Você está na página 1de 20

APONTAMENTOS PARA UMA ANÁLISE SOCIOMETABÓLICA

DO CONFLITO AMBIENTAL DECORRENTE DO ROMPIMENTO DA


BARRAGEM DE FUNDÃO, EM BARRA LONGA, MINAS GERAIS, BRASIL

Sessão Temática 10: Conflitos, riscos, desastres e crimes socioambientais


Autor(es): Daniel da Mota Neri; Rosana Icassatti Corazza
Filiação Institucional: Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e Programa de Pós-Graduação
em Política Científica e Tecnológica (PPGPCT-UNICAMP); Departamento de Política Científica e
Tecnológica (DPCT) Instituto de Geociências - Universidade Estadual de Campinas ( UNICAMP)
E-mail: daniel.neri@ifmg.edu.br; rcorazza@unicamp.br

Resumo
Grandes corporações no ramo da mineração vêm, por meio de seus representantes em
distintas esferas de poder no Estado brasileiro, conseguindo fragilizar as leis ambientais
que protegem o patrimônio ambiental comum. Observa-se que o Estado brasileiro não tem
cumprido sua obrigação constitucional de proteger recursos naturais, permitindo elevados
níveis de exploração com consequências desastrosas para o ambiente e a sociedade onde há
atividade mineraria. Este artigo traz uma breve apresentação do quadro conceitual da
análise sociometabólica e de informações sobre danos ambientais e humanos ocorridos no
caso do rompimento da barragem de resíduos de Fundão, em Mariana, MG, que atingiram
a localidade de Barra Longa em novembro de 2015. Neste trabalho, buscamos indicar
alguns dos elementos qualitativos para uma análise sociometabólica a qual, no âmbito de
uma tese de doutorado em desenvolvimento junto ao Programa de Política Científica e
Tecnológica da Unicamp, poderá permitir que se teste a hipótese de um balanço
desequilibrado do metabolismo social no caso de Barra Longa.
Palavras-chave: Conflitos socioambientais; justiça ambiental; Barra Longa

Campinas-SP, 23 a 26 de setembro de 2019


XIII Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica
Abstract
Large corporations in the mining sector come, through their representatives in different
spheres of power in the Brazilian State, managing to weaken the environmental laws that
protect the common environmental patrimony. It is observed that the Brazilian State has
not fulfilled its constitutional obligation to protect natural resources, allowing high levels
of exploitation with disastrous consequences for the environment and society where there
is mining activity. This paper presents a brief view of the conceptual framework of socio-
metabolic analysis and some information on environmental and human damages that
occurred in the case of the rupture of the Fundão waste dam in Mariana, MG, which
reached the town of Barra Longa in November 2015. In this work, we have tried to indicate
some of the quantitative and qualitative elements for a sociometabolic analysis which, in
the scope of a doctoral thesis under development with the Program of Science and
Technoly Policy at Unicamp, may allow to test the hypothesis of an unbalanced balance of
metabolism in the case of Barra Longa.

Keywords: mining, environmental justice, Barra Longa

1. Introdução
Grandes corporações vêm, por meio de seus representantes em distintas esferas de poder
no Estado brasileiro, conseguindo influenciar ou fragilizar as leis ambientais e normas
regulatórias que protegem o patrimônio ambiental comum. Essa influência se dá em favor
da apropriação privada, com finalidade de acumulação igualmente privada, dos recursos do
solo e do subsolo, em detrimento do uso de recursos pela sociedade, em particular pelas
comunidades locais, com ameaças à integridade e resiliência dos ecossistemas. As
mineradoras têm figurado como atores dos mais agressivos contra iniciativas e atores
sociais que ousam colocar barreiras a seu avanço em áreas com potencial para a exploração
mineral (PoEMAS, 2015). Neste contexto, o Estado brasileiro não tem cumprido sua
obrigação constitucional de proteger recursos naturais, biodiversidade, água – recursos
chamados “comuns” pela influente literatura institucionalista, conforme tão bem
representada por Ostrom (2009). Pelo contrário, progressivamente tem agido de acordo
com os interesses de corporações nacionais e internacionais que, operando segundo lógicas
alheias à sustentabilidade socioambiental e à resiliência das comunidades e ecossistemas
atingidos por suas atividades, contribuem para a manutenção ou reconfiguração da

2
condição neocolonial de nosso país como exportador de recursos minerais (PoEMAS,
2015).
O Quadrilátero Ferrífero mineiro exemplifica sobremaneira essa realidade.
Localizado na região central do estado de Minas Gerais, Brasil, ocupando uma área de
aproximadamente 7.000 km2, com jazidas estimadas em 30 bilhões de toneladas, é
responsável por cerca de 60% do minério de ferro produzido no Brasil (224 milhões de
toneladas em 2016) (IBRAM2015). Tamanho volume de minério extraído e processado
implica correspondente quantidade de rejeitos. Vários são os fatores que interferem na
escala de rejeitos produzidos pela mineração de ferro, destacando-se, recentemente, a
combinação da expansão do volume da extração com a depreciação dos preços no mercado
internacional, que tem levado em geral a uma utilização de quantidades progressivamente
maiores de minério de baixa concentração.
Esta foi uma razão que gerou a intensificação do volume de subprodutos muitas
vezes tóxicos, nocivos ao meio ambiente e à saúde humana. Na maioria das vezes, esses
rejeitos têm sido acumulados de forma irregular, inadequada e insegura, em barragens
construídas e alteadas sem o devido monitoramento por parte das próprias empresas e dos
órgãos fiscalizadores competentes. Nessa região, estabeleceram-se ao longo do tempo
diversas empresas produtoras de minério de ferro, cuja produção é liderada pela empresa
Vale. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), o estado de Minas Gerais
responde por aproximadamente 44% do valor gerado pela indústria de extração mineral no
Brasil (excetuando-se petróleo e gás natural). Desse total, aproximadamente 80% (ou 194,9
milhões de toneladas) são produzidos pela empresa, que, no final de 2017, ocupava a
posição de quarta maior mineradora do mundo em valor 1.
Este artigo apresenta uma análise circunstanciada do quadro conceitual da análise
sociometabólica e de informações sobre danos ambientais e humanos ocorridos no caso do
rompimento da barragem de resíduos de Fundão em Mariana, MG, que atingiram a cidade
de Barra Longa em novembro de 2015.
A intenção, aqui, é sistematizar, à luz da literatura sobre conflitos socioambientais
na mineração e da análise sociometabólica, evidências de que os conflitos observados em
Barra Longa podem ser caracterizados como conflitos ecológicos distributivos.

1
Segundo o portal mining.com., publicação digital que abrange o setor de mineração global. Com 364.000
usuários e aproximadamente um milhão de visualizações (segundo o Google Analytics, julho de 2018),
publica em inglês, espanhol, tem escritórios em Lima, Peru e Belo Horizonte, Brasil.

3
O trabalho apresenta dados e reflexões que estão sendo trabalhados de forma
sistemática e aprofundada no contexto do projeto de doutorado de um dos autores,
desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica, no
Instituto de Geociências da Unicamp, cujo propósito central é elaborar um marco analítico
para aplicação a casos de rompimentos de barragens de resíduos de mineração no Brasil,
tendo nos casos de Mariana, Barra Longa e Brumadinho os testes de aplicação para a
metodologia.
Neste texto, buscamos apontar elementos e qualitativos da análise sociometabólica
que permitirão testar a hipótese de um balanço desequilibrado do metabolismo social
(MARTINEZ-ALIER, WALTER, 2015:74). A análise será contextualizada tendo, como
pano de fundo, a atividade minerária que permeia o rompimento da barragem de Fundão,
na qual se manifestam conflitos socioambientais típicos de injustiça e “desgovernança
ambiental”.
Com vistas a cumprir os objetivos acima descritos, este trabalho será dividido em
quatro seções. Na primeira, faremos uma revisão dos conceitos associados à Ecologia
Política dos quais usufruiremos para descrever os conflitos socioambientais decorrentes
dessa tragédia, quais sejam, o metabolismo social suas implicações com os conflitos
ecológicos distributivos. Na segunda, traremos uma descrição do modo como a Vale, a
empresa diretamente causadora da catástrofe que se abateu sobre Mariana e todo o vale do
Rio Doce, se insere no processo de reprimarização da economia brasileira por meio da
mineração no Quadrilátero Ferrífero mineiro. Com essa descrição, visamos apontar a
elementos que indiquem desequilíbrio no metabolismo social, destacando como o lucro
exorbitante dessa empresa está diretamente associado à hecatombe socioambiental que se
instala nos territórios onde ela atua. Na terceira seção, apresentaremos parte do cenário do
conflito socioambiental na cidade de Barra Longa, o centro urbano mais duramente
atingido pela lama da barragem de Fundão, destacando um dos braços da balança do
metabolismo social, aquele cujos stakeholders são os agentes passivos, que arcam apenas
com os custos dos usos dos recursos comuns nos territórios explorados pelas empresas
Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, especialmente o minério de ferro e a água.
Na quarta seção, indicam-se elementos devem permitir formular uma hipótese de trabalho:
a de que, exatamente em função das estratégias de captura de valor adotadas pela empresa,
se dão as condições que levam à devastação e aos conflitos socioambientais decorrentes de
sua atividade.

4
2. Sobre o marco analítico: abordagem sociometabólica e conflitos na mineração

Neste artigo, a caracterização e análise dos conflitos socioambientais e das demandas


crescentes por justiça ambiental deles decorrentes serão realizadas com recurso ao conceito
e ao método do metabolismo social. Aplicamos aqui a expressão “metabolismo social”, de
Martinez-Alier (2009), como a forma como as sociedades humanas organizam seus
crescentes intercâmbios de energia e materiais com o meio ambiente. Essa abordagem
sociometabólica compara a entrada de matéria-prima na economia com a saída dos
resíduos provenientes de sua transformação e pondera os ganhos dessa extração por parte
das grandes firmas com os pagamentos e as perdas: danos socioambientais diretos, o
aumento de população temporária sem o respectivo aumento do suporte de serviços
públicos, racismo urbano, racismo ambiental, dentre outros.
Assim, os conflitos socioambientais são tratados aqui como conflitos ecológicos
distributivos, considerados como lutas diante dos impactos da contaminação ou dos
sacrifícios realizados para extrair recursos. À luz da Ecologia Política, esses conflitos são
interpretados como tendo suas origens nas desigualdades em termos de renda e de poder. A
fim de mapear esses conflitos, desenvolveremos um cenário comparativo de relação entre
esses elementos e os atores sociais afetados, fazendo a análise desse balanço à luz de
aportes selecionados da abordagem da Ecologia Política.
“Essa abordagem, também chamada de “sociometabólica” permite visualizar de
maneira analítica a dinâmica dos conflitos originados por um desequilíbrio no balanço
metabólico, originando, assim, crescentes demandas por justiça ambiental. A
descrição de tais conflitos se configura pelo encontro “da economia ecológica e da
ecologia política. [...] A ecologia política estuda o exercício do poder nos conflitos
ambientais. Em outras palavras: quem tem o poder de impor decisões na extração de
recursos, no uso da terra, nos níveis de contaminação, na perda da biodiversidade e,
mais importante, quem tem o poder de determinar os procedimentos para impor tais
decisões”? (Martinez-Alier 2001, 2002; Robbins 2004 apud Martinez-Alier 2015 p.
75).

De acordo com os autores, as assimetrias na distribuição de poder e renda estão na


origem dos conflitos ecológicos distributivos, na medida em que se acentua o desequilíbrio
entre a entrada e a saída de benefícios e custos para ambos os lados da balança. Além do
fluxo de materiais, que afeta o balanço de matéria e energia no processo de exploração dos
recursos naturais, esses conflitos são fortemente influenciados por “externalidades
negativas”, que significam, por exemplo, a transferência dos custos sociais de determinada
atividade extrativa para o Estado.

5
No caso da atividade minerária nos territórios em questão, essas externalidades
negativas se apresentam, antes mesmo dos rompimentos das barragens, como significativos
prejuízos socioambientais, como a perda da paisagem original, expropriação, aumento da
população flutuante sem o respectivo aumento dos serviços públicos de saúde, educação,
segurança etc., racismo ambiental, entre outros.
O Brasil, como a maioria dos países da América Latina, vem passando por um
crescente processo de reprimarização da sua economia. Esse fenômeno se caracteriza, entre
outros aspectos, por um grande déficit em sua balança material, ou seja, o balanço entre o
que se exporta de matéria-prima (em unidades de massa) e o que se importa – ainda que
por vezes a balança comercial seja positiva – que revela uma crescente pressão por maiores
taxas de extração de minerais. Isso se deve, por exemplo, ao fato de que o exorbitante
volume de material exportado mal consegue – quando consegue – compensar, em valor, o
volume das importações.
No caso do minério de ferro produzido em Minas Gerais – praticamente todo ele no
Quadrilátero Ferrífero – a produção de minério de ferro bruto, segundo o Anuário Mineral
Brasileiro, saltou de 203 milhões de toneladas em 1997 para 560 milhões de toneladas em
2016, um crescimento de 175% em 19 anos. Tal aumento implica inevitavelmente uma
aceleração do metabolismo social da região, com consequente agravamento dos conflitos
ecológicos distributivos em função da forte assimetria na distribuição de renda e poder e
que, na perspectiva desse trabalho, acontece de maneira explícita no caso em estudo,
conforme se verá adiante. Martinez-Alier e Walter (2015) apontam que acelerações como
essa implicam, também, o que se intitula comércio ecologicamente desigual, ou seja,
“os países pobres exportam a preços que não consideram as externalidades locais ou o
esgotamento dos recursos naturais, em troca da compra de bens e serviços caros de
regiões mais ricas. [...]. A troca ecologicamente desigual surge do fato estrutural de
que as regiões ou países metropolitanos precisam de grandes quantidades de energia e
materiais a preços baixos para seu metabolismo.” (Martinez-Alier e Walter, 2015, p.
78).
A extração de minério de ferro apresenta outras características que agravam o
desequilíbrio no metabolismo social nos territórios de onde ele é retirado. As fases iniciais
de sua produção acarretam elevados custos ambientais em comparação com um baixo valor
agregado2. Esses custos são desconsiderados e se tornam ainda mais caros na medida em
que as plantas encerram suas produções, seja pelo esgotamento das minas, seja pelo
empobrecimento do teor do minério, seja pelas escolhas mercadológicas das empresas.

2
Valendo cerca de US$50 a tonelada, o Brasil precisa vender cerca de dez toneladas de minério de ferro
para comprar um iPhone – se for o “top de linha’, são necessárias trinta toneladas.

6
Além disso, na ausência de uma política de desenvolvimento para a região que se
volte a um planejamento de longo prazo, num cenário que considere a vida social para
além de seu “destino mineral”, a dependência econômica gerada pela atividade minerária é
tamanha que esse passivo socioambiental deixado pela atividade jamais é pago. Enriquez
(2007) destaca que “as fartas rendas provenientes da extração dos recursos minerais
produzem uma espécie de maldição por limitarem a capacidade expansiva de outros setores
produtivos” enquanto “induzem a permanência no poder de uma elite parasitária e atrasada
que não consegue deslanchar políticas para diversificar a economia e deixá-la menos
dependente do setor mineral” (Enriquez 2007 p.25). Lewis muito mais problemas que
vantagens para os países ricos em recursos minerais alcançarem o desenvolvimento
econômico “pois a pujança da mineração acaba dificultando o desempenho de outras
atividades” (Lewis apud Enriquez 2007, p. 111). Além da baixa diversificação econômica,
o autor destaca que
“a mineração gera um mercado de trabalho monopsônico, ou seja, uma única
[atividade e, frequentemente, uma única] grande companhia é a principal responsável
direta e indireta (por meio de suas empresas contratadas) pela absorção de uma força
de trabalho pulverizada e exerce um papel importante, porém servil, de captador de
divisas para financiar o desenvolvimento industrial em outras regiões do mesmo país”.
A autora elenca ainda outros problemas da atividade minerária que, vistos sob a
ótica da ecologia política, amplificam a assimetria do balanço metabólico, como as altas
taxas de lucro do setor mineral, o inflacionamento dos salários, a perda de competitividade
de outros setores para o setor mineral, o que retarda o crescimento desses setores e a
consequente geração de novos investimentos.
O cenário descrito de forma geral para a mineração é típico no caso da exploração
do minério de ferro. Guimarães & Cebada (2016) destacam que o estudo de 346 casos
registrados na base de dados do Atlas de Justiça Ambiental3 do EJOLT (Organizações de
Justiça Ambiental, Responsabilidades e Comércio) revela estreita ligação entre o aumento
do metabolismo social decorrente de todos os eventos relativos à cadeia produtiva
(extração, processamento, transporte e deposição de rejeitos) e os “conflitos mineiros
‘glocais’ na última década”, (Guimarães & Cebada 2016, p. 374 ). Segundo os autores,
“os dados mostram que predominantemente esses conflitos mobilizam vizinhos,
comunidades pré-existentes, organizações locais e internacionais, lavradores, pastores,
pescadores, grupos étnicos discriminados, autoridades locais e cientistas ou
profissionais liberais. [...] Associados a esses conflitos encontramos muito
frequentemente a invocação da aplicação de legislação existente, o reforço da
participação cívica, a indeminização, a criminalização, repressão, a perseguição de
ativistas e as mortes. É elevada, por isso, a associação a atos de violação de direitos
humanos, ex(propriação de terras, perda de qualidade de vida, militarização ou

3
Cf. http://ejatlas.org

7
“securitização” do espaço vivido, aumento da corrupção e perda de identidades
culturais”. (Guimarães & Cebada, 2016, p. 363).
Esse é um padrão que, segundo os autores, indica que os conflitos ecológicos
extrativos ligados à mineração seriam “a pedra angular da injustiça ambiental”, cuja
percepção é compartilhada por diferentes comunidades atingidas pela atividade ao redor do
globo.

3. A Vale num contexto de reprimarização e de aumento da atividade minerária no


Quadrilátero Ferrífero
A atividade de exploração de minério de ferro está intimamente ligada ao modo de
produção da vida no estado de Minas Gerais. Desde a colônia, a descoberta de ouro nas
regiões onde hoje se encontram as cidades de Ouro Preto, Mariana, Caeté e Sabará
consolidou a atividade minerária como a principal atividade econômica na região. No
século XX, a demanda mundial por minério de ferro, a fundação da Cia Vale do Rio Doce
e da Cia Siderúrgica Nacional marcam uma nova era da atividade minerária no Brasil,
reforçando a “vocação” do estado em produzir riqueza a partir da mineração. Na década de
1960 a atividade começa a se expandir no chamado Quadrilátero Ferrífero. Além da
CVRD, Açominas e Companhia Siderúrgica Nacional começavam a entrar no mercado da
exploração de minérios em Congonhas, MG. Além de Itabira, local da primeira planta da
Vale, e Congonhas, diversos municípios começam a ter seus subsolos explorados, com o
surgimento de diversas empresas de pequeno e médio porte, que começam a concorrer, em
pequena escala, com a Vale do Rio Doce.
É nesse cenário que surgem, por exemplo, a antiga Cia de Mineração de Ferro e
Carvão, posteriormente rebatizada como Ferteco Mineração S.A., explorando minério de
ferro nas cidades de Congonhas e Brumadinho, e a S.A. Mineração da Trindade (Samitri),
posteriormente renomeada Samarco Mineração S.A., em Mariana. Já no final dos anos
sessenta a Vale, ainda estatal e líder na produção e de exportação de minério de ferro no
Brasil começa a exercer sua influência no mercado, estabelecendo contratos de vendas
casadas com as duas mineradoras do estado4.
Em 1997 a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada, dentro da política
privatizante dos governos Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). A venda da empresa

4
Para um acompanhamento dessas parcerias entre a Vale do Rio Doce e as mineradoras Samarco e Ferteco,
veja
http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/news/Documents/historia70anos/Vale_Livro_Nossa_Historia_cap4
.pdf

8
se deu num momento em que a economia brasileira já se direcionava de acordo com o
modelo neoliberal de acumulação capitalista que, desde o governo Collor (1990 – 1992) já
se anunciava como a tendência contemporânea do mundo globalizado e que impunha,
como vem acontecendo até os dias atuais, a reprimarização da economia em toda a
América Latina. À chegada do século XXI viu-se um novo ciclo de valorização das
commodities minerais, puxadas pela economia chinesa enquanto, no Brasil, a Cia Vale do
Rio Doce, agora simplesmente Vale, assumia a liderança no mercado de produção de
minério de ferro no Brasil, tendo adquirido diversas empresas entre elas, a Ferteco, em
abril de 2001 e a Samarco, em 2000, cuja parte da composição acionária já pertencia à
BHP Billinton. Surgia ali a joint venture que controla a empresa até os dias de hoje.
O ciclo de alta das commodities iniciado em 2003 agravou a dependência brasileira
ao setor mineral, tendo a Vale o protagonismo da produção e exportação do minério de
ferro no Brasil. Responsável por quase um quarto do mercado transoceânico e mais de
80% da produção de minério de ferro no país, a Vale é a responsável direta pelos maiores
desastres socioambientais já ocorridos na história: o rompimento das barragens de Fundão,
em Mariana, em 2015, e de Córrego do Feijão, em Brumadinho, em janeiro de 2019. Tais
desastres estão intimamente relacionados ao pico das commodities do início do século.
Fundão, cujo rompimento ceifou 19 vidas e resultou num prejuízo sócio ambiental
incalculável entrou em operação em 2008, em meio ao boom do minério de ferro no
cenário internacional; como se vê nesse mercado, sob a ótica do lucro máximo, quando os
preços sobem, aumenta a pressão por aumento da produção e consequente aumento dos
lucros; quando os preços caem (como ocorreu a partir de 2011), a pressão passa a ser
exercida sobre os gastos com segurança e prevenção de acidentes. Essa combinação,
associada a uma capacidade tecnológica de construção de minas gigantes, de onde se retira
minérios de concentrações cada vez mais pobres exige a construção de cada vez mais
barragens, cada vez maiores. Assim, “é razoável considerar que, se a volatilidade dos
preços é uma característica intrínseca ao mercado de minérios, assim também seria o
rompimento das barragens.” (PoEMAS, 2009, p.16).
É exatamente nesse contexto que se dá o desastre de Fundão. O relatório da
investigação do Ministério Público Federal para o caso de Mariana 5 destaca elementos que

5 IPL n.º 1843/2015 SRPF/MG; Autos n.º 38.65.2016.4.01.3822 (Busca e apreensão); Autos n.º 3078-
89.2015.4.01.3822 (Medida Cautelar); IPL Polícia Civil - MG 1271-34-2016.4.01.3822; IPL Polícia Civil -
MG 1250-24.2016.4.01.3822; Procedimento Investigatório Criminal (PIC) - MPF n.º 1.22.000.003490/2015-
78; Procedimento Investigatório Criminal (PIC) MPF n.º 1.22.000.000003/2016-04.

9
revelam o total negligenciamento de normas básicas tanto para o alteamento da barragem
quanto para a prevenção de danos ou salvamento das pessoas em caso de rompimento:
“As vítimas já foram identificadas. Todos aqueles que perderam suas vidas não
imaginavam que estavam no caminho da lama e dos rejeitos após rompimento de uma
barragem cujos erros técnicos de implementação e manutenção foram
conscientemente manipulados para reduzir custos e aumentar dividendos. Sequer foi
dada a chance de defesa aos que perderam suas vidas. Não houve aviso. Sequer se
pode dizer que havia um plano emergencial, nada além de um esboço para cumprir
tabela – e por tabela – a lei. E no decorrer dos anos em que se sucederam inúmeras
ações humanas por parte das empresas envolvidas, de seus dirigentes e de seu corpo
técnico (todos com ciência do sinistro iminente), referidas ações se limitaram a
maquiar a realidade, buscando ganhar tempo com medidas de intervenção ambiental
tecnicamente duvidosas sob o ponto de vista do conhecimento acadêmico mais
elementar”. (MPF 2016).

Pelo menos dois outros relatórios apontam as diversas falhas de construção,


alteamento e uso da barragem – como o recebimento de rejeito de uma mina da Vale nas
redondezas, com consciência do corpo técnico e diretor da Samarco, como o relatório da
Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP e o Relatório de Análise de Acidente –
Rompimento da Barragem de Rejeitos Fundão do Ministério do Trabalho 6. O método de
alteamento a montante é a mais barata e insegura forma de se construir barragens de
rejeito, não recomendada por diversos especialistas para regiões úmidas e de nascentes
como no caso do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. David Chambers, especialista em
barragens da California University, EUA, ouvido pelo portal Estadão, afirma que “em
países úmidos, como o Brasil, as barragens a montante não deveriam nunca ser utilizadas,
por causa do alto risco de infiltração. Essa técnica de construção, mais barata e considerada
insegura pelos engenheiros, foi utilizada para erguer as estruturas onde houve
rompimentos: em Mariana (2015) e Brumadinho (em janeiro deste ano)” (ESTADÃO,
2019).

4. Conflitos socioambientais em Barra Longa no contexto do rompimento da


barragem de Fundão
Fundado em 1704, o pequeno Arraial de Matias Barbosa tornou-se inicialmente o
distrito de Barra Longa atrelado ao município de Mariana (1911); depois passou a ser
distrito de Ponte Nova (1923) para então, finalmente, em 1938, ter se emancipado como o
município de Barra Longa (IBGE 2019). Com população de 6210 habitantes (IBGE 2018),
tem sua principal fonte de renda o repasse de recursos externos, em especial o FPM (cerca
de 94%). Barra Longa pode ser considerada uma cidade pobre: segundo o IBGE, em 2016

6
http://ftp.medicina.ufmg.br/osat/relatorios/2016/SAMARCOMINERACAORELATORIOROMPIMENTOB
ARRAGEM20160502_09_05_2016.pdf

10
o salário médio mensal era de 1,7 salários mínimos, sendo que 42,3% dos domicílios têm
rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa (IBGE 2019).
Barra Longa é o município com área urbana mais duramente atingido pela lama da
barragem de Fundão. Em Mariana, o primeiro município alcançado pela lama, a área
urbana da cidade histórica não foi atingida, apesar da destruição de cerca de 350 unidades
habitacionais no subdistrito de Bento Rodrigues e nas localidades rurais de Paracatu de
Baixo, Pedras, Ponte do Gama e Campina (MPF 2016). Em Barra Longa, além das nove
casas e uma igreja destruídas pela lama no distrito de Gesteira, foram contabilizados danos
em 133 unidades habitacionais, 3 escolas, 4 pontes (MPF 2016), além da total destruição
da praça da cidade, local muito frequentado pelos moradores, que ficava às margens do Rio
do Carmo.

A Lama de Fundão em Barra Longa


Dos 50 milhões de m3 de rejeito depositados na barragem de Fundão, no primeiro
momento, cerca de 38 milhões se juntaram a aproximadamente cinco milhões de m3 de
água da Barragem de Santarém, que ficava à jusante de Fundão. A mistura do coloide de
rejeito com água deu origem ao tsunami de lama que primeiro atingiu o Córrego Santarém
para, em seguida, irromper pelo leito do Rio Gualaxo do Norte, atingindo o distrito de
Bento Rodrigues em Mariana em poucos minutos, onde deixou 19 pessoas mortas7.

Figura 1: Vista de satélite das barragens antes (E) e depois do rompimento (D). (Fonte: Google imagens)

7
Entre os dezenove mortos, 12 eram funcionários terceirizados da Samarco, um era um prestador de serviço
que viera de São Paulo e outro era empregado da empresa (seu corpo nunca foi encontrado), que trabalhavam
na barragem no momento do rompimento; em Bento Rodrigues, cinco pessoas morreram, sendo quatro
moradores (duas crianças e dois idosos) e uma turista que passava férias no distrito.

11
Figura 2: à esquerda, Praça de Barra Longa atingida pelo tsunami de lama da barragem de Fundão. (Fonte:
jornal o Tempo); à direita, igreja do distrito de Gesteira (fonte: google imagens).
A onda de lama devastadora seguiu o curso do Rio Gualaxo do Norte levando
consigo tudo o que havia pela frente. Além de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, o mar
de lama ainda passou destruindo parcialmente quatro povoados: Paracatu de Cima,
Campina, Borba e Pedra da Bica antes de chegar a Gesteira, já no município de Barra
Longa, próximo ao encontro com o Ribeirão do Carmo. O estreitamento na curva onde os
dois rios se encontram fez com que parte da lama subisse, contra a correnteza, o Ribeirão
do Carmo. Por um espaço de 6 km a onda retrógrada destruiu tudo o que havia pela frente
– no caso, toda a área urbana da parte baixa da cidade de Barra Longa.
Ao desaguar no Rio Piranga que, alguns quilômetros à frente passa a se chamar Rio
Doce, o Ribeirão do Carmo despejou toda a carga de lama que, 22 dias depois chegou à
foz, em Regência, no Espírito Santo.
Além das mortes humanas, desalojamento e devastação das localidades, a lama
arrasou pastos e plantações, destruiu enormes áreas de preservação permanente, matou
milhares de animais, milhões de peixes, aniquilou habitats e alterou definitivamente
ecossistemas inteiros. De acordo com o laudo técnico preliminar do IBAMA (IBAMA,
2015), a lama de Fundão arrasou cerca de 1600 ha de matas ciliares, vegetação nativa e de
reflorestamento, inclusive áreas de preservação nativas. Em alguns pontos, a lama avançou
por até 50 metros para além das margens dos rios por onde passou.
De imediato, comunidades inteiras foram afetadas pela falta de energia elétrica com
a interrupção da geração nas usinas de Candonga, Aimorés e Mascarenhas e do
fornecimento de água ao longo de toda a extensão do Rio Doce. No mar, a pluma de lama
se espalhou por uma área de dezenas de km2, sabendo-se hoje, que os rejeitos interferem

12
até no ecossistema do Arquipélago de Abrolhos8. Importa ressaltar que no o EIA da
barragem de Fundão se previa que, em caso de rompimento, a lama da barragem chegaria
no máximo ao distrito de Bento Rodrigues.
Atualmente em Barra Longa há uma extensa lista de conflitos e manifestações de
injustiça ambiental, consequências da passagem do tsunami da lama de Fundão pela
cidade. Vormittag et al apontam que, em 2017, várias manifestações de agravamento de
doenças ainda se manifestavam graças à presença da lama e da poeira por ela causada ou
dos transtornos causados pela tragédia, direta ou indiretamente. De acordo com o estudo,
cerca de 35% dos 507 entrevistados (quase 10% da população) declararam que sua saúde
piorou desde o desastre, e que 43% afirmaram que tiveram algum problema de saúde desde
novembro de 2015. As principais manifestações foram de problemas respiratórios (40%,
sendo 60% para crianças entre 0 e 13 anos), problemas de pele (16%) e transtornos mentais
e comportamentais (11%). Os resultados do estudo confirmam vários apontamentos
semelhantes. Em 2016, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal revela que
“identificou-se que houve o aumento de 1000% na procura por atendimento médico,
havendo constantes reclamações da poeira local decorrente da secagem do rejeito
depositado na região e até hoje não retirado” (MPF 2016, p. 18). Esses resultados se
alinham fortemente com estudo semelhante realizado com atingidos de Mariana, que
aponta piora em sintomas de doenças cardiovasculares (54%), dores de cabeça (53%),
tonteiras (63%), além de 32% de manifestação de transtornos de ansiedade, número três
vezes maior que a média mundial (PRISMMA 2018).
Além do adoecimento, há uma série de outros fatores que apontam para a gravidade
da injustiça ambiental em Barra Longa. Ao contrário do que veicula na grande mídia e
pelos canais da Samarco e Vale, a Fundação Renova criada pela Samarco para gerir as
verbas de indenizações e reparações aos atingidos pelo rompimento, insiste em manter
práticas em que claramente são desrespeitados os direitos fundamentais da população em
Barra Longa. As nove famílias que moravam em Gesteira Velha seguem vivendo às custas
de aluguel pago pela empresa, enquanto aguardam o arraste das obras de construção das
novas moradias (A SIRENE, 2019).
A sequência interminável de obras de “reconstrução” na cidade também é motivo
de problemas para a população. Desde a chegada da lama, homens e máquinas transitam

8
https://www.uerj.br/noticia/pesquisa-da-uerj-comprova-contaminacao-de-abrolhos-por-residuos-da-samarco/
e
http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/Rio_Doce/nota_tecnica_23_2017_Tamar_ICMBio_monitora
mento_pluma.pdf

13
diariamente pelas ruas do município. Em Janeiro de 2018, mais de dois anos após o
desastre, um grupo de atingidos entregou à Samarco uma pauta de reivindicações em que
se revelam uma série de arbitrariedades e injustiças nos processos de reparação e
indenização. Estruturada em seis eixos (1) Direito à moradia digna e infraestrutura; 2)
Direito ao trabalho digno, geração de renda e desenvolvimento socioeconômico; 3) Direito
a participação, poder de decisão e acesso à informação; 4)Direito à saúde, à qualidade de
vida e à convivência familiar e comunitária; 5) Direito ao ambiente saudável; 6) Direito a
indenização justa ) (MAB 2018), a pauta revela que a assimetria de poder ainda é um dos
principais elementos de desequilíbrio no balanço sociometabólico em Barra Longa. Em sua
edição de Abril de 2019, o Jornal A Sirene denuncia como a Fundação Renova segue
lançando mão de artifícios que, ao que parece visam, em última instância, dificultar o
acesso dos atingidos às devidas indenizações:
“O propósito da Fundação está totalmente distorcido, porque ela fala em metodologia,
mas usa estratégia. O propósito deveria ser de indenização e reparação justas, a justiça
pelos mortos, a preservação da história. A Renova foi construída para garantir direitos,
mas, nesse caso, os direitos das empresas e não dos atingidos. Tanto é que a existência
dela é pelos recursos das empresas e o propósito da mineradora é o lucro. Em uma
situação dessa que aconteceu com a Samarco, e agora com a Vale, o foco passa a ser
minimizar prejuízos”. Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues (A SIRENE, 2019)
“A Fundação trabalha para individualizar os atendimentos às famílias e apresentar
propostas de reparação também individualizadas, inclusive com tratamentos muito
diferentes para casos semelhantes. Desmotivam a organização das comunidades e
desgastam os espaços coletivos para que as pessoas associem reunião à enrolação. Ou
seja, ao invés de encaminhar e resolver as solicitações de reparação levadas pelas
pessoas atingidas, a Renova adia soluções alegando, muitas vezes, “inviabilidade
técnica”. Caromi Oseas, Assessoria Técnica da Cáritas (A SIRENE, 2019).

5. Conflitos associados a assimetrias sociometabólicas

Dois aspectos marcam de forma contundente a assimetria no balanço ecológico


distributivo: o desequilíbrio de valores (o que o município recebe versus o que gasta) e o
desequilíbrio de poder. De modo geral os impactos ambientais nas localidades onde atua a
atividade minerária estão associados à mudança na paisagem, ao uso exaustivo da água, à
poeira e poluição dos cursos d’água principalmente graças ao uso inadequado de barragens
de rejeito. Os impactos sociais, por sua vez associam-se à expropriação, ao aumento da
população temporária e à precarização da força de trabalho, à perda de identidade cultural
e ao aumento dos problemas de saúde da população.

Vários desses impactos socioambientais já se encontravam presentes em Mariana


antes dos colapsos da barragem em seus territórios, mas não em Barra Longa. Por não ser
cidade produtora de minério de ferro ou qualquer outro tipo de produção mineral ou

14
industrial, Barra Longa tinha sua economia praticamente integralmente baseada no
recebimento de recursos externos, em especial do fundo de participação dos municípios
(FPM) do governo federal. Dizemos assim, que o metabolismo social em Barra Longa era
de baixa intensidade, com seus cerca de seis mil habitantes vivendo rotinas simples,
comuns em cidades pequenas no território brasileiro. Porém, com o a chegada da lama de
fundão observa-se uma forte aceleração no metabolismo social: um forte aumento na
população temporária com trabalhadores que atuam na construção da cidade, aumento dos
índices de doenças físicas e mentais; aumento da violência urbana. Observa-se ainda uma
nova configuração econômica, com o município, agora, passando a depender de um novo
fluxo de dinheiro sem que se garanta qualquer estabilidade de uma nova atividade
econômica local. Passos et al indicam que [...] Com os desastres, as tensões se acirram; a
dependência que a atividade impõe ao município, característica desse modelo
neoextrativista, agrava o quadro social com o aumento do desemprego e a diminuição da
arrecadação” (Passos et al, 2007, p.270).

Em Barra Longa, a injustiça ambiental se acirra como fruto dos conflitos


ambientais decorrentes das imposturas da empresa Samarco e da Fundação Renova. Em
abril de 2018 o jornal o estado de Minas apontava como a renova manipulava valores em
suas planilhas de indenizações para pagar valores abaixo dos valores de mercado por bens
móveis e imóveis por meio da intitulada matriz de danos. À mesma época o jornal Hoje em
Dia alertava para o fato de que a fundação era acusada de violadora de direitos humanos
aos atingidos do rompimento da barragem de Fundão:
“dificuldades de acesso às indenizações e aos auxílios emergenciais para aqueles que
tiveram a atividade econômica inviabilizada e perderam tudo que tinham é apenas
uma parte das denúncias formalizadas por sete entidades: ministério público federal,
ministério público do trabalho, ministérios públicos dos estados de minas gerais e do
espírito santo, defensoria pública da união, além das defensorias públicas de minas
gerais e do espírito santo.” (Hoje em Dia, 2018)

15
Figura 3: Valores pagos pela Fundação Renova em indenizações
Fonte: Jornal O Estado de Minas.
Nas palavras dos moradores de Barra Longa reproduzidas pela edição de 11 de
janeiro de 2019 no jornal A Sirene, encontramos uma síntese final do modo como a
chegada da lama promove, em um só tempo, o aumento do metabolismo social enquanto
apresenta um forte desequilíbrio metabólico em detrimento daqueles que se encontram no
lado mais frágil da balança:
“para os(as) moradores(as) das comunidades atingidas, o rompimento foi só o início
do que viria pela frente. Hoje, além de lutar por uma reparação justa, eles(as) lidam
de forma constante com o desmerecimento da fundação renova em relação às
moradias que eles(as) mesmos haviam construído, já que as empresas afirmam que
as casas foram, na verdade, malfeitas. Com essa alegação, a renova tenta se
esquivar, a todo momento, da responsabilidade pelos desdobramentos do crime
quando se trata das casas trincadas por causa do intenso tráfego de caminhões nas
cidades após o desastre e, sobretudo, não é capaz de entender que, mesmo diante de
uma reconstrução ou de uma nova construção nos reassentamentos, os modos de
vida desses moradores já foram alterados.” (A Sirene, 2019)

Considerações Finais
Este artigo tem como objetivo principal caracterizar os conflitos socioambientais
que se observam ainda hoje em Barra Longa, desde a chegada da lama da
Samarco/Vale/BHP, como conflitos ecológicos distributivos, ou seja, conflitos oriundos de
um desequilíbrio na balança sociometabólica do município, ou seja, e a entrada de
benefícios advindos da atividade minerária não compensa os custos decorrentes dessa
atividade. Por se tratar de uma cidade não produtora, Barra Longa apresenta característica

16
peculiar nesse desequilíbrio, pois não conta com receita (entrada) dos royalties da
mineração. Assim, o que se observa na cidade, com a chegada do rejeito em novembro de
2015 é uma abrupta aceleração do metabolismo social, com forte desequilíbrio de forças
entre a empresa, representada pela Fundação Renova, e os demais stakeholders envolvidos
no conflito.
Acreditamos que, à medida que for aperfeiçoada, a metodologia aqui esboçada
possa que dispor de uma forma de sistematizar, analisar e apresentar os dados quantitativos
e informações qualitativas, numa forma não convencional, que vá além das usuais
contabilidades monetizadas, e que permita colocar em perspectiva um balanço de ganhos e
perdas, identificando como diversos segmentos da sociedade são beneficiados ou
penalizados, representando vantagens relevantes. Do ponto de vista acadêmico, pode
oferecer um avanço em termos de construção metodológica sobre um corpo de
conhecimento já bastante consolidado, o da Ecologia Política, em diálogo com a Economia
Política e com a Economia Ecológica. Do ponto de vista do debate público, pode tornar
mais efetiva a comunicação sobre os benefícios e os ônus da mineração, num momento
muito sensível em razão do grande número de barragens de resíduos que se encontram em
situação de grave risco de ruptura. E, finalmente, e não menos importante, poderá
disponibilizar a tomadores de decisão pública, como é os casos de legisladores, gestores
locais e Ministério Público, uma ferramenta de apoio e informação às suas atuações.

Referências Bibliográficas
A SIRENE, Edição de abril de 2019, disponível em
http://jornalasirene.com.br/editorial/2019/04/06/abril-2019, acesso em 05/05/2019.
CASTRO, F., HOGENBOOM B. BAUD, M. (Coordenadores) Governança ambiental na
América Latina. Buenos Aires: 2015.
ENRÍQUEZ, Maria Amélia Rodrigues. Mineração e desenvolvimento sustentável, é
possível conciliar? Revista Iberoamericana de Economía Ecológica (REVIBEC),
México, n. 12, p. 51-66, 2009.
FALKNER, ROBERT, Private Environmental Governance and International Relations:
exploring the links. In: Global Environmental Politics 3:2, p 72-90, MAY 2003
FERREIRA, L.C.; BARBOSA, S.R. C. S.; HOEFEL, J.L. de M.; GUIMARÃES, R.;
FLORIANI, D. TAVOLARO, S.B. F. Environmental issues, interdisciplinarity, social
theoryandintellectualproduction in latinamerica. Ambiente & sociedade. Campinas-SP, v.
IX, n. 2. Jul./dez. 2006.
GIAIA (Grupo Independente para Avaliação de Impacto Ambiental) - RELATÓRIO-
TÉCNICO DETERMINAÇÃO DE METAIS NA BACIA DO RIO DOCE (PERÍODO:
DEZEMBRO-2015 A ABRIL-2016). Acessível em http://giaia.eco.br/wp-
content/uploads/2016/06/Relatorio-GIAIA_Metais_Vivian_revisto5.pdf

17
GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório: Avaliação dos efeitos e
desdobramentos do rompimento da Barragem de Fundão em Mariana-MG. Decreto nº
46.892/2015.
GUIMARÃES, P.E.; CEBADA, J.D.P., Conflitos ambientais na indústria mineira e
metalúrgica. Évora, Rio de Janeiro. 2016.
IBGE - cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/barra-longa/panorama Acesso em 30/04/2019
INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO – Panorama da Mineração em Minas
Gerais / Instituto Brasileiro de Mineração, Sindicato Nacional da Indústria da Extração do
Ferro de Metais – Brasília: IBRAM, 2015.

HOJE EM DIA, Fundação Renova é acusada de violar direitos de comunidades atingidas


pela barragem de Fundão, 04 de abril de 2018, Belo Horizonte, MG.
LEWIS JR., STEPHEN. Development problems of mineral-rich countries. In ENRÍQUEZ,
M. A. RODRIGUES. Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base
mineira. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, 2007.
MAB, MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. Atingidos de barra longa
entregam pauta de reivindicações para Samarco. 07/02/2018. Disponível em
http://mabnacional.org.br/noticia/atingidos-barra-longa-entregam-pauta-reivindica-es-para-
samarco-0, acesso em 30/04/2019.
MADALOSSO, S., FERNANDES, F. R. C.,Recursos Minerais e Territórios: Impactos
Humanos, Socioambientais e Econômicos in V Jornada do Programa de Capacitação
Interna – Mineralis, CETEM, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações. Brasil, 2016.
MARTINEZ-ALIER, J. 2002 The Environmentalism of the Poor: a study of ecological
conflicts and valuation. Dehli: Edward Elgar; Cheltenham: Oxford University Press, 2002.
MARTINEZ-ALIER, J., WALTER, M. Metabolismo Social e Conflitos Extrativos. In:
Governança ambiental na América Latina.Buenos Aires, Argentina, 2015.
MILANEZ, B., COELHO, T. P., & Wanderley, L. J. M. O projeto mineral no Governo
Temer: menos Estado, mais mercado. Versos - Textos para DiscussãoPoEMAS, 1(2), 1-
15, 2017.
MILANEZ, B., SANTOS, R. S. P. Neodesenvolvimentismo e Neoextrativismo: duas faces
da mesma moeda? In: 37° Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação
em Ciências Sociais (ANPOCS). Seminário Temático 39: Neodesenvolvimentismo e
conflitos ambientais urbanos e rurais: disputa por espaço e recursos entre classes e grupos
sociais. Águas de Lindóia: São Paulo, 2013.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - IPL n.º 1843/2015 SRPF/MG; Autos n.º
38.65.2016.4.01.3822 (Busca e apreensão); Autos n.º 3078-89.2015.4.01.3822 (Medida
Cautelar); IPL Polícia Civil - MG 1271-34-2016.4.01.3822; IPL Polícia Civil - MG 1250-
24.2016.4.01.3822; Procedimento Investigatório Criminal (PIC) - MPF n.º
1.22.000.003490/2015-78; Procedimento Investigatório Criminal (PIC) MPF n.º
1.22.000.000003/2016-04
OSTROM, L. Pour des systèmes irrigués autogérés et durables: façonner les institutions.
Coopérer Aujourd’hui, n. 67, nov. 2009.

18
OZKAYNAK, P. et al. (2015), Towards environmental justice success in mining
resistances: an empirical investigation, EJOLT Report No.14.
PASSOS, F., COELHO, P., DIAS, A. (Des)territórios da mineração: planejamento
territorial a partir do rompimento em Mariana, MG. Cad. Metrop., São Paulo, v. 19, n.
38, pp. 269-297, jan/abr, 2017.
PoEMAS. Antes fosse mais leve a carga: avaliação dos aspectos econômicos, políticos e
sociais do desastre da Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG). Mimeo. Volume 1 (2015) e
volume 2 (2017). Acessível em http://www.ufjf.br/poemas/files/2014/07/PoEMAS-2015-
Antes-fosse-mais-leve-a-carga-vers%C3%A3o-final.pdf
PRISMMA: Pesquisa sobre a saúde mental das famílias atingidas pelo rompimento da
barragem de Fundão em Mariana / Maila de Castro Lourenço das Neves et al.
organizadores. – Belo Horizonte: Corpus, 2018.
SANT'ANNA, F.M., MOREIRA, H. M. Ecologia política e relações internacionais: os
desafios da Ecopolítica Crítica Internacional. Revista Brasileira de Ciência Política, n.
20, p. 205-248, 2016.
SANTOS, R. S. P., MILANEZ, B. (2017b). Estratégias corporativas no setor extrativo:
uma agenda de pesquisa para as Ciências Sociais. CadernoEletrônico de CiênciasSociais,
5(1), 01-26.
VORMITTAG, E.M.P., OLIVEIRA, M.A., GLERIANO, J.S., Avaliação de Saúde da
População de Barra Longa afetada pelo Desastre de Mariana, Brasil. São Paulo. Vol. 21,
2018 Temas em Destaque n 2018;21:e01222
Sítios e fontes eletrônicas consultadas
http://www.anm.gov.br/
http://www.engov.eu/bd_justicia_ambiental_es.php
https://www.ocmal.org/
http://ejatlas.org/
https://tvuol.uol.com.br/video/metais-pesados-contaminam-moradores-de-barra-longa-
04024C1A396EC4A16326/
http://www.conectas.org/noticias/onu-barragem-fundao-samarco
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/04/08/interna_gerais,949965/valores-
divergentes-em-tem-acesso-a-planilha-de-indenizacoes-de-vitim.shtml
https://www.terra.com.br/amp/noticias/brasil/depressao-atinge-289-de-vitimas-de-tragedia-
em-mariana-diz-
ufmg,566b3c99edef3d11f62e9f7fca5a381fcvvymjic.html?__twitter_impression=true
http://jornalasirene.com.br/
https://www.facebook.com/MAB.Brasil/
http://www.ibioagbdoce.org.br/a-bacia/
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/02/10/vale-pediu-autorizacao-para-
obras-que-colocavam-barragem-em-risco-governo-de-mg-
aprovou.ghtml?fbclid=IwAR2sX3I3Q4CE-
z_LHpeYkATsrJ10LoxJdXxDKPWdXp_i7R3B4UoI3xEGJqg
https://theintercept.com/2019/01/28/vale-sabia-problemas-barragem-
brumadinho/?fbclid=IwAR2tuN1M3OdVgw5DRXvivbuzCY2peAKmDuTcXQXHHISl3D
O2BH-k_aFKn1w
https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pais-umido-como-o-brasil-nao-deveria-ter-
barragem-a-montante,70002712545
http://jornalasirene.com.br/justica/2019/01/17/as-conquistas-de-gesteira

19
http://mabnacional.org.br/noticia/atingidos-barra-longa-entregam-pauta-reivindica-es-para-
samarco-0
https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/funda%C3%A7%C3%A3o-renova-%C3%A9-
acusada-de-violar-direitos-de-comunidades-atingidas-pela-barragem-de-fund%C3%A3o-
1.611329
http://www.mpf.mp.br/regiao1/sala-de-imprensa/noticias-r1/rio-doce-justica-manda-
samarco-voltar-a-pagar-indenizacao-integral-a-atingidos/view?fbclid=IwAR0C8rAUP0Bp-
Y-TyWjXo5ghYbJHlK5JSTbHxcXsW6b7JJnQh_37PFeOJq4
http://jornalasirene.com.br/justica/2019/01/11/o-que-eles-nao-querem-entender
http://fundaoinvestigation.com/wp-content/uploads/general/PR/en/FinalReport.pdf

20

Você também pode gostar