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AGENTE E ESCRIVÃO DA PF

Disciplina: Legislação Penal Especial


Prof. Silvio Maciel
Aula nº 10 de 17

MATERIAL DE APOIO - MONITORIA

Índice

1. Artigo Correlato
1.1 Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada e coerência
1.2 Porte ilegal de arma de fogo, o tempo e o espaço
2. Jurisprudência Correlata
2.1 STF - HC 97209 / SC - SANTA CATARINA
2.2 STJ - REsp 1133986 / RS
3. Assista!!!
3.1 Arma de fogo: voltou a ser crime de perigo abstrato?
4. Leia!!!
4.1 Porte ilegal de arma de fogo e munição isolada: compatibilização com os recentes entendimentos dos
tribunais extraordinários
5. Simulados

1. ARTIGO CORRELATO

1.1 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA E COERÊNCIA

Autor: Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios
Publicação: janeiro de 2010

Sempre que se falar em porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, alguém apresentará argumentos
contrários ou favoráveis à sua criminalização.

Ao fim e ao cabo, há dois caminhos a se escolher. O primeiro, acreditar que o legislador pensou no
poder de intimidação que uma arma de fogo pode causar em diversos crimes que possam advir. Nessa
lógica, o fato de existir ou não munição na arma de fogo em nada altera a circunstância e, portanto,
estar-se-ia diante de um crime.

Por outro lado, imaginando que o legislador se preocupou com a lesividade (ainda que potencial) de
uma arma de fogo, o fato de haver ou não projéteis ganha relevância, pois a conduta se esvaziaria e
deixaria de configurar um delito.

Independentemente da adoção de uma ou outra tese (intimidação ou lesividade), o que a sociedade


espera do aplicador do direito é coerência em seu agir.

Não há como ficar à mercê dos ventos jurisprudenciais que melhor convier, ora soprando para um
lado, ora para outro. É preciso e exigido fidelidade ao posicionamento, sob pena de se perder o
sentido das ações e do devido processo.

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Em primeiro lugar, quem adotar a intimidação como critério racional para definir se há ou não crime,
deve continuar aplicando a súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça [01], ao avaliar o crime de
roubo circunstanciado. É que toda discussão girou exatamente acerca dessas teorias. A coerência,
assim, exige a coragem de ignorar os julgados mais recentes daquela Corte.

Voltando aos tipos penais que cuidam exclusivamente do porte ilegal de arma de fogo, há chamar
atenção ao procedimento do delegado de polícia que lavra um flagrante de arma desmuniciada.

Após o auto de apresentação e apreensão da arma de fogo, sempre há um pedido ao instituto de


criminalística, a fim de fornecer um laudo de exame de arma de fogo.

Não bastasse isso, o promotor de justiça aguarda a juntada do laudo e, caso demore, será inclusive
motivo de prolongar a prisão cautelar do réu, por entendê-lo essencial à prova.

Esse procedimento é absolutamente contraditório, desarrazoado e caracteriza um gasto de dinheiro


público e de tempo com algo inútil.

Afinal, como explicar a necessidade de comprovar que uma arma de fogo está apta a efetuar disparo,
se, ao decidir que a conduta de portar arma desmuniciada ilegalmente configura crime? Em síntese, se
o que importa é o poder de intimidação daquele instrumento, para que se comprovar sua aptidão para
uso?

Seguindo essa mesma linha, quem entende que portar arma de fogo ilegal desmuniciada é crime,
deve também concluir que portar arma de fogo ilegal e inapta para disparos é conduta delitiva.

Há quem alegue uma diferença básica entre uma arma de fogo que não tem munição e uma arma de
fogo quebrada. Na primeira, basta inserir cartuchos e ela estará pronta para atirar. Esse argumento é
tão inegável, como também o é o fato de, na segunda, bastar consertar a arma.

Desse modo, nota-se que, no momento em que o acusado é pego com a arma, a impossibilidade de
utilizar o artefato é a mesma, esteja ela desmuniciada ou inapta para disparos. [02]

Retomando o raciocínio inicial, os adeptos da tese do poder de intimidação igualmente devem


criminalizar a conduta de portar arma de brinquedo.

É bem verdade que houve um silêncio eloquente do estatuto do desarmamento, quando não fez
menção expressa à arma de brinquedo, diversamente da antiga lei de armas [03].

Entretanto, isso não significa qualquer óbice a uma interpretação mais literal do tipo penal, que
pudesse açambarcar o entendimento e manter a coerência na atuação processual.

Por fim, quanto ao porte de munição a que a lei também faz referência, tanto quem defenda o poder
intimidatório, como quem acredite na potencialidade lesiva da conduta, deve considerar essa
modalidade como inconstitucional, pois não atende nem a um, nem a outro critério, ferindo princípios
como o da proporcionalidade e do devido processo legal.

Portanto, a problemática existente na conduta de portar ilegalmente arma de fogo desmuniciada não
se resume a escolher a tese da intimidação ou da (potencial) lesão. Mais do que isso, exige-se
coerência na escolha e fidelidade no modo de atuar.

Notas

A referida súmula foi cancelada, mas constava com a seguinte redação: Súmula 174. No crime de
roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.
É preciso destacar que se o acusado possuir cartuchos a seu alcance, a arma deve ser considerada
como municiada, pois a potencialidade lesiva está configurada.

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Art. 10 da Lei n º 9.437/97 assim dispunha: Art. 10. omissis

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:

I- omissis

II- utilizar arma de brinquedo, simulacro capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes"

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14209

1.2 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, O TEMPO E O ESPAÇO

Autor: Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios

Publicação: janeiro de 2010

Não é raro encontrar denúncias que se refiram à aquisição ilegal de arma de fogo (mormente quando
se cuida de crime conexo) com a expressão: "em data e local que não se pode precisar" [01].

De um lado, é de se ter em mente que o promotor de justiça nem sempre possuirá em suas mãos
uma diversidade de dados que o possibilite ser cirúrgico na delimitação do crime em tempo e espaço.

Por outro, a insuficiência de determinados elementos pode comprometer sensivelmente a ampla


defesa e o juízo natural, pilares constitucionais do processo penal.

Quando tratamos do tempo da ação, ainda que não se exija do promotor de justiça a data exata da
conduta delitiva, mister se faz que apresente – ao menos – uma delimitação temporal, a fim de
viabilizar até mesmo a ação penal proposta.

Isso se dá porque o tempo no direito e no processo penal rege diversas consequências que atingem
diretamente a ação e o direito de punir. Tais efeitos são ainda mais drásticos, quando se trata de um
delito como o porte ilegal de arma de fogo, que já foi regulado por – pelo menos – 03 leis diferentes.

Até 21 de fevereiro de 1997, o porte ilegal de arma de fogo era considerado um crime-anão – uma
contravenção – previsto no artigo 19 do Decreto-lei n º 3.688/41, cuja pena era de prisão simples de
15 dias a 6 meses, e/ou multa.

A partir de então, e até 22 de dezembro de 2003, a conduta de portar arma de fogo ganha status de
crime propriamente dito, mais especificamente no artigo 10 da Lei nº 9.437/97 (Lei das Armas). Nesse
caso, o delito já previa como pena a reclusão de 01 a 02 anos.

Por fim, após 22 de dezembro de 2003, o estatuto do desarmamento (Lei nº 10.826/2003) agravou a
pena do mesmo delito [02], passando-a para uma punição mais rigorosa, ou seja, 02 a 04 anos de
reclusão.

Assim, é preciso de uma demarcação temporal para se definir que norma aplicar ao caso concreto, na
medida em que o tempo rege o ato.

A título exemplificativo, se há informação de que a arma foi adquirida em fevereiro de 1997, sem
precisar a data, a dúvida beneficiará o acusado e a conduta deverá ser caracterizada como mera
contravenção.

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Da mesma forma, se a notícia é de que o crime se deu em dezembro de 2003, o princípio do in dubio
pro reo impõe que a ação tenha como base legal a Lei de Armas.

Independentemente disso, não há como olvidar que o direito de punir do Estado também possui
limites e esses são verificados de acordo com o tempo. Assim, ignorar o período dos acontecimentos
poderá importar em causa extintiva de punibilidade, estando a exordial inepta, portanto [03].

A discriminação do tempo, ao indicar a legislação a ser aplicada, regula ainda todos os benefícios
acessórios que advenham dessa decisão. Nesses termos, apontar se o delito ocorreu em fevereiro ou
março de 1997 permitirá ao jurista observar se o acusado, por exemplo, terá ou não direito à
transação penal.

Nesse diapasão, nota-se que a indeterminação do tempo, pura e simplesmente, castiga a ampla
defesa, na medida em que não há como o defensor sequer descobrir qual lei irá se aplicar ao caso
concreto, impedindo-o ainda de argumentar desde benefícios a que faça jus o réu até a completa
extinção da ação, dada eventual prescrição penal.

Já no que toca ao local do crime, a ausência de descrição do lugar da conduta, apesar de não criar
tantos problemas quanto ao tempo, também chega a causar incômodo.

Há quem entenda ser desnecessário definir a localidade em que se deu o crime, pois, em boa parte
das vezes, cuida-se de um delito conexo a outro mais gravoso, esse sim que fixará a competência.

No entanto, há lembrar que a conexão pode não se concretizar [04] ou ser apenas aparente e, diante
de separação, o delito de porte ilegal de arma de fogo se tornará um crime apátrida.

Evidentemente que até para tais casos o Código de Processo Penal apresenta solução, mais
especificamente o disposto no artigo 72 desse regulamento, que dispõe

Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou
residência do réu.

Entretanto, a determinação precoce do local do crime poderá impedir trâmites protelatórios que
autorizem até mesmo o relaxamento de uma prisão.

Ademais, isso garantirá o princípio do juiz natural, constitucionalmente previsto e capaz até mesmo de
servir de base para futura alegação de nulidade [05].

Assim, diante das consequências que poderão advir de uma denúncia sem dias ou lugares, vê-se que
é preciso mais cautela quando da elaboração dessa peça, devendo sempre estar calcada em dados
provenientes de elementos concretos, ao invés de uma aventura que parta de deduções precipitadas e
sem espeques ainda que indiciários.

Notas

Em data e local que não se pode precisar, fulano de tal adquiriu o revólver calibre 38, com cinco
munições deflagradas, sem autorização e em desacordo com as normas legais e regulamentares.

Artigo 14 daquele diploma legal.

De acordo com o artigo 395, III, do Código de Processo Penal.

Avente-se a hipótese da rejeição da denúncia quanto o crime mais gravoso.


Art. 564, I, do CPP.

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14172

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2. JURISPRUDÊNCIA CORRELATA

2.1 STF - HC 97209 / SC - SANTA CATARINA

HABEAS CORPUS
Relator: Ministro MARCO AURÉLIO
Órgão Julgador: Primeira Turma
Julgamento: 16/03/2010

Ementa: PORTE DE ARMA, ACESSÓRIO OU MUNIÇÃO - LAUDO PERICIAL - FORMALIDADE DO TIPO. A


teor do disposto no artigo 25 da Lei nº 10.826/2003, apreendida arma de fogo, acessório ou munição,
cumpre proceder-se a perícia elaborando-se laudo para juntada ao processo. O abandono da
formalidade legal implica a impossibilidade de ter-se como configurado o tipo.

2.2 STJ - REsp 1133986 / RS

RECURSO ESPECIAL
Relator: Ministro JORGE MUSSI
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Julgamento: 04/05/2010

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO DOLOSA. PRINCÍPIO
DA CONSUNÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. CONCURSO MATERIAL. 1. Quem adquire arma de fogo, cuja
origem sabe ser criminosa, responde por delito contra o patrimônio, no momento em que se apodera
da res. 2. Posteriormente, se vier a ser flagrado portando a arma, estará incorrendo na infração penal
tipificada no art. 14 do Estatuto do Desarmamento (no qual se protege a incolumidade pública). 3.
Portanto, tendo em vista que os crimes em questão possuem objetividade jurídica diversa e
momentos consumativos diferentes, não há que se falar em consunção. 4. Recurso conhecido e
provido para condenar o réu quanto ao delito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, em
concurso material com o tipificado no art. 14 da Lei n.º 10.826/2003, determinando-se o retorno dos
autos à origem para a prolação de nova sentença.

3. ASSISTA!!!

3.1. ARMA DE FOGO: VOLTOU A SER CRIME DE PERIGO ABSTRATO? (ASSISTA: 02'10'' - LUIZ
FLÁVIO GOMES)

Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090409115451215

4. LEIA !!!

4.1 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO ISOLADA: COMPATIBILIZAÇÃO COM OS


RECENTES ENTENDIMENTOS DOS TRIBUNAIS EXTRAORDINÁRIOS

Autores: Vanessa Teruya


Data: 30/09/2008

O porte de arma de fogo e munição está tipificado nos arts. 14 e 16 do Estatuto do desarmamento, Lei
nº. 10.826/03.

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Porte ilegal de arma de fogo constitui delito comum, de mera conduta, de ação múltipla e de perigo
abstrato, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa e, sujeito passivo, a coletividade. O elemento
subjetivo do tipo, "portar", é traduzido pelo o ato de trazer consigo a arma de fogo, acessório ou munição.

Assim, pela exegese legal ou simples interpretação gramatical, tanto o fato de portar arma desmuniciada,
quanto o porte de munição, isoladamente, constituem crime..

Todavia, tais situações têm causado frisson entre os estudiosos, posto que hodiernamente o tema alcança
o pináculo nos debates, haja vista a solução ainda não ter sido pacificada nos Tribunais Superiores, o que
ganha vulto dada a repercussão nos casos concretos. O Superior Tribunal de Justiça, tem decidido no
sentido da tipicidade da ação do portador de arma de fogo, ainda que desmuniciada:

"REsp 913088 / SP RECURSO ESPECIAL 2007/0004902-4 Relator Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão
Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 28/06/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 03.09.2007
p. 217 Ementa PENAL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 14 DA LEI Nº 10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA.
TIPICIDADE. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. REGIME
PRISIONAL. ABERTO. REITERAÇÃO DE PEDIDO. PREJUDICADO. Na linha de precedentes desta Corte,
pouco importa para a configuração do delito tipificado no art. 14 da Lei n.º10.826/03 que a arma esteja
desmuniciada, sendo suficiente o porte de arma de fogo sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar (Precedentes do STJ). Recurso provido, enquanto que o Supremo
Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem se posicionado de forma evidentemente oposta,
no sentido de que, se arma de fogo está desmuniciada e não há ao alcance do seu portador nenhum
projétil, nenhum artefato, não há crime; se, ao reverso, há artefato ao alcance do portador, a sua ação é
típica."

O entendimento encontra abrigo no fundamento de que o delito de porte ilegal de arma de fogo, sem a
devida autorização, é considerado de mera conduta ou de perigo abstrato, o que, per si, rompe a
confiança existente na sociedade com a insurgência do risco proibido, dotado de lesividade latente.

Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem decidido de forma
divergente, no sentido de que, se arma de fogo estiver despida de munição, e não houver ao alcance do
seu portador nenhum projétil, não haverá crime; se, ao contrário, houver artefato ao alcance ao portador,
a sua conduta é típica. Nesse contexto, infere-se do RHC 81057:

"ATIPICIDADE, CONDUTA, PORTE, ARMA DE FOGO, AUSÊNCIA, MUNIÇÃO ADEQUADA, PROXIMIDADE,


AGENTE, INDISPONIBILIDADE, ARMA. AUSÊNCIA, POTENCIALIDADE, LESÃO, BEM JURÍDICO,
INCOLUMIDADE PÚBLICA.EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto,
desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição:
inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce
primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de
crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à
ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico
tutelado pela incriminação da hipótese de fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna
teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a
tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de
forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta,
por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de
prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura criminal cogitada, os princípios
bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de
disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma
verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de
intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é
certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo
porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de
pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de
disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão,
de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual

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disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está
em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto
é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica." (STF, RHC 81057 /
SP - SÃO PAULO, Relator p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 25/05/2004, Órgão
Julgador: Primeira Turma, Relatora: Min. ELLEN GRACIE)

Perfilhando os ensinamentos de Claus Roxin [1], a conduta, para ser penalmente típica considerada em
face do Direito Penal, deve oferecer um risco ao bem jurídico. Se não há risco, não existe imputação
objetiva. Trata-se de ausência de imputação objetiva da conduta, conduzindo à atipicidade do fato.

Não basta verificar se o comportamento tem idoneidade para ameaçar o direito protegido pela normal
penal. Condutas inofensivas não podem ser punidas, porque a função do direito penal é proteger valores
sociais que estejam expostos a risco.

Desta feita, irrefragável é o acertamento da posição adotada pelo STF, com base no garantismo jurídico e
princípios norteadores do direito penal.

Nesse norte, insignes doutrinadores estrangeiros como Zaffaroni e Pierangeli [2] afirmam: "para que uma
conduta seja penalmente típica é necessário que tenha afetado o bem jurídico", configurando "a afetação
jurídica um requisito da tipicidade penal".

Em consonância com o princípio da ofensividade, também conhecido como princípio do fato ou da


exclusiva proteção de bem jurídico, não há ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja, a segurança
coletiva, quando da infração penal não houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico,
verificando-se uma colisão direta com os delitos de perigo abstrato.

Partindo-se da premissa que não há delito quando a conduta não oferece perigo concreto e real, ou seja,
um ataque efetivo ao bem jurídico tutelado, limitar-se-á vertiginosamente a pretensão punitiva e
intervencionista estatal, eis que serão consideradas atípicas todas as condutas sem conteúdo ofensivo.
Em que pese plausível tal princípio, o mesmo ainda está em discussão no nosso país, porém vem
ganhando relevo nos tribunais.

Mister pontuar que, se o artefato encontrar-se desmuniciado e sem qualquer chance de uso imediato,
logo, inapto, por si só não gera perigo efetivo, pois não pode ser usado sozinho, do mesmo modo que
uma munição desarmada não detona. Exsurge, pois, que a única possibilidade de evento danoso seria a
utilização como instrumento contundente, o que não é a interpretação teleológica da Lei armamentista.

Sobre o assunto, pertinente transcrever o artigo do Professor Luiz Flávio Gomes [3]:

"O crime de posse ou porte de arma ilegal, em síntese, só se configura quando a conduta do agente cria
um risco proibido relevante (que constitui exigência da teoria da imputação objetiva). Esse risco só
acontece quando presentes duas categorias: danosidade real do objeto + disponibilidade, reveladora de
uma conduta dotada de periculosidade. Somente quando as duas órbitas da conduta penalmente
relevante (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a da disponibilidade desse objeto) se
encontram é que surge a ofensividade típica. Nos chamados 'crimes de posse' é fundamental constatar a
idoneidade do objeto possuído. Arma de brinquedo, arma desmuniciada e o capim seco (que não é
maconha nem está dotado do THC) expressam exemplos de inidoneidade do objeto para o fim de sua
punição autônoma."

No mesmo diapasão, espraia a jurisprudência do TJRS, denotando coesão com o STF: "(...) a detenção de
arma desmuniciada, sem qualquer munição à parte, não se enquadra no art. 10, caput, do CP, em face da
ausência de potencialidade lesiva (princípio da lesividade ou ofensividade)" (Apelação Crime
70006204440, Oitava Câmara Criminal, Rel. Roque Miguel Fank); "Porte ilegal de arma de fogo.
Ofensividade não comprovada, em face da circunstância de estar desmuniciada a arma que foi apreendida
em poder do réu, o que ficou consignado no auto de apreensão..."(Apelação Crime 70012566626, Sexta
Câmara Criminal, Rel. Paulo Moacir Aguiar Vieira).

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Face aos argumentos acima exposados, conclui-se que a conduta em debate redunda em atipicidade,
visto que o Direito Penal deve ser a última ratio, reservando-se tão-somente às hipóteses que
efetivamente reclamam uma atuação repressiva do Estado.

De outro giro, pela leitura do estatuto armamentista, o porte de munição é delito de perigo abstrato, no
qual a situação de perigo é presumida, caso em que haverá punição do agente mesmo que não tenha
chegado a cometer nenhum crime, entretanto, referida situação, se totalmente isolada, é insignificante,
senão vejamos:

A atipicidade do porte de munição está sub judice no STF, a saber: HC 90075, cuja apreciação está
suspensa.

O relator do processo, ministro Eros Grau, adverte que apesar de o julgamento ainda não ter sido
concluído, tudo indica que "a decisão a ser tomada, apontará a atipicidade da conduta com cinco votos
declarados nesse sentido".

Sobre o assunto em comento, assevera novamente Luiz Flávio Gomes [4]:

"(...) a munição desarmada 'leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo´ assim
como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si
mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas
acham-se formalmente previstas na lei (estatuto do desarmamento), mas materialmente não configuram
nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa
à liberdade e ao Direito penal constitucionalmente enfocado."

Ferrajoli [5], por sua vez, não discrepa:

"(...) Por exemplo, um cartucho de munição para nada serve se não houver arma que ele fará uso. Dessa
forma, um militar ou ex-militares que tiverem em sua residência, como suvenir, cartuchos de armas
militares, configurará o crime do artigo 16, sujeito a 3 anos de reclusão, no mínimo, sem direito à
liberdade provisória (...)Assim, como a arma de fogo precisa estar municiada para trazer perigo à
coletividade, a munição, sem a arma, também não produz qualquer efeito, uma vez que quem manter em
seu poder um número grande de armamento, desde que desmuniciados estaria concorrendo para prática
do artigo 180 ou 334 do CP".

Nesse sentido, o TJRS já se manifestou:

"PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO. Portar ou guardar meia dúzia de
cartuchos de arma de fogo, não destinados ao comércio ou tráfico ilegal e desprovidos de instrumento
detonador, não caracteriza a conduta incriminada no art. 14 da Lei n.º 10.826/2033. APELO DEFENSIVO
AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. (Apelação Crime Nº 70018918854, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Vladimir Giacomuzzi, Julgado em 17/05/2007)."

Destarte, conclui-se que, tanto a munição isolada, desacompanhada de aparato necessário para ser
utilizada, quanto o porte de arma desmuniciada, são condutas que não possuem o condão de gerar perigo
público iminente, eis que ausente ofensividade ao bem jurídico tutelado, logo, devem ser consideradas
atípicas.

Por derradeiro, convém frisar que não seria congruente admitir-se, no mesmo ordenamento jurídico, o
delito do porte de munição e a atipicidade da conduta de portar arma desmuniciada Assim, em um Estado
Constitucional de Direito, com o fito de aquilatar o direito penal vigente, tais situações devem despontar
quaisquer consectários de ordem criminal, por ausência de potencialidade lesiva à coletividade, cingindo-
se, apenas, ao âmbito administrativo.

1. ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García
Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. I, p. 373.

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2. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: RT, 1997. p. 563.

3. GOMES, Luiz Flavio. Súmula do STF sobre porte de arma desmuniciada. Disponível em:
http://www.oquintopoder.com.br/informativo/ed29_IV.php. Acesso em 26.06.2008.

4. GOMES, Luiz Flavio. Arma desmuniciada versus Munição Desarmada. http://www.wiki-


iuspedia.com.br/article.php?story=20040705160036824, texto publicado em 05/07/2004.

5. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoria Del Garantismo Penal. Madrid: Editora Trotta, 2000, p. 464.

Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080930123658351

5. SIMULADOS

5.1 A Lei n.º 10.826/2003 - Estatuto do Desarmamento - determinou que os possuidores e os


proprietários de armas de fogo não-registradas deveriam, sob pena de responsabilidade penal, no prazo
de 180 dias após a publicação da lei, solicitar o seu registro, apresentando nota fiscal de compra ou a
comprovação da origem lícita da posse ou entregá-las à Polícia Federal. Houve a prorrogação do prazo por
duas vezes - Lei n.º 10.884/2004 e Lei n.º 11.118/2005 - até a edição da Lei n.º 11.191/2005, que
estipulou o termo final para o dia 23/10/2005.

Assinale a opção correta acerca do estatuto mencionado no texto acima.

a) O porte consiste em manter no interior de residência, ou dependência desta, ou no local de trabalho a


arma de fogo.
b) A posse pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou do local de trabalho.
c) As condutas delituosas relacionadas ao porte e à posse de arma de fogo foram abarcadas pela
denominada abolitio criminis temporária, prevista na Lei n.º 10.826/2003.
d) O porte de arma, segundo o Estatuto do Desarmamento, pode ser concedido àqueles a quem a
instituição ou a corporação autorize a utilização em razão do exercício de sua atividade. Assim, um
delegado de polícia que esteja aposentado não tem direito ao porte de armas; o pretendido direito deve
ser pleiteado nos moldes previstos pela legislação para os particulares em geral.
e) A objetividade jurídica dos crimes de porte e posse de arma de fogo, tipificados na Lei n.º
10.826/2003, restringe-se à incolumidade pessoal.

5.2 Com relação aos crimes definidos na Lei n.º 10.826/03, não admite a figura do artigo 14, II, do
Código Penal, o de

a) omissão de cautela (art. 13, caput).


b) comércio ilegal de arma de fogo (art. 17, caput).
c) tráfico internacional de arma de fogo (art. 18).
d) produzir munição sem autorização legal (art. 16, parágrafo único, VI).

5.3 Sobre o Estatuto do Desarmamento - Lei n. 10.826, de 2003, marque a alternativa CORRETA.

a) No julgamento da ADI 3112, o STF entendeu pela constitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826, de
2003, que veda a concessão de liberdade provisória aos crimes dos seus artigos 16, 17 e 18
(respectivamente: posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito; comércio ilegal de arma de fogo;
e tráfico internacional de arma de fogo).
b) Também no julgamento da ADI 3112, o STF considerou constitucionais os parágrafos únicos dos
artigos 14 e 15 da Lei nº 10.826, de 2003, que estabelecem a inafiançabilidade dos delitos neles previstos
(porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo, respectivamente).

AGENTE E ESCRIVÃO DA PF – Legislação Penal Especial – Aula 10 – Silvio Maciel


c) Com a entrada em vigor da Lei nº 10.826, de 2003, o crime previsto em seu art. 12 (posse irregular de
arma de fogo de uso permitido) teve, inicialmente, sua aplicação afetada por sucessivas medidas
provisórias, cujo conteúdo foi considerado pela jurisprudência como espécie de abolitio criminis
temporário.
d) O crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826, de
2003, com pena privativa de liberdade, abstratamente cominada em detenção de 01 a 03 anos, não
comporta a substituição por pena restritiva de direitos, consoante as regras do art. 44 do CP, em face da
violência intrinsecamente ligada ao comércio e utilização de armas de fogo em nosso país.

GABARITO:

5.1 – D
5.2 – A
5.3 – C

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