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Do Brasil Colônia de Ontem Ao Brasil Nação de Amanhã PDF
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Bernardo Ferreira
* Este artigo foi originalmente escrito em 1990 como relatório final de uma bolsa de inici-
ação científica. A versão que ora se apresenta suprime uma parte intermediária em que
se discutia o pensamento de Marx e preserva, com algumas modificações na forma, a
análise sobre a obra de Caio Prado Jr. A pesquisa que deu origem ao texto foi feita sob a
orientação da professora Berenice Cavalcante. Por sua importância na realização deste
estudo e, sobretudo, em minha trajetória de estudante universitário, gostaria de dedicar
o artigo a ela.
DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 51, no 2, 2008, pp. 489 a 509.
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não oferece uma indicação mais precisa sobre o que seria a “relativa
novidade” do método empregado em Evolução Política do Brasil. Na
verdade, seja nesse livro, seja em suas obras posteriores sobre a histó-
ria brasileira – Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia (1942) e Histó-
ria Econômica do Brasil (1945), não encontramos muitos elementos para
responder a essa indagação. Discretos quanto aos problemas de fundo
teórico ou metodológico, esses textos privilegiam a análise documen-
tal e as referências de cunho historiográfico, e apresentam um uso rela-
tivamente restrito do aparato conceitual do marxismo3.
São três os pontos que gostaria de destacar. Comecemos por uma ob-
servação de Caio Prado Jr. sobre o que seria a novidade do “método di-
alético”:
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são sobre a imagem da história brasileira que Caio Prado Jr. apresenta
em seus textos. Nesse sentido, acredito que sua análise sobre a “revolu-
ção da Independência” (EPB:9) oferece uma porta de entrada privilegi-
ada para a abordagem dessa questão.
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Como o próprio Caio Prado Jr. faz questão de observar, o quadro que
nos apresenta do sistema colonial não se restringe a uma descrição dos
mecanismos políticos e administrativos que constituem o regime de
subordinação da colônia em face da metrópole. Para o autor, a idéia de
sistema colonial teria um conteúdo mais amplo, consistindo “no con-
junto de caracteres e elementos econômicos, sociais e políticos que
constituem a obra aqui realizada: pela colonização” (FBC:358). Dessa
forma, integrada no conjunto do sistema colonial, a sociedade colonial
não pode ser completamente distinguida dele: à base econômica fun-
dada na grande unidade produtora voltada para exportação corres-
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Ainda que em Formação do Brasil Contemporâneo Caio Prado Jr. faça refe-
rência à análise desenvolvida em Evolução Política do Brasil sobre as
oposições entre comerciantes e proprietários, o pano de fundo de sua
abordagem sobre esses conflitos sofre uma sensível alteração9. No últi-
mo capítulo daquele livro, a crise do sistema colonial não se apresenta
como resultado do desenvolvimento da base econômica da sociedade.
Sua posição é bem mais complexa, e Caio Prado Jr. de certa maneira in-
verte o argumento. Em lugar de atribuir ao desenvolvimento das for-
ças produtivas da colônia a causa das contradições que minam o siste-
ma colonial, ele vai buscar a explicação nas insuficiências da economia
colonial. Também aqui o segredo da desagregação do sistema colonial
deve ser procurado na infra-estrutura. Só que, dessa vez, não mais em
seu desenvolvimento, mas em suas limitações. A crise do sistema colo-
nial tornaria evidentes os “vícios profundos e orgânicos” (FBC:356) de
uma “economia constituída na base da exploração, e exploração preci-
pitada e extensiva dos recursos naturais” (FBC:359). Segundo Caio
Prado Jr.,
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Cabem algumas perguntas: em que consiste essa nova fase? Ela repre-
senta apenas uma ruptura com as estruturas jurídico-políticas do pac-
to colonial? Se for esse o caso, em que medida ainda se pode falar de
uma “revolução da Independência”?
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São essas mesmas questões que orientarão o corte temporal que Caio
Prado Jr. estabelece na história brasileira dividindo-a em dois grandes
períodos. Em Evolução Política do Brasil, esse corte parece ocorrer na se-
gunda metade do século XVII. Já em Formação do Brasil Contemporâneo,
o marco temporal está no fim do século XVIII e início do século XIX. No
entanto, não são as diferenças que importam, mas sim o critério que
preside a periodização em ambos os casos. Essa divisão da história bra-
sileira define dois períodos qualitativamente diferentes. No primeiro,
a história colonial propriamente dita, temos um corpo social precaria-
mente constituído, carente de vida própria, “uma feitoria da Europa,
um simples fornecedor de produtos tropicais para seu comércio”
(FBC:127). Caio Prado Jr. aborda esse primeiro período de uma forma
puramente descritiva das condições de vida existentes. Sua narrativa,
de certo modo, congela o movimento dessa sociedade, não sendo assi-
nalado qualquer evento que seja fruto do dinamismo interno da exis-
tência coletiva. Como observa Dias (1989:389), em Formação do Brasil
Contemporâneo, essa narrativa é organizada segundo dois grandes ei-
xos, no interior dos quais os diferentes capítulos do livro podem ser en-
quadrados. Em primeiro lugar, o “eixo da dependência colonial” (ibi-
dem): somos apresentados às estruturas do sistema colonial e ao movi-
mento de sua contínua reiteração que imobiliza o dinamismo da vida
social. No segundo eixo, o da “formação da nacionalidade brasileira”
(ibidem:390), observamos o desenvolvimento de possibilidades de or-
ganização da vida econômica e social que se desenvolvem à margem
da ordem colonial dominante e como uma alternativa a ela. Embora es-
ses dois eixos sejam pensados “em uma relação de permanente oposi-
ção estrutural” (ibidem:389), não parece resultar das formas de vida
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NOTAS
1. Legenda dos textos de Caio Prado Jr. citados: Evolução Política do Brasil – EPB; Forma-
ção do Brasil Contemporâneo: Colônia – FBC; História Econômica do Brasil – HEB e A Revo-
lução Brasileira – RB.
2. Subtítulo da primeira edição do livro.
3. Como observa Carlos Nelson Coutinho, “o estoque de categorias marxistas de que se
vale Caio Prado Jr. não é muito rico” (1989:116).
4. Creio que, de forma geral, essas questões encontram respostas satisfatórias no estu-
do de Ricupero (2000) sobre o processo de nacionalização do marxismo na obra de
Caio Prado Jr.
5. Reconheço que o recurso a um livro escrito em 1966 – bem posterior, portanto, às três
obras sobre a história brasileira escritas por Caio Prado Jr., que datam de 1933 (Evolu-
ção Política do Brasil), 1942 (Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia) e 1945 (História
Econômica do Brasil) –, em um contexto intelectual muito preciso – o da polêmica que
mantém com os comunistas a respeito da interpretação da realidade social e da histó-
ria brasileiras e das diretrizes para a ação político-revolucionária tiradas a partir daí
–, pode se prestar a algumas objeções. Em particular, à objeção de que tal estratégia
poderia levar a uma espécie de ilusão retrospectiva, resultante da projeção sobre
aqueles textos de conclusões a que seu autor só teria chegado tardiamente. Pare-
ce-me, entretanto, que, no caso de A Revolução Brasileira, esse risco se encontra ate-
nuado. Sempre que Caio Prado Jr. recorre a análises históricas nesse livro, não faz ou-
tra coisa senão reafirmar idéias já presentes em seus textos de história anteriores. Tal
fato demonstra uma clara continuidade nas posições do autor com respeito à inter-
pretação da história brasileira ao longo dos anos. Algo que pode ser, ademais, cons-
tatado pela reiteração de sua tese a respeito da natureza do desenvolvimento históri-
co brasileiro no post-scriptum de 1976 de História Econômica do Brasil. O mesmo vale
para a estrutura e as premissas intelectuais básicas dessa interpretação. Daí que me
parece legítimo sustentar não apenas uma continuidade mas também uma reafirma-
ção, em A Revolução Brasileira, dos pontos de vista que orientaram as análises de Caio
Prado Jr. em seus textos de história.
6. Ver também Koselleck (1985).
7. Sobre esse assunto, ver o excelente artigo de Dias (1989).
8. O texto de Marx é bem conhecido: “na produção social da própria vida, os homens
contraem relações determinadas, necessárias e independentes da sua vontade, rela-
ções de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvi-
mento de suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma su-
perestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas
de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo geral de
vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, ao contrário, é o seu ser que determina sua consciência. Em certa etapa do
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em con-
tradição com as relações de produção existentes ou, o que é nada mais do que a sua
expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até en-
tão se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas re-
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lações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução so-
cial. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se
transtorna com maior ou menor rapidez” (Marx, 1974:135-136).
9. Na última nota do capítulo “Organização Social”, Prado Jr. observa que já teria dis-
cutido, de forma resumida, a mesma questão em Evolução Política do Brasil. Ver
FBC:297.
10. Como observa Prado Jr. ao falar do aumento da massa inorgânica da população final
do século XVIII, “em nenhuma época e lugar isto se torna mais catastrófico e atinge
mais profundamente a colônia, que no momento preciso em que abordamos a nossa
história, e nos distritos da mineração” (FBC:286).
11. Essa oscilação entre analítico e normativo foi assinalada por Ricupero (2000:133).
Para ele, no entanto, o aspecto analítico da abordagem de Caio Prado Jr. estaria asso-
ciado à noção de colônia; o normativo, ao tema da nação. Como os dois conceitos es-
tão reciprocamente definidos, parece-me melhor afirmar que ambos contêm em si
tanto um aspecto normativo quanto uma dimensão analítica.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ABSTRACT
“The Colonial Background of Modern Brazil”. “Revolution of
Independence”, and History of Brazil in Caio Prado Jr.
RÉSUMÉ
“Du Brésil Colonie d'Hier au Brésil Nation de Demain”. “Révolution de
l'Indépendance” et Histoire du Brésil chez Caio Prado Jr.
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