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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O PRISIONEIRO AUDAZ
Abdal e Askalon tinham pelo menos uma coisa em comum. Ambos pareciam
meras sombras de algo aparentemente incoerente. O rapaz, apesar de muito
jovem, parecia um adulto de meia idade com cabelos desgrenhados e pele
ressecada ao sol por conta do extenuante trabalho na oficina do pai, vestindo
comumente uma capa surrada por cima da túnica. A cidade, apesar de suas
colunas imponentes de pedra maciça, seus altos minaretes sinuosos, castelos
rígidos e altares exuberantes de cobre, obsidiana e marfim parecia muito mais
uma ruína abandonada do que a pretensa capital do oeste do reino de Shem.
“Vale a pena a surra que irei levar do pai”, pensou Abdal. Não tinha como
mudar seu ímpeto e curiosidade. Isso porque ele tinha sido conquistado
pela visão dos membros da comitiva de mercenários, principalmente a bela
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guerreira loira vinda do norte, Alexia. Além disso, o rapaz estava curioso
com a difícil demanda do grupo.
Ele ficou sabendo, como quase todos na cidade, que o rei Samir iria pagar
uma quantia vultosa para qualquer caçador de recompensas que capturasse
um guerreiro famoso, um homem que havia liderado os nômades zuagires
em outros tempos. Abdal tinha como personalidade a latente curiosidade
de sua raça, mas os acontecimentos em torno da caça ao homem não saiam
de sua cabeça desde que vislumbrou a comitiva. Seria a oportunidade de
ver a queda do bárbaro conhecido pela alcunha de Amra.
O certo é que Abdal esperou por todo o dia para ter notícias da caçada, em
uma espera um tanto nervosa e angustiante. Ao cair da noite, finalmente
a comitiva retornou, quase como uma procissão macabra de assassinos e
rufiões. Ao saírem à caça, eles contabilizavam em torno de vinte homens de
armas arrogantes e bem equipados com ferro e aço. No retorno, eram apenas
oito, dois dos quais bastante feridos e com ares de empáfia visualmente
combalidos.
Do lado oposto a eles, apenas Alexia. O jovem Abdal não conseguia desviar
os olhos de sua figura desde que a garota chegou à cidade junto à comitiva.
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Ele nunca vira mulher tão formosa e selvagem ao mesmo tempo, ainda mais
em se tratando de uma criatura civilizada vinda do pequeno reino hiboriano
da Britúnia, localizado mais a nordeste do continente.
Diziam os mais velhos, aliás, que a mistura de diversas raças fazia das
britunianas as mulheres mais exóticas e lindas do continente, com curvas
voluptuosas e rostos aquilinos, olhos levemente puxados lilás ou azulados,
pele morena e cabelos loiros como novelos divinos de seda.
Certamente que Abdal não sabia nada das outras mulheres daquela raça
híbrida, mas tinha certeza que Alexia era exatamente assim, ainda que ela
vergasse uma couraça de malha de anéis de aço de proteção, tendo como
outras características seu ar estoico, gestos imponentes e uma bela espada
cravejada de jóias esmeraldinas no punho.
Sem dúvida nenhuma que Alexia era a figura mais exuberante entre os
guerreiros ali e o rapaz não duvidava que ela venceria quase todos em
combate, desde que de forma honrada e sem subterfúgios. Por um momento,
a beleza e a grandeza de espírito da mulher reteve o olhar do jovem, até que
ele finalmente vislumbrou Amra.
Amra, a exceção da ilharga protegida por panos, estava nu, com ferimentos
que incomodariam a maior parte dos homens civilizados. Seus músculos eram
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Era nítido o quanto sua figura roubou o olhar de todos em Askalon. Ninguém
dizia qualquer palavra, apenas olhava-se com estupefação diante daquela
figura central semidivina, cercada pelos mortais mercenários. Ficava evidente
também que, a exceção de Alexia, os outros guerreiros se mantinham
afastados da carroça do bárbaro, como se tivessem um temor inconsciente
em suas almas.
Foi exatamente esse o sentimento de Abdal quando a comitiva passou por ele,
parado numa esquina, rosto boquiaberto como um espectador do destino de
deuses estrangeiros. Seguindo os caçadores e sua presa pelas ruas de pedra
fosca da cidade, o jovem logo se viu diante do muro da casa que servia de
abrigo para os integrantes da comitiva.
- Que seja - respondeu Marcius - Até lá, o homem chamado Amra estará
sob nossa autoridade.
- Pelo que vejo, ele foi uma caça insossa, visto o baixo número de
sobreviventes. - Indagou Muhalahin novamente, com ar de ironia.
- Não sei o que pretendes Marcius, mas pela manhã dividiremos os espólios
da empreitada de forma igual, como combinado - Dizia a garota, bebendo
o líquido de uma taça de vinho sobre a mesa.
Sentado em uma pequena cadeira atrás da mesa e com os pés sobre a mesma,
Marcius igualmente bebericava do vinho viscoso de uma taça prateada, sendo
ladeado pelos outros dois companheiros, o kushita, Raxorianus, escorado
a parede ao lado da porta e o shemita Harlan, próximo ao fogo da lareira,
num canto, fumando um cachimbo que emanava odor alecrim.
- Sem dúvida que a parte dos mortos não será dividida de forma igual.
Existem custos que não devem e não podem ser preteridos - Sussurrou
Marcius
- Não tenho nada a ver com isso. O combinado foi a divisão igual entre os
sobreviventes e pelo que sei, as cem coroas serão poucas para todos - Alexia
respondeu em tom impositivo, logo após sorver o resto da taça em um único
gole. Ela limpou a boca com a manga do antebraço e terminou dizendo:
- A menos que os valores combinados com o rei sejam outros e você esteja
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- Cuidado, mulher, não pense que o fato de eu ter lhe oferecido minha cama
e uma aliança próspera entre nós dois irá me fazer aceitar palavras insolentes
de tua parte - Respondeu Marcius, de forma arrogante, levantando-se.
- Como já disse ontem nemédio, sua cama e sua aliança não me interessam,
apenas a divisão dos espólios pela captura do bárbaro. Guarde sua raiva para
seus dois cães. Está para nascer homem ou mulher que me levem a temer
a dizer aquilo que penso - Alexia se retirou do quarto, deixando um atônito
líder mercenário indignado. O kushita e o shemita, seus dois companheiros
restantes mal continham sorrisos irônicos nos lábios e até certa admiração
pela coragem e honestidade da guerreira. Marcius, após a saída de Alexia,
tagarelou em tom ameno:
- Amanhã iremos reter parte do butim pelo bárbaro e dividir com essa
cadela apenas um quarto do montante total. Depois, meus caros, uma nova
empreitada nos aguarda.
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II
De certa forma, seu caminho em fuga foi marcado a ferro e sangue, algo
que para o bárbaro era um modo de vida. Primeiramente ele foi cercado
nas cordilheiras arenosas e fragmentadas entre Zamboula e Ebla, quando
o cimério abateu quatro arqueiros que interrompiam seu caminho pelo
Estreito de Hormuz.
Meia tarde depois do primeiro embate, uma nova batalha sangrenta ocorreu
entre Conan e alguns soldados das tropas turanianas, quando parte dos
perseguidores o cercaram entre as margens do rio Prat-Firat, obrigando o
cimério a lutar ferozmente contra sete adversários munidos de cimitarras e
falciones. Na luta encarniçada que se seguiu, o cimério obteve dois ferimentos
superficiais, um no antebraço e outro no tronco, matando seus adversários
a golpes encolerizados e escapando por pouco a cavalo antes da chegada
de reforços.
Seguindo seu caminho pelo ermo, o bárbaro ficou uma noite abrigado em
uma caverna do Planalto Arilano, tratando dos ferimentos pelo corpo. Logo
cedo, antes do primeiro raiar da aurora seguinte, ele meio que virou a partida,
pelo menos por um breve instante, nos paredões arenosos de Uruk-Sah. Foi
a vez dele emboscar seus perseguidores, usando de sua agilidade felina
para saltar sobre seus oponentes logo abaixo, decepando dois turanianos
sem hesitar. Mais tropas vinham em seu encalço e Conan decidiu fugir
novamente, sendo alvejado por uma flecha no ombro esquerdo.
Na referida região, Conan foi emboscado por mais quinze inimigos ainda
antes do cair da noite, abrindo caminho a ferros e matando mais da metade
deles, recebendo mais ferimentos pelo corpo, um no lado esquerdo do tronco,
outros dois nos antebraços, além de um corte transversal nas costas, não tão
profundo como pensara a primeira vista. Isso, claro, sem deixar de rachar
o crânio da maioria de seus perseguidores.
Após essa nova empreitada sangrenta, seguiu-se mais uma fuga desesperada
pelos ermos, algo que durou a noite toda seguinte e varando a madrugada
enevoada do outono do oeste continental, até que o cimério conseguiu
novamente despistar seus perseguidores.
Após se retirar do núcleo urbano a pleno galope, ainda antes do cair da noite,
Conan parou a beira de um dos muitos afluentes do Khorotas, que deságua
no Mar do Oeste, próximo a Península de Zing. Não demorou muito para
o bárbaro perceber que seus perseguidores turanianos se retiraram para o
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Mesmo ferido, seu instinto o avisou das incoerências dos argumentos sem
sentido da garota, mas quando decidiu questioná-la sobre os mesmos, ele
se viu cercado pelos companheiros mercenários dela, fossem eles arqueiros
e lanceiros. Foi um dos raros momentos em que Conan praguejou consigo
mesmo e contra Crom, divindade que ele jamais pedira auxílio, exatamente
pela sabedoria entre os cimérios de que isso seria completamente estúpido
e inútil.
- Quem quer que seja, podes sair de trás destes entulhos. Sei que estás aí.
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- Não, sou apenas um curioso invasor da casa. Vim aqui para ver a garota
e também o que fariam com o prisioneiro.
- Ora, isso pode ser proveitoso para a minha situação. Se me fizeres algo eu
posso te pagar quando me livrar dessa corja que me capturou. O que achas?
- Decida logo. Caso não queiras, pelo menos me alcance aquele jarro de água
em frente - Conan mal escondeu a impaciência com a indecisão de Abdal.
Em silêncio, o jovem refletiu e chegou a conclusão de que esperava a fuga
do bárbaro, apesar de não entender os motivos. Logo, ele se viu levando a
jarra até o cimério, ajudando-o a beber do pouco que continha ali. Por fim,
veio a pergunta.
- Ela vai querer vir? Perguntou o jovem, com ar incrédulo diante da certeza
aparente do cimério.
- Ora, diga que é do interesse dela. Que talvez ela tenha a ganhar mais comigo
do que com homens pouco confiáveis. Vamos ver como ela responde a isso.
Como uma sombra esguia, Abdal se retirou da tenda de Conan sem ser visto
no meio das sombras. Temeroso, o jovem shemita se dirigiu novamente até
a casa central da propriedade, torcendo para encontrar Alexia em algum dos
quartos do primeiro andar. Definitivamente, pensou consigo mesmo, ele
levaria uma bela surra do pai quando, e se, chegasse em casa.
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III
Certamente que Alexia era cobiçada por muitos homens, incluindo príncipes,
nobres e magistrados, mas ela tinha escolhido vencer na vida pela espada e
não por qualquer casamento arranjado, tão comuns entre as jovens de sua
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cultura. Ela jurou, ainda muito cedo, que jamais seria uma mera consorte
ou esposa de algum nobre rechonchudo e inútil de um palacete de fronteira.
IV
A comitiva contava agora com mais pessoas do que no dia anterior, quando
adentrou na cidade com seu prisioneiro imponente. Além dos mercenários
sobreviventes, estavam o Rei Samir, o emissário Mahalahin, além de oito
integrantes da tropa de elite do séquito real.
Além dos viajantes, havia uma carroça com provisões, mais barracas e tendas
para o conforto da comitiva. O responsável por levar o rei de Askalon até o
leste, de modo a que fosse arquitetado o acordo com os senhores de Shusham,
era o capitão Akbar, conhecido por suas táticas precisas, discernimento
singular, habilidade com a espada e retidão nas palavras.
O capitão da guarda, por sua vez, era um homem alto, com feições rústicas,
olhos negros honestos, nariz adunco e barba encaracolada negro-azulada,
vestindo mantos simples amarronzados por cima de uma armadura de couro
batido simples com o brasão da monarquia local, uma lua nova sob nuvens
sombreadas.
Era comentado na corte, aliás, o quanto ele era iniciado nas artes da feitiçaria,
com magias de mimetismo e de controle ou confusão da mente, além da
enorme influência política que exercia junto ao rei Samir, talvez perdendo
apenas para Akbar nesse quesito. Certa vez, um dos primos do rei ousou
questionar a presença do conselheiro junto ao monarca e o fato de que seria
ele quem realmente dirigia os negócios de Estado da cidade.
Conan olhava para Alexia como qualquer homem o fazia, com desejo,
mas ao mesmo tempo ele a olhava nos olhos, sem quaisquer subterfúgios
nas palavras proferidas, vendo nela a valentia e a habilidade guerreira que
tanto a garota tinha lutado para serem reconhecidas. Ele a respeitava como
uma igual na arte da esgrima e isso era, para Alexia, a certeza absoluta
de que valia a pena ajudar tal homem contra seus atuais companheiros.
nosso prisioneiro - Falou Samir, logo que seu cavalo ficou ao lado do
de Conan, igualmente ladeado por Alexia.
- Bem, de minha parte eu trocaria seu respeito por uma faca e uma espada.
A primeira para cortar essas cordas que me prendem e a segunda para cortar
as cabeças de todos os meus captores - Respondeu Conan, com a seriedade
de quem não fazia bravatas aos ventos.
- Há. Muito bom bárbaro. Você é exatamente como dizem ser os homens do
norte da Aquilônia, sejam eles vanires ou aesires - Respondeu o monarca,
de forma espalhafatosa.
- Cimério. Sou do norte, mas não sou nem vanir e nem aesir - Respondeu
Conan, de forma soturna e direta, sem rodeios.
- Não. É só um nome que tenho nessa região mais próxima ao Mar do Oeste
- Respondeu Conan, lacônico - Claro que devias estar mais preocupado
com outras coisas. Como por exemplo, o fato de tropas turanianas estarem
transitando por Shem, com o apoio dos monarcas do leste, fora o fato de
seu mercenário chefe contratado ser um provável aliado dessas tropas.
- Ora, mas que coincidência tal relato, cimério, visto que a comitiva de
Marcius, antes de eu me unir a ela veio de Turan - Aproveitou Alexia para
complementar a fala do cimério, de modo a fomentar desconfianças no
capitão Akbar e no próprio Samir;
- Cale-se bárbaro. Não coloque bobagens na cabeça dos outros para escapar
do cativeiro - Március se adiantou em sobressalto, demonstrando certo
descontrole ante palavras tão perigosas em torno de um possível complô
contra o rei Samir.
- Tenho certeza que suas palavras não passam de invenções, cimério, mesmo
com as divagações da mercenária. Os senhores shemitas têm muito com
o que se preocupar diante dos avanços de Koth ou da Estígia para colocar
lobos turanianos defendendo suas cidades-Estado - Respondeu abruptamente
Samir. - Além do mais, meu emissário pessoal garantiu essa empreitada após
parlamentar com o rei Yin-Allal, de Shusham. Você será uma amostra de
minha generosidade para que possamos estabelecer uma união em benefício
de Shem - Terminou o senhor de Askalon, mais para se auto convencer do
que ao cimério.
- Então, me diga. Como fui ferido por soldados turanianos na vinda para
Askalon? Mais ainda. Como explicas que seu emissário convenceu seu rei
e senhor a ir até a cidade de um adversário da nobreza shemita ao invés de
marcar um encontro em algum lugar neutro, como é de costume em situações
dessa envergadura? E por fim, me explique. De quem foi a ideia estúpida
de uma comitiva real com tão poucos guerreiros?
Logo após tal encontro, Aléxia se dirigiu a tenda do rei. Antes de entrar,
ela não deixou de olhar rapidamente para Conan, como em um pedido de
aprovação para o que deveria ser feito. O plano, finalmente seria colocado em
prática. Em alguns instantes depois, o rei Samir era sumariamente retirado
bruscamente da tenda real, com a guerreira brituniana atrás dele, segurando
uma adaga afiada em seu pescoço.
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- Aliás, acho que um traidor está logo ali, pronto para fugir a galope -
As palavras do cimério criaram uma aura de desespero irracional em
Malahalin, que partiu abruptamente, muito em razão do olhar de suspeitas
de Akbar em sua direção. Alguns guardas shemitas, talvez orientados
previamente pelo capitão, até tentaram impedir o avanço do emissário,
mas o olhar hipnótico do Esguio fez com que os mesmos ficassem em
situação de letargia. De certo mesmo, é que a fuga confirmava uma culpa
que podia ser, quem sabe, facilmente questionada.
- Então você estava solto desde ontem e armou este ardil com Alexia.
E ainda me chama de traidor, cão bárbaro. - Gritou Marcius, espada em
punho e em posição de ataque.
O guerreiro kushita avançou com sua lança negra e Conan desviou seu próprio
corpo, colocando-se habilmente nas costas do homem e usando a própria
lança do atacante em um enforcamento, logo após largar a espada ao chão.
O shemita, por sua vez, parou seu movimento de ataque quando percebeu
que Alexia tinha deixado o rei e se interposto entre ele e Conan, espada em
punho, sorriso nos lábios e uma felicidade latente por trocar golpes com o
mercenário, talvez o mais habilidoso da companhia.
Na luta entre Conan e Raxorianus, a força seria o divisor de águas, tanto para
a vitória de um como para a derrota do outro. O cimério apertava o pescoço
do kushita pelas costas com a lança e esse segurava a mesma de modo a
impedir seu próprio sufocamento. O mais vigoroso entre eles certamente
venceria a disputa, a menos que a lança se rompesse com a brutalidade
inata dos titãs em luta. Raxorianus tentou empurrar o cimério com suas
costas, mas Conan era um colosso imóvel, quase enraizado ao solo arenoso.
Quando menos esperado, Conan deu um passo para trás e jogou o kushita
longe, em direção contrária com a força do impulso dele mesmo. Enquanto
tal movimento acontecia, a lança se partiu ao meio, ficando suas duas partes
quebradas em cada uma das mãos do cimério. O kushita se virou rapidamente,
pegando a espada de Conan ao chão, mas antes que percebesse, o cimério o
golpeou com uma das partes da lança quebrada no olho esquerdo do homem,
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- Uma pena que eu tenha que matá-la, linda Alexia. - Falou o shemita,
aparentemente seguro de si, tal como a maioria dos homens diante das
mulheres.
Logo adiante, três soldados shemitas voltavam de mãos vazias após tentar,
em vão, capturar o arredio comissário, Mahalahin. Ficava evidente que o
nome Esguio não fora escolhido sem motivo. O rei Samir, ao lado do capitão
Akbar, estava protegido pelos seus e eles ainda não acreditavam na cena que
presenciaram. De certa forma, o senhor de Askalon e seu principal oficial
finalmente entenderam que as aventuras e habilidades guerreiras contadas
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- Pelo que entendi, esses mercenários estavam nos levando para uma
armadilha. Não é isso, Amra?
- Exato. Pelo menos foi o que depreendi dos acontecimentos dos últimos
dias. - Respondeu Conan de forma breve e honesta.
- Explique.
- Fui perseguido por vários dias por uma tropa de turanianos do leste de
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- Ainda acho estranho que a mercenária tenha traído seus companheiros sem
saber do plano urdido por seu líder, mesmo que a conversa que tive com ela
antes do ocorrido me levem a crer na veracidade disso tudo - Falou Akbar,
olhando para Alexia, ainda desconfiado.
- Ora, mesmo sem as provas nas mãos do capitão, bastaria juntar os fatos. Os
turanianos me perseguem até o oeste e eu escapo ferido. Logo, descubro que
existe um preço por minha captura em Askalon, sem nem mesmo alguém na
cidade saber que eu estaria pela região. Ao mesmo tempo, a realeza daqui
contrata os tais mercenários para me capturar e alguém tem a ideia estúpida
de armar um encontro com os monarcas shemitas de Shusham, tendo, por
coincidência, a mim aprisionado como prêmio, exatamente o homem que
está sendo perseguido pelos aliados turanianos dos reis do leste - Iniciou o
bárbaro, olhando seriamente para o monarca. Logo, Conan apontou para o
ermo do leste, terminando:
- Era preciso ter esse tal “alguém” junto ao rei de Askalon, para que ele
aceitasse a ideia de união com o leste mediante minha cabeça numa bandeja.
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- Certamente capitão. Entendo isso e acato sua palavra, ainda mais diante
dessas provas em mãos. E faz certo sentido o relato do cimério. Mahalahin
veio com tal ideia de união há algum tempo. Uns dois dias atrás, ele me
disse que poderíamos capturar o bárbaro chamado Amra, visto que, segundo
sua sabedoria arcana, o guerreiro estaria foragido pela região. Ele pode ter
sido avisado pelos turanianos que lhe perseguiram, Amra. - Falou o senhor
de Askalon, como em um breve surto de epifania.
- Faz sentido. Ele levaria o rei Samir e sua comitiva para uma emboscada,
sendo que os senhores do leste teriam como prisioneiros, em um único
movimento, o antigo líder dos zuagires e o rei de Askalon. - Desta vez, foi
Alexia quem completou o raciocínio.
- Eu aposto todas as coroas pagas para Marcius que uma tropa turaniana
está a espreita em um paredão de pedra há uns dois ou três dias de viagem
em direção a leste, um lugar em que eu mesmo utilizei para emboscar meus
perseguidores. Melhor ainda, aposto minha espada que trata-se do restolho
da mesma tropa que sobrou de meus perseguidores e que agora espera
pacientemente para capturar sua presa real, quando a comitiva de poucos
guerreiro e de mercenários traidores passarem pelo vale de pedra. - Foi a vez
de Conan explicar a todos o que certamente era uma verdade inquestionável.
não ganharam reforços, visto que não daria tempo dos mesmos chegarem
ao local da emboscada. - Foi a resposta de Conan.
- Bem, dependendo do papel de Malahalin nessa trama toda, pode ser que
ele avise os turanianos de que o ardil deles foi desmascarado, acabando
com a surpresa de nossa própria artimanha - Foi a resposta de Akbar diante
do plano de enganar os turanianos em sua própria emboscada, como bom
estrategista que era.
- Nesse caso, vamos ter apenas mais trabalho, mas com o mesmo final. -
Sorriu Conan. - Eu conheço bem a região e usei o paredão de pedra onde eles
se encontram agora para embosca-los e enviar alguns deles para o inferno.
Se corrermos e utilizarmos alguns atalhos que conheço, chegaremos lá antes
mesmo do tal emissário. Eles não irão nem saber o que os atingiu - Finalizou
Conan, seguro de si e satisfeito pela empreitada que teriam pela frente.
VI
O estreito seguia do oeste para o leste e tinha mais ou menos uns dois
quilômetros de comprimento, obrigando muitas caravanas comerciais a
fazerem a volta para não serem atacadas pelos ladrões e nômades do deserto
que costumavam se esconder e se abrigar em suas múltiplas cavernas.
como que uma escada natural na pedra crua que terminava exatamente na
maior entrada de caverna ali existente.
Dali de cima, em uma das maiores sacadas em frente a uma grande caverna,
o turaniano Branaric vislumbrava ansioso a longa planície de gramíneas
esverdeadas que se abria a oeste de Shem, para além do paredão de pedra,
um tanto impaciente pela longa espera da comitiva real de Askalon.
Fazia alguns dias que ele e seus comandados tinham desistido da perseguição
ao bárbaro Conan, conhecido no oeste do reino shemita pela alcunha de
Amra. A desistência tinha sido ordenada por um dos muitos espiões do rei
Yin-Allal, estando tal espião atuando há muito tempo nas cidades do oeste,
a mando do senhor de Shusham.
ranaric sabia apenas que crumpriu seu dever em avisar seus superiores
B
sobre a longa perseguição ao bárbaro até Askalon. Ele recebera com certa
insatisfação, no entanto, algumas ordens insossas vindas do leste. Para
deixar imediatamente a cidade e a perseguição ao bárbaro de modo a que
os mercenários do homem conhecido como Marcius terminassem o serviço
que ele e seus bravos soldados tinham exemplarmente iniciado.
Ora, pensava Branaric, por mais de uma vez, ele e seus intrépidos turanianos
emboscaram o ex-líder zuagir no ermo, ferindo-o, ainda que superficialmente,
em muitas dessas ocasiões. Por conta disso, o turaniano não concordava
com as ordens recebidas.
Em sua opinião, suas tropas tinham perdido muitos soldados pelo fio afiado
e sanguinário da espada selvagem de Conan, considerando o plano da
emboscada ali uma tarefa deveras complexa para ter algum êxito, com
muitas variantes possíveis que minavam sua eficácia. Não era do feitio dos
turanianos, segundo sua própria perspectiva, de colocar a arte da guerra
nas mãos de espiões ou pretensos feiticeiros, ainda mais nas de um sujeito
conhecido pela alcunha de “Esguio”.
- Por Ishtar! - Exclamou Muhalahin, após uma difícil subida pela rocha
bruta, ofegante e com muita sede depois de dois dias de intensa correria.
- Bem. Quem se serve de artimanhas como você, está fadado a fracassar nesse
mesmo terreno. De qualquer forma, não há tempo para questionamentos.
Anoitece rápido nessas terras e devemos levantar acampamento e retornar
a Shusham de modo a avisar que nossas presas escaparam.
Branaric, por sua vez, foi até os vigias agachados fora da caverna, em uma
parte superior da sacada em frente, de modo a ordenar que se eles retirassem
de suas respectivas posições. Tarde demais. Os dois homens estavam mortos,
com perfurações de espadas nos torsos ensanguentados.
Diante da temerária figura de Conan com arma em riste, o pavor tomou conta
do espírito de Branaric, mesmo ele acostumado a tantas lutas encarniçadas
de vida e morte em sua longa carreira militar pelo império turaniano. Quanto
mais ele temia a selvageria inata do cimério, mais ele recuava até a sacada
em frente a boca da entrada da caverna.
Quando finalmente percebeu, era ele quem estava defendendo-se dos golpes
poderosos do bárbaro, acuado como uma lebre em frente a um leopardo
assassino. Não havia dúvidas quanto a força do barbarismo latente naqueles
golpes direcionados a seu torso, sumariamente mortais a qualquer instante
da contenda.
- Sua vida acaba aqui, cão turaniano. Pode-se dizer que minha emboscada
será finalizada esta noite.
O golpe foi rápido e Branaric mal percebeu quando a espada reta do cimério
perfurou seu peito desprotegido, um movimento executado com precisão
e bem antes dele mesmo tentar uma manobra de ataque. Em outros dois
movimentos certeiros e rápidos, Conan retirou a espada do corpo do turaniano
e logo trespassou a jugular do homem, que ainda recuou dois passos antes
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de ter sua vida ceifada bruscamente por aquele a quem um dia perseguiu
pelos ermos dos desertos e das planícies de Shem.
- Suas artimanhas acabam aqui, Mahalahin. Espero muito por esse momento
e certamente que amanhã acordarei certo de que cumpri meu dever de
protetor da coroa de Askalon.
- Se afaste, capitão!! Você não pode me ferir! Não pode… Sua mente me
pertence, sua sanidade se perderá no breu do futuro devastador que lhe
revelarei… Se afaste, agora! Tema diante do destino sombrio das civilizações
humanas!
- Aquela hiena me fez ver algo que me abalou intensamente. Não conseguia
mover meu corpo diante daquela imagem de morte de toda uma civilização,
nossa civilização como um todo. Que afortunado tu és por aquele feiticeiro
não fazer o mesmo contigo, cimério.
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- Ora, ele fez. Mas eu sou um bárbaro. Para homens como eu, a barbárie
triunfa sobre a civilização com seu esgar de dor e morte, sendo uma
engrenagem impossível de ser detida depois que as vagas bárbaras iniciam
suas marchas. Tal imagem seria impossível de conceber para um homem
civilizado como tu, capitão, mas para um bárbaro como eu, bem, aquilo foi
apenas a emanação do futuro de todas as raças que perambulam pelo mundo
em sua breve jornada rumo ao final.
VII
- Ora mulher, não podes esperar que eu não tente isso, mas também não irei
implorar ou usar de bobagens civilizadas para te convencer. De qualquer
forma, faço questão de dividirmos algum espólio no leste, onde existe muito
ouro, boa comida e bebida e uma quantidade considerável de bons serviços
para quem souber empunhar uma espada.
- Bem, nesses termos bárbaro, acho que temos um bom acordo. E não vou
mentir que não estou considerando seriamente em dividir contigo uma noite
em algum oásis próximo com um belo luar ao horizonte.
- Certamente que isso seria mais do que adequado. Afinal, temos muitos
dias e muitas noites de viagem até os ermos do leste de Shem e da distante
Hirkânia.
FIM