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Formação de Professores e a Educação Sexual da Criança

Giseli Monteiro Gagliotto1

Resumo: A pesquisa2 refere-se à formação de professores e a educação


sexual que permeiam os Centros de Educação Infantil (CEIs) do município de
Francisco Beltrão-PR. O objetivo central foi apresentar a educação sexual nos
CEIs como possibilidade de fomentar o desenvolvimento do homem em sua
totalidade (sujeito social, crítico, autônomo e feliz). Resgatar autores como
Freud, Reich, Foucault, Nunes e Silva, apresentando suas contribuições para
a compreensão dos discursos sobre sexualidade; coletar dados junto às
professoras que atuam na educação infantil do município que caracterizam a
forma como lidam com as manifestações da sexualidade infantil; sistematizar
os dados coletados estabelecendo um paralelo com o referencial que respalda
as suas práticas e estudos científicos de educação sexual; subsidiar possíveis
redimensionamentos para elaboração de propostas de Educação Sexual
Emancipatória nos CEIs; fornecer subsídios aos educadores no sentido de
repensar a sua postura frente à sexualidade sob uma perspectiva da
pedagogia histórico-crítica, bem como lhes sugerir indicadores de vivências
curriculares emancipatórias e contribuir com as políticas educacionais do
município, já que a presente pesquisa propicia uma análise qualitativa de
transformações no cotidiano dos CEIs. A pesquisa investigou a Educação
Sexual nos CEIs, a partir de levantamento sistemático de referenciais teóricos
e dados coletados junto às professoras (através de questionários abertos) e
outros profissionais (através de entrevistas abertas) que atuam na educação
infantil. A análise dos dados foi efetivada, através das técnicas de análise de
conteúdo e análise documental que possibilitaram a compreensão das
representações dos professores dos CEIs sobre a questão em foco.Foram

1
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/ Florianópolis - SC e Doutoranda em
Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp- Campinas - SP, é professora Efetiva/Assistente Nível B do
Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco
Beltrão –PR. E-mail: giseligagliotto@ig.com.br.

2
Esta pesquisa está vinculada à Linha de Pesquisa: Corporeidade, Sexualidade e seus aspectos epistemológicos,
sócio-antropológicos, históricos, educacionais e de políticas públicas, do Grupo de Pesquisa Corporeidade:
epistemologia, cultura, identidade e educação (GEPC) – UNIOESTE Campus de Francisco Beltrão-PR
dois anos de estudos no período de junho de 2003 a julho de 2005. As fontes
bibliográficas estiveram pautadas nos estudos de Freud, Reich, Foucault,
Piaget, Rousseau, Áries, Nunes e Silva. Assim, foi possível estudar a história
da sexualidade, conceito e concepção de infância e de creche, educação
sexual, teoria psicossexual, cultura, valores e verdades na visão dos
educadores. Este estudo delimitou conceitos de educação sexual; analisou e
discutiu o que vem a ser uma Educação Sexual Emancipatória; refletiu acerca
do modelo de Educação Sexual que ainda hoje nossas crianças estão
recebendo de seus educadores; contribuiu com a elaboração de uma pré-
proposta de trabalho dentro de uma visão de Educação Sexual Emancipatória;
apresentou sugestões de atividades que os CEIs necessitam desenvolver
através de projetos de formação de uma Educação Sexual diferenciada, que
envolvam todos que direta ou indiretamente estão participando da formação
das crianças, pois considera que a Educação Sexual é de responsabilidade da
família, das professoras e não apenas dos especialistas. Os dados apontam
que mesmo com o avanço ocorrido nos últimos anos no município, as
professoras têm uma formação ainda muito incipiente e representações sobre
a sexualidade infantil impregnadas de tabus e preconceitos. Muitas encaram
os comportamentos sexuais infantis como perversão e não sabem lidar com
estes de forma natural nas situações cotidianas. Daí a necessidade de uma
formação inicial consistente que leve o professor à reflexão sobre uma prática
comprometida com o desenvolvimento integral da criança e a assumirem o
papel central no processo sexual educativo da criança.

A História da Educação Infantil


A história da educação infantil no município de Francisco Beltrão tem
apenas 24 (vinte e quatro anos). O atendimento nas creches teve início em
1980, baseado numa política de atuação voltada à comunidade visando
propiciar condições favoráveis ao bom desenvolvimento da criança, garantindo
seus direitos e oferecendo às mães a oportunidade de exercer um trabalho fora
de casa para aumentar a renda familiar. Todo o trabalho foi sendo ampliado via
APMI (Associação de Proteção à Maternidade e Infância), atendendo às
perspectivas da comunidade, com a implantação nos anos de 1980 a 1982 de
5 (cinco) creches no município, sendo elas: Nice Braga – junto ao Centro Social
Urbano – Bairro Miniguaçu, Léa Sandersom Camilotti, no bairro Entre Rios
desativada. Maria Helena Vandressen, no bairro da Cango, que passou a ser
chamada de Pequeno Príncipe, em virtude de já haver outra escola com o
mesmo nome. Carrossel, em funcionamento até hoje no bairro São Miguel; a
creche Industrial, no bairro Industrial, também desativada e implantada a atual
Delfo João Fregonese.
No ano de 1991, um número de 420 (quatrocentos e vinte) crianças
eram atendidas. Novas perspectivas de avanço no atendimento aconteceram
quando em 1993 foi implantada a creche Zelir Vetorello no bairro Jardim
Floresta e em 1994 a creche Nanci de Moraes, no bairro Alvorada, a creche
Recanto Feliz, junto ao CAIC e a creche Criança Esperança , no bairro Cristo
Rei. Essas ampliações proporcionaram o atendimento a 800 (oitocentas)
crianças conveniadas com a L.B.A., nas unidades executadas.
Para tanto, em maio de 1993 à APMI foi incorporada como metodologia
para o trabalho com as crianças das creches a implantação do Projeto
Araucária - Programa de Extensão da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Convém salientar que nos anos anteriores o caráter das creches era,
especificamente, assistencialista, não havendo proposta pedagógica que
norteasse o trabalho com as crianças e nem pessoal com a formação mínima.
Trabalhavam mães, voluntárias da comunidade, atendentes de serviços gerais;
as coordenadoras (únicas com formação no magistério do 2° Grau) exerciam
cargos de confiança e eram indicadas pela administração política do município.
No município de Francisco Beltrão, um dos problemas com o qual nos
deparamos se refere à perda de fontes documentais, bem como o descaso
com o registro histórico. Numa entrevista realizada com a Secretária da Ação
Social pudemos conhecer um pouco de como a história da Educação Infantil foi
se inscrevendo. Ela nos contou que no ano de 1977: “Começaram a organizar
as comunidades, as bases, as mães e sentiram que a maioria não tinha com
quem deixar seus filhos que muitas vezes ficavam em casa com irmãos
menores. O primeiro trabalho que se fez foi de conscientização porque alguns
líderes comunitários (padres, coordenadores, etc.) tinham o entendimento que
as creches retiravam os filhos das próprias mães. Por isso, na época,
pregavam que as creches comprometeriam a vivência em família e retirariam
das mães a sua função social maior.”
Como podemos ver, a realidade do município não difere do que
historicamente conhecemos em termos de Educação infantil no país. Dos anos
80 até meados dos anos 90 sequer existiu uma proposta pedagógica. A partir
desta data surgiu uma proposta distante da possibilidade de compreensão
teórico-científico para o nível de formação dos profissionais que atuavam na
área. Nela, havia a exigência de conhecimentos para o trabalho com as
crianças que envolviam, por exemplo, teorias psicológicas do desenvolvimento
humano que só são passíveis de interpretação por pessoas que tenham
formação ou que estejam neste processo; isso não acontecia e não acontece
nos dias de hoje conforme revelaremos a seguir, no item que se refere à
formação das professoras. Atualmente, o próprio RCNEI (Referencial Curricular
Nacional para Educação Infantil) exige das professoras conhecimentos
específicos, por exemplo, de teorias psicológicas que apresentam-se distantes
daquilo que a formação de nossas professoras pode lhe proporcionar em
termos de compreensão. Muito embora já tenham ocorrido alguns avanços no
sentido da formação de muitas das professoras é visível na atualidade a
manutenção da função de assistência social e a função sanitária ou higiênica
em detrimento da função pedagógica. A função dos CEIs enquanto espaço que
deve ser pensado para atender necessidades do contexto infantil, ainda parece
distante e obscuro das práticas que observamos no município. A começar por
um dos critérios utilizados para conseguir uma vaga para a criança nos CEIs
atrelado ao fato da mãe estar trabalhando. O horário rígido do soninho contribui
para a perpetuação do assistencialismo e vem sendo pensado de maneira
limitada às necessidades dos adultos, pais e professoras e não
necessariamente das crianças, tendo em vista que muitas são obrigadas a
dormir mesmo quando estão querendo brincar ou desenvolver outras
atividades. As professoras questionadas com relação a essa rotina rígida
defendem a obrigatoriedade do sono imposta às crianças como sendo o único
tempo vago que elas têm para estudar e ou descansar das suas rotinas
fatigantes dentro do CEI, realizando um trabalho de 8 (oito) horas diárias.
Outras defendem a necessidade do sono alegando a importância do dormir
para o desenvolvimento infantil mesmo que sejam obrigados a dormir. Algumas
professoras apontaram que se permitirem que uma ou outra criança não durma
e realize outra atividade, como por exemplo assistir um vídeo, no dia seguinte
um número maior de crianças não desejarão dormir e sim assistir vídeo. Isto
reflete a ausência de um projeto que viabilize outras possibilidades de
intervenção pedagógica que sirva de alternativas outras para as crianças que
não queiram dormir. A sociedade beltronense em geral e em especial alguns
pais das crianças que freqüentam os CEIs ainda entendem esse espaço como
um depósito de crianças, um local próprio para se deixar a criança, do qual eles
dependem para poder trabalhar. De um lado existem professoras que
acreditam estar fazendo um favor para os pais enquanto cuidam de seus filhos
sendo que o CEI é público e que os pais “não pagam” mensalidades para
manter o filho lá. De outro lado, os pais se sentem acuados e submetidos
àquelas que lhes prestam “favores” e incorporam esta idéia de que se “não
pagam”, não têm o direito de reclamar.
O desconhecimento dos direitos de cidadão está presente tanto nestas
professoras quanto nos pais. Este quadro configurado desta forma é impeditivo
de grandes avanços e movimentos no sentido da melhoria da qualidade da
educação infantil. Enquanto a sociedade não compreende que os impostos
pagos por toda a população e que é revertido para a educação infantil no
município se constitui num direito de todo o cidadão e enquanto as professoras
mantiverem obscurecidas a sua função social, não reconhecendo que quem
paga o seu salário é a população, a idéia de favor perpetuará assim como as
relações entre os CEIs e as famílias estarão bastante comprometidas, pois
continuará ocorrendo uma série de acusações recíprocas de toda ordem e se
ampliarão as dificuldades encontradas para o trabalho com as crianças
pequenas.
No nosso entendimento existe a necessidade urgente de, em primeiro
lugar, legitimar o direito da criança ao CEI. Sabemos que isso só se dará
através da consciência crítica de toda a sociedade, a começar pelo
conhecimento das políticas públicas educacionais por parte de pais e
professoras, no sentido de exigir do Estado o compromisso social para com as
crianças, que já é lei no papel mas, não é prática social porque os encargos
foram repassados para a administração do município e o Estado, de certa
forma, se eximiu da responsabilidade social educativa.

A Formação das Professoras da Educação Infantil no Município de


Francisco Beltrão-PR
Os dados revelaram a insuficiência na formação das professoras que
atuam nos Centros de Educação Infantil do município. Do total das 96
professoras participantes da pesquisa, 61 estão estudando atualmente,
representando um total de 63,54%. O restante que são 35 professoras não
estão estudando. Das 61 professoras que estudam, 44 fazem curso superior
sendo que 37 destas fazem o Normal Superior à Distância e 7 estudam em
universidades. São 6 professoras que fazem o Magistério do 2° Grau à
distância e 11 freqüentam especialização em cursos como: Psicopedagogia
Clínica e Institucional, Gestão Orientação e Supervisão, sendo as
especializações todas em instituições particulares.
Estes dados precisam ser analisados positiva e negativamente, porque
muito embora a porcentagem das professoras que estão estudando seja
elevada; é importante atentar para o fato de que os cursos que estão
freqüentando foram procurados por exigência legal e não são cursos de
formação realizados em Universidades de forma presencial. Ao contrário
parece que todas tiveram acesso ao decreto presidencial no 3.276 de 6 de
dezembro de 1999 que assegura que “a formação dos professores de
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental far-se-á
exclusivamente em cursos normais superiores”, porque 60,65% estão fazendo
o Normal Superior à distância.
Segundo a LDB,
“A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades e
institutos superiores de educação, admitida a formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro séries do ensino
fundamental, e oferecida em nível médio, na modalidade Normal” [art. 62]

Esta lei empurrou as professoras em busca de uma formação imediata, afinal o


emprego está em jogo. O mais interessante é verificar que há dois focos em
discussão no que se refere à formação. Um primeiro projeto é defendido pelo
movimento de professores que entende a formação como valorização
profissional e que deva ser realizada em uma universidade, amparado pela
pesquisa como eixo de articulação entre teoria e prática e vê o professor como
produtor de conhecimento. O segundo, que é defendido pelo Conselho
Nacional de Educação está de acordo com as políticas neoliberais e empurra
os professores para fora da universidade, propõe uma profissão e não uma
formação, acelera a chegada do diploma, impede as reflexões educativas,
transforma o professor em um mero executor de tarefas, aniquila com a
pesquisa e acredita no mito da transmissão do conhecimento em caráter
meramente informativo a nível do ensino.

Segundo CERISARA (2002):


“Esse encaminhamento tem por base o princípio do aligeiramento da
formação no seu sentido mais perverso, pois em vez de capitalizar a
experiência prática do aluno, desafiando-o a aprofundar a reflexão, entende
que esta seja substituível pela vivência, desarticulando a teoria da prática
sob o falacioso argumento de que quem faz não precisa pensar o fazer.
Aliado a isso, a retirada da formação dos professores da educação básica
dos cursos de pedagogia junto às universidades também significa a
separação entre formação profissional e formação universitária”. (p.112)

Nos dados que se referem à identificação, a presente pesquisa revelou


que 100% (cem por cento) dos profissionais que atuam na Educação Infantil do
município são mulheres. A inexistência de homens atuando na Educação
infantil se confirmou em nosso município indo de encontro aos dados
levantados em todo o país. Sabemos que historicamente o espaço da
educação infantil foi reservado às mulheres. Convém salientar que este espaço
entendido como lugar de mulheres se justificava, ainda no início do século XX,
tomando por base a concepção natural e aptidão da mulher para com as
funções de cuidar e educar as crianças.

Segundo SOUZA (2000):


“A entrada das mulheres na atividade profissional da docência esteve
atrelada ao exercício da maternidade. Exigia–se das professoras atributos
considerados “tipicamente femininos”, tais como sensibilidade, paciência,
afeto, doação, especialmente no que se refere à educação de crianças
pequenas. Caberia às mães e professoras, a formação dos cidadãos,
corretos, disciplinados, autogovernados.” (p.141)

Ainda em SOUZA (2000) apud CUNHA (1994):


“A leitura foi um dos processos que ajudaram a sedimentar a imagem do
magistério como ocupação ideal para mulher junto a outras idéias expressas
por educadores que argumentavam ser o magistério carreira mais adequada
à natureza feminina, pois requeria amor, dedicação, minúcia e paciência.”
(p.141)

Estes escritos nos fazem refletir sobre as expectativas que temos com
relação aos papéis sociais e como estes são determinados socialmente. Isto
significa dizer que sobre os papéis sociais dos indivíduos existe uma
expectativa que sempre é construída histórica e culturalmente. Cabe salientar o
modelo educacional patriarcal-machista que contribuiu para a propagação da
idéia de que para limpar bunda de neném e dar de comer não é necessário
formação profissional. As mães apenas sairiam de casa para exercer na creche
uma função já conhecida e sobre a qual tinham certo domínio, o que implicou
na desvalorização profissional das professoras que trabalham na educação
infantil.
Para ROSEMBERG e AMADO (1992:70), os eixos fundamentais da
socialização feminina são a maternagem e o trabalho doméstico já que na
esfera doméstica e na esfera pública a responsabilidade de cuidar e educar as
crianças pequenas é das mulheres, que já são preparadas para isso. Sendo
que o trabalho doméstico apresenta como características a atenção dispersa
por várias tarefas, o acúmulo simultâneo de funções, o improviso e a troca
temporária de funções com vizinhas e familiares. Os baixos salários que
predominam nessa classe trabalhadora confirmam o grau de submissão a qual
se encontra.

Para CERISARA (2002):


“As profissionais das instituições de educação infantil, creches e pré-
escolas, auxiliares de sala e professoras foram pensadas a partir da forma
como essas profissões têm se constituído historicamente: são profissões
que se constituíram no feminino e que trazem consigo as marcas do
processo de socialização que, em nossa sociedade é orientado por modelos
de papéis sexuais dicotomizados e diferenciados, em que a socialização
feminina tem como eixos fundamentais o trabalho doméstico e a
maternagem.” (p.102)

A mesma autora chama atenção para o fato de que “o lugar da mulher


na vida social, em um determinado grupo cultural, não é diretamente o produto
de sua ação, mas do sentido que adquirem suas atividades por meio da
interação concreta” (p.103). Para a autora,
“A constituição dessa identidade profissional, exigiu tomar como base a
identidade pessoal dessas mulheres, construída socialmente dentro de uma
ocupação socialmente desvalorizada. A professora de meninos e meninas
de 0 a 6 anos situa-se em um universo feminino que se apresenta
desvalorizado em relação ao que se convencionou chamar de universo
masculino, cujo modelo de trabalho é tido como racional ou técnico e no
qual predominam relações de impessoalidade nos espaços públicos”. (2002,
p.103)
Aqui queremos discutir gênero no que se refere às relações de poder e
submissão da mulher. Se o magistério outrora, mais do que hoje, foi visto como
carreira para mulheres e se justificava pela natureza da mulher em nascer
sabendo cuidar e educar as crianças, por ter em suas características de gênero
atributos considerados importantes (como sensibilidade, afeto, paciência,); hoje
esses mesmos atributos vêm servindo para também desvalorizá-la enquanto
professora. Atualmente, se discute que uma boa referência de profissional da
educação está relacionada à impessoalidade e à técnica na sua prática
pedagógica, fugindo dos dotes maternos. Isso significa dizer que se a
professora apresenta um jeito maternal de lidar com a criança, estará fadada a
ser vista como incompetente profissional. Há, portanto um indicativo de que
persiste um discurso hierarquizante no sentido do predomínio do gênero
masculino sobre o feminino, até mesmo porque características de competência
técnica e impessoalidade nas relações são atributos masculinos. Terá a
mulher-professora que se assemelhar a essas características masculinamente
impostas para ser reconhecida em sua profissão?
Voltando à história, com o advento da Revolução Industrial, a idéia de
que mulher e magistério constituía um casamento perfeito foi cunhada também
porque os homens estavam prestes a abandoná-lo para assumir um lugar
social mais importante frente às indústrias que lhes reservavam um mercado
de trabalho mais promissor. Naquele momento, louvores às qualidades
femininas propícias aos cuidados. Criou-se inclusive a idéia de que a mulher
estava mais apta do que o homem justamente por ser mulher e já estar adentro
do universo doméstico. Assim, reproduzir o que sabia fazer no ambiente
doméstico foi bem vindo. As creches foram implantadas em caráter
assistencialista que preconizava as qualidades ditas naturalmente femininas de
forma que nenhuma formação específica era necessária; a mulher trazia em si
o germe da educação e do cuidado. Ser uma boa profissional significava
colocar a amostra seus dotes femininos incluindo a maternidade. Mas, se
nenhuma formação adicional era necessária, muito pouco em troca essas
mulheres recebiam por seu trabalho, acarretando na desvalorização
profissional que veio de contrabando à desvalorização da mulher, episódio tão
comum e perpétuo em nossa sociedade ocidental capitalista. Convém salientar
que os mais baixos salários estão na educação infantil, o que nos leva a refletir
que como no ensino fundamental e no magistério do ensino superior existem
homens trabalhando, o salário é melhor.
Hoje, em pleno séc. XXI, esta desvalorização vem sendo justificada pela
ausência de formação profissional das professoras. Esta ausência de formação
está comprovada inclusive nesta pesquisa, mas pensamos que não cabe
culpabilizar as professoras e suas metodologias de forma desarticulada,
apontando para a “incompetência” das professoras para lidar com questões
relativas ao cotidiano escolar. A prática da Psicologia Escolar vem
comprovando que esses tabus são falsos e que as professoras não são
absolutamente “incompetentes” como vêm sendo denominadas, de maneira
estratégica. Para Souza (2002): “... os professores têm sido negativamente
influenciados pela lógica simplista do argumento da incompetência. Ou seja, a
partir do momento em que a figura do professor e o trabalho docente ganham
maior visibilidade, o professor têm sido, por vezes, responsabilizado pelas
mazelas do ensino” (p. 262). Estudiosos da educação infantil vêm pesquisando
acerca dos eixos que caracterizam as práticas educativas entre: maternagem e
educação escolar e que apontam algumas diferenciações entre ser profissional
e ser mãe, discutindo afetividade versus competência. Essas pesquisas
levantam questionamentos que também são nossos: CERISARA (2002) chama
a atenção para trabalhos nessa área que tematizam o magistério como uma
profissão feminina em sua negatividade e que acabam acirrando o preconceito.

Para a autora:
“Cabe perguntar se, ainda hoje, a maternalização do magistério só pode ser
considerada em sua negatividade. Ou melhor, será que não há como
entender a feminização dessa profissão como um processo que tem
conseqüências contraditórias – positivas e negativas -, tanto sobre a
organização do trabalho em instituições educativas como sobre a identidade
de suas profissionais?” (p.55)

Não queremos aqui apresentar um olhar que esteja voltado apenas para
a categoria gênero no sentido de legitimar um lugar de vítima das mulheres.
Por isso é salutar que lancemos um olhar generalizado às questões que
afligem a educação como um todo e que desta forma vêm também falar de
toda a classe trabalhadora que exerce sua profissão no magistério,
independente de serem homens ou mulheres. Sabemos que educação se faz
com dinheiro e boas estratégias das políticas públicas. Nosso país não vem
sendo privilegiado no aspecto educacional. O PIB é irrisório sendo que apenas
2,5% é investido na educação. Estamos longe de nos compararmos a países
como França e Itália que são exemplos de investimento em educação a nível
mundial. E quando se trata da educação infantil a situação fica ainda mais
alarmante porque além da escassez de verbas investidas, esta na prática não
se constitui num direito da criança. As creches vêm sendo unicamente direito
de pais trabalhadores.

Segundo NASCIMENTO (2003):


“No caso da Educação Infantil, especialmente das creches, o cenário aqui
delineado também nos faz refletir sobre o caráter excludente de um critério
ainda muito em voga para a matrícula de crianças em instituições públicas
municipais. Trata-se da prioridade de matrícula para os filhos de mães
trabalhadoras, critério que associa a permanência da criança na creche à
manutenção do emprego materno. Ora, além de desconsiderar que a creche
também é um direito da criança, este critério não leva em conta que a perda
do emprego (materno ou paterno) deveria ser fator de discriminação positiva
da destinação de uma vaga e não de negação do direito da criança à
creche, como tende a ocorrer” (p.107).

O quadro educacional que se configura com o descomprometimento das


políticas públicas, mais que provocar uma discussão dos direitos sociais
humanos, impõe a necessidade de organizarmos movimentos políticos e
pedagógicos na defesa da qualidade de vida e da educação para homens,
mulheres e crianças.
Segundo o relatório fornecido pela Secretaria Municipal de Educação,
Cultura e Esportes, nos Centros de Educação Infantil municipais de Francisco
Beltrão/PR, no ano de 2004 foram atendidas cerca de 1.204 (hum mil duzentos
e quatro) crianças de 0 a 5 anos de idade em Berçários, Maternais , Jardins I e
Jardins II distribuídos nas creches: Carrossel (Bairro São Miguel) onde são
atendidas 112 crianças; Criança Esperança (Bairro Cristo Rei) atende 85
crianças; Delfo João Fregonese (Bairro Industrial), 82 crianças; Diva Martins
(Bairro Pe. Ùlrico), 104 crianças ;Hebert de Souza (Bairro Pe.Ulrico), 83
crianças; Idalino Rinaldi (Bairro Sadia), 62 crianças; Nancy Pinto de Morais
(Alvorada), 86 crianças; Nice Braga (Miniguaçu), 92 crianças; Marli Abdala
(Bairro Pinheirinho), 110 crianças; Pequeno Príncipe (Bairro Cango), 106
crianças; Sonho Meu (CAIC), 194 crianças; Zelir Vetorello (Jardim Floresta), 88
crianças. Além destas que estão sendo atendidas temos ainda 317 crianças na
lista de espera. Dados coletados junto ao IBGE, nos mostra que no município
de Francisco Beltrão/PR temos cerca de 67.132 mil habitantes, onde 6.119
(seis mil cento e dezenove) são crianças de 0 a 4 anos correspondendo ao
total de 9,11%. Sem falar no índice de 6.660 (seis mil seiscentos e sessenta)
crianças, que estão na faixa etária de 5 a 9 anos e que correspondem a 9,92 %
da população. Isso significa que cerca de 19,03% de crianças se encontram na
faixa de 0 a 9 anos de idade.
É importante ressaltar a necessidade da ampliação de oferta para a
educação de crianças de 0 a 5 anos, garantindo-lhes o direito de acesso e
permanência na creche, mas não qualquer forma de atendimento, e sim, a
oferta de uma educação de qualidade para que as crianças possam receber os
benefícios a que têm direito.

Um Breve Histórico Social e Político sobre a Criança


Ao nos direcionarmos para a realização de um trabalho que contemple
efetivamente a educação infantil voltamos nosso olhar para questões
representativas da vida infantil. Nesse sentido, é importante observar de que
criança estamos falando quando nos referimos `a vida infantil. “A verdade é
que houve sempre crianças, não houve sempre infância” (Sarmento, 2001). A
infância é uma construção social; esta idéia de infância como concebemos
hoje, se constituiu ao longo dos dois últimos séculos. Desde a modernidade
uma outra concepção de infância passou a ser construída histórica e
culturalmente, aquela que reconhecemos hoje como uma etapa do
desenvolvimento de todo ser humano. Entretanto, muito há que se
compreender sobre a infância na contemporaneidade.
Aspectos como o da globalização vêm demarcando e introduzindo no
atual conceito de infância seus efeitos. Assim, contemporaneamente, o traço
mais marcante da infância é a mudança e pluralização de suas identidades,
resultante dos efeitos da globalização (Sarmento, 2001). Segundo este autor,
dois aspectos contraditórios resultam desse processo. De um lado, a
globalização social contribui para a homogeneização da infância, sobretudo no
que diz respeito ao mercado de produtos para a infância; e de outro lado, para
a difusão de um discurso dos direitos da criança, e para a sua
heterogeneização, ambos propalados pela mídia demarcando a desigualdade e
acirrando as diferenças. Nesse cenário, se constitui a atual infância brasileira
nomeada em documentos institucionais, os quais norteiam propostas
neoliberais encobridoras da realidade.
Nesse sentido, não há uma concepção de infância brasileira, mas uma
representação de tudo aquilo que os ditames da globalização podem impingir
na sociedade. Assim, podemos observar contido no conceito de criança, no
RCNEI, uma criança autônoma, capaz de autogerir seus cuidados, convivendo
de forma idealizada com a nossa diversidade. Segundo Souza (2002),
observou-se no conceito do RCNEI, uma proposta direcionada às práticas que
estimulam o auto-cuidado e a independência da criança, o que não denota
coerência com o real conceito de autonomia. Nessas práticas orientadas no
RCNEI estariam condicionados conhecimentos de correntes psicológicas
norteando o encaminhamento pedagógico. As fases do desenvolvimento
psicossexual de Freud estão ali sucintamente colocadas, no sentido de
assegurar o reconhecimento dessas leituras por parte dos professores. Como
sabemos, a formação da maioria dos nossos professores não contempla tal
conjunto de informações, o que também compreendemos que deva ser parte
do processo de formação contínua do professor sem se distanciar dos objetivos
para os quais se pensa o corpo, e a sexualidade, ou a orientação sexual, na
esfera educacional. Isso quer dizer, compreender as fases psicossexuais da
infância para o professor se distingüi do conhecimento que deva ter o
psicólogo. Ao professor cabe o reconhecimento dessas etapas, não para
diagnosticar ou propor um trabalho clínico ou interpretativo, do ponto de vista
psicanalítico. Deve sim, ter o conhecimento suficiente para abordar ou tratar o
assunto com naturalidade, respondendo às perguntas das crianças com
clareza, respeitando as manifestações individuais ou coletivas, orientando sem
discriminação ou preconceito. Longe, portanto, de estigmatizar, mas sim, criar
a partir da demanda das necessidades infantis, um espaço de esclarecimento,
confiança mútua e respeito.

Concordamos com NUNES e SILVA (2000) que a infância deve ser


“considerada a época da aquisição subjetiva e sócio-cultural da identidade
humana, na relação com o mundo, na descoberta de si e na apropriação
significativa da cultura” (p.11). Desta forma, a sexualidade é uma manifestação
ontológica da condição humana, uma manifestação subjetiva, histórica e social.
O espaço dos CEIs, o qual é palco de tais manifestações, encontra-se
dominado por uma crise educacional imposta politicamente à comunidade
educativa (instituição, professores, pais, crianças). Assim, projetam nas
crianças, pais e professores problemas que são de ordem sociológica e
política. Quando nomeiam o quadro de indisciplina e violência, não deixam
perceber que a maior violência está em refutar as diferenças e acirrar as
desigualdades. Enquanto os CEIS se reduzem a tratar os sintomas como
causa em si, culpabilizando os pais pelos problemas trazidos pelas crianças,
contribuem para o crescimento da ignorância e da ausência de orientação
educativa.
Como coloca SARMENTO (2001) “a limitação da autonomia das
crianças e a projeção de uma renovada dominação paternalista constitui o
verdadeiro cerne deste programa de política educativa” (p. 24) que desautoriza
tanto professores, quanto empenha em seu discurso oficial, práticas
norteadoras para o autogerenciamento que exime o Estado de suas
responsabilidades sociais para com a criança. Assim, vamos encontrar no
discurso oficial anunciado pelos documentos e reiterados pela mídia a
reprodução das desigualdades sociais.
Neste contexto cruel de um sistema excludente, vemos castrados os
direitos da criança. Para corroborar tal anseio neoliberal, novas políticas
educacionais enfatizam uma ideologia inclusiva, sustentada na autonomização
das instituições escolares e de projetos educativos, alternativos e
compensatórios. Tais programas não excluem as ambigüidades nem tampouco
as desigualdades de que falamos, encontradas no seio de nossa cultura.
É preciso que a escola, nomeada por seus professores não se perca no
seu papel de contribuir efetivamente na formação integral de crianças e esteja
atenta para não se ver substituída em seu papel por outros meios
contemporâneos, como as tecnologias de informação disponibilizadas,
difundidas e facilmente incorporadas pelo universo infantil.
Assim, propomos enquanto referência na construção conjunta com
professores, um trabalho que venha contemplar uma educação sexual capaz
de atender às necessidades da formação da criança no sentido do respeito a
sua singularidade, a sua identidade de gênero e papel sexual que venha a
desempenhar em sua cultura.

A Sexualidade no Espaço dos Centros de Educação Infantil

A sexualidade no espaço dos CEIs é pouco discutida e questionada,


apesar de existirem muitas dúvidas sobre a questão. Em oitenta e cinco por
cento (85%) das professoras entrevistadas foi possível perceber a existência
do medo, da vergonha, do preconceito, da falta de diálogo e de conhecimento
sobre a sexualidade humana. Há um envolvimento excessivo com os cuidados
de saúde e higiene da criança, sem a percepção de que a sexualidade é parte
integrante desses cuidados. É o que podemos identificar em algumas falas:
“Estamos preocupadas em cuidar, trabalhar, nem sempre conversamos sobre o
assunto”; “No CEI não se fala sobre isto”; “Com meus alunos ainda não
precisa”. Essa última fala se refere a uma professora que trabalha no berçário e
demonstra o desconhecimento acerca das manifestações da sexualidade nos
bebês. É interessante verificar que a sexualidade infantil é vista como um
“problema” identificado, especificamente quando a criança apresenta
manipulação genital.

Segundo RCNEI (2001):

“Contemplar o cuidado na esfera da instituição infantil significa compreendê-


lo como parte integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos,
habilidades instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica. Ou seja,
cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração de
vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de
diferentes áreas”. (p.24).

É preciso que o professor esteja atento às expressões da sexualidade


que se manifesta no cotidiano das crianças, mas para isso se faz necessário
que este tenha uma preparação, para poder interagir de maneira positiva na
formação e desenvolvimento da criança. O medo, a vergonha, a falta de
diálogo, muitas vezes está atrelada a “ausência” de formação das professoras,
inibindo-as de tratar a sexualidade. Por isso, indicam a diretora ou a psicóloga
como as responsáveis pelo assunto nos CEIs conforme detalharemos logo
abaixo.
Segundo NUNES e SILVA (2000):
“(...) é impossível que o educador não perceba que neste espaço a criança,
que não tem vícios de disfarçar suas intenções e sensações, expressa com
natural tranqüilidade sua sexualidade junto com sua afetividade, sua
criatividade, seu cansaço, enfim, tudo, o que ela experimenta e vivência no
seu cotidiano escolar. O potencial de expressão da criança traz em si a
expressão da sexualidade”. (P 76 e 77).

Quando questionadas sobre a importância em se abrir espaços nos CEIs


para educação sexual, noventa e um por cento (91%) destas responderam que
sim; “Para melhorar o relacionamento entre professores x professor – Professor
x aluno”; Para evitar distorções, preconceitos e tabus”; ter uma proposta
diferenciada com outras referências diferentes da mídia”; “Evitar problemas no
futuro”. Um percentual de sete por cento (7%) das professoras não respondeu
a esta questão e apenas uma disse que não é importante que se abra espaço
para falar sobre sexualidade dentro dos CEIs. A pesquisa aponta que as
professoras sentem a necessidade de que nos CEIs sejam criados espaços
para formação sobre a educação sexual infantil. Para elas essa formação fará
com que: “melhore a formação para poder lidar com as crianças, para saber
encaminhar a criança de forma correta”. Essa formação foi priorizada no curso
de extensão que desenvolvemos junto a essas professoras em parceria com a
Secretaria de Educação do município. Num país como o nosso, onde a
formação do educador infantil ainda está por ser oficializada, o profissional
dessa área precisa construir sua carreira com reconhecimento entre seus pares
e entre os outros educadores e a comunidade em geral. Para tanto, ele precisa
se constituir em Educador Infantil, ao mesmo tempo em que vai percebendo e
se informando sobre como se desenvolvem as crianças.

A Formação do Professor e a Necessária Educação Sexual

Circunstancialmente, tendo como referência os apontamentos da nova


LDB/96, iremos encontrar tanto nos PCNs, como no RCNEI um norteamento
para que se consolide a orientação sexual no âmbito escolar. Dito isso, nosso
olhar nos coloca diante de pesquisas como a de NUNES e SILVA (2000), que
apontam a importância de critérios para se refletir a orientação sexual como
está posta em tais documentos. Segundo os autores acima, “a
transversalidade está principalmente na característica da complexidade e da
abrangência do tema” acerca da sexualidade (p.65). Onde vêem como grande
expressão de vulnerabilidade, a questão da formação do professor em
sexualidade humana. Destacam os autores, que “o tratamento curricular
transversal ainda não contempla a exigência de assumirmos este trabalho com
todo rigor científico que é necessário para a compreensão de sua abrangência
na vida social e cultural humanas” podendo assumir uma perspectiva
improvisada e voluntarista, redundando no ecletismo na banalização do
assunto (p.65).
Os pesquisadores sobre a educação e infância têm apontado a
necessidade de novos encaminhamentos para as inúmeras situações
apresentadas no cotidiano dos CEIs. As dificuldades encontradas permeiam
desde o âmbito das relações entre a criança e seus pares, estas e seus
professores, além da relação com a família. Assim, a formação do professor
deve compor o conhecimento não só das questões pedagógicas, bem como,
conhecimentos específicos acerca de tudo que diz respeito à infância.
Através de uma visão histórico-crítica da sexualidade, o presente estudo
e pesquisas recentes demonstraram que é possível perceber a permanência na
atualidade dos discursos dogmáticos, dos sensos comuns, dos tabus, dos
preconceitos e da repressão da sexualidade e uma visão do sexo sendo
associado à morte e não à vida. A educação sexual na família e na escola é
ainda deficiente. Existe uma tendência por parte dos educadores em falar na
parte biológica, transmitir conhecimentos técnicos, biologistas e higienistas,
isso quando falam... Diante da pergunta que fizemos no sentido de saber
quem, na concepção das professoras, são as pessoas mais indicadas para
falar de sexualidade no cotidiano dos CEIs, um percentual de 27% (vinte e seis
por cento) das professoras responderam que a pessoa mais indicada são as
“psicólogas”, 25% (vinte e cinco por cento) que são as “diretoras”,18% (dezoito
por cento) das professoras responderam que a pessoa mais indicada para falar
sobre a sexualidade são as próprias “professoras”; 10% (dez por cento) que
são as “monitoras”; 5%(cinco por cento) disseram que “pessoas que eu possa
confiar”; e 2% (dois por cento) disseram: “pessoa madura e sem preconceito ”e
“coordenadora”; sendo que 13% (treze por cento) das professoras não
responderam a esta questão. Do total das professoras, 38% (trinta e oito por
cento) apresentaram respostas que ao nosso ver não respondiam à questão e
deixavam à mostra o desconhecimento do assunto: “É muito complexo,
precisamos de orientação”; “Sexo é uma coisa que deve ser feita com a pessoa
certa e não sair transando por aí”; 32% das professoras demonstraram ter
algum conhecimento sobre sexualidade, pois a relacionaram com o modo de se
vestir, de falar, de andar, etc. O modo como pensam a sexualidade está
também, na escolha da profissional que elegem para falar sobre sexualidade
no cotidiano dos CEIs. É curiosa a forma como a sexualidade aparece
desarticulada do processo educativo e a maioria das professoras ainda
considerem que outro profissional deva falar sobre sexualidade com as
crianças, atitude essa que lhes mantém acomodadas e descomprometidas com
a educação sexual das crianças. A grande maioria das professoras colocavam
como impeditivos para o trabalho de Educação Sexual, “a bagagem trazida de
casa pela criança” e a “influência dos programas de televisão”. No nosso
entendimento a ação do CEI será de educador sexual secundário sempre e
que o papel familiar é fundamental e primário na construção do homem e da
mulher que cada um traz dentro de si. É a bagagem da educação informal,
adquirida na família e na comunidade, o ponto de partida para se pensar em
Educação Sexual no CEI. Para Guimarães (2002) “os programas educacionais
sobre o sexo nunca vão poder ignorar, repudiar, ou mesmo antagonizar as
influências primeiras na construção da sexualidade”. (p.99) Por isso, as
informações e posturas que os alunos trazem de suas famílias e de sua
comunidade, são as demarcações para o início do trabalho em Educação
Sexual e não o seu impeditivo. Na sua rotina de trabalho interativo com os
alunos as professoras estão sempre a revelar como lidam com a dinâmica
interpessoal, como aceitam, como se colocam frente à sexualidade própria e
dos outros. Enfim, é a sua carga de medos, preconceitos e tabus, assim como
de compreensão, aceitação e experiência de prazer, de alegria, que
transparece em seu cotidiano profissional.
O que é peculiar, porém, é que as professoras em geral não assumem
que estejam educando sexualmente, assim como a criança também não tem
consciência de que está sendo influenciada pelo CEI. Existe como que uma
inocência de mão dupla, o que oculta a perpetuação de determinadas posturas
preconceituosas, discriminatórias, desinformadas, medrosas e ameaçadoras.
Essa é a Educação Sexual que queremos ver ultrapassada, dando lugar a uma
postura assumida, positiva, que encara o sexo como parte natural do
desenvolvimento. As discussões no CEI devem ir de encontro ao vazio criado
pelos padrões rígidos e as pressões sociais de dominação. Também os
educadores podem cooperar para a facilitação da capacidade de relacionar,
permitindo e apoiando os relacionamentos interpessoais com autonomia e
responsabilidade, porque as crianças têm o direito ao desenvolvimento destas
fontes do desejo e do prazer.
As questões cotidianas relacionadas à sexualidade cabem ao professor
e para tanto ele precisa de formação. Para lidar com a sexualidade na escola é
preciso ter conhecimento científico e humanista. Ao final desta pesquisa,
continuamos acreditando que uma formação inicial consistente leva o professor
à reflexão sobre uma prática comprometida com o desenvolvimento integral da
criança, que a implantação da Educação Sexual nos cursos de formação é
urgente e que profissionais da educação infantil necessitam de tal formação,
porque a pesquisa revelou a urgência dessas profissionais assumirem o seu
papel central no processo sexual educativo da criança.

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