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BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 22, Número 70, Julho/2018

EDITORIAL O ENTALHADOR LUIZ PINHEIRO: UM ILUSTRE


DESCONHECIDO DA ARTE ESCULTÓRICA
Temos o prazer de apresentar, NO BARROCO MINEIRO
neste número 70 do nosso Boletim Adriano Ramos*
do Ceib, artigo de Adriano Ramos,
restaurador e pesquisador da arte
mineira do período colonial. Ele
tr az o r esu t ado de es t ud o s
documentais e comparativos sobre
um artífice muito pouco conhecido,
Luiz Pinheiro. Recebemos artigos
para publicações de pesquisadores
e estudiosos, associados ou não.
Os sócios do Ceib têm prioridade,
porém, raros artigos de associados
tê m s ido s u bm eti do s pa r a
publicação.

Neste número, consta também o


EDITAl para as eleições da diretoria
do Ce nt r o de Est ud os da
Imaginária brasileira do próximo
biênio 2018/2020. Os interessados
em participar devem organizar
s ua s ch a pa s , com po s t as p o r :
presidente, vice-presidente, 1o e
2 o secretário (a),1 o e 2o tesoureiro
(a) e nos enviar até o dia 26 de
s e tem br o . É u m t ra ba l ho
gratificante, pelos resultados
alcançados nesses 21 anos desde
sua criação em 29 de outubro de
1996, mas devemos esclarecer que Figura 1: Retábulo-mor da igreja de São Francisco de Assis, Mariana-MG.
é inteiramente voluntário. Foto: Arquivo da Prefeitura Municipal de Mariana.
Es t e núm ero es t á sen do
disponibilizado, inicialmente, em Resumo Palavras-Chave: Retábulos. Escultura
edição eletrônica, mas estaremos O presente artigo procura traçar a sacra. Mestre Piranga. Luiz Pinheiro.
enviando, brevemente, este e o trajetória do entalhador Luiz Pinheiro
nú m er o a nt e rio r, e m e di ç ão no cenário das artes plásticas Introdução
i m pre ss a , pa r a t od os os produzidas nos séculos XVIII e XIX na A quantidade de documentos
associados, pesquisadores que capitania das Minas do Ouro. Os dois arquivísticos existente nas instituições
foram conferencistas convidados retábulos documentados de sua da área de domínio do patrimônio
em nossos congressos e muitas autoria são analisados em seus histórico, artístico e cultural do Estado
instituições ligadas á preservação detalhes escultóricos e comparados de Minas Gerais, que cobre o período
a outras produções do período que compreendido entre os séculos XVIII e
de pat rimônio no Brasil e no
têm alguma similaridade entre si. No XIX, é extremamente significativa. Seu
exterior.
decorrer do estudo sobre o artista, valor é imensurável diante da riqueza
A diretoria do Ceib, solicita aos além de adentrarmos o campo das das informações que, pela sua
s ó cio s q ue a t u ali zem s e us imagens presumivelmente saídas do diversidade, possibilitaram a vários
en der eço s , res ide nci a is e seu cinzel, é aventada a possibilidade pesquisadores reconstruir com segurança
de associação entre Luiz Pinheiro e o histórico profissional de determinados
eletrõnicos, junto à secretaria
outros oficiais do Vale do Piranga, artistas sobre os quais praticamente
(ceibimaginaria@gmail.com aos
região ao sul das cidades de Mariana nada se sabia. No entanto, deparamo-
cu i da dos de A ge s il a u Nei v a
e Ouro Preto, onde existiu uma oficina nos com lacunas incompreensíveis em
A lm a d a ), pa ra q ue nã o ha ja de esculturas sacras, cujas obras ali outras situações que envolvem alguns
devolução de material impresso e produzidas são atribuídas por desses artífices, mesmo os de alta
correspondências enviadas. estudiosos ao “Mestre Piranga”. relevância e cuja atuação é amplamente
2 Belo Horizonte, Volume 22, Número 70, Julho/2018 BOLETIM DO CEIB

O artífice Luiz Pinheiro


Desconhecem-se, sobre esse
importante entalhador do período
áureo da arte exercida na segunda
metade do século XVIII, a sua
nacionalidade— se portuguesa ou
brasileira—, as datas do seu
nascimento e falecimento, bem como
o seu paradeiro em diversos períodos
daquela centúria. São reconhecidos
como de sua autoria apenas dois
trabalhos que, aliás, destacam-se no
universo das artes plásticas na então
capitania das Minas Gerais: os
retábulos principais das igrejas de São
Francisco de Assis nas cidades de
Mariana e de São João del-Rei. A
incógnita sobre sua pessoa é tamanha
que não se sabe ao certo se o mestre
carpinteiro João Luiz Pinheiro e João
Luiz Pinheiro Lobo e o entalhador Luiz
Pinheiro sejam de fato a mesma
pessoa.

O primeiro aparece como carpinteiro


na igreja do Carmo de Ouro Preto nos
anos 1797-1799 requerendo, à Câmara
de Vila Rica em 1798, carta de ofício
para o exercício, naquele ano, de
mestre carpinteiro, de acordo com
documentação exist ent e no Arquivo
Público Mineiro1.
Figura 2: Retábulo-mor da igreja de São Francisco de Assis,
São João del-Rei-MG. Foto: J. Ramalho. O segundo, João Luiz Pinheiro Lobo,
entre os anos de 1796 e 1798, tem seu
documentada em importantes especializados feitas por figuras de nome citado nos autos de um processo
momentos no cenário artístico da renome, que ajustavam os contratos para recebimento de pagamentos
época, mas, que a certa altura, têm a com as ordens terceiras e os referentes a consertos realizados nas
sua trajetória interrompida sem deixar repassavam àqueles profissionais. casas confiscadas do inconfidente
rastros. Talvez isso demonstre duas Pintores, entalhadores e escultores já Cláudio Manoel da Costa, em Vila Rica,
situações: a primeira é que ainda há estabelecidos no cenário artístico do conforme documentos existentes na
muitos documentos a serem revistos período tinham, em suas equipes, Coleção Casa dos Contos de Ouro
ou mesmo localizados nos diversos oficiais e aprendizes que absorviam e Preto2 e também no livro Receita e
arquivos eclesiásticos e civis do estado executavam as obras em acordo com despesa dos rendimentos gerais3.
de Minas Gerais. A outra, muito as características estilísticas e
difundida, aliás, nos meios morfológicas do Mestre. Esse Sobre Luiz Pinheiro, que aparece no
especializados, tem como indicador o procedimento, na verdade, era usual Dicionário de Artistas e Artífices dos
fato de o Brasil nunca ter dado a devida nos ateliês europeus desde a Idade séculos XVIII e XIX em Minas Gerais
importância a registros documentais, Média e foi fartamente empregado como entalhador (1974, p. 130), sabe-
especialmente se comparado a países pelos artistas da colônia e da se que, em 1776 e 1777, foi
do continente europeu, o que nos metrópole que aqui se instalaram, e responsável pela execução do retábulo-
trouxe a essa condição. acabava por ocultar nomes de outros mor da igreja de São Francisco de Assis,
importantes profissionais envolvidos na cidade de Mariana, conforme
Por outro lado, há que se considerar, nas empreitadas. Nesse contexto, anotações no livro acima mencionado:
como obstáculo nessa identificação dos entalhadores do nível de Felipe Vieira, “1776/77 – recebeu 35/8ªs e ½ e 6 vs.
artistas, uma caraterística especial da João Antunes de Carvalho, Jerônimo a conta do retábulo da igreja e mais
produção artística no período citado, Félix Teixeira, Antônio Martins, entre 6/8ªs por conta do que se lhe deve dos
a saber, as associações e parcerias tantos outros artífices atuantes na Serafins (Lº de “Receita e Despesa” da
entre mestres de ofícios e artífices construção das artes no período colonial Ordem 3ª, fls. 34). 1777/78 – recebeu
envolvidos no processo de criação das mineiro, têm apenas alguns dos seus em várias parcelas, 280/8ªs. e ½ da
obras que decoravam os templos trabalhos documentados e depois, fatura do retábulo (Lº cit. Fls.35).”
religiosos na Capitania das Minas do inexplicavelmente, desapareceram nas Esse retábulo tem desenho similar ao
Ouro. Há diversos documentos que Alterosas sem deixar vestígios. Mas, da igreja da Venerável Ordem Terceira
comprovam essa prática, bem como a sem dúvida, o caso mais intrigante é o de Nossa Senhora do Carmo, na cidade
das subcontratações de trabalhadores de Luiz Pinheiro. de Ouro Preto, executado em 1813 por
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censo de 1782. Em 1781, Luiz Pinheiro
foi denominado único mestre da obra
do retábulo da capela-mor da igreja de
São Francisco de Assis de São João del-
Rei5. Trata-se, como mencionado, de
importante obra no cenário das artes
na capitania daquele período, cujo
risco, de autoria do Aleijadinho, tem
bastante semelhança com o retábulo de
São Francisco de Assis, em Ouro Preto,
também desenhado e executado pelo
Aleijadinho entre os anos de 1784
(risco) e 1790/1794 (execução).

É exatamente a partir do estudo das


figuras que compõem esse retábulo de
São João del-Rei que se torna possível
o exercício de análise comparativa com
outras imagens nesse mesmo templo
ou em outros monumentos onde Luiz
Pinheiro efetiva ou supostamente tenha
atuado. Inicialmente, o conjunto
escultórico da Santíssima Trindade
Figura 3: Conjunto escultórico do retábulo-mor da igreja de
São Francisco de Assis, São João del-Rei-MG. Foto: Cláudio Lopes. oferece um variado repertório de
figuras que, no caso específico do
características compositivas tendem Cristo e do Pai Eterno, apresentam
Vicente Alves da Costa. Em ambos os
mais para o gosto popular do que corpos esbeltos, com distribuição
casos, o modelo adotado tem como
propriamente erudito como os de compatível entre cabeça, tronco,
referência um risco de época e que se
Mariana e de Ouro Preto. membros, e tratamento bastante
encontra em poder de colecionador
delicado dispensado às suas
particular do Rio de Janeiro e cuja
fisionomias. Essas características são
fotografia acha-se disponível nos Ainda em 1777, ano da atuação de
facilmente detectáveis nas figuras dos
arquivos do Instituto do Patrimônio Luiz Pinheiro na igreja de São
Francisco de Assis, em Mariana, ele santos franciscanos em ambas as
Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
recebe da Irmandade de Nossa igrejas da irmandade, ou seja, as de
Senhora das Mercês e Perdões, de Vila Mariana e de São João del-Rei.
A historiadora Myriam Andrade Ribeiro
Rica, pagamento por duas portas Confeccionadas relativamente com as
de Oliveira (2003, p. 257), referindo-se
mesmas dimensões, as aludidas
à tipologia da talha no período rococó grandes, como consta no livro de
imagens, denominadas de roca (ou de
em Minas, após discorrer sobre os re cei ta e d es p es a da que la
associação. Interessante observar vestir), propiciam ao pesquisador um
retábulos com coroamento em arbaleta,
que, em 1775, há informação sobre grande leque de informações
muito utilizados por Francisco Vieira
A n tô n i o F ra nci sc o L i s b o a, o detalhadas sobre a resolução anatômica
Servas, e antes de assinalar os
Aleijadinho, recebendo honorários com suas variadas particularidades. As
projetados e executados por Aleijadinho,
imagens de São Francisco de Assis e
distinguíveis pela presença no para término de um risco da capela-
coroamento de um grupo de imagens mor do mesmo templo e, nos três São Francisco da Penitência do
esculpidas, analisa aquele modelo de anos sub s eq ue nte s , no v as retábulo-mor de Mariana, com seus
retábulo-mor e comenta: referências a pagamentos para
a c o mp anh a me nto d a s o br a s ,
“Um segundo modelo de retábulo de inclusive com a sugestiva menção
altar-mor, adotado em Minas por volta de a “dois pretos” que o transportaram
1776, aproxima-se das criações do rococó até a igreja, em 1777, data esta
litorâneo, notadamente em Pernambuco reconhecida pelos estudiosos da sua
e no Rio de Janeiro, v inculadas a vida e da sua obra como o início do
protótipos portugueses. Sua principal seu tormento com a doença que o
característica é a forma do coroamento afetaria pelo resto dos seus dias.
em frontão, com curvas e contracurvas
em forte oposição, tendo ao centro Entre 1778 e 1790, Luiz Pinheiro
pequeno espaço ocupado por um brasão encontra-se na região de São João del-
ornamental”. Rei, Congonhas e Vale do Piranga
participando de importantes obras e,
Posteriormente, irá surgir em Minas no caso de Piranga, deixando
apenas mais um modelo de retábulo com sugestivas pistas sobre sua atuação,
esses atributos utilizados por Pinheiro como será visto mais à frente,
em Mariana, e ocorrerá na matriz de embasadas por documentação4 na Figura 4: Querubim do retábulo-mor da
Prados, região de São João del-Rei, em qual consta o seu nome como oficial igreja de São Francisco de Assis de São
princípios do século XIX, cujas entalhador naquela localidade no João del-Rei-MG. Foto: Cláudio Lopes.
4 Belo Horizonte, Volume 22, Número 70, Julho/2018 BOLETIM DO CEIB

Figura 5: Cristo Seráfico do retábulo-mor da igreja de São Figura 6: Senhor Bom Jesus do Matozinhos. Santo Antônio
Francisco de Assis, São João del-Rei-MG. Foto: Cláudio Lopes. do Pirapetinga (Bacalhau), Piranga-MG. Foto: Adriano Ramos.

rostos bem demarcados, as barbas confecção de dois anjos para a caixa Há ou t ra s it ua çã o que t a mbém
longas, sobrancelhas arqueadas, olhos do órgão da igreja, conforme complica essa análise comparativa:
miúdos, nariz fino e pés e mãos documentação existente nos Livros de trata-se da possibilidade de o próprio
relativamente bem resolvidos, Despesas, do Santuário de Bom Jesus artista ter, entre suas habilidades, a
remetem-nos imediatamente às figuras do Matozinhos. A caixa do órgão, qualidade de variar anatomicamente
da Santíssima Trindade de São João del- infelizmente, não foi localizada e es sa s f i g ura s de acordo com a
Rei, que trazem essas mesmas continua desaparecida até os dias localização das mesmas na obra em
características em seus traços atuais. Apenas a título de registro, vale questão, de forma a não repetir
anatômicos. outra observação do colega Luciomar sistematicamente os semblantes.
que, acertadamente, nos chama a Parece-nos que um dos retábulos, ou o
Interessante observar que o artista atenção para a forte semelhança entre de São João del-Rei ou o de Mariana —
daquele período cujo trabalho mais se os púlpitos da Matriz de Catas Altas do em ambos a presença de Luiz Pinheiro
aproxima, em termos tipológicos, da Mato Dentro e da igreja de São é atestada documentalmente—, tenha
obra do Aleijadinho é Luiz Pinheiro. A Francisco de Assis, na cidade de São contado com a participação de outro
resolução do tratamento dedicado à João del-Rei. escultor cujos traços são bastante
barba e ao bigode nas figuras por ele peculiares.
esculpidas, por exemplo, que muitas Se, por um lado, a existência de um
vezes se apresentam unidos e retábulo com autoria comprovada e Os querubins desses retábulos não têm
encaracolados, e o caráter expres- que contenha figuras esculpidas em a menor similaridade entre si e com
sionista que procura incutir nas feições sua decoração venha facilitar o certeza não foram esculpidos pelo
das suas imagens foram alguns dos exercício da análise comparativa mesmo oficial. Caso a hipótese acima
recursos utilizados por Aleijadinho e que entre obras, por outro, essa mesma aventada sobre a presença de um
viriam diferenciar definitivamente a informação pode causar imensas escultor “convidado” na confecção dos
sua obra das demais. dificuldades ao pesquisador. A prática querubins para esses retábulos se
de dois ou mais escultores atuarem confirme, resta-nos identificar quais
O artista plástico e pesquisador simultaneamente na confecção de um deles foram esculpidos por Luiz
Luciomar de Jesus, da cidade de elemento, conforme mencionado Pinheiro. Muito provavelmente, o
Congonhas, sugere que Pinheiro tenha anteriormente, e o acréscimo de retábulo de São João del-Rei teve suas
sido um dos auxiliares de Aleijadinho figuras na composição em épocas figuras antropomorfas executadas em
na confecção das figuras dos Passos da po s te ri o res à da s ua f e i tu ra maior parte por Luiz Pinheiro, haja vista
Paixão daquela cidade, cujos trabalhos pr eju di c a m e m ui t o a si mpl es o teor do contrato com ele efetivado, que
foram desenvolvidos entre os anos de constatação de que um elemento o colocava na condição de “único mestre
1796 e 1799. A presença de Luiz es cult ó r ic o , q ue co m po n ha um para a obra do retábulo da capela-mor”.
Pinheiro em Congonhas é atestada retábulo ajustado por determinado Esses querubins e anjos se apresentam
documentalmente nos anos 1783-1784, oficial, tenha sido também por ele rechonchudos, destacando-se os queixos
quando recebe “10 8ªs” para a confeccionado. proeminentes e os lábios sorridentes.
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figuras do Cristo crucificado podem ser comandaram uma oficina na região. No


observadas na sinuosidade da que concerne a Antônio de Meireles
composição, na dramaticidade da Pinto, descobriu-se que, após os
expressão facial, na ondulação das trabalhos na cidade de Piranga,
mechas da cabeleira, barba e bigode, findados por volta de 1799, manteve
na excessiva movimentação das dobras contatos profissionais nos atuais
e drapeados do perizônio e ainda no municípios de Rio Pomba e Dores do
acentuado recorte ogival no abdome. Turvo. Na cidade de Mercês, que
também fica na Zona da Mata e
Em Minas Gerais, as diferenças em próxima às cidades mencionadas, foi
relação a outras regiões da colônia encontrada uma peça-chave para nos
tiveram como marca o surgimento de auxiliar na tentativa de desvendamento
uma geração de artistas que tratou suas desse verdadeiro mistério que envolve
obras à distância das especulações o ateliê de Piranga. A padroeira,
puramente estéticas, com maior instalada no altar central da Igreja de
atenção à sua função didática, mais Nossa Senhora das Mercês, a principal
atrelada à sua mensagem iconográfica. da cidade, tem todas as características
Longe dos padrões europeus, essa arte de Mestre Piranga, ou seja,
foi se formando ao longo dos anos com estrabismo, panejamento acentuado na
a presença de variados artistas e altura dos ombros, cabelos em formato
influências díspares, mas inspirada na zigue-zague nas laterais da face e
dramaticidade e no vigor do estilo querubins com as mesmas
barroco. Na arte religiosa produzida em particularidades de outros atribuídos
Figura 7: Imagens de São Francisco de solo mineiro, principalmente a partir da ao escultor.
Assis e Santa Clara, igreja de São
segunda metade do século XVIII,
Francisco de Assis, São João del-Rei-MG.
constata-se, de forma muito clara, o Em nossos estudos detectamos a
Foto: Cláudio Lopes.
aproveitamento de informações efetiva participação de Luiz Pinheiro
estéticas de épocas anteriores, numa na execução da imagem de Nossa
O Cristo seráfico do retábulo-mor de assimilação constante de recursos Senhora da Piedade na cidade de Rio
São João del-Rei, por sua vez, tem plásticos entre os diversos grupos Espera. Essa imagem — a nosso ver,
singular semelhança com a figura do artísticos que atuaram na capitania, erroneamente atribuída a algum oficial
Cristo crucificado que ocupa o retábulo- dificultando, para os pesquisadores, da escola de Piranga em parceria com
mor do templo de Mariana. Ambas as muito o trabalho de identificação Aleijadinho — apesar de trazer alguma
imagens possuem força plástica autoral. semelhança anatômica com outros
incomum, e foram confeccionadas por trabalhos do escultor ouro-pretano, não
artista de talento e que conhece Vale o registro de que Luiz Pinheiro apresenta o mesmo refinamento e
profundamente o seu ofício. Suas trabalhou com uma notável equipe que expressividade inerentes à sua obra,
atitudes compositivas podem ser foi responsável pela decoração interna principalmente na representação das
comparadas também ao Senhor Bom da igreja de São Francisco de Assis, em figuras de Cristo. Como já observado,
Jesus do Matozinhos de um distrito de Mariana, tais como Francisco Vieira sabe-se que Luiz Pinheiro trabalhou
Piranga, chamado Santo Antônio do Servas, Manoel Dias e José de Meireles com Antônio Francisco Lisboa em 1777
Pirapetinga, vulgarmente conhecido Pinto, no campo da escultura, e pintores na igreja das Mercês, em Ouro Preto,
como Bacalhau. do porte de Francisco Xavier Carneiro e e também executou o retábulo-mor da
Manoel da Costa Ataíde. Curiosamente, igreja de São Francisco, em São João
Essas imagens do Cristo Crucificado alguns desses oficiais mantinham, no del-Rei, cujo risco é de autoria de
merecem particular atenção tanto pelas período, contratos na região do vale do Aleijadinho. A influência do mestre em
características inconfundíveis impressas Piranga, onde também se iniciava a sua obra é bastante visível,
em suas dramatizadas expressões e pela construção de diversos templos particularmente nos tratamentos
solução dada ao arqueamento ogival na religiosos. Apenas no Santuário do anatômicos, apesar das diferenças
altura das costelas, quanto pelo Senhor Bom Jesus do Matozinhos tem- marcantes das expressões faciais. A
tradicional perizônio de recortes bem se documentada a presença de Manoel partir dessas avaliações, torna-se
delimitados, com parte da coxa direita Dias, José de Meireles Pinto e Francisco plausível a hipótese de que a imagem
à mostra, e, ainda, pelo inconfundível Xavier Carneiro. Posteriormente, de Nossa Senhora da Piedade, de Rio
arremate central desse mesmo durante os acréscimos na capela-mor Espera, seja, de fato, uma obra feita
perizônio, que é resolvido em dobras e daquele templo, surgiu o nome de a quatro mãos: Luiz Pinheiro executa
arestas bem demarcadas. E é Antônio de Meireles Pinto, que foi o rosto da Nossa Senhora e a figura do
exatamente por meio das análises contratado para dar continuidade ao Cristo, enquanto um dos dois Meireles
comparativas exercidas sobre esse trabalho iniciado por seu pai, José de Pinto (ou o pai ou o filho) se
panejamento que envolve o corpo da Meireles Pinto, nos anos de 1797 e responsabiliza pela feitura da base e
imagem de Cristo, na altura da cintura, 1798. de todo o panejamento da imagem de
que surge a primeira relação intrínseca Nossa Senhora.
entre Luiz Pinheiro e Mestre Piranga. Defendemos a tese de que Luiz Pinheiro
atuou conjuntamente com José de É desconhecida em nossa produção
No período barroco, as características Meireles Pinto e Antônio de Meireles barroca a presença de modelos
mais marcantes na representação das Pinto, e que esses três entalhadores figurativos para a confecção de
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esculturas, como ocorreu com os OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro. O


principais autores do Renascimento Rococ ó Religioso no Brasil e seus
antecedentes europeus. São Paulo: Cosac
europeu, que, além de efetuarem & Naify, 2003.
profundos estudos do corpo humano,
chegaram ao extremo de dissecar Notas
1
Cf. CMOP, Cx. 70, Doc. 62.
cadáveres para a obtenção de amplo
conhecimento da anatomia humana em 2
Cf. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, 1966, documentos avulsos, pp.
busca da perfeição para as reproduções 52-53.
das suas figuras. Parece-nos que a
representação artística aqui
3
Cf. Arquivo Público Mineiro, Seção
Colonial. Códice n. 491, fls. 88.
disseminada atrelava-se mais às
questões de caráter simbológico — para 4
Documentos encontrados pelo Dr.
as quais, aliás, o estilo barroco induz Marcos Paulo d e Souza Miranda,
Coordenador da Promotoria Estadual de
—, propiciando imagens mais Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
caricaturais, em clara evocação às de Minas Gerais, quando atuava
mensagens iconográficas almejadas. profissionalmente na região.
Comuns aqui seriam, portanto, o 5
Livro de Termos , da Ordem 3ª , fls.133.
emprego dos cânones e dos modelos
amplamente divulgados por tratados de *Adriano Ramos é pesquisador da
arquitetura, pintura e escultura, em arte do período colonial em Minas
que algumas normas para a retratação Gerais e restaurador de obras de
das figuras deveriam ser consideradas. arte do Grupo Oficina de Restauro.
Figura 8: Imagem de Nossa Senhora da
É possível detectar, por exemplo, a E-mail: ramosreis2004@gmail.com.
Piedade, Igreja Matriz, Rio Espera-MG.
ocorrência de padrões utilizados pelos
Foto: Ronaldo Oliveira.
grandes artistas do período na
capitania quanto à correspondência de EDITAL
dimensões entre as esculturas e os representar o estado de angústia, No dia 26 de outubro de 2018, uma
retábulos, onde estão inseridas, e nas enquanto as sobrancelhas interferem sexta-feira, estaremos realizando
relações de proporcionalidade entre as diretamente nas expressões de riso, mais uma eleição para a diretoria
partes dos corpos e, ainda, de assombro e tensão, neste caso, quando do Ceib, mandato 2018/2020. De
distanciamento entre as partes que há acentuado enrugamento entre as acordo com o Estatuto, as chapas
compõem a cabeça humana. Essas mesmas. E mais, que os olhos são os com candidaturas deverão ser
proporções, aliadas à diversidade de responsáveis pela espiritualidade; as encaminhadas até um mês antes,
posturas necessárias a uma convincente janelas da alma. Formatos de unhas e ou seja, até 26 de setembro de
representação iconográfica dos três orelhas remetem o espectador à 2018. Poderão votar os sócios
mistérios — gozosos, dolorosos e personalidade do retratado ou à do titulares, estudantes e colabo-
gloriosos, cujas tradições foram próprio escultor; a indumentária e a ra do r es , m a s só po der ã o
herdadas dos missais religiosos e, cabeleira indicam a caracterização candidatar-se, os sócios titulares.
igualmente, muitíssimo empregadas social da figura que, especificamente Em ambos os casos, todos deverão
por nossos artistas —, seguiram, na na arte barroca, aliada aos traços mais estar dia com as anuidades.
capitania das Minas, uma trilha bem marcantes indicados pela mensagem
delineada de acordo com as fases iconográfica, caracterizam a postura
evolutivas do estilo barroco. ideal da representação. A partir dessas
referências, enriquecidas pela BOLETIM
Sobre essa abordagem, não poderíamos minuciosa análise do processo de ISSN:1806-2237
deixar de lembrar o historiador execução de cada artista na resolução CEIB: Presidente de Honra: Myriam Andrade Ri-
espanhol Juan José Martin González de um panejamento, ou na distribuição beiro de Oliveira; Presidente: Beatriz Ramos de
(1995, p. 87), no capítulo referente às de querubins sobre uma base em Vasconcelos Coelho; Vice-Presidente: Maria Regina
expressões, quando, depois de uma nuvens das imagens de santos, e entre Emery Quites; 1o Secretário: Agesilau Neiva Almada;

abrangente análise sobre o significado tantos outros pormenores existentes, 2o Secretário: Fábio Mendes Zaratini; 1a Tesourei-
ra: Daniela Cristina Ayala Lacerda; 2a Tesoureira:
da expressão na arte da escultura, é que se torna plausível a classificação
Carolina Maria Proença Nardi.
aprofunda-se em um terreno pleno de da estatuária sacra em distintos E nd er eç o : A v e n i d a A n t ô n i o C a r l o s, 6 627;
sutilezas no que concerne à períodos e, é óbvio, diferenciá-las 31.270-091, Belo Horizonte, MG. Tefefone: + 55
representação de uma figura qualitativamente entre artistas de uma 31 3409-5290. Site: www.ceib.org.br. E-mail:
tridimensional. Inicialmente, Gonzalez mesma fase. ceibimaginaria@gmail.com.
ensina que “realismo e abstração se BOLETIM Projeto gráfico, arte e editoração:
alternam constantemente na evolução Referências bibliográficas Helena D av i d (I n m em o r i am ) e
artística” e que “o artista pode utilizar MARTIN GONZÁLEZ, Juan José. Las Beatriz Coelho; Revisão: Agesilau Neiva Almada,
Maria Regina Emery e Daniela Ayala. Tiragem
o corpo humano só como referência, Claves de la Escultura. Barcelona:
300 exemplares; Periodicidade: quadrimestral.
sem importar-lhe a verossimilhança”, Editorial Planeta, 1995. Os artigos assinados são de responsabilidade
para acrescentar que o rosto é a região dos autores e não refletem necessariamente a
MARTINS, Judith. Dicionário de Artistas opinião do BOLETIM DO CEIB.
primordial da caracterização e, de e Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas ..

forma genérica, que os lábios e bocas Gerais. V. II. Rio de Janeiro: Publicações É permitida a reprodução de fotos ou artigos
são os veículos mais importantes para do Instituto do Patrimônio Histórico e desde que citada a fonte.
Artístico Nacional, n. 27, 1974.

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