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POSSÍVEIS EFEITOS DO CAMBIO CLIMÁTICO SOBRE OS PESCADORES

ARTESANAIS DA LAGOA DOS PATOS


Castello1, J. P. e Schroeder2. F. A.
Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG
CP 474, Rio Grande/RS – Brasil; 96201-900
1 2
docjpc@furg.br; tazzoceano@yahoo.com.br

RESUMO
Mudanças no clima impactam o meio ambiente e os processos de produção biológica.
Este trabalho discute esses possíveis impactos, tendo como cenário o estuário da Lagoa dos
Patos, no sul do Brasil. Se mantidas as tendências de aumento da temperatura e da pluviosidade
na região, pode haver impactos na biota e na sócio-economia dos pescadores artesanais.
São esperadas alterações na estrutura e na dinâmica populacional dos animais aquáticos,
alterações no padrão de migração destes animais, alterações na estratificação salina do ambiente,
alterações na produção primária e nas características físicas da água do estuário.

Palavras chave: Variação da temperatura, variação da pluviosidade, Impactos Ambientais.

INTRODUÇÃO
As alterações no clima do planeta podem impactar vários ecossistemas e,
conseqüentemente, a vida da população humana ligada a estes habitats. Identificando as
possíveis variações pluviométricas, térmicas e alterações nos campos de ventos, é possível traçar
cenários futuros qualitativos, prever as respostas da biota e como estas podem afetar
socioeconomicamente, a população humana.

O ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS


A Lagoa dos Patos, situada no extremo sul do Brasil, tem área aproximada de 11.000 Km2,
sendo que a região do estuário corresponde a cerca de 875 Km2. É esta porção que apresenta a
maior produtividade, estimada em 183 Kg ha-1 y-1 (CASTELLO, 1985), e maior vulnerabilidade as
alterações climáticas.
O estuário é de regime oligo-halino, fortemente influenciado pelas descargas pluviais e
ventos (SE e NE), com baixa influência da maré (CASTELLO, 1985; GARCIA, 1997).
Principalmente durante a alta primavera e o verão, pode-se observar forte estratificação na coluna
d’agua, principalmente devido a baixa pluviosidade, favorecendo o regime de enchente. No
inverno, a alta pluviosidade favorece a vazante limnificando o estuário (MÖLLER et al. Sub).
As espécies que habitam esse ecossistema estão adaptadas a esse regime, e muitas
espécies estuarino-dependentes tem seus ciclos reprodutivos baseados nas condições físicas do
estuário, aproveitando os regimes de cheia e
vazante, para favorecer a entrada e saída
das larvas e/ou juvenis. 140000

A pesca no estuário apresenta uma 120000


artesanal
tendência de queda (Haimovici et al., 2006), 100000 industrial
Total RS
tendo seu pico no início dos anos 1970 e 80000
decaindo até o início dos anos 2000 (fig1). 60000
Estes autores indicam que é urgente a
40000
necessidade de se implantar políticas de
manejo adequadas, a fim de recuperar os 20000

estoques sobre-explorados e evitar que os 0

demais estoques atinjam essa condição. 1945 1952 1959 1966 1973 1980 1987 1994 2001

Fig1 – Exploração pesqueira no estuário


da Lagoa dos Patos (HAIMOVICI et al, 2006).
O numero de pescadores
atuando na região é de 3.250 pessoas
(CASTELLO et al., sub) Porém, este
número pode chegar a 15.335, durante o
período de pico de pescarias ou em
períodos de forte desemprego nas
cidades do litoral de SC e RS. Esses
pescadores estão localizados
preferencialmente em colônias, e tem
sua estrutural social e produtiva baseada
nos costumes dessas comunidades.
Algumas alterações no clima já
foram registradas. Em pelotas, a
temperatura do ar apresenta tendência Fig 2 – Aumento da temperatura média do ar, na
de aumento (Banco de Dados; PELD- cidade de Pelotas, RS
FURG), acentuando-se nos últimos anos
(fig2). A contribuição das bacias associadas Lagoa dos Patos tem aumentado nos últimos anos
(Banco de Dados; PELD-FURG) (fig3). Esse aumento pode estar associado a aumentos na
pluviosidade no estado do Rio Grande do Sul.

Fig4 – Safra dos principais recursos


pesqueiros do estuário da Lagoa dos Patos
Fig3 – Contribuição das principais (Haimovici et al., 2006)
bacias à Lagoa dos Patos

Foram registradas alterações na safra dos principais recursos pesqueiros da região (fig4)
ao longo dos últimos 30 anos. Isto pode estar associado às alterações climáticas identificadas no
mesmo período. É conhecido pelos pescadores artesanais da região, que o volume de camarão
pescado durante a safra, é inversamente proporcional ao índice pluviométrico na região. A alta
descarga de água doce na laguna acelera e prolonga a vazante, dificultando o movimento passivo
das larvas para o interior do estuário.

POSSÍVEIS IMPACTOS
Cada tipo de alteração climatica apresenta um periodo (dias, meses, anos, decadas...)
Assim, se faz necessário uma análise detalhada, para que não se classifiquem movimentos
ciclicos de longa duração, com alterações permanentes. A grande dificuldade de classificar e
avaliar essas alterações, é que seus resultados podem se apresentar de maneira independente ou
associada sinergicamente à outros eventos. Essa característica pode mascarar resultados,
levando a interpretações erroneas. Contudo, é um problema considerável diferenciar causas
naturais das antrópicas.
O claro entendimento dessas questões é de grande importancia. São necessários dados
confiáveis para se estabelecer estudos populacionais dos estoques pesqueiros, e desenvolver
métodos para prever o futuro destes estoques, uma vez que muitas pescariais já se encontram em
declinio ou sobrexploradas.
Assim, foram levatados os possíveis impactos provocados pelas alterações climáticas.
Para a elevação da temperatura, temos:
Pode haver antecipação do pico da época reprodutiva, uma vez que a temperatura ótima
será alcançada mais cedo.
O crescimento embrionário e/ou larval pode ser acelerado, com aumento do metabolismo
dos animais. Mesmo os adultos podem sofrer este efeito também.
Como a temperatura é uma das variáveis denso-dependentes em modelos, o
recrutamento pode ser afetado, influenciando a densidade dos estoques.
Em consequencia do que foi apontado nos paragrafos acima, a dinâmica da população
das espécies pode ser afetada.
O padrão e a época das migrações locais e regionais pode ser alterado, uma vez que a
temperatura da água é um dos gatilhos migratórios. Já existem evidências desste fenomeno em
lulas. Esse evento pode influenciar o calendário das principais pescarias da região.
Botanicos marinhos esperam um aumento na assimilação de carbono, o que provocaria
um aumento na matéria orgânica disponível, acelerando a eutrofisação de ambientes. Também
pode beneficiar os estoques, uma vez que aumenta a disponibilidade de alimento para os
consumidores primários, base das cadeias tróficas.
Para a elevação da pluviosidade e, consequentemente, aumento na contribuição das
bacias dos rios Jacuí, Sinos, Gravataí, Caí, Taquarí, Camaquã e Lagoa Mirim, temos:
Alterações na distribuição salina do estuário, podendo incrementar o regime oligo-halino.
As isolinhas de salinidades 5 e 15 ficariam mais próximas da entrada do estuário, podendo afetar
o desenvolvimento larval da espécies estuarino-dependentes.
O aumento da descarga de água doce pode alterar a velocidade de vazante, criando uma
barreira natural para o acesso das larvas e/ou juvenis para o interior do estuário, podendo assim
interromper o ciclo de vida destas espécies.
Pode haver aumento do material em suspensão, reduzindo a entrada de luz para as
camadas mais profundas. Isso pode afetar as macroalgas, mas não deve impactar o teor de
oxigenio dissolvido, uma vez que este é suprido pela mistura porporcionada pela ação eolica.

CONCLUSÕES
De maneira geral, pode-se esperar alterações na diversidade de espécies, tanto para o
estuário quanto para a região marinha de águas rasas proximas a costa. Isso porque o ciclo de
vida dos aimais estuarino-dependentes deverá ser alterado pelo cambio climático.
As hipoteses levantadas neste trabalho devem ser estudadas mais a fundo, para se prever
com maior exatidão as alterações decorrentes do cambio climático. Conhecendo o impacto deste
fenomeno, os administradores da pesca, políticos e tomadores de decisão socio-economicas
poderão traçar cenários futuros, prevendo os acontecimentos vindouros.
Com essas previsões, a sociedade poderá se prepar e conviver com o cambio climatico de
maneira menos desastrosa, tendo consiencia das alterações que enfrentarão no futuro de
pequeno, médio e longo prazo. Também será possível tomar medidas para minimizar os impactos
indesejados dessa situação, e maximizar os impactos benéficos.

REFERÊNCIAS
CASTELLO, J.P.,1985. La ecología de los consumidores del estuario de Lagoa dos Patos, Brasil.
In:"Fish Community Ecology in Estuaries and Coastal Lagoons: Towards an Ecosystem
Integration. Ed.por A.Yanez-Arancibia. Univ.Nac.Aut.Mex. Chap.17: 383-406; México.
CASTELLO, J.P.; SUNYÉ, P; HAIMOVICI, M & HELLENBRANDT, D. Fisheries in southern Brazil:
A comparison of their management and sustainability. Subm Journal of Applied Icthyology
GARCIA, C.A. 1997.Hydrographic Characteristics. In: “ Subtropical Convregence Environments.
The Coast and Sea in the Southwestern Atlantic; Ed Seeliger U., Odebrecht, C, & Castello, JP:
18-20
MÖLLER, O; VAZ C. e CASTELLO, J.P. The effect of river discharche and winds on the interanual
variability of the pink shrimp Farfantepenaeus paulensis production in Patos Lagoon. Subm
Estuaries and Coasts
Base de Dados PELD – FURG: www.peld.furg.br/ingles/restrict.html.

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