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DOssiê
DIVERSIDADE CULTURAL E
DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
Shelton H. Davis
Introdução
[...] a UNESCO é talvez o lugar mais lógico para lidar com os direitos de
propriedade intelectual como um direito fundamental dos povos indígenas.
diversidade cultural e direitos dos povos indígenas 573
Apesar do foco renovado nos direitos culturais dos povos indígenas e outras
minorias, os valores, identidades e culturas dos povos indígenas e “não-
ocidentais” foram por muito tempo vistos como obstáculos à modernização
e ao desenvolvimento. De fato, a maior parte das políticas culturais relativas
a esses povos tendia a se concentrar na descoberta e preservação de seu
patrimônio pré-colonial em sítios arqueológicos, e na negação, em vez de
apoio, à sua cultura. Em 1988, no entanto, a UNESCO deu início à Década
Mundial do Desenvolvimento Cultural, que teve como um de seus resultados
o aumento da consciência, em nível internacional, de que o reconhecimento
e a promoção da herança cultural desses povos, assim como políticas cultu-
rais mais positivas — que vão além da mera proteção a sítios de “patrimônio
mundial” — poderiam ter um papel crítico no processo de desenvolvimento.
Mesmo antes de ser aberta a Década Mundial do Desenvolvimento Cultural,
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dela. No entanto, para que passe a vigorar, ela necessita ser ratificada pelas
legislaturas nacionais de, no mínimo, trinta países membros da UNESCO.
Entretanto, apesar de ainda ser necessária a aprovação legislativa
de vários países, a UNESCO, como veremos na última seção deste artigo,
criou recentemente seu próprio programa estratégico de estabelecimento de
parcerias com povos indígenas e com organizações no mundo inteiro, a fim
de implementar os vários objetivos relativos à diversidade e às expressões
culturais, tais como estão expressos na Declaração Universal sobre a Diversi-
dade Cultural e na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais. Mais uma vez, como veremos, muitas dessas
iniciativas recentes estão também em estreito acordo com vários princípios
relativos aos direitos dos povos indígenas e ao papel da diversidade cultural,
apoiados ao longo de décadas pela Cultural Survival.
Conclusão
que em muitos países são marcadas pelas altas taxas de pobreza e exclusão
social e pelo acesso limitado a serviços culturalmente sensíveis nas áreas
de saúde, educação, assistência social e outras. Nesse sentido, penso que
também seja importante que, no momento atual, os antropólogos — que,
como o saudoso professor Maybury-Lewis, seus alunos e colegas afiliados
à Cultural Survival Inc., há muito vêm contribuindo para a promoção seja
dos direitos humanos, seja do desenvolvimento sustentável e culturalmente
sensível dos povos indígenas — venham talvez a monitorar e avaliar a evo-
lução desses programas e atividades da UNESCO.
Creio que também seja importante que os antropólogos contemporâne-
os avaliem se, no curso da próxima década, os povos indígenas do mundo
inteiro realmente se beneficiarão das declarações, convenções e relatório da
UNESCO acima mencionados. Além disso, creio ser essencial dar atenção
à implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas, aprovada com o voto de 143 membros da Assembléia Geral
da ONU em setembro de 2007.
Essa iniciativa de monitoramento e avaliação por parte de antropólogos
contemporâneos poderia dar continuidade à ação do professor Maybury-
Lewis — cujo esforço altamente ético e voltado para as políticas públicas
marcou a fundação e o desenvolvimento da Cultural Survival Inc. como ins-
tituição respeitada e influente — e também levar à inclusão da diversidade
cultural e dos direitos dos povos indígenas em todas as iniciativas futuras
concernentes ao desenvolvimento social e econômico no mundo inteiro. Seria
também um grande prazer para mim poder colaborar com todos aqueles que
se dedicam aos estudos antropológicos e estejam interessados em conduzir
o monitoramento e a avaliação acima referidos a respeito dos programas
altamente pormenorizados da UNESCO, relativos à diversidade cultural e
aos povos indígenas, e acerca das futuras tentativas dos governos nacionais
em implementar os princípios contidos na Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
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Notas
1
Para uma boa história do papel de David Maybury-Lewis e de sua esposa na fun-
dação da Cultural Survival Inc., ver o artigo “Cultural survival” no site da enciclopédia
Source Watch em: http://www.sourcewatch.org/indez.php?/title=Cultural-Survival
2
Para uma nota sobre a história do professor Maybury-Lewis, ver o artigo de 6
de dezembro de 2007, “In memoriam: David Maybury-Lewis 1927-2007”, no site da
Cultural Survival Inc. em: http://www.cs.org/publications/csarticles/csarticles-article.
cfm?id=23.
3
Para um pano de fundo dessa posição, ver o artigo de Posey 1991.
4
Para uma contextualização da história das várias iniciativas quanto ao esforço
de trazer os direitos das minorias étnicas e outras para a agenda internacional dos
direitos humanos, ver o relatório (1986) de Francesco Capotorti (relator especial da
Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias).
5
Para um panorama a respeito dos estudos iniciais preparados para a Subco-
missão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, ver o referido
estudo de F. Capotorti (nota anterior), originalmente preparado em 1977, assim como o
de Jose R. Martinez Cobo, iniciado em 1971, mas só publicado em 1986, e o relatório
preparado em 1991 por Asbjorn Eide, advogado norueguês de direitos humanos.
6
Para uma discussão das declarações e convenções internacionais contra a
discriminação, veja-se a seção intitulada “Proibição da discriminação”, no guia da
Comissão de Direitos Humanos da ONU, n. 18, 2001.
8
Citado no Artigo 2 da seção de políticas gerais da Convenção 169 da OIT,
“A respeito dos povos indígenas e tribais nos países independentes”. A Convenção
também observa que “em muitas partes do mundo esses povos não têm possibilidade
de desfrutar dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau do restante da popu-
lação nos Estados dentro dos quais vivem, e suas leis, seus valores, costumes e suas
perspectivas não raro erodiram-se”. Por conseguinte, ela pede por um “reconheci-
mento das aspirações desses povos a exercerem controle de suas próprias instituições,
modos de vida e desenvolvimento econômico, e a preservarem e desenvolverem suas
identidades, línguas e religiões, dentro dos Estados em que vivem”.
9
Os direitos acima — a maioria dos quais tem conexão com a promoção das
identidades culturais e da diversidade — são mencionados no Artigo 4 da Declaração
da ONU, de 1992, sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais,
Étnicas, Religiosas ou Lingüísticas.
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10
Para mais elementos a respeito da formação e recomendações do relatório da
Comissão da UNESCO, ver o artigo da antropóloga mexicana Lourdes Arizpe e meu
artigo, publicados em um livro organizado por dois economistas do Banco Mundial,
Vijayendra Rao e Michael Walton, Culture and public action, editado pela Stanford
University Press em 2004 com apoio do Banco Mundial.
11
Veja-se o plano de ação relativo às políticas culturais para o desenvolvimento
aprovado pela Conferência Intergovernamental de Estocolmo.
12
Para informações sobre a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural,
ver o relatório da UNESCO (2002).
13
O texto completo da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais encontra-se no site da UNESCO: www.unesco.org.
14
Ver o Artigo 2, intitulado “Princípios orientadores”, da Convenção sobre a Pro-
teção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, no site da UNESCO.
15
O livreto está disponível no site da UNESCO.