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Exposição de Motivos Interministerial nº 066 de 25.06.

1979

Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

A questão da submoradia tem desafiado a ação dos poderes públicos em diversas regiões do país,
visto que, muitas vezes, as soluções aplicadas, em grande escala, acabem por suscitar nova gama de
problemas sociais.
A remoção de agrupamento para pontos afastados dos locais de origem, por exemplo, nem
sempre se mostra recomendável, porquanto pode significar não só a ruptura de vínculos mantidos com a
comunidade, mas, também, transtornos relativos a estilo de vida, situação de emprego, condições de
trabalho da família a nível de complementação de salário, para se consumar no desconforto de aumento
das distâncias e na ampliação dos encargos domésticos.
Nas zonas faveladas, os barracos do tipo palafita são os que necessitam de ações mais imediatas
para a sua recuperação. Apoiados em estacas fincadas em trechos de água mansa, impedem qualquer
tentativa para a construção de uma infra-estrutura física, notadamente dos implementos de saneamento
geral e básico, e contribuem para agravar os focos de doença e poluição.
Áreas alagadas, temporária ou permanentemente, foram evitadas no processo de ocupação na
maioria das cidades litorâneas brasileiras. Com a expansão desses núcleos urbanos, tais faixas, hoje, se
localizam, em regra, em zonas centrais e sua recuperação assumiam um elevado alcance crucial e
urbanístico.
Ocupadas principalmente por população de baixa renda e obrigando construções do tipo palafita,
essas áreas são conhecidas em todo o país, a exemplo do que se verifica na Bahia da Guanabara, nas zonas
do Caju e de Ramos, onde se concentram mais de seis favelas reunidas na chamada “Favela da Maré”,
habitada por cerca de 250.000 pessoas. Nas baixadas de Belém, no Estado do Pará, foram constatados
350.000 habitantes de barracos do tipo palafita. Em são Luís do Maranhão, nas margens das Baías de São
Marco e Bacanga, foram registrados mais de 150.000 favelados. Em Vila Velha, no Espírito Santo, junto à
cidade de Vitória, assim como em Maceió, Recife, Salvador, e em quase todas as capitais brasileiras do
litoral, esse quadro se verifica e sugere a adoção de enérgicas medidas tendentes à sua eliminação.
A solução proposta, que deve merecer exaustivos estudos específicos, é a recuperação dessas
faixas, através de aterro hidráulico, com o aproveitamento dos bancos de areia próximos, existentes em
razão do assoreamento dos alagados. Essa modalidade de aterro se mostra de excelente qualidade, é de
baixo custo e tende a repercutir nas águas adjacentes, ampliando o volume hídrico e contribuindo
favoravelmente para as condições de navegação.
O saneamento e a regeneração dessas áreas permitiriam resolver o problema das palafitas,
mantendo os favelados no local de origem, em habitações condignas e situadas em faixas urbanizadas. De
outra parte, viabilizariam o atendimento a milhares de pessoas, com baixa renda, inscritos no Sistema
Financeiro de Habitação, além de concorrer para solucionar outras questões urbanas, como transporte ou
lazer.
Para cumprir seu programa habitacional, o Banco Nacional da Habitação recorre, igualmente, à
aquisição de terrenos, em todo o país. No momento, tais áreas são encontradas, nas dimensões exigidas,
em locais distantes do centro das cidades, geralmente sem infra-estrutura e a preços irreais.
A recuperação de faixas alagadas, através do Departamento Nacional de Obras de Saneamento,
com a transferência de domínio em favor do Banco Nacional da Habitação, configurando operação
conjugada de efeito regenerador de pontos centrais desvalorizados, levaria a substancial valorização das
áreas assim conquistadas, permitindo que os compartimentos feitos, inclusive os relativos à implantação
de equipamentos urbanos, fossem ressarcidos, com a venda dos terrenos remanescentes, o que
asseguraria ao processo condições de auto-financiamento.
Em cada caso, o Ministério da Marinha, o Ministério do Interior, através da Secretaria Especial do
Meio Ambiente, entidades de engenharia ambiental de âmbito local, e outras agências governamentais
interessadas diretamente na solução do problema, seriam consultados, a fim de verificar-se a
exeqüibilidade das ações aplicáveis.
O programa, que se pretende estabelecer em âmbito nacional, elegeu, como prioritária, a área da
Favela da Maré, nos municípios do Rio de Janeiro e Duque de Caxias, tais os benefícios sociais,
evidenciados já nos estudos preliminares, decorrentes da construção de implementos de saneamento
ambiental.
A área contemplada estende-se do Município do Rio de Janeiro ao Município de Duque de Caxias.
No Rio de Janeiro está limitada pela Ponta do Caju e pelo Rio Meriti. A área atualmente alagada,
fica entre a atual orla de Baía, a Ilha do Fundão e o cais projetado a 200 m da Ilha do Governador.
Em Duque de Caxias, apresenta limite entre o Rio Meriti e o Sarapuí, o continente e a Baía, e
simultaneamente está ocupada por manchas de sangue em decomposição.
As ações programadas confeririam ênfase à solução dos problemas de milhares de pessoas que
habitam áreas faveladas sem, entretanto, promover o seu afastamento, medida que assumiria elevado
alcance social e bem demonstraria o interesse do poder público pelas categorias mais despossuídas da
população.
Por outro lado, o programa ensejaria o saneamento de uma faixa irreversivelmente assoreada e já
parcialmente aterrada.
Segundo dados da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, a cada ano deposita-se,
no fundo da Baía, na área próxima à Ilha do Fundão, cerca de 10 cm de material sólido, que é transportado
pelas águas que drenam a região e que ali tem seu ponto mais baixo, constituindo-se em passo
importantíssimo ao combate à poluição da Baía da Guanabara, conforme manifestação da Secretaria
Especial do Meio Ambiente – SEMA, do Ministério do Interior, visto que seria extinto esse grande foco
poluidor, além da melhoria de suas condições gerais, através da dragagem de algumas de suas partes.
Tais ações favoreceriam a navegação na Baía, com a abertura de canais e o tratamento da foz de
cursos de águas, como o Cunha, o Meriti e o Sarapuí.
Na esfera sócio-econômica, ressalta-se a criação de novas áreas, a serem cedidas ao Banco
Nacional da Habitação, nos moldes antes mencionados, o qual traçaria programas habitacionais dirigidos
tanto aos setores de baixa renda, como aos de renda mais alta.
O tratamento ambiental dessa vasta região significaria a melhor utilização do solo e a implantação
de equipamentos sociais, tais como escolas, centros de saúde, núcleos de lazer, teatros, cinemas, quadras
de esportes e outros, além de propiciar uma intensa arborização, com a total transformação dos atuais
aspectos paisagísticos.
Outro ponto representaria também a solução dos graves problemas de transporte, com reflexos
em toda a cidade e nos Estados vizinhos, já que a Avenida Brasil se encontra completamente saturada,
ocasionando perdas sociais sensíveis e levando ao desperdício o tempo das pessoas obrigadas a transitar
por ela. O atual projeto de duplicação daquela via poderá ser simplificado, pela eliminação de inúmeras
obras de arte especiais e com grande redução de custos, facilitando, ainda, a implantação de sistema de
transportes de massa no futuro.
Em síntese, o projeto, na esfera técnica, além do combate à poluição, ofereceria um contorno
definitivo à Baía da Guanabara e facultaria a recuperação de 2.300 há, a um custo estimado de Cr$ 3,5
bilhões, em cinco anos, com obras de dragagem, cais de saneamento, canalização, drenagem e
entroncamentos. Por outro lado, no campo social, transformaria a paisagem urbana de uma das áreas mais
degradadas da segunda maior cidade do país e daria dignidade à vida de milhares de pessoas, que hoje a
habitam em condições sub-humanas.
Pelas razões acima expostas, temos a honra de submeter à elevada decisão de Vossa Excelência o
programa, que envolve a atuação do Ministério da Marinha e do Ministério do Interior, o qual, caso venha
a merecer aprovação, permitirá a concretização dos procedimentos preconizados.
Aproveitamos a oportunidade para renovar a Vossa Excelência as expressões do nosso mais
profundo respeito.

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Maximiliano Eduardo da Silva Fonseca Mário David Andreazza
Ministro da Marinha Ministro do Interior

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Mário Henrique Simonsen Karlos Heinz Rischbieter
Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento Ministro da Fazenda
da Presidência da República

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