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Aula 1: Diretrizes legais de combate à violência contra as

mulheres.

Objetivos de aprendizagem

Nesta aula, vamos estudar os mecanismos legais para o


combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Ao final, você terá estudado conteúdos que lhe permitirão:

identificar as normativas existentes no Brasil para enfrentar e


coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher;

refletir sobre as jurisprudências existentes sobre a temática da


violência contra a mulher.
1. NORMATIVAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ADOTADAS NO BRASIL

1 Normativas de combate à violência


doméstica e familiar adotadas no Brasil

O Estado brasileiro dispõe de mecanismos específicos para o combate à violência


doméstica e familiar contra as mulheres, incluindo as disposições normativas
nacionais e internacionais e as instituições e órgãos especializados encarregados
da persecução criminal e das políticas públicas a serem desenvolvidas.

1 NORMATIVAS INTERNACIONAIS

O Brasil é signatário das seguintes normativas internacionais atinentes ao combate


à violência contra a mulher (que abrangem todas as situações de violência de
gênero estudadas neste curso):

• Decreto n. 89.460, de 20/03/1984, que promulgou a Convenção sobre a Eliminação


de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW,1979);
• Decreto n. 1.973, de 01/08/1996, que promulgou a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (BRASIL, 1996);
• Decreto n. 5.017, de 12/03/2004, que promulgou o Protocolo de Palermo
(protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas,
em Especial Mulheres e Crianças);
• Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela
Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948,
que independe de normativa interna para sua vigência.

2 NORMATIVAS NACIONAIS

As normativas internas estão alicerçadas na Constituição Federal do Brasil (CF/88),


que estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito instituído (art. 1º, inciso III, CF/88) e destaca como um
dos objetivos fundamentais da República Federativa a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 1º, inciso IV, CF/88). O artigo 5º, inciso I, enfatiza a igualdade
entre homens e mulheres para fins de direitos e obrigações (art. 5º, inciso I, CF/88).
Já o artigo 226, parágrafo 8º, ressalta o dever do Estado de criar mecanismos para
1. NORMATIVAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ADOTADAS NO BRASIL

coibir a violência no âmbito das relações familiares. Isso resultou na promulgação


da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), além de outras diretrizes legais:

• Lei n. 10.778/2003 (Lei da Notificação Compulsória);


• Lei n. 12.015/2009;
• Lei n. 13.025/2014;
• Lei n. 13.104/2015;
• Lei n. 13.239/2015;
• Lei n. 13.641/2018;
• Resolução n. 1/2014;
• Portaria n. 15/2017-CNJ.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a legislação brasileira.

LEI N. 11.340/2006: MARIA DA PENHA

A Lei n. 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, é o principal instrumento


legal de enfrentamento das situações de violência doméstica praticada contra
mulheres. Essa lei alterou o artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, agravando
a pena para crimes de violência doméstica, tanto para vítimas do sexo masculino
como para vítimas do sexo feminino. A diferença, no caso da violência contra a
mulher, está no alicerce procedimental e processual da ocorrência, em face da
situação específica da violência baseada no gênero (perspectiva de gênero) contra
as mulheres.

LEI N. 12.845/2013: ATENDIMENTO OBRIGATÓRIO

A Lei n. 12.845/2013 determina o atendimento obrigatório às vítimas de


violência sexual, em caráter emergencial, integral e multidisciplinar, bem como
o encaminhamento aos serviços de assistência social, quando for o caso, com o
objetivo de controlar e tratar os agravos físicos e psíquicos decorrentes desse tipo
de violência.
1. NORMATIVAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ADOTADAS NO BRASIL

LEI N. 13.239/2015: CIRURGIA REPARADORA PELO SUS

Nessa diretriz de atendimento integral, a Lei n. 13.239/2015 dispõe sobre a oferta


e a realização, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), de cirurgia plástica
reparadora de sequelas e lesões causadas por atos de violência contra a mulher.

LEI N. 10.778/2003: NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA

A Lei n. 10.778/2003 (Lei da Notificação Compulsória) determina que todos os


atendimentos a mulheres vítimas de violência realizados em serviços de saúde em
território nacional (públicos ou privados) devem ser obrigatoriamente notificados
pelos profissionais de saúde às autoridades sanitárias, para os devidos fins de
controle das ocorrências de violência baseada no gênero.

LEI N. 12.015/2009: DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

A Lei n. 12.015/2009 trouxe alterações ao Código Penal brasileiro no que se refere


aos crimes sexuais. O Título VI, antes conhecido como “Dos Crimes contra os
Costumes” (designação que poderia levar à conclusão de que um possível costume
em algumas sociedades justificaria a legitimidade do estupro, por exemplo) passou
a ser denominado como “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”. A nova redação do
artigo 213, que trata dos crimes de estupro, e a inclusão do estupro de vulnerável
são algumas das outras mudanças trazidas por essa lei ao Código Penal.

LEI N. 13.025/2014: CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER

A Lei n. 13.025/2014 autoriza o Poder Executivo a disponibilizar, em âmbito nacional,


por meio da Central de Atendimento à Mulher, número telefônico destinado às
denúncias de violência contra a mulher.

LEI N. 13.104/2015: FEMINICÍDIO COMO CRIME HEDIONDO

A Lei n. 13.104/2015 alterou:

• o artigo 121 do Código Penal, estabelecendo o feminicídio como circunstância


que qualifica o crime de homicídio; e

• o artigo 1º da Lei n. 8.072/1990, incluindo o feminicídio no rol dos crimes


hediondos.
1. NORMATIVAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ADOTADAS NO BRASIL

LEI N. 13.641, DE 3 DE ABRIL DE 2018.

Altera a Lei Maria da Penha e tipifica o crime de descumprimento de medidas


protetivas de urgência.

Seção IV - Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência


Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência 

Art. 24-A.  Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.


§ 1º  A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz
que deferiu as medidas.
§ 2º    Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá
conceder fiança.
§ 3º  O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”

Para ler o documento na íntegra, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


ato2015-2018/2018/lei/L13641.htm

LEI N. 13.721. DE 2 DE OUTUBRO DE 2018.

Altera o Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para


estabelecer que será dada prioridade à realização do exame de corpo de delito quando
se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher ou violência
contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.

Para conhecer a lei na íntegra, acesse: http://portal.imprensanacional.gov.br/materia/-/


asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43716638/do1-2018-10-03-lei-n-13-721-de-2-
de-outubro-de-2018-43716571

RESOLUÇÃO N. 1/2014: COMISSÃO DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Como congruência das políticas públicas que surgiram para a devida funcionalidade
da Lei n. 11.340/2006, bem como das demais normativas citadas, foi publicada
a Resolução n. 1, de 16/01/2014, que tornou possível a criação da Comissão
Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher do Congresso Nacional.
1. NORMATIVAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ADOTADAS NO BRASIL

PORTARIA N. 15, DE 8 DE MARÇO DE 2017, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

Institui a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contras as


mulheres no Poder Judiciário.

Para ler o documento na íntegra, acesse: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/


arquivo/2017/03/48676a321d03656e5e3a4f0aa3519e62.pdf.

Esse arcabouço sistêmico enfatiza uma diretriz peculiar do Estado brasileiro às


instituições, órgãos, estados federados, Distrito Federal e municípios, bem como
Poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), para a devida tutela
dos direitos e garantias das mulheres em situação de violência de gênero, com
destaque, pois, para as situações de violência doméstica e familiar, em razão das
estatísticas que asseveram a amplitude de sua ocorrência, como podemos observar
no infográfico abaixo:

5 espancamentos a cada 2 minutos.


Fundação Perseu Abramo/2010

1 estupro a cada 11 minutos.


9o Anuário de Segurança Pública/2015

1 feminicídio a cada 90 minutos.


Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil (Ipea/2013)

179 relatos de agressão por dia.


Balanço Ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher/jan-jun/2015

13 homicídios femininos por dia em 2013.


Mapa da Violência 2015/Flasco

Dados compilados no Dossiê Violência contra as Mulheres:


http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/179
2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

2 Política Nacional de Enfrentamento à


Violência contra as Mulheres

Há, ainda, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que


realça a necessidade de diretrizes permanentes, em conformidade com as normas
e os instrumentos dirimentes, tanto internacionais como nacionais, alicerçados na
perspectiva dos direitos humanos, para:

1. Prevenção da violência contra as mulheres (ações educativas e culturais);

2. Enfretamento e combate à violência (apoio às ações punitivas e de


cumprimento das determinações legais, com a capacitação de agentes
públicos);

3. Assistência às mulheres em situação de violência (redes de atendimento);

4. Acesso e garantia do exercício dos direitos (monitoramento do cumprimento


da legislação nacional e internacional, com apoio de políticas públicas eficazes).

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher recebeu reforço


também com as normativas nacionais para combate ao feminicídio. Estão
catalogadas as seguintes metodologias para as ocorrências:

1. Valorar toda ação violenta como ilícito em si mesma, sem que se requeira
reiteração da conduta para que esta seja considerada penalmente reprovável,
e catalogar o descumprimento de medida protetiva de urgência ou cautelar,
para os devidos fins de possível decreto preventivo (art. 313, III, do CPP),
bem como as interdições temporárias na sentença, nos termos legalmente
permitidos (art. 387, V, do CPP);

2. Assegurar a observância das Regras de Brasília sobre acesso à Justiça das


Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, com a inclusão da possibilidade da
produção antecipada da prova, de modo a evitar possíveis pressões externas
para mudança de depoimento, além de outras vulnerabilidades decorrentes
(mudança de domicílio, transferência da sede de trabalho, etc.), que podem
alicerçar a necessidade da cautela;
2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

3. Incorporar a responsabilização civil pelos danos (inclusive estéticos) causados


pelo crime, de maneira que ambas as responsabilizações se exercitem
conjuntamente (art. 387, IV, do CPP), com a viabilidade da concentração de atos
que evitem novas demandas e exposições (ainda há a competência híbrida –
cível e criminal – nos casos de violência doméstica e familiar, conforme arts. 13
e 14 da Lei n. 11.340/2006);

4. Promover a cooperação bilateral e multilateral para reprimir e prevenir


os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher e adotar todas
as medidas internas e internacionais necessárias para esse fim, inclusive de
mútuo auxílio para os efeitos da identificação, detenção e julgamento dos(as)
supostos(as) autores(as) de tais crimes;

6. Elaborar diretrizes, circulares ou instruções internas de uniformização de


procedimentos para a agilidade dos atendimentos nos casos de violência
de gênero contra as mulheres, em razão das peculiaridades desses casos
(naturalização de condutas, normalização e banalização das ocorrências), bem
como efetivar programas de sensibilização e formação inicial e continuada em
questões relativas à investigação com perspectiva de gênero e atenção integral
à mulher em situação de violência doméstica familiar.

Outra medida importante será o sistema de registro de informações qualitativas e


quantitativas, em categorias de ocorrência, com suporte tecnológico que permita
armazenar e fornecer dados confiáveis às instituições públicas e à sociedade.
Tais informações servirão como subsídio para a tomada de decisões, bem como
para a elaboração e execução de políticas públicas gerais e setoriais adequadas e
oportunas.

Os registros devem ser avaliados quanto a critérios de transparência


e acesso, bem como contar com sistemas de proteção que garantam a
regularidade dos dados colhidos.

O sistema de registro público incluirá, entre outras informações:

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA VÍTIMA

Nome próprio e familiar da mulher em situação de violência doméstica e familiar;


2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

número do documento de identidade ou do passaporte; data e local de nascimento;


nacionalidade; sexo; estado civil; dados do local de residência ou de sua localização;
ocupação; dados que indiquem se a vítima é pertencente à comunidade indígena
ou à minoria, se é migrante ou deslocada interna, se possui filho(s); circunstâncias
de saúde, como incapacidade física ou psíquica; situações sociais, econômicas
ou culturais que dificultem o acesso integral à justiça ou que possam aumentar
a dependência da vítima em relação à pessoa autora da agressão, bem como os
riscos decorrentes dessa dependência.

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO AGRESSOR

Registra-se o máximo de dados possíveis para identificação da pessoa apontada


como agressora: nome próprio e familiar; alcunha; número do documento de
identidade ou do passaporte; nacionalidade; estado civil; sexo; data e local de
nascimento; nome próprio e familiar da genitora; dados do local de residência ou
de sua localização; ocupação; dados que indiquem se é pertencente à comunidade
indígena ou à minoria, se é migrante ou deslocado(a) interno(a), se possui filho(s);
circunstâncias de saúde, sociais, econômicas ou culturais que possam influenciar
ou aumentar o risco de reiteração da ofensa.

DADOS DA VIOLÊNCIA OCORRIDA

O registro deverá conter o exato histórico dos registros dos atos de violência do-
méstica e familiar contra a mulher, ou avisos de violência (dando-se seguimento
aos referidos processos), de modo que se identifique o caminho necessário para
análise dos riscos e das possíveis situações de exposição da vítima.

Saiba mais!
A avaliação dos riscos deverá ser procedida por agentes com expertise na
temática da violência de gênero e das intercorrências da violência doméstica e
familiar, como os serviços de apoio psicossocial e de saúde coletiva.

Exemplos: Instituto Médico Legal, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou


Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Centro Especializado
de Atendimento à Mulher (CEAM), bem como faculdades e outros organismos públicos
ou privados que possuam núcleos voltados para esse fim.
2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Na investigação desses crimes de violência de gênero contra as mulheres e


especificamente nos crimes de violência doméstica e familiar (em razão da sua maior
ocorrência), é fundamental que haja especialização no atendimento e na atuação
das instituições e órgãos de persecução criminal nessa perspectiva de análise (a
perspectiva de gênero), para fins de conscientização e mudança de paradigma para
as novas gerações.

Saiba mais!

É importante direcionar a investigação para as características da pessoa que


cometeu o crime. Isso permite apreender elementos que caracterizam as ra-
zões de gênero, tais como menosprezo pelas mulheres e discriminação dos
atributos próprios do feminino. Nesse sentido, temos o Modelo de Protocolo
Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Ra-
zões de Gênero (Femicídio/Feminicídio):

“Esta ideia é retomada sob o conceito de ‘crimes de ódio’ ou o fato de que se tra-
te de um ‘crime moral’, ou seja, que é geralmente realizado sem obter nenhuma
recompensa material em troca, diferentemente do que acontece nos crimes ins-
trumentais, como nos roubos ou no narcotráfico. Nos crimes morais, o agressor
se sente recompensado por uma espécie de vitória, que supõe impor sua posição
acima da vida da mulher assassinada. A maior ou menor ira, raiva e violência
que utiliza na conduta criminosa são uma consequência dessas ideias que ele foi
desenvolvendo no cometimento do crime, mais do que o produto de uma reação
emocional, como se tentou tradicionalmente justificar mediante a ideia de ‘crime
passional’. Apesar da carga emocional presente em muitos dos feminicídios, o
agressor demonstra controle na forma em que leva a cabo o crime e nos atos
posteriores ao mesmo.”
(ONU Mulheres, 2014).

Agora vamos refletir sobre as razões de desigualdade de gênero relacionadas às


mortes violentas de mulheres. Dar visibilidade a esses parâmetros é imprescindível
para que se conquiste uma sociedade mais equânime (superação das realidades
2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

sociais de exclusão, subjugação e apropriação), fortalecendo todos os setores e


unidades nesse instrumental de conhecimento, através de meios tanto humanos
(capacitação, atualização e palestras) como materiais e técnicos (estruturais).

Razões de desigualdade de gênero relacionadas às mortes violentas das mulheres

Sentimento de posse sobre a mulher


1

2 Controle sobre o corpo, desejo, autonomia da mulher

3 Limitação da emancipação profissional, econômica, social ou


intelectual da mulher

4 Tratamento da mulher como objeto sexual

5 Manifestação de desprezo pela mulher e pelo feminino

Nesse sentido, a atuação de todos, principalmente nos setores de atendimento


emergencial, deve estar pautada no respeito aos direitos humanos, na perspectiva
de que essas mulheres, em situação de violência de gênero, devem ser consideradas
em sua integralidade, como sujeitos de direito e, portanto, merecedoras de atenção,
acolhimento e efetivo preparo para a situação específica dessas ocorrências
(ambiente cultural que minimiza, desconsidera, desqualifica e, por vezes, faz a
vítima desistir de seus mais básicos direitos).

Portanto, a formação de todos os setores públicos deverá considerar uma


perspectiva interdisciplinar que permita a abordagem irrestrita da ocorrência,
inclusive nos casos de violência doméstica e familiar.
2. POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Dever de prevenção
do Estado brasileiro

Eliminação de leis e
Marco jurídico interno Desenvolvimento
práticas baseadas em
e políticas públicas de medidas de
estereótipos de gênero
para fortalecimento do investigação, sanção
(discriminação e
sistema de justiça e reparação
violência)

Saiba mais!
Outros destaques dessas diretrizes nacionais, com ênfase na situação do Fe-
minicídio, podem ser consultados na Secretaria de Políticas para Mulheres,
do Governo Federal.

Sobre esses dados, ver:


<http://www.spm.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/2016/livro-dire-
trizes-nacionais-femenicidios-versao-web.pdf>. Acesso em 15 de junho de
2017.
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

3 O que dizem as jurisprudências

Vamos analisar, agora, algumas das interpretações feitas pelos tribunais superiores
a respeito dos casos de violência contra a mulher.

1. ADC 19 - Constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha

No julgamento da ADC 19, a votação foi unânime para declarar a constitucionalidade


dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006. A ação foi ajuizada pela Presidência
da República com o objetivo de pacificar entendimento sobre a aplicação da lei e,
assim, permitir decisões uniformes em todas as instâncias do Judiciário.

O Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que destacou


na ocasião que a lei “retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades
ocorridas na privacidade do lar e representou um movimento legislativo claro no
sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, proteção
e justiça”. Vejamos o ponto de vista de outros ministros:

Ministro Ricardo Lewandowsky

O ministro Ricardo Lewandowsky lembrou que quando o artigo 41 da Lei Maria da


Penha retirou os crimes de violência doméstica do rol dos crimes menos ofensivos
e, portanto, da alçada dos Juizados Especiais, colocou-se em prática “uma política
criminal com tratamento mais severo, consentâneo com sua gravidade”.

Ministra Rosa Weber

A ministra Rosa Weber disse que a Lei Maria da Penha “inaugurou uma nova fase
de ações afirmativas em favor da mulher na sociedade brasileira”.
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

Ministro Luiz Fux

No mesmo sentido, o ministro Luiz Fux disse que a lei está em consonância com
a proteção que cabe ao Estado dar a cada membro da família, nos termos do
parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal.

Ministro Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes observou que o próprio princípio da igualdade contém


uma proibição de discriminar e impõe ao legislador a proteção da pessoa mais frá-
gil. Segundo ele, “não há inconstitucionalidade em legislação que dá proteção ao
menor, ao adolescente, ao idoso e à mulher”.

Ministro Celso de Mello

O ministro Celso de Mello, decano da Corte, lembrou que a Comissão Interameri-


cana de Direitos Humanos teve uma importante participação no surgimento da Lei
Maria da Penha.

2. ADI 4424 – Art. 16 da Lei Maria da Penha – Audiência de Ratificação

O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à


representação da ofendida”, mas para a maioria dos ministros do STF essa
circunstância acabava por esvaziar a proteção constitucional assegurada às
mulheres. Com a decisão, o Plenário entendeu que nos crimes de lesão corporal
praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, o
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

Ministério Público tem legitimidade para deflagrar ação penal contra o agressor
sem necessidade de representação da vítima. Também na ocasião, os ministros
entenderam que não se aplica a Lei 9.099/1995, dos Juizados Especiais, aos crimes
abrangidos pela Lei Maria da Penha.

A partir do julgamento da ADC 19 e da ADI 4424, o STF fixou entendimento com


caráter vinculante que passou a guiar a atuação de todo o Judiciário brasileiro
quanto ao tratamento que deve ser dado aos processos relacionados à violência
doméstica contra a mulher. Confira as posições dos ministros Dias Tóffoli e Cármen
Lúcia.

Ministro Dias Tóffoli

Para o ministro Dias Toffoli, “o Estado é partícipe da promoção da dignidade da


pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções”. Ele fundamentou
seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, relativo à proteção
da família.

Ministra Cármen Lúcia

Já na avaliação da ministra Cármen Lúcia, é preciso mudar conceitos sociais equi-


vocados em relação ao direito das mulheres, como o presente na máxima “em bri-
ga de marido e mulher, não se mete a colher”. Para a ministra, é dever do Estado
adentrar o recinto das “quatro paredes” quando houver violência.
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

3. Reclamação (RCL) 20367, 19525 e 18391

Em novembro de 2015, a ministra Cármen Lúcia julgou procedente a Reclamação


(RCL) 20367 e cassou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que
havia extinto a punibilidade de um condenado pela prática da contravenção de
vias de fato contra mulher em ambiente doméstico, por falta de representação
da vítima. A relatora determinou a realização de um novo julgamento segundo os
critérios definidos pelo STF na ADI 4424. Vejamos outras decisões semelhantes.

RCL 19525 – Ministro Marco Aurélio

O ministro Marco Aurélio cassou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do


Sul (TJ-RS) que, em razão do desinteresse da vítima no prosseguimento da ação
penal, manteve a absolvição de um homem acusado de agredir a companheira. A
decisão do ministro foi tomada na Reclamação (RCL) 19525.

RCL 18391 – Ministro Luiz Fux

Já o ministro Luiz Fux cassou decisão do juízo da Vara Criminal da Comarca de Limeira
(SP) que havia extinto a punibilidade do acusado de ter agredido a própria mãe,
em razão de renúncia à representação por parte da vítima. Ao julgar procedente a
Reclamação (RCL) 18391, o relator garantiu ao Ministério Público do Estado de São
Paulo o direito de prosseguir com a ação penal contra o suposto agressor. Segundo
Fux, “há perfeita aderência entre o ato reclamado e os acórdãos paradigmas, posto
que o Plenário do STF conferiu expressamente, com efeito erga omnes e vinculante,
interpretação conforme a Constituição à Lei Maria da Penha”.
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

4. Habeas Corpus (HC) 130124 e 129446

Há casos também em que ministros do STF impediram a flexibilização da Lei Maria


da Penha. Um exemplo é a decisão do ministro Teori Zavascki, que, ao rejeitar
Habeas Corpus (HC 130124) impetrado em favor de um condenado pela prática do
crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico, afastou a aplicação do
princípio da bagatela. Na decisão, o ministro ressaltou que, “nos delitos penais que
são cometidos em situação de violência doméstica, não é admissível a aplicação do
princípio da bagatela imprópria, tudo sob o pretexto de que a integridade física da
mulher (bem jurídico) não pode ser tida como insignificante para a tutela do Direito
Penal”. Confira outro exemplo.

HC 129446 – Ministro Teori Zavascki

Outro exemplo é a decisão unânime da Segunda Turma ao indeferir o HC 129446,


também de relatoria do ministro Teori Zavascki, no qual se pedia a substituição
da pena privativa de liberdade por sanção restritiva de direitos a um condenado à
pena de três meses de detenção, em regime aberto, pelo crime de lesão corporal
praticado em ambiente doméstico contra a esposa. O relator afastou a argumento
de que o artigo 17 da Lei Maria da Penha autorizaria a substituição da pena. “Não
parece crível imaginar que a lei, que veio justamente tutelar com maior rigor a
integridade física das mulheres, teria autorizado a substituição da pena corporal,
mitigando a regra do artigo 44 do Código Penal, que a proíbe”, ressaltou.

5. Informativo 625 do STJ

Não caracteriza “bis in idem” o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe


e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de
violência doméstica e familiar.

HC 433.898-RS - Ministro Nefi Cordeiro


3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info
625). Para o STJ, o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva ( incide sem-
pre que houver crime envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo/
discriminação à condição de mulher). Já o motivo torpe possui natureza subjetiva,
de modo que necessário conhecer os motivos que levaram o acusado a cometer o
delito.

6. Súmulas do STJ

Agora, confira as súmulas do STJ a respeito de casos de violência doméstica contra


a mulher.

1 Súmula 536

“A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipó-


tese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.”

2 Súmula 542

“A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica


contra a mulher é pública incondicionada.”

3 Súmula 588

“A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave


ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição de pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos.”

4 Súmula 589

“É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais


praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”.

5 Súmula 600

“Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n.


11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima.”
3. O QUE DIZEM AS JURISPRUDÊNCIAS

Saiba mais!
Decisão de mérito dos RESP 1643051 e RESP 1675874 representativos do
Tema 983 do STJ. Confira a descrição e a tese firmada:

Descrição: Reparação de natureza cível por ocasião da prolação da sentença


condenatória nos casos de violência cometida contra mulher praticados no
âmbito doméstico e familiar (dano moral).
 
Tese firmada: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito
doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a
título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da
parte ofendida, ainda que não especificada a quantia e independentemente
de instrução probatória.

Para finalizar, vamos refletir sobre alguns casos judiciais recentes e emblemáticos
na evidência de circunstâncias judiciais que reforçam a ocorrência da violência
de gênero contra as mulheres e que demonstram, por vezes, a apropriação,
desconsideração e desqualificação das vítimas.

Acesse o tópico “Materiais para impressão” na página do curso para fazer a leitura
dos textos indicados abaixo:

• Caso 1: “Beijo roubado?”


• Caso 2: “Desgraça humana?”
• Caso 3: “De quem é a culpa?”
• Caso 4: “Relação sexual do avô com a neta... Prova segura?”
3. REALIDADES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES AO LONGO DA HISTÓRIA

Revisão
Vamos revisar o que estudamos até o momento?

Nesta aula, você estudou que o estado brasileiro dispõe de mecanismos


específicos para o combate à violência doméstica e familiar contra as
mulheres e também algumas interpretações no âmbito dos tribunais
superiors a respeito dos casos de violência contra a mulher.
Viu que é dever do estado brasileiro acautelar o ambiente social
e assegurar a plena realização de uma ordem humanitária, seja em
compartilhamento social e dever plural, seja na própria visão indisponível
do princípio mor da dignidade da pessoa humana.
Pode perceber, ainda, a necessidade de um olhar diferenciado para
as ocorrências de violência contra as mulheres, na perspectiva de gênero, e
que as diretrizes nacionais podem ser parâmetros procedimentais e hábeis
para se garantir que as vítimas não sejam apenadas ainda mais por uma
sociedade que alimenta a cultura de “desvalor” do feminino (injustiças
sociais projetadas).

Até a próxima aula!

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