrio e verdade” podem adquirir novos sentidos para transmitir a
idéia de um Deus preocupado com a vida dos seres humanos (1990, p. 196-199).
Esses mesmos atributos devem apontar para a obra que Deus realizou na vida dos
seres humanos em Cristo Jesus na Cruz do Calvário e na sua Ressurreição ao
terceiro dia. Assim Jenson afirma que:

a morte de Jesus faz parte de sua relação com o Pai e o


Espírito, caracterizada por eventos. Porque ele ressuscitou,
essa relação é uma realidade futura e presente. E exatamente
esse evento é a eternidade de Deus, em que Jesus sempre é
Deus. A morte e a ressurreição de Jesus são a maneira como o
7

Deus particular do cristianismo age para ser eterno, para ser


temporalmente infinito (1990, p. 201).

Continuar interpretando e refletindo sobre um Deus que cria todas as coisas


mas não se relaciona com a obra de sua criação é acreditar num Deus distante ou
pensar em um Deus que age de forma mecânica sem qualquer tipo de afeto ou
expressão de sentimento com os seres humanos. E também corre-se o risco de
acretidar num Deus ditador que apenas manipula as pessoas para sua
conveniência. Por isso, devemos interpretar e refletir sobre os atributos de Deus
numa perspectiva relacional tendo como critério a ênfase cristológica (Jesus Cristo e
a sua ressurreição).
8

2. O ATRIBUTO DA SOBERANIA DE DEUS: AMOR E LIBERDADE

Entre os atributos de Deus mais conhecidos na tradição reformada temos a


doutrina da soberania divina. Nesta doutrina ou atributo, geralmente, a visão que se
tem de Deus é de um ser majestoso e grandioso, mas que se relaciona com os
seres humanos de forma fria, calculista e distante dos anseios e angústias da vida
humana. Segundo Guthrie:

por detrás dessas críticas estão as antigas e conhecidas


objeções de que esta doutrina rouba os seres humanos tanto
de sua liberdade como de sua responsabilidade e, apesar de
todos os protestos em contrário, faz com que Deus seja
responsável pelo mal e por todas as coisas ruins que
acontecem na nossa vida individual e no mundo ao nosso redor
(2000, p. 95-96).

Com isso pode-se acrescentar que a doutrina da soberania divina leva a


uma compreensão de Deus hierárquica e patriarcal, ou seja, Deus acaba sendo a
justificativa teológica para o uso incorreto do poder sobre as pessoas. Isso reforça a
opressão e a violação dos direitos humanos e a destruição do meio ambiente. A
doutrina da soberania de Deus no modo tradicional pode ser entendida como:

dizer que Deus é arbitrariamente livre para fazer tudo o que ele
quiser. Dessa forma, por exemplo, Deus pode decidir entre
amar e não amar, ajudar e recusar-se a ajudar, oferecer perdão
ou exigir punição em resposta ao pecado humano, salvar e
condenar. E, de fato, Deus demonstra esta liberdade soberana
agindo exatamente dessa maneira: Deus decide escolher
alguns para a felicidade e a salvação, nesta vida e na próxima,
e rejeitar, ignorar, abandonar e condernar todos os outros
(GUTHRIE, 2000, p. 99).
9

Esse modo de interpretar o atributo da soberania divina significa que Deus


determina tudo o que acontece no mundo, principalmente aos sere humanos. Se
tudo acontece como ele determinou significa que nada pode ser contra a sua
vontade. Assim a ação ou o desejo de Deus no mundo implica numa espécie de
determinismo fatalista em que Deus é o único responsável por toda as coisas boas e
más que acontecem no mundo. Se as pessoas são vítimas de algum tipo de
sofrimento é dever delas suportar tudo isso até o fim porque é a vontade de Deus.
A soberania de Deus na interpretação tradicional apresenta a Deus como um
ser isento de qualquer envolvimento pessoal com as angústias, desgraças,
fraquezas, dor, sofrimento e morte dos seres humanos. Guthrie afirma que “a
soberania de Deus significa, por definição, a distância de Deus, acima e ausente, de
tudo aquilo que é meramente humano, especialmente da experiência humana de
sofrimento e de morte” (2000, p. 104). Mesmo que alguns teológos afirmem que
Deus é amor e misericordioso, segundo a interpretação tradicional da soberania
divina, Deus ama apenas por condescendência e sem nenhum envolvimento
pessoal ou solidariedade com os seres humanos que sofrem.
Como foi abordado anteriormente, há a possibilidade de se entender a
doutrina da soberania divina numa maneira em que Deus esteja totalmente
envolvido com a humanidade sofredora.
Entre os teológos contemporâneos que tem trabalhado um novo sentido
para interpretar os atributos divinos temos Jürgen Moltmann. Para Moltmann “se
formos indagar, segundo a filosofia grega, sobre aquilo que é ‘adequado a Deus’,
devermos excluir da existência divina a diferença, a pluralidade, o movimento e o
sofrer” (MOLTMANN, 2000, p. 35). Com isso, ele afirma que a substância divina é
impassível, isto é, Deus é imóvel, uno e auto-suficiente opondo-se a um mundo
móvel, imperfeito e sofredor. Deus em sua majestade e soberania não pode se
envolver de forma pessoal com este mundo transitório e sujeito a calamidades. No
entanto, para Moltmann essa não é a interpretação mais adequada para se refletir
sobre a soberania de Deus. A mensagem teológica da tradição cristã afirma que o
seu centro está na história da paixão de Cristo com os seus sofrimentos e morte
narrados nos Evangelhos (cf. MOLTMANN, 2000, p. 35).
Assim percebemos a importância de interpretar o atributo da soberania de
Deus na perspectiva da revelação bíblica e relacional cristológica. Deus é livre para
fazer qualquer coisa ele é também livre para amar. A fé cristã está identificada com
10

a dor de uma grande paixão, sendo a sua proposta como caminho para se relacionar
com Deus marcada pelo sofrimento na vida. Como afirma o texto bíblico “Deus é
amor” (1 João 4. 8) e a sua soberana liberdade é liberdade para amar todas as
pessoas sempre (cf. GUTHRIE, 2000, p. 107). Não só esta passagem bíblica mas
também no Antigo Testamento o amor de Deus e sua fidelidade percorrem toda a
história da salvação.
Desse modo para Moltmann “se Deus é impassível, então, consequentemente,
a paixão de Cristo não poderá ser considerada nada além de uma tragédia humana”
(2000, p. 36). Assim a teologia cristã, na interpretação e reflexão do atributo e da
doutrina da soberania divina, deverá reconhecer o próprio Deus na paixão de Cristo
e descobrir essa paixão de Cristo como o próprio Deus agindo e amando os seres
humanos de forma totalmente livre. O poder de Deus em sua soberania não é um
tipo de poder que apenas domina e controla os destinos do mundo e a vida das
pessoas. Mas é um poder que liberta, capacita e nos faz assumir a vida com total
responsabilidade. Portanto, a vida cristã pela fé no Deus soberano significa uma vida
de discipulado que procura amar a Deus, amar o mundo e servir a Deus a partir de
sua justiça, sendo Cristo o nosso mestre e salvador e o Espírito Santo nosso guia e
consolador.
11

CONCLUSÃO

Neste trabalho podemos verificar que a partir da Teologia Sistemática Deus


não pode ser estudado e entendido como um objeto que os seres humanos possam
manipular através de critérios frios e calculistas da razão. Mas que Deus é um ser
pessoal que procura de todas as formas se relacionar com a sua criação. No
entanto, podemos correr o risco de analisar a Deus como um ser impessoal que não
se importa e nem se envolve de forma relacional com os seres humanos. Por isso, a
importância de interpretar e refletir sobre Deus como um ser que ama e procura
comunhão com os seus filhos.
Vimos a partir do atributo da soberania divina que Deus além de ser todo-
poderoso e majestoso é alguém que vive a sua liberdade e toma a iniciativa de amar
os seres humanos principalmente em sua dores e sofrimentos. E isso só é possível
a partir da sua obra de redenção sobre a sua criação. Assim o critério para se
interpretar, refletir e aplicar essa doutrina na vida cristã é sob a paixão de Deus em
Cristo em sua crucificação, morte e ressurreição.
Somente sob este critério é que podemos entender um Deus, mesmo que
soberano, seja capaz de ouvir nossos clamores, angústias e sofrimentos e estar
presente em nossas vidas. Este Deus é o mesmo Deus que criou todo o universo e
toda humanidade , mas que está atento a tudo que acontece no mundo e procura
agir, salvando dando refúgio e consolo aos que reconhecem nele um Deus pessoal.
12

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE. Tradução de João Ferreira de Almeida. Barueri:


Sociedade Biblica do Brasil, 2002.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 4.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BRAATEN, Carl E.; JENSON, Robert W. (ed.). Dogmática Cristã. São Leopoldo:
Sinodal, 1990. v. 1.

GUTHRIE, Shirley C. Sempre se reformando: a fé reformada em um mundo


pluralista. São Paulo: Pendão Real, 2000.

MOLTMANN, Jürgen. Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia.


Petrópolis: Vozes, 2000.

Você também pode gostar