Você está na página 1de 3

v.12, n.2.

2017

Resenha
O falar não se restringe
O DISCURSO E AS RELAÇÕES DE PODER ao ato de emitir palavras,
- OS DIVERSOS LUGARES DE FALA mas de poder existir.
Pensamos lugar de fala
como refutar a
Raquel Carapello1 historiografia tradicional
e a hierarquização de
saberes consequente da
O livro O que é lugar de fala? hierarquia social.
Quando falamos de
lançado pela editora Letramento em 2017, é o direito à existência digna,
primeiro da coleção Feminismos Plurais que à voz, estamos falando
de lócus social, de como
pretende abordar questões importantes sobre esse lugar imposto
dificulta a possibilidade
os diferentes feminismos em suas pluralidades de transcendência.
e singularidades. Absolutamente não tem
a ver com uma visão
Ao longo de suas 115 páginas essencialista de que
somente o negro pode
organizadas em 4 capítulos, a autora Djamila falar sobre racismo, por
Ribeiro, Mestre em Filosofia Política, discorre exemplo. (RIBEIRO,
2017, p.64).
a respeito do racismo interseccional, privilégio
epistêmico, hierarquia do discurso e a
No decorrer do livro, Djamila Ribeiro
necessidade de legitimar a multiplicidade de
defende que todos têm lugar de fala e que
vozes.
reconhece que cada um ocupa um lugar social
Ao ouvir pela primeira vez sobre lugar
e fala a partir dele. Ela destaca também, a
de fala, é comum haver o questionamento
existência de grupos privilegiados, que têm
sobre o que significa isso ou mesmo a crença
seu discurso legitimado em detrimento de
de que, diante desse argumento de se
outros e que estas relações de poder e
respeitar o lugar de fala de cada um, apenas
legitimação precisam ser revistas.
os negros podem falar sobre racismo, todos
os demais discursos devem ser
[...] quem possui o
desconsiderados e ninguém mais pode falar privilégio social, possui o
privilégio do epistêmico,
sobre nenhum assunto que esteja relacionado uma vez que o modelo
a uma realidade que não seja a sua. É fácil valorizado e universal da
ciência é branco. A
associar este conceito às vivências individuais consequência dessa
hierarquização legitimou
e acreditar que apenas elas oportunizam o como superior a
direito deste ou daquele, falar ou não, sobre epistemologia
eurocêntrica conferindo
determinado assunto, de acordo com suas ao pensamento moderno
ocidental a exclusividade
experiências. Em seu livro O que é lugar de
do que seria
fala? a autora Djamila Ribeiro afirma que esta conhecimento válido,
estruturando-o como
discussão está para muito além destas dominante e assim
inviabilizando outras
questões, como podemos ver: experiências do
conhecimento.
(RIBEIRO, 2017, p. 24-
1Graduada em Pedagogia e Coordenadora de 25).
Programas Educacionais na Prefeitura de
Guarulhos

revista educação 123


v.12, n.2. 2017

Segundo a autora, lugar de fala não Melhorar o índice de


desenvolvimento
está relacionado às nossas vivências humano de grupos
individuais, mas às de grupos sociais. Não se vulneráveis deveria ser
entendido como
trata de cercear o direito de expressão de melhorar o índice de
desenvolvimento
ninguém, mas de ampliar este direito a todos, humano de uma cidade,
introduzir no debate novos discursos, dar de um país. E, para tal, é
preciso focar nessa
visibilidade a quem foi silenciado por realidade, ou como as
feministas negras
conveniência durante séculos. Trata-se da afirmam há muito:
busca por discursos que não sejam apenas do nomear. Se não se
nomeia uma realidade,
homem branco, heterossexual, mas que sejam sequer serão pensadas
melhorias para uma
daqueles que historicamente não tiveram o realidade que segue
mesmo direito à voz. Neste sentido, a autora invisível. (RIBEIRO,
2017, p.41)
declara:
Foucault, (2009) em seu livro A Ordem
Ao promover uma do Discurso também reafirma esta importância
multiplicidade de vozes o
que se quer, acima de da legitimação do discurso e sua intima
tudo, é quebrar com o relação com as estruturas de poder:
discurso autorizado e
único, que se pretende
universal. Busca-se aqui,
sobretudo, lutar para [...] Por mais que o
romper com o regime de discurso seja
autorização discursiva. aparentemente bem
pouca coisa, as
(RIBEIRO, 2017, p.70) interdições que o
atingem revelam logo,
Ribeiro (2017, p. 13) destaca a rapidamente, sua ligação
com o desejo e com o
importância de reconhecermos a intersecção poder. (FOUCAULT,
2009, p.10).
no racismo, ou seja, a relação entre o gênero, [...] O discurso não é
a raça e a classe no processo de preconceito simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os
e opressão “ao nomear as opressões de raça, sistemas de dominação,
mas aquilo porque, pelo
classe e gênero, entende-se a necessidade de que se luta, o poder do
não hierarquizar opressões”. qual queremos apoderar.
(FOUCAULT, 2017,
Ela reafirma a importância de nomear p.10).
estas opressões e legitimar a multiplicidade de
discursos, inclusive para a implementação de Diante isso, a autora ressalta o papel
políticas públicas afirmativas, que visam essencial desta discussão sobre o lugar de
atenuar as desigualdades acumuladas durante fala e esta luta pela pluralidade do discurso,
séculos de colonização e escravidão e todas do direito de dizer, de levantar outros pontos
as outras injustiças cometidas ao longo de de vista, novas perspectivas, de falar não só a
nossa história, os direitos negados, as respeito do racismo e preconceito, mas de
desigualdades construídas. Sobre esta abordar outros saberes, produções culturais e
questão, a autora enfatiza: intelectuais, tradições, lutas, conquistas e
racismo e preconceito também.

revista educação 124


v.12, n.2. 2017

De maneira leve, porém contundente, lugar de fala, enxerga o racismo, de que


a autora conclui que legitimar os discursos maneira é possível contribuir para romper com
através do lugar de fala é lutar por equidade, o preconceito e dar visibilidade aos que ainda
discutir sobre a presença do povo negro nos hoje são considerados invisíveis, legitimando
diversos espaços, inclusive acadêmicos. e fazendo ecoar ainda mais os seus discursos.
Ouvi-los não é um favor, mas uma garantia de
voz a quem sofreu tantas opressões. REFERÊNCIAS:
Reconhecer que todos precisam falar sobre
racismo, a fim de erradicá-lo, é considerar as FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.
relações de poder construídas historicamente, 19. ed. São Paulo: Loyola, 2009.
refletindo sobre como cada um, a partir do seu

revista educação 125

Você também pode gostar