Você está na página 1de 56

A reinvenção musical

do Nordeste
Felipe da Costa Trotta

Introdução
A sanfona de Luiz Gonzaga ou os
requebros do "E o Tchan"? A
rabeca de Mestre Salu ou a batida de
Nação Zumbi? O canto de
Moraes Moreira e Zé Ramalho oua
energia de Ivete Sangalo? O vio-
lão pop de Lenine ou o violino
"armorial de Antonio Nóbrega? O
erotismo de Calcinha Preta ou o romantismo de
Qual dessas expressões pode
Reginaldo Rossi?
ser caracterizada como música repre-
sentativa do Nordeste?
A latente impossibilidade de obter uma resposta convincente a
esta questão serve de ponto de partida para esta discussão. Parece
obvio que todos esses exemplos representam tempos, modos e
pro-
cessos de elaboração das construções identitárias relacionadas
gião Nordeste, cada um buscando dizer coisas sobre a identidade
à
re-
musical nordestina. É claro também que alguns dos artistas citados
buscaram mais do que outros agregar um sentido propriamente re-
gional a suas práticas musicais, tentando falar em nome da região e

9
narrá-la, seja através de um discurso amplo (como o
Gonzaga), seja através de um conjunto de referências sertão de Luiz
pronrian
local que, por extensão, acaba inculcando um nte
sentimento repianal:
zante às suas práticas (como 0 axë de lvete e o
manguebeat de Nacá.
ção
Zumbi). Porém, tamanha é a pluralidade de referências estética e
tão diverso é o corpo de imagens, sons e
pensamentos que cada um
agrega em suas músicas que tomar o território como elo unificador
de todos eles revela uma parcela de absurdo dessa construção musi.
cal identitária atrelada a um pedaço tão amplo de terra.
Por outro lado, as identidades (locais, regionais ou nacionais) são
construçoes realizadas através de algumas abstrações que se tornam
eficientese fortes o bastante para moldar o compartilhamento de um
imaginário comum em torno de tais ideias. O pertencimento adeter
minada comunidade imaginária tem relação direta com o cultivo de
sentimentos de identificação criados a partir de alguns elementos, cren-
sentimento comum se ma-
ças, práticas e saberes. Musicalmente,
esse

nifesta em fragmentos sonoros, repertórios compartilhados e


narrativas musicais que ajudam a construir uma paisagem sonoro-
ao bairro, à
musical que apela a um sentido único de pertencimento
cultural, há um ca-
cidade, à região, à nação. Como toda identidade
ráter provisório e litigioso que perpassa esses
discursos, levantando
identitários compartilhados.
disputas em torno de critérios e marcos

Este ensaio irá desenvolver algumas questoes relacionadas à cons

forró mais especi


trução imaginária do Nordeste processada pelo
e,

ficamente, pela corrente conhecida forró "estilizado" ou


como

"eletronico. A escolha não é aleatória. De todos os artistas e práticas


elencados acima, o forró de Luiz Gonzaga protagonizou durante
décadas uma tentativa hegemônica de narrar musicalmente a região
Nordeste, instaurando um conjunto de elementos musicais e image
ticos que ficaram fortemente associados a um tipo peculiar de nor

10
desenvolvido narra-
a r t i s t a s tenham
outros
Ainda que da san-
destinidade.
menos
estereotipadas,
ainda hoje o som

e
tivas mais plurais representam
uma certa unidade
de Gonzaga
sorriso aberto
fona e o
reconhecida dentroe
fora dos limites da região,
identitária regional, tem buscado há quase duas
forróeletrônico

o
chamado
Ocorre que conflituoso e ex-
narrativa num processo
desconstruir esta
décadas ele-
musical. Asdisputas entre o forró
reprocessamento
plosivo de um
de serra" são perpassadas por
e os artistas do (agora) pé
trônico norteadores dessa nova identi
debate sobre os elementos
profundo de cidades cada
nordestina, fundada
no jovem cosmopolita
dade
mais influenciadas por
modelos e códigos culturais nacionais e
vez

transnacionais. Mas vamos por partes.

Música e identidade

A música é uma organização do tempo, com profundos


forma de
da
desdobramentos simbólicos nas formas de organização temporal
música e
sociedade. Como modo de sentir e expressar o tempo, fazer
manei-
participar de uma experiência musical representa compartilhar
ras de sere estar coletivamente, moldando modos de pensar e viver
forma cultural que ocorre no tempo, a música mani-
Enquanto
festa uma relação direta com a própria vida, que também ocorre no
tempo, separando a existência em tempos fortes e fracos, padrões
ritmicos, melódicos, harmônicos e convenções culturais. A experi
ència temporal dos dias (tempo forte e fraco do sol), das semanas
(ciclos lunares), do ano (ciclos solares) aparece representada em es-
cala reduzida nas articulações sonoras musicais, e têm reverberação
ainda nos tempos biológicos (nascimento, vida e morte; os batimen-
tos cardiacos, o ritmo do andar, do correr) e nas organizações tem-
porais coletivas (os calendários anuais e semanais de ritos, as festas
ea datas comemorativas). Lidando com o tempo, a música articulaa

11
de modo bastante próprio e profundo noSsa relaç o social com

nassado. O presente da musica e sempre um momento incan aptu-


rável, pois o fluxo musical o coloca insistentemente no passado,
sendo uma forma artistica do ja oOuvido, do que não é mais. Nessa
relação constante com o passado, as marcas sonoras desse já ouvido
ressoam constantemente nas práticas musicais, estabelecendo dis.

logos temporais com elementos sonoros de antes.

Indo numa outra direção, é possível identificar que a recorrência


de padrões sonoros (ritmos, melodias, acordes, arranjos, sonoridades,
etc.) em práticas atuais manifesta uma intenção de articular uma
hereditariedade, trazendo para o presente símbolos e representações
de um passado sempre idealizado, mas que fornece elementos de
identificação e de legitimidade para as práticas atuais. Esta incorpo-
ração de elementos musicais e fragmentos de um universo musical
previamente experimentado na escuta do presente fornece um mo-
delo de experiência musical que nos remete continuamente para
outros momentos de compartilhamento sonoro, com influência dire-
ta na reconstrução dos sentidos musicais atribuídos a cada audição"'.
Exemplos bastante evidentes deste processo podem ser ouvidos na
utilização sistemática de certos instrumentos em algumas práticas
musicais. No samba e no choro, por exemplo, a presença de pandeiro
e do cavaquinho torna-se quase obrigatória, capaz de caracterizar o
som dos gêneros e, ao mesmo tempo, de associar essa sonoridade a

um conjunto de referências históricas próprias inscritas em seu re


pertório referencial, estabelecendo, assim, sua herança e con
dade. O mesmo pode ser verificado no uso compulsório da santona
do chamado forró
"pé de serra" atual, que processando um imagina
rio utópico construido a
partir da obra de Luiz Gonzaga, busca, atra
vés do uso da sanfona,
associar-se a este mito, estabelecendo a fillda
artistica e cultural dos músicos atuais. Passado e presente na musica

12
são continuamente reprocessados na própria nmaneira de compor e
modelos e consolidando referências e identidades.
tocar, reiterando
A organização temporal processada pela música é também uma
forma de estabelecer modos de ser e estar em espaços de convívio
cotidiano. Isto porque a música é uma prática social visceralmente
ligada a eventos, rituais e encontros. Assim, ela aponta para um con-
junto de processos culturais que fundem o individual com o cole-
tivo em vivências (essencialmente) não-verbais, ajudando a moldar
ambiências afetivas compartilhadas socialmente. Talvez por isso,
nossa relação com as músicas que gostamos e os eventos musicais
que frequentamos seja dotada de forte carga emotiva, uma vez que a
música parece ser capaz de atingir zonas profundas de nossos senti-
mentos. E só lembrar, por exemplo, do enorme desconforto que nos
causa uma música que não nos agrada, sensação que perpassa todo
o ambiente social, espacial e afetivo,
gerando muitas vezes uma von-
tade intensa de afastar-se dos sons
indesejadoss.
Mas além de estabelecer uma
ambientação afetiva ou de construir
uma hereditariedade temporal, a música é uma atividade humana
que
se caracteriza fortemente por
agregar pensamentos e valores em sua
experiència. Trata-se aqui não de uma arte reflexiva (se é
que se pode
identificar alguma que o
seja), mas de incorporar a noção de que a
própria música é'uma forma de
pensamento social, ou seja, através da
prática musical coletiva os que dela
mundo e códigos culturais,
participam reprocessam visões de
reafirmando identificações,
rechaçando
modelos que parecem não mais
construindo relações
corresponder temporalidade atual e
à
temporais (entre presente, passado e futuro) e
afetivas (entre individuos e
E
grupos sociais).
evidente que essas
identificações não são monolíticas e nem
compartilhadas de modo
uniforme por todos que
determinada experiência musical. A participam de
contradição e a diversidade de

13
apropriações de sentido é uma marca indel vel das práticas culturais5,
o que só faz confirmar o caráter conflitivo deste tipo de producãa
simbólica. Obviamente, certos sujeitos tèm maior identificação com
algumas simbologiase pensamentos manifestos e processados em al
gumas práticas musicais. Outros, iräo se apoiar em outros elementos
mais pertinentes afetivamente para construir
que lhes parecem sua
identidade, que é sempre provisória e momentânea, sendo obrigato-
riamente reconstruída ou reafirmada em outros espaços e outros even-
tos. Um roqueiro sÓ é roqueiro porque ouve rock continuamente e
assiste a shows de rock com frequência, conversa sobre rock e divide
com outros roqueiros o seu pertencimento ao grupo de roqueiros,
manifestando um conjunto de valores identitários constantemente
reafirmado em seu vestuário, em seus vícios de linguagem, sua rede
de relações sociais e, principalmente, em suas práticas de consumo
cultural. Por outro lado, um amigo deste roqueiro pode frequentar
Os mesmos shows mas manter certa diståncia afetiva de outros refe-
renciais do rock, adotando apenas parcialmente as visões de mundo
associadas ao gênero. Esse caráter diverso das identidades musicais
torna temerosas as tentativas de desenvolvimento de uma análise
Comum para um gênero como o rock - isso sem contar que há de-
zenas de subdivisões contidas na classificação, muitas das quais in-

conciliáveis entre si.


Porém, o processo de contínua reafirmação dos elementos iden
titários ligados à produção e ao consumo de música encontra em
alguns gêneros musicais pontos de apoio razoavelmente estáveis.
Estes são formados por certas
canções e autores que atingiram de
terminado grau de consagração dentro do gênero - e muitas vezes
também fora de suas fronteiras - que se tornaram referenciais para a
Construção de identidades e representações musicais. São os"mons
tros sagrados" do rock, as "divas"
do jazz, os "mestres" e os clas

14
sicos" da música erudita, as "velhas guardas" do samba, as "pedras"
do reggae maranhense, etc. Tais musicas e autores são capazes de
responder pelo gênero, servindo como eixos que determinam proce-
dimentose modos de fazer característicos do ambiente identitário e
afetivo de suas práticas musicais.
Noprocesso de identificaço musical, é comum também que
determinadas práticas musicais estejam associadas a certos espaços
geográficos e a certa época. Assim, tempo e espaço na música mar-
cam portas de entrada para o
compartilhamento de identidades e
processamentos e invenções de sentimentos de pertencimento e de
coletividades. E comum associarmos o samba ao Rio de
Janeiro, o
jazz a Nova Orleans, o tango a Buenos Aires, o frevo a Recifee Olin-
da e assim por diante. Os
espaços físicos nos quais
práticas certas
musicais foram gestadas funcionam como
elementos simbólicos que
caracterizam essa música, muitas vezes
reafirmada continuamente
em seu
repertório.Quando os sambistas cariocas falam do "morro,
da "Portela" da "Lapa', estão
ou

tinuada entre música


reforçando essa identificação con-
localidade, construindo um imaginário mu-
e
sical que vincula cidade
a à sua música.
Porém, é impossível deixar de notar que essas
rais entre músicas e espaços associações natu-
vamente
geográficos funcionam de forma relati-
simples em torno de cidades ou bairros, áreas
restritas relativamente
e
possíveis de serem frequentadas por mesmos de
habitantes. Quando grupos
se fala em uma música nacional ou
necessário ter em mente os
regional, ée
processos de silenciamentos e disputas
culturais que forjam uma
identidade musical a partir de uma prá-
tica única. O caso
do samba, novamente, é
criado a partir de um esclarecedor. Tendo sido
intenso laboratório culturale étnico em zonas
perifericas de uma
recém-abolicionista capital federal,
adotado foo samba
como música oficial pela ditadura do Estado
Novo duas

15
décadas depois, tornando-se simbolo de uma desejada unidada
na-
cional. Cercado de preconceitose enfrentando conflitos de toda
dem, a prática dos sambistas dos morros foi modificada em
toda or-
ntato
com a sociedade urbana carioca e este processo resultou
numa mie
tura que permitiu sua nacionalização. Assim, o samba nacionaliza do
o
foi um produto radicalmente diferente do samba praticado na virada
do século XIX para o XX, tend0 se transtormado para ser
adotado
(ainda que não de forma homogênea) pela sociedade oficial. O passo
seguinte foi sua "imposição" ao restante do país, através de um po-
deroso sistema de emissões radiotonicas nacional'.
Imposição esta,
diga-se de passagem, nunca plenamente concluída e que sofre conti-
nuamente resistências variadas e contraimposições significativas em
várias regiðes do país.
E claro que com uma música
supostamente regional, o processo
não é muito diferente. Eleger uma música para o Nordeste
significa
escolher elementos (e aceitá-los) que possam unificaro extenso terri-
tório que vai do sul da Bahia ao norte do Maranhäão, forjando uma
identidade musical única ou, senão, que pelo menos seja forte o sufi-
Ciente para representar este amplo e diversificado universo cultural. A

imensa área ocupada pelos nove estados da região tem dezenas de


praticas musicais características, que apresentam graus variados de

projeção nacional e popularidade. Desde o samba de roda do Recôn


cavo baiano ao reggae do Maranhão, da música de carnavale de Sao
Joa0, a variedade é uma marca sonora da região. Aliás, essa consta-
tação vale não somente para a música mas para quase todas as prá-
ticas culturais de
-

teatro, dança, cinema literatura, sotaque, padro


unguagem, vestuário, comemorações, etc. Como é possivel então Ialar

em identidade ou mesmo em uma


prática que represente a regao
A ideia de "Nordeste" é uma dessas abstrações construidas con
1iitivamente enquanto "invenção cultural". Não quero com iso
a

16
mar que ele não exista de fato. Ao contrário.
Sob o ponto de vista

econômico e político e at mesmo em algumas iniciativas culturais,


região extrair
nota-se um esforço continuo de narrar a e traços co-
construção de uma identidade nordestina.
que mantenham
a
muns
Tal invenção nunca plenamente concluída - teve como agentes

artistas, politicos e intelectuais da região e de fora dela, que colabo-


raram para construir uma ideia de Nordeste a partir de identificações
reforçadas em certos "clichs", ou seja: discursos repetidos baseados
em um mesmo conjunto simbólico de elementos que, por seu uso
recorrente moldaram um universo de significação próprio para o
Nordeste. A base dessa operação foi, durante quase todo o século
XX, um conjunto artificialmente uniforme de referências ao ambi-
ente do sertão, associado a
privações e sofrimento humano. Essas
imagens, desenvolvidas e reafirmadas continuamente durante um
longo período em que a construção da identidade nacional buscava
alinhar-se a uma utopia modernizadora, ofereceram um
de Nordeste ancorado em imaginário
referenciais de e "tradição" "atraso',
for-
jando uma ideia de imutabilidade da cultura dessa
região, que nave-
gava "contramo da história".
na

Mas os discursos
narrativos se caracterizam
por uma notória he-
terogeneidade complexidade. Ao mesmo tempo em o Nordeste
e

passou a ser descrito em livros, que


como
poemas, quadros, filmes e canções
uma terra
devastada pela Natureza, ele é
paço de apresentado
felicidade, numa romantização intencional
como es-
do próprio "atra
so (entendido aqui como
oposto de
associado "progresso, invariavelmente
como uma
àindustrialização à mundialização). E assim que aparece,
e

espécie de marca de nascença, a ideia de


à
saudade, à Nordeste associada
distância. Trata-se de uma distância que não
exclusivamente se retere
ao
afastamento fisico do migrante tema
tado frequen-
-

inúmeras vezes por artistas e


músicos -

mas também a um lapso

17
temporal, caracterizando uma construçao imaginária irremediavel
mente localizada longe e antes. Essa defasagem se torna um clichê
forte e recorrente, que ajuda a construir uma certa noção de Nordeste
e
apoiada no forte sentimento de autenticidade que o ambiente rural
evoca, cindindo o imaginário da regiäo a uma suposta ingenuidade e
"verdade rural" do sertanejo-nordestino. Evidentemente, tal conjunto
de ideias traz uma série infinita de problemas e contradições. Afinal,
o tempo presente vivido efetivamente pela população que habita os
limites geográficos da região parece estar alijado de seu processo de
construção simbólica. Vários "Nordestes" ficaram de fora dessa re-
presentação, preteridos em relação ao universo do sertão, o que tem
gerado discursos de não-identificação com este imaginário.
Apontada como a mais significativa produção musical a falar e
cantar em nome do Nordeste, ajudando efetivamente a inventar sim-
bolicamente a região, a obra de Luiz Gonzaga oferece modelos de
identificações específicos que ilustram tais contradições. Em seu re-
pertório,o endereçamento musical éo migrante nordestino residente
nas duas grandes metrópoles nacionais: Rio e São Paulo. Para eles,
Gonzaga construiu um discurso midiático sonorizado com elemen-
tos de identificação regional que teve incrível impacto na indústria
do entretenimento nacional em meados do século XX, alcançando
reverberação nacional. Esta estratégia está baseada na manipulaçao
das ideias de
partida e saudade". A partida do retirante nordestin0
que foge de uma Natureza hostil de seu sertão natal
éimagem recor
rente nas letras de suas
canções, que obtiveram êxito comercial n
conteste no final da década de 1940. Este personagem izade
manifesta um sentimento agudo de saudades do sertão
ao pelo som da sanfona que, na melancolia
represen
dos acordes esticadosdo
fole assume
gradativamente uma função identitária central no ro-
P
eSO de
invenção de uma sonoridade nordestina. Por outro lado, a

18
re-
ambiente de festa do forró, que
que
um
ainda para de
refere-se
as primeiras décadas
saudade "baião" durante
midiático de dança
a
cebe o apelido abrindo espaço para
o lúdico e para
Gonzaga, calor da dança e no
atuação de permitidas no
licenciosidades
e
(com paquera fortemente auxiliada por
Luiz Gonzaga,
do salão). A obra de da capital,
escuro
meios de comunicação
pelos
sua expressiva divulgação à distância, desenvolvem
elementos de identificação
que,
vai fornecer sertanejos de estados
as semelhanças entre
narrativa que realça
uma
moderna da cidade grande.
O sertão passa
frieza
diferentes, unidos
na
visto de longe e idealizado
uma espécie de "cartão-postal"",
a ser
zabumba e pelo triângulo,
som da sanfona,
coadjuvada pela
pelo
bandas de pífano do interior de
Per-
tomados de empréstimo das
"Mestre Lua'.
nambuco, estado natal de
musical de Nordeste pode
De certa forma, o sucesso desta narrativa
encontrados em outras
ser creditado a outros discursos semelhantes

artes, na economiae na política, que processaram uma invenção da


região a partir de sua condiço subalterna no cenário da moderni-
zação nacional. O sertão "onde anda a p¿"" era apenas mais um
se

desses discursos destinados a agendaro Nordeste no cenário nacional


enfatizando suas mazelas.
E possível afirmar, portanto, que a construção da imagem do
Nordeste através da música sofre de uma espécie de "mancha de
nascença", que associa a região a um ambiente "tradicional" e não
moderno. O som da sanfona aponta para essa "mancha, concebendo
uma identificação sociocultural vinculada à romantização deste tra-
dicionalismo arraigado, tendendo à sua imutabilidade utópica. Mas
Identifica também uma extensa gama de sentimentos idealizados li-
gados a um lapso espaço-temporal (a saudade), o que o torna de certo
modo uma narrativa universal, pois os sentimentos individuais
nam
aci0
mecanismos de identificação compartilhados por todos os gru-

19
pos sociais. Aliás, a contradiç 0 entre o anti-moderno das
represen-
tacões imagéticas e o moderno-universal de sua estrutura de Droduez.

profissional jáestavam presentes na carreira de Luiz


ucão
Gonzaga, que só
pode ocupar espaços privilegiados do mercado de música por dam
nar os códigos modernos do marketing musical e da estrutura artic
tica, Porém, essa ambiguidade do imaginário nordestino na
música
vai operar até certo ponto, uma vez que toda a estratégia propriament
empresarial de produção e difusão da müsica de Luiz
Gonzaga será
camuflada por seu discurso de
migrante sorridente e sofrido, sua voz
forte, seu visual estereotipado e suas músicas de intensa afetividade. E
é esse referencial que irá se associar a um conjunto de
representações
do Nordeste, narrando a região como uma síntese cultural transfor.
mada em possibilidade de construção identitária.
A representação de uma identidade nordestina na música fun-
ciona como uma espécie de abstração idealizada, absorvida de for-
ma
heterogènea pela população da região (e além dela). Enquanto
tentativa de síntese, essa identidade é resultado de um discurso bem
Sucedido promovido por alguns sujeitos, mas continuamente con-
testados e desautorizados por outros discursos, num contlito con-
tinuo. A não-identificação com os referenciais identitários dessa
construção do Nordeste se torna, portanto, uma estratgia prev
SIvel de certos grupos sociais urbanos que, com o avanço da disse-

minação de novidades tecnológicas nas últimas décadas do século


XX, afastam-se definitivamente desta imagem de "atraso" e de "tra-
dição" imputada pela representação de Nordeste até então consagta
rada
nacionalmente. Já na década de 1960, momento de consolidação de
uma integração das indústrias culturais do Brasil, capitaneadas pbella
força e
popularização da televisão", o
Brasil passa a tomar co
tato

Com realidades
regionais que intencionam narrar o pais a pa de
sua diversidade. e a
O embate musical entre o frevo
pernambucano

20
música dos trios
elétricos baian0s logo no início da conturbada dé-
construção de discursos alternativos
de
cada!'é apenas um exemplo
Porém, deve-se destacar aqui que o frevo
ao referencial gonzagueano.
o axé nunca almejaram agregar sentimentos re-
e posteriormente
como musicas carnavalescas locais, com
gionais. Permaneceram
certos autores
projeções nacionalizantes promovidas por que con-

quistaram razoável prestigio e sucesso a partir de sua incorporação


ao cenário da música nacional (como Alceu Valença, Moraes Mo-
reira e, mais recentemente, Daniela Mercury e Ivete Sangalo, por
exemplo). As intenções do baião de Luiz Gonzaga eram, de certo
modo, muito mais ambiciosas e entravam em sintonia com todo um
discurso multifacetado em torno da sedimentação deste imaginário
unificador da região. Mas não sem conflitos.
A partir do final do século XX, os embates se acentuam e é pos
sível verificar que o compartilhamento de pensamentos culturais
sobre a
região que moldaram a representação sertaneja na primeira
metade do século passado já não ocorre com a mesma intensidade,
cedendo espaço para uma certa
pluralidade de narrativas que têm em
Comum uma
intenção explicita de apagar o componente atrasado e
não-moderno da narrativa de Nordeste. Na música, o
surgimento de
cenas culturais
que decididamente ignoravam as representações agra-
rias e
sertanejas em suas elaborações estéticas começa um longo pro-
cesso, ainda em curso, de
modificação deste imaginário, sempre envolto
em inúmeros e violentos conflitos culturais.
Neste processo, um caso
que vem sendo recorrentemente citado
e o do
manguebeat, movimento musical e cultural protagonizado
por certos músicos do Recife
que, de fato, conseguiu produzir um
discurso musical e
politico radicalmente distinto do referencial gon
Zagueano. Manipulando uma síntese estética e musical
que fundia
elementos do maracatu rural com outros oriundos do
pop interna-

21
cional, os grupos Chico Sciencee Nação Zumbi e Mundo lire SIA
operaram uma nova visão do Nordeste construida a partir de z0n
onas
urbanas, mesclando influ ncias internacionais com um discursole -
cal politizado, que contou com substantivo apoio e entusiasmo da
imprensa recifense para potencializar sua reverberação naciona|ls

Porém, a reconstrução da identidade nacional proposta pelo man-

guebeat era fortemente apoiada na cena local, com pouca intencão


de ampliar tal conjunto de ideias para toda a região Nordeste aue
aliás, nem esteve claramente apontada nas cançöes e discursos dos
"mangueboys". Nesse sentido, um movimento muito mais signifi
cativo e amplo de reinvenção da identidade musical nordestina
inclusive entrando em confronto direto com os modelos e elementos
consagrados do forró tradicional gonzagueano - parece ser aquele

protagonizado atualmente pelas chamadas "bandas" de forró, que,


desde o início dos anos 1990 tém agregado público gigantesco em
numerosos eventos, consolidando um sólido mercado musical re-

gional, totalmente independente dos circuitos de produção do ma-


instream da música nacional e internacional
Pátio de exposições
A cena näo é incomum. Grupos de jovens reunidos numa noite de

sábado à espera de um show de forte apelo popular. Na entrada, e

possivel sentir um clima intenso de expectativas, ansiedade e umala


tente energia sexual tipica dessa faixa etária. O espaço á amplo, aber
to; na verdade trata-se de um grande pátio dedicado a exposiçoes
animais e feiras agropecuárias que nesta noite está adaptado para
espetáculo. No longo caminho interno até a área dedicada ao show,
mais
publico se protege da chuva do jeito que pode, tentando chegarma
lcos
rapido ao gramado central. Lá chegando, é possivel ver dois palcos
armados lado a lado, nos quais as duas apresentações da noite a se

22
alimentos e bebidas cer-
de vendas de
barracas
Camarotes e de um
revezar. limites fisicos dos shows. Trata-se
e s t a b e l e c e n d o os
área, a pagar os 15
cam a
economicamente,
mas disposto
diversificado descontos significa-
núblico garantia
(a compra antecipada
reais do ingresso este recurso,
demonstrando que
a maioria u s o u
tivos e verifiquei que antecedência).
c o m alguma
show havia sido programada
a ida ao debaixo de uma chuva inces-
atraso, o show começa
Com algum à noite e muitos
incorporada
sante. A essa altura, a água já parecia
mais próximos ao palco
desistem de proteger, ocupando lugares
se
se inicia. A entrada
dos artistas
da primeira apresentação, que logo
de iluminação, fumaça de gelo
no é acompanhada de efeitos
palco
música em alto volume, instaurando
uma experiência
seco e uma
A sonoridade é baseada em
sonora e visual de grande intensidade.
referenciais da música pop internacional, equilibrando a base (baixo,
guitarra, teclado e bateria) c o m o naipe de metais (trompete, sax e
trombone) para dar suporte aos cantores.
No primeiro show, a banda de menor projeção mercadológica
apresenta alguns de seus sucessos, sendo recebida pelo público de
forma calorosa e entusiasmada. No repertório, canções relativamente
conhecidas dos presentes, entre as quais se destaca uma que "riva-
liza" com o grande sucesso das rádios nesta época pré-junina, lançado
pela segunda banda a se apresentar, a atração principal da noite. Sem
dúvida, a banda de menor projeção comercial tenta "pegar
no sucesso
carona
de sua concorrente, anexando simbologias e criando uma
espécie de "polêmica". No entanto, é latente o fato das duas bandas
posicionarem-se em um mesmo ambiente sociocultural
imaginário,
movido a rebatimentos recíprocos de referências simbólicas recor
rentes.Neste universo, não há nenhuma referência à
construção
musical da identidade nordestina
consagrada através da obra de Luiz
Gonzaga. Nada de sertão, de seca, de saudade e a sanfona aparece

23
muito pouco. O que se ve no palco e no publico que assiste e d
ssiste e dança
embaixo d'água é uma afirmaçao categorica do próprio universa i
ojo-
vem, atuale cosmopolita. O embate cultural entre as duas banda
ndas-
como reatirmaçao desse universo cultural
que funciona muito mais
comum do que propriamente como um enfrentamento direto entre

narram este ambiente.


elas é entre canções que
O segundo show, evidentemente, leva o publico ao delírio. Tendo
lançado dezenas de sucessos nos seus seis anos de carreira, a atracão
(re)conhecido por prati
principal desfila um repertório amplamente
A estrutura do show -

tanto a instrumen-
camente todos os presentes.
cènica dos cantores e das dançarinas -

tação quantoa performance


basicamente a da outra banda, acentuando a inter-relação sim-
mesma

cantores é ingrediente central


bólica entre elas. O carisma do casal de
no espetáculo, que seduzem o público com simplicidade e proximi-
dade afetiva baseada no tom coloquial e em manifestações de intimi-

sedução de e de construção
dade com presentes. Como estratégia
os

deixam para o final do show a mú


performática do show, os cantores
sica de maior sucesso nas rádios no momento. Completa-se assim um
bandas da noite e
embate musical nas recíprocas das duas
referências
com a experiência
de ter ouvido
o público sai do Pátio de Exposições
uv
comercialmente -

Chupa que é de
tanto a canção consagrada
de menta.
quanto sua "imitação"- Senta que é

Forro eletrônico: o pré-texto


de referências arti-
Para entendermos um pouco mais o conjunto implica-
suas
e
culadas entre a menta e a uva do Pátio de Exposições
e neces
identidade nordestina
Goes na reinvenção musical atual da histórico, e obser
recompor brevemente um determinado percurso
prá-
surgimento
moldaramo contexto de
var os antecedentes que "forró eletronn
ico'

chamar de
usical
que se convencionou

24
da receita de sucesso deste mercado
Possivelmente um dos segredos
seu endereçamento claro: o jovem.
encontra-se no
meados do século XX através de uma ampla in-
"Inventado" em

da área do entretenimento cinema, música,


-

tegração de indústrias
tornou-se uma figura-chave nas estra-
moda, showbizz o jovem
-

industrializada. Na música, o su-


tégiascomerciais ligadas à cultura
1950 e dos Beatles na década
cesso comercial de Elvis Presley nos anos
das narrativas mu-
seguinte passou para o jovemo protagonismo
à
sicais, cuja ènfase se deslocou para os conflitos questões ligadas
e

vida do adolescente. Desde então, os lançamentos de maior sucessoo


das grandes gravadoras transnacionais foram dedicados a este seg
mento de mercado, que logo respondeu tornando-se o principal
público comprador de discos e frequentador de shows. O consumo
musical majoritário é, ainda hoje, jovem.
No entanto, é fato que as práticas musicais regionais e nacionais
oferecem "cardápios" estéticos dedicados a públicos mais hetero-
gêneos. No Brasil, a produção de samba-canção nos anos 1950eo
grande sucesso de nmúsicas regionais como o frevo, a marcha carna-
valesca e a música "caipira" atestavam que o alcance midiático do
endereçamento jovem na produção musical nacional havia sido ape-
nas parcial. E
inegável que em meados do século o país convivia
ainda com a
sedimentação incipiente de mercado de bens sim-
um

bólicos, que só vai atingir plena integração e horizontalização de


ofertas a partir da década de 1970. Neste
momento, os produtos que
manifestavam explicitamente uma
identificação com uma cultura
internacional-popular (que passa a conviver com o ideal nacional-
popular de nosso modernismo) adquirem forte
cado, no público, no consumo e na
penetração no mer-
mente da população". Signos de
modernidade advindos do cinema, da
publicidade e da música popP
transnacional passaram desde então a mover os
desejos de consumo

25
das populações jovens, principalmente (mas não exclusivamente)as as
urbanas. Todo o sucesso das liscotecas e da soul music
seguida da emergência de uma cena de rock propriamente nacional
brasileira,
na década de 1980 alinhavam culturalmente um
público heterogêneo
de jovens de todas as regiões do pais em torno de
alguns elementos
dessa cultura transnacional, representante de uma nova
moder.
nidade. Dois dos principais pilares da hegemonia
pop na música
internacional, imediatamente tomados como símbolos de um capi-
talismo musical de sucesso incontestee catalisadores de
público gi.
gantesco em todas as regiðes do planeta, os mega-astros Madonna e
Michael Jackson sedimentaram de vez em seus sucessos
inigualá
veis um conjunto de referências simbólicas e musicais fortemente
identificados pelo ideal modernizante dessa cultura internacional-
popular que se impunha. Teclados, clipes grandiosos e caríssimos,
dança e canto integrados, forte apelo sensual e erótico, espetáculos
megalomaníacos de cores, luzes, figurinos, telões e música em alto
volume: características criadas pelos produtores de Thriller e Like a
virgin que se tornaram um padrão de excelência das produções mu-
sicais no mundo todo.
Todo esse aparato midiático-performático nos conduz à década
de 1990 na música brasileira, onde se encontra um conjunto de ar
tistas e géneros musicais que busca uma identificação visual e sonora
com esses referenciais importados do hemisfério norte e da decada

anterior. O uso de teclados na música sertaneja e as identificações com


o
estereótipo do caubói do universo "country" norte-americano re
presentama aspiração de um público jovem do interior de São Paulo
e Goiás que não se reconhece nas antigas modas de viola consumida
por seus pais e deseja uma música que incorpore referenciais do mu
un-
do da
agroindústria, das pick ups e da tecnologia agropecuariad
cotidiano'9, Esse jovem ainda
deseja compartilhar os simbol

26
e da televisão, que moldam
uma temporalidade mais
nos do
cinema
dinâmica, e busca em sua experiència musical o reconhe-
aceleradae
que a guarânia Fio de cabelo,
in-
sonoridades. E assim
cimento dessas
Chitäozinho e Xororó alcança grande sucesso
terpretada pela dupla
em
rasgueado de viola, romantismo lírico
1982, conciliando teclado,
anos depois, a famo
cantado em terças e ambientação pop. Alguns
cenário da música brasileira a dupla
síssima Pense em mim, consagra no
irmãos Leandro e Leonardo e sedimenta um
goiana formada pelos
mercado altamente lucrativo para este estilo.
Mais ou menos no mesmo período, o carnaval soteropolitano opera
uma mistura entre o trio elétrico movido a frevo e os tradicionais
blocos afro, inventando um outro segmento de mercado que atinge

grande penetração nacional: a axé music. Também direcionada para o

público jovem e contando com forte apoio estatal para consolidação


de um turismo carnavalesco em Salvador, a música dos trios de axé
promove uma sintese musical baseada na alegria e na sensualidade da
festa baiana. Com isso, conseguem atrair públicos jovens de todos os
cantos do país, identificados pela pujança da percussäo dos blocos
afro e pela modernidade das guitarras e do contrabaixo elétrico. Nessa
produção, a narrativa jovem se concentra na dinâmica do carnaval,
com todas suas características de inversão da ordem vigente e de li-

cenças provisórias", sobretudo no que concerne às tensões e censuras


sexuais. Grupos E Tchan
foi precedido e sucedido por
como o (que
diversos outros como o Cheiro de Amor, Eva, Araketu, entre tantos
outros, além de cantores e cantoras que se destacaram neste mercado
como o
precursor Luiz Caldas, Daniela Mercury mais recentemente
e,
lvete Sangalo, apenas para citar os mais conhecidos) conseguem in-
crivel
projeção midiática ao promoverem uma performance erotizada
protagonizada, no caso, por duas bailarinas com coreografias sen-
Suais combinada com música em alto volume, dançante e condu

27
zida por cantores de indiscutivel carisma que exploravam
intensamente
o tom coloquial em suas apresentações".
Entre a música sertaneja e o axé baiano, o movimento do pagode
romântico surge com força neste mercado incorporando esses
mes.
mos padrões estéticos ao samba tradicional. Com
uma consciente
intenção de "modernizar" o samba, adequando o gênero às neces.
sidades de um universo musical que no tinha mais
espaço para
amadorismo e para os referenciais ingnuos do "fundo de
quintal
grupos como Raça Negra, Só Pra Contrariar e Negritude Júnior pas-
sam aveicular um conteúdo jovem em seus sambas,
incorporando
modelos inspirados na música pop internacional,
Performances
dançantes, algum grau de erotização, duplos sentidos, muito roman-
tismo e uma linguagem coloquial constituíram um conjunto de sím-
bolos que se mesclava com sonoridades modernas (teclado, baixo e
bateria) para estabelecer um referencial sonoro radicalmente dis-
tinto do samba feito até então,
que sintomaticamente passou a ser
veiculado no mercado como samba "de raiz'.
A paisagem sonora do início da década de 1990 esteve fortemente
apoiada na veiculaço exaustiva e massificada dos três gêneros. Su-
cessos como E o amor, Pense em mim, Segura o tchan, O canto da

cidade, Caroline e A barata eram executados continuamente em


todas as rádios, emissoras de TV e
postos de vendas de discos. Vi
Via-se um
período de profunda instabilidade econômica e a grande
industria tonográfica experimentava uma era de incertezas que l0"
ram dirimidas pela ènfase em produtos de alto giro. Somente em
meados da década, intensificação da popularização da ag
com a

talização (e a mudança definitiva do suporte de vendas de


ais
para o CD) e a estabilidade econômica é al
que o mercado musi
passou a respirar ares mais
frescos, através dos selos independentes
que passaram a atuar no mercado.

28
Neste momento conturbado, uma iniciativa isolada e local de um
empresário atento às tendências estéticas e comerciais do mercado
musical começa a estruturar um negócio que vai se tornar altamente
lucrativo. Resultado de observações sobre o mercado de música de
Fortaleza, o empresário Emanoel Gurgel "monta" a banda de forró
Mastruz com Leite. Com nenhuma experiência ou qualificação musi-
cal,Gurgel entra como capitale com a ideia de um perfil estético para
este forró, que deveria ser "progressista e estilizado"2" e encher a pista
de dança. Assim, elege músicos, cantores, bailarinas e canções para
produzir um espetáculo sonoro e visual de grande impacto. Para apoiar
a divulgaço da banda, Gurgel estrutura uma ampla estratégia de di-
vulgação, baseada na criação da rádio via satélite Somzoom Sat, que
funciona como "produtora de conteúdo" a ser retransmitido para ou-
tras emissoras autorizadas. Tendo eixo
como principal a divulgação
do forró, "assim como a Jovem Pan e a Transamérica faziam com a
dance music"3", mas sem concessão
pública para emissão radiofô-
nica, a Somzoom consegue em pouco
tempo espalhar seu sinal por
várias cidades do interior do Nordeste, além da
capital cearense e
ampliar a difusão do estilo, já em sua forma "progressista". O empre-
sário transformado em
produtor decide todas as etapas da produ-
ção musical (escolha das músicas, dos
arranjadores, dos músicos, do
estúdio de gravação,
agenda os shows, paga os cachês e embolsa os
lucros) e alavanca um mercado
vigoroso. Na esteira da Mastruz, sur-
gem diversas outras bandas, também montadas de
maneira seme-
Thante por
produtores-empresários do ramo do entretenimento,
dispostos a investirfilo comercial aberto por
no
Gurgel. A própria
Somzoom configura-se atualmente como uma
espécie de holding
que "detém os direitos de sete bandas de
forró, controla um estúdio
de gravação, uma
editora musical e gera via satélite
para as afiliadas espalhadas
programação
no país afora"2".

29
Há algumas questões que se destacam neste
lugar, é necessário discutir que música é essa projeto. Em primein
sucesso popular e cresce
que atinge tão ráni
exponencialmente desde o início da rápido
de 1990 até os dias atuais. A
análise de certos década
musicais pode ajudar a padrões temáticose
compreender de forma mais aprofundada
elementos e mecanismos
gerenciais e simbólicos de uma prática cul.os
tural de
inquestionável
sucesso popular. Num
segundo momento, é
interessante observar o que essa estrutura
do para o mercado musical e empresarial traz de inusita-
quais suas implicações sobre a autono-
mia artística de seus
protagonistas e sobre o resultado musical
propriamente dito. Por último, podemos pensar de maneira
"novo forró" dialoga com o que este
universo simbólico do
cado inaugurado por Luiz segmento de mer
Gonzaga no final dos anos 1940 tanto em
termos estéticos
quanto éticos, e, sobretudo, que elementos
zam essa música como um
caracteri
reprocessamento de um certo imaginário
nordestino realizado em suas
performances.
Festa, amor e sexo: o texto
Fazer uma música
endereçada ao público jovem não é algo que
serealiza exclusivamente a
partir de intenções mercadológicas. Pard
seduzir o público jovem, o forró eletrônico (assim como o axe,
pagode e a música sertaneja) está construído a
partir de uma apro
Ximação evidente de alguns elementos estéticos que caracterizam a
cultura
internacional-popular jovem, pelo menos em seus aspecto
mais
generalizantes. E necessário entender que a vertente
do forró-
eletro
iniciada pela Mastruz busca dialogar como
-

referencl
Pop, traduzindo-o para o universo sonoro e semiótico da mussica
regional, Assim, as temáticas
das deste
predominantes nas cançoes aas ban-
segmento são formadas por um trinómio conceitual: Tesle
amor e sexo. Desses três
eixos, a noção mais que ega
importante, ag

30
forró eletrônico, a festa é o
o
ideia de festa. E, para
demais é a desti-
produção esmerada
as e
sonoro com
visual e
show, o espetáculo como o Pátio
locais amplos, a céu aberto,
em
nado a ser apresentado
Cordeiro, em Recife.
de Exposições de forma de
a música é uma
voltarmos à ideia de que
E preciso aqui or-
maneira de estabelecer uma
e uma
pensamento compartilhado festa é
social do tempo e das relações afetivas. A noção da
ganização somente um evento
central neste processo,
uma vez que agrega não
induz a uma certa
musical irá ocorrer, mas
no qual a experincia
Não há festa sem
ambiência afetiva compartilhada pelos presentes.
sem encontros
muita gente, sem dança, sem bebida, sem paquera,
Para festa, é preciso que a música
sociais de naturezas múltiplas. ser

estabeleça modos de estar coletivamente, instaurando regras para


as

A
relações humanas e para o acesso a estados afetivos específicos.
festa é um momento memorável da vida, um acontecimento atipico
em nosso cotidiano, onde, apesar das regras e de sua estrutura rela-
tivamente previsível e fechada, há espaço para o imprevisto, para o
encontro fortuito, para o compartilhamento de laços afetivos provi-
sórios, para a vivncia coletiva de situações não corriqueiras. A festa
Se caracteriza também por uma certa intensidade. Não pode ser fes-
ta se não é
possível mergulhar profundamente no conjunto de ele-
mentos à disposição dos participantes. Música alta e iluminação
parcial (que mostra e esconde rostos, silhuetas, contornos) colocam
0 ambiente da festa
a0 canto
propício
como
para um intenso convite à dança,
coletivo, à formação de grupos e de casais. No caso do torró
eletrónico0, o show é a festa. Como show, funciona como um
espeta-
Culo tortemente
baseado na saturação. Som, luz e várias informa-
Goes são despejadas do
palco para o público, estabelecendo uma
atmosfera saturada de
um
informações. Todas bandas têm mais de
as
cantor (quase sempre 3 ou 4), um naipe de metais, baixo, guitar-

31
ra, teclado, bateria e pelo menos um
ria tem um grupo de
sanfoneiro. Além disso.
a maio
bailarinas (as vezes, -

ocupam o palco com roupas sensuais,


raramente, são casais) aus
e
bandas mais bem sucedidas deste mercado coreografando as
des. A.
cancões A
têm
prio de som e luz e levam para os shows
equipamento nr
equipe numerosa de apoin
para montagem, execução e
é feito para
desmontagenm deste equipamento. Tuda
garantir um certo padrão de qualidade técnica cuio nro.
pósito é fazer a festa acontecer, sem erros ou
Mas surpresas.
um outro
aspecto importante das festas é a sedução.
quer encontro entre grupos humanos acaba Qual.
sempre envolvendo al-
gum tipo de sedução que, dependendo da ambiencia
resultar em uma sedução envolvida, pode
propriamente erótica. Neste caso, a festa
proporcionada pelo forró eletrônico tem todas as características para
ser um evento deste
tipo, desde a estrutura de som e luz até a grande
sensualidade dos cantores, das letras das
canções e, sobretudo, das
bailarinas. O repertório, sem dúvida, é
peça chave nesta engrena-
gem. Uma vez que todas as relações sociais são estabelecidas numa
festa partir do compartilhamento das músicas entoadas, o conteúdo
a

dessa música torna-se um elemento


deflagrador (ou dissimulador)
dessa experiéncia sensual. As
canções do forró eletrônico apresen
tam uma forte ênfase na
própria festa, que é reforçada pela instru
mentação dançante e pelo tom coloquial dos cantores. Canções que
falam dos elementos da festa são recorrentes. A bebida, a ea
dany
paquera so ingredientes deste universo e aparecem em varia
an

umente
oes. Mas a
a
grande motivaçâo da festa não é a bebida exclusivamen
nao ser nos casos em que ela serve para "esquecer, sendo eiculo
ente-
para estabelecer estados alterados de consciência
coletivamen
sexuais.
mas os encontros
sociais e, principalmente, os amorosos
esen-

Amor e sexo são vivências complementares, ainda que i oncrela.


tem
respectivamente um sentimento e uma atividade fIsIea

32
bandas em atividade Nor-
Analisando o repertório das principais
no

Saia Rodada, Aviðes do Forró e Calcinha Preta


desteatualmente
-

continuidade entre as narrativas propriamente


podemos observar uma
amorosase aquelas que descrevemo ato sexual. A maioria das canções

que falam de sexo apontam para uma realização sexual como uma
parte fisica do próprio amor, ainda que algumas dessas canções apre-
sentem linguagem reconhecida como vulgar e utilizem amplamente
"duplos sentidos" nem tão duplos assim. Esse tratamento do amor
carnal contrasta com o amor idealizado e platônico de dezenas de
canções, por exemplo, do repertório da música sertaneja, que pre-
serva uma certa aura de não-corporificação em descrições estritamente
sentimentais. No forró eletrônico, as narrativas amorosas e sexuais se
aproximam, por exemplo, do tratamento romântico do amor da obra
de Roberto Carlos, na
qual o sexo aparece como parte integrante da
vida romântica do casal. "Lençóis macios" e
"cavalgadas por
toda noite
moldam imagináário romântico no qual amor e sexo não são ex-
um

cludentes, mas complementares. E este o


principal filão temático do
forró, que associa a sensualidade e o
romantismo propriamente se-
xual à ideia dafesta, seja diretamente através das letras ou indire-
tamente, pela recorrência sonora de
alguns elementos musicais
(melodias, harmonias, estilos vocais, levadas,
quena digressão sobre o nome das
andamentos). Uma pe
bandas ajuda a entender a conti-
nuidade entre festa, sexo e
o nome das
Protagonistas da cena forrozeira atual,
amor.
très bandas de maior
sucesso apontam
para algum tipo de
estrategia de sedução propriamente sexual, bastante
da
calcinha, um explícito na cor
pouco menos nogiro da saia (que faz aparecer a cal-
Cinha) mais indireto
e
no uso da
metáfora do avião, que ao mesmo
tempo evoca "algo
grande, moderno" e "mulher bonita e
giria popular. E
interessante observar que a forma do nome gostosa" na
Forró tem Avioes ao
inúmeros rebatimentos em nomes de
outras bandas como

33
Solteirões do Forró, Gaviðes do Forró, Taradões do Forró e
Cavaleiros
do Forró. Tarados, solteiros, gaviões e cavaleiros são
metáforas di-
intensificadas pelo uso do superlativo, que remetem ao estado
retas,
de um jovem "macho -

em busca de "fèmeas"
para acasalamento
nas noites de festa (forró). Com isso,
reforça-se o endereçamento
deste universo musical para o jovem, entendendo
juventude aqui
como o espaço de tempo vivido entre o ambiente da
infåncia e a
esfera da vida adulta, caracterizada fortemente pelo casamento, pelo
trabalho e pela constituição de uma nova unidade familiar3", numa
visão bastante conservadora mas incrivelmente eficaz para carac-
terizar a ambiência do jovem atual não necessariamente
ligada
exclusivamente a uma certa faixa etária.
Aqui podemos voltaràcena do Pátio de Exposições e comparar as
letras de Chupa que é de uva, lançada por Aviðes do Forró no início de
2008 e Senta que é de menta, da banda Cavaleiros do Forró,
lançada
logo após. O embate superficial entre a uva de Aviöes e a menta de
Cavaleiros representa um jogo de visões compartilhadas e de sím-
bolos trocados. As cançðes têm instrumentações e formas bastante
semelhantes, iniciando com introduções que executam trechos das
melodias principais pelos metais (trompete, sax e trombone, sempre
em bloco) e com praticamente o mesmo andamento e levada. Vale

destacar que as melodias dos refröes das duas canções é bastante se-
melhante, forjando um ambiente de trocas simbólicas evidente. Em
ambas as canções há um diálogo entre um casal de cantores, que en
carnam personagens ideais de homem emulher na narrativa musical.
Aqui é importante destacar que os debates sobre música e sexuali-
dade estão sempre atravessados sobre as diferenças entre gèneros, uma
vez da
que o sexo
canção popular é tratado quase sempre como u ma
atividade heterossexual, que
implica em determinados papéis estereo
tipados relativamente rigidos. Essa visão conservadora sobre o exo

34
não é contestada pela música do forró eletrônico, que mantém sua
homeme mulher explícita. No
énfase numa abordagem de relação
essa evid ncia é confirmada pelo diálogo di-
caso das duas canções,
narrativos descritos
reto entre o casal de cantores, que ocupam papéis
entre eles:
nas letras, instaurando uma conversa

Senta que é de menta


Chupa que é de uva
HOMEM Vem meu cajuzinho, HOMEM Hoje eu fazer um
Big Brother,
te dou muito carinho funk, forró e pagode
Me dá seu coração, La dentro do meu apê
me dá seu coração Só eu e voc, vai ter BBB
Vem meu moranguinho, Hoje minha cama é paredão,
te pego de jeitinho sem anjo, sem salvação
Te encho de tesão, eu já indiquei você
te encho de tesão Vou botar pra descer,
MULHER Me deixa maluca, vou botar pra descer
tirar o mel da fruta MULHER Paizinho outro jogo adiado
Me mata de amor, e eu não quero mais
me mata de amor Porque só a preliminar
Me pega no colo, não me satisfaz
me olha nos olhos
Chupei sua uva e gostei só que não rolou
Me beija que é bom, E eu na vontade fiquei sem fazer amor
me
beija que é bom HOMEM Já que você me
HoMEM Na
provocou
sua boca eu viro fruta agora experimenta
Chupa que é de uva Senta que é de menta,
Chupa, chupa, chupa que é de uva senta que é de menta

Tchaca tchaca, vuco vuco,


será que você aguenta
Senta que é de menta,
senta que é de menta

Os dois casos
ilustram bem o tipo de
que o forró eletrônico busca
abordagem de amor e sexo
sublinhar, inclusive ajudando a identi-
ficar modelos
distintos de narrativa erótica. No caso o da primeiro -

35
uva - o uso de uma metáfora sexual bastante evidente (tanto o yerho.
chupar quanto a associação dos genitais a frutas são amplamente
conhecidas) para descrever o ato sexual é complementado com uma

ambientação afetiva do casal que aparece tanto no uso dos diminu-


tivos de tratamento (cajuzinho, noranguinho) associados ao pro-
nome possessivo quanto nas ideias de "coração" e "amor" narradas
textualmente. Assim, este é um exemplo evidente que parte do reper-
tório do forró eletrônico opera numa continuidade entre amor e sexo,
onde a "uva" chupada está associada à doação do próprio coração0, a
um tratamento carinhoso, a um beijo (ainda que notadamente eró-
tico), ao olhar "nos olhos" até o desfalecimento do ato sexual propria-
mente amoroso ("me mata de amor, "eu viro fruta"). No caso da menta,
por outro lado, a narrativa obscurece o viés romântico, estabelecendo
associações mais propriamente sexuais do que amorosas, como coisas
distintas. A menção ao popularíssmo programa da TV Globo Big
Brother - que enclausura jovens de belos corpos e sorrisos numa

casa, expondo intimidades e relações sexuais mais ou menos expli-


citas transmitidas a uma audiência voyeurista - já remete a um am-

biente social (a própria casa do BBB) moldado de maneira superticial


e circunstancial, onde o sexo é casual e midiático. Indo mais além, a
referência a determinados momentos do jogo do programa como o

paredão" e a "salvação" ea própria preparação do refrão ("vocepro


vocou, agora experimenta!") colocam uma certa agressividade no

ambiente sexual que parece dissociada do romantismo dos diminu-


tivos "cajuzinho, moranguinho, jeitinho" de Chupa que é de uvu.

Soma-se a isso a referência explícita à canção de maior sucesso (cnu


pei sua uva mas não rolou), indicando que somente as "preliminare
nao satisfazem, o que evoca mais uma vez uma função casual e daté
mesmo utilitária do de
sexo comodescarga e não como momc
intimidade e cumplicidade de um prazer reciproco.

36
Apesar dos
tratamentos diferenciados do sexo" (que poderiam
ser traduzidos sinteticamente como uma abordagem do sexo com

de sexo sem amor), o padräo sonoro e a recorrência de


amor e outra
um ambiente de continuidade entre as
elementos musicais moldam

duas canções,desenhadas através de um "clima" joveme dançante.


Assim, festa (show) unifica as diferentes abordagens do amor e do
a

sexo, que aparecem condicionadas ao seu próprio compartilhamento


coletivo. Os desenlaces amorosos e sexuais que são, a rigor, viven-
ciados a partir da festa e por causa dela.
Há ainda um outro aspecto significativo que devemos sublinhar,
neste caso não exclusivamente relacionado a esta ou aquela banda,
mas a um processo geral de construção do estilo eletronico do forró,
que perpassa praticamente todo o universo: a semelhança sonora.
Os padrões recorrentes de instrumentação e estruturação melódica
e harmonica, além de agudas ressonancias de estilos vocaise na
ambiencia visual de todas as bandas moldam uma atmosfera
carac
terizada fortemente pelo que Adorno e Horkheimer chamariam de
"estandardização". Segundo os autores da Escola de Frankfurt, em
influente ensaio sobre a "indústria cultural, o
processo de estandar-
dização representa uma estratégia para atrair a atenção do espec-
tador e "vetar sua atividade mental" Desta
maneira, o público ficaria
de tal modo inebriado
pela sedução da reiteração dos modelos pré-
existentes que o
potencial transformador e revolucionário da arte
seria irremediavelmente
perdido. É evidente que tais considerações
retletem um conjunto de
posições ideológicas fortemente datadas
pelo uso nazista dos meios de
comunicação e tal perspectiva rece
beu inúmeras críticas
desde sua formulação há exatos 60 anos. No
entanto, náo é possível
negar que a lógica própria de determinados
produtos culturais de alto giro reside, de fato, na
aelos
utilização de mo-
reconhecidos e reconheciveis. Porénm, afastando-se do
ponto

37
de vista apocaliptico dos críticos alemaes, podemos pensar que a re.
peticão de padrões estabelece um modelo de escuta confortável e con.
fortante, a partir do qual a experiëncia musical irá se intensificar e

construir elos identitários exatamente através deste


reconhecimento
dos padrões, das melodias, dos refrões. A ênfase no trinômio festa-
amor-sexo procura reforçar os laços afetivos do evento musical social,
cuja eficácia reside em seu amplo reconhecimento e compartilhamento.
A repetição torna-se, portanto, um instrumento de coesão e de signi.
ficação fundamental para o ethos do forró eletrônico.

Mercado e experiência musical: o contexto


O conjunto imagináário fundamentado a partir dos referenciais de
festa, amore sexo ressoam em todo um contexto mercadológico de
grande transformação. Vive-se atualmente uma apregoada "crise" na
indústria fonográfica mundial, que parece ainda desconcertada com
o esfacelamento de seu produto principal: o disco. As principais gra-
vadoras internacionais - que controlam altíssima porcentagem das

músicas distribuidas no mundo todo e são ligadas a conglomerados


transnacionais de entretenimento - nunca venderam música e sim

discos. Se num primeiro momento uma coisa se confundia com a ou-


tra (os primeiros suportes traziam registrada uma única música), a

musica foi progressivamente ocupando um papel secundário como


Surgimento do LP, produto que unia várias músicas e que intensihicou
a venda de "artistas" no mercado. Criou-se, portanto, um mercado
musical lucrativo e amplo a partir da associação de "artistas" a seus

discos, estabelecendo um modelo de produção e comercializaçao


musicas pela sociedade. A passagem do LP para o CD não modificou
Substancialmente o panorama, uma vez que a mídia digital apenas
ampliava a quantidade de músicas registradas no suporte, que Co
onti

nuou sendo o produto principal das chamadas majors". Ainaa e"

38
disco que movia o mercado musical, que se confundia com a chama-
No final do século XX, contudo, a popu-
da "indústria fonográfica'.
larização dos gravadores digitais e a invenção do formato mp3
facili-
promoveram uma alteração neste cenário. A partir de então, as
colocaram o consumidor informal-
dades de acesso e multiplicaço
mente em contato diretamente
com as músicas, numa relação não mais
necessariamente mediada pelo suporte disco. Por esta razão -

com

exerce atração incrível nos consumidores jovens, que são os principais

alvos do mercado musical verificou-se uma progressiva queda


- nos

índices de vendas de discos, preocupando e até mesmo assombrando


os executivos dos conglomerados, na esfera selvagem de competição
das grandes empresas. Toda a propagada "crise" deriva, portanto, da
necessidade imposta de uma reestruturação em uma organização co-
mercial secular, fundada no disco, que precisa se transformar numa
operação mais ágil de comércio de músicas, coisa que a indústria fono-
gráica nunca fez.
Do lado oposto, os consumidores de música gravada passaram
ter acesso e absorver repertório musical mais heterogêneo, colabo-
rando para uma considerável diversificação estética das ofertas de
música pela sociedade. As facilidades da
digitalização promoveram
uma alteração no mercado de música, estabelecendo um mercado
mais pulverizado e cada vez mais apoiado em certos nichos. O "em-
poderamento" dos pequenos mercados, em oposição ao consumo
massivo, tem sido apontado como uma característica peculiar do
mercado musical atual, eixo da diversificação de ofertas e bandeira
de luta contra a
hegemonia das grandes multinacionais3", Tal visão
um tantoromåntica, demonstra por vezes um certo deslumbramento
com uma
situação ainda transitória e indefinida, que não chega a
alterar substancialmente o
jogo macroeconômico do mercado de
música internacional.

39
Pode-se identificar que entre deslumbrados e
assombrados con-eno.
tram-se discursos
embaçados pela alta carga emotiva de ambos, ane
acabam escondendo que a atual configuração ue

do mercado musical
tecnológica e comercial
aponta para uma
perda de valor
comercial da
gravada. Isso significa que todos os
música onerosos custos e as
múl.
tiplas seleções estéticas que cercavam a gravação e a
discos pelo mercado promoviam parte da
distribuição de
valoração da música gra-
vada, que se revestia em prestigio e num certo valor
financeiro de
cada exemplar vendido. Para essa
engenharia dar certo, consumidores,
empresários e produtores precisam compartilhar que este produto
guarda em si o valor que ele custa. Esse elo se perdeu. Consumidores
com menos de 20 anos talvez nunca
tenham comprado um disco. Isto
porque não lhes parece razoável pagar cerca de 20, 30 ou 40 reais
para
levar para casa uma esfera
pequena digital com
apenas 12 ou 14 can-
ções das quais, provavelmente, ele ouviria apenas duas ou três. E
mais: pagar por este
produto material representa ir na contramão de
sua
própria cultura auditiva, onde o aparelho de som imobilizado no
meio da sala tem sido cada
utilizado como meio de exe-
vez menos

Cução privada de músicas, sendo substituído por ipods, telefones celu-


lares e pelo próprio computador. Através dessa escuta individualizada
e socializada continuamente com colegas e
amigos próximos, musicas
são intensamente trocadas e copiadas, fazendo circular de modo raal"
calmente informal e anti-comercial uma infinidade de canções de va"
riadas orientações estéticas. Porque pagar se posso copiar uma cera
música de um amigo ou da internet?
ESsa musica gravada sem valor comercial tem relação, é óbvio, om
o
barateamento dos custos de produção e gravação, que ampliara
exponencialmente a quantidade de músicas gravadas. Como uma lei
Simples do mercado, excesso de oferta representa retração nos eços
e
pl
diminuição no valor agregado da mercadoria. Ocorre que, no aso

40
do mercado de música, observa-se não uma perda de valor da música,
que simbolicamente amplifica sua importància social através de um
compartilhamento mais ostensivo. E o formato fonográfico enquanto
modelo de circulação musical que deixa de ser uma alternativa econo-
mica para os artistas e empresas.
A diminuição das possibilidades comerciais de fonogramas vem
acompanhada de uma ampliação substancial da valoração da mú-
sica ao vivo. Não quero dizer com isso que atualmente os shows
fi
caram mais caros até há casos em que isso é verdade, mas não é
essa a questão - , mas sim que o valor simbólico de uma experiência
musical in loco se torna a cada dia mais
importante no mercado como
um todo. O aumento do mercado de
DVDs confirma que o "calor"
do show apresenta valor financeiro
compartilhado por produtorese
consumidores. Ao mesmo tempo, o avanço
progressivo das grandes
corporações internacionais para o mercado de shows,
os artistas a
"obrigando"
assinarem contratos que incluam a receita dos
shows ou
que passe a administração desses shows
para a própria gravadora*
ratifica a força de um mercado da
experiência. Explorado há anos
por parques temáticos,
pelo turismo e pelo próprio cinema da era
pré-videolocadora, a venda de experièncias parte da ideia de
pessoa pagará não para obter a quea
mas para passar
propriedade um produto material,
alguns momentos desfrutando de algo peculiar que
se tornará memorável". E essa memória
ter um valor
da experiència que passaa
financeiro e simbólico importante
sical, fazendo
no mercado mu-
com que consumidores disponham de
Somas de dinheiro para passar, por
significativas
veiro como idolo exemplo, quatro noites num sa-
Roberto Carlos. Mais do que um
pacote vende a simples show, o
possibilidade de encontrar o "Rei' no restaurante
jantando ou tomando
água de coco na
piscina do suntuoso barco.
Concilia-se, desta forma, um evento turístico, uma atração cultural

41
ea exploração do cacife simbólico do mito, tornado próximo
no
compartilhamento do passeio de barco - símbolo de status, Trans.

portando essa reflex o para o campo mais firme da experiência dos


shows ao vivo, o mercado de experiëncia assume protagonismo de
algumas práticas musicais atuais, com0 a cena musical da chamada
axé music- fortemente ligada ao carnaval de rua de Salvador -e
certos ambientes do mundo pop.
É através deste mercado de experiencias que podemos entender
com mais propriedade o intenso mercado do forró eletrônico, pre
sente em pátios, espaços, praças, festas, "micaretas" e vaquejadas em
todo o Nordeste e além dele. Uma das chaves para este sucesso pu-
jante pode ser parcialmente creditada a um efeito de simbiose entre
o imaginário do forró eletrónico e sua organização empresarial e
comercial. Há dois aspectos aqui de grande relevância. Primeiro, a
montagem de bandas por empresários revela uma estratégia simbó-
lica que retira do "artista" e do "intérprete" parte de sua importância
referencial. E para o artista que historicamente a indústria musical
dirigiu suas forças de divulgação, mitificando os meandros da cria-
ção e alçando-o à condição de um individuo especialmente criativo
e até mesmo polêmico. Com isso, forja-se uma ideia amplamente
difundida de que o produto artísticoé obra da mente deste criador
diferenciado, minimizando, inclusive, as colaborações coletivas de
produção artística, que, no campo da música, são absolutamente
fundamentais (a obra musical é produto da ação estética coletiva de
compositores, arranjadores, intérpretes, músicos e produtores, e a
canção é a síntese final de todas essas intervenções criativas). Ocorre
que no caso do forró eletrónico, busca-se, ao contrário, um apa-
gamento individual dos artistas em prol da marca da banda. Numa
perspectiva propriamente empresarial, é a marca que será vendida e
veiculada no mercado, neutralizando rostos e individualidades dos

42
substituidas
integrantes das
bandas. Assim, as "peças podem ser

comerciais diretos, ampliando


relativa facilidade, sem prejuízos
com
o poder dos
"donos" das bandas em relação ao seu uni-
ainda mais
trabalhista. A aniquilação da auto-
e de exploração
verso de atuação
em benefício da
autonomia comercial do
artista
nomia estética do
e dos produtores é um aspecto altamente complexo do
empresário
pois relega os músicos e cantores a um plano
universo das bandas,
de trabalho que resulta muitas vezes em
inferiorizado de contrato

intensa e até mesmo perversa. Por outro lado, essa


uma exploração
reforça, indiretamente, o caráter propriamente
desautonomização
dos
experiência musical, visível (e audível)
no momento
coletivo da
central para o estabelecimento de
shows, tornando-se ingrediente
identificações adesões simbólicas. Com isso, a própria narrativa
e
fun-
histórica sobre música popular sofre algumas alterações pois,
sucessiva de autores e obras,
dada quase exclusivamente na descrição
movimentos e tendências m u
precisa ser redefinida para incorporar
sicais, mais do que indivíduos. No caso do forró eletrônico,o prota-
de rock
gonismo das bandas- substancialmente diferente dos grupos
exatamente por afastarem-se de forma mais latente dessa autonomia

artistica problematiza a própria orientação individualizante desta


narrativa, deslocando a reflexão estética para esferas relacionadas à
sua circulação e sua "propriedade" (os empresários são comumente

tratados como "donos" das bandas).


Um segundo aspecto diz respeito exatamente à vinculação desta

banda-empresa ao momento da performance como eixo central das


significações e compartilhamentos de sons e simbolos. O circuito de
produção está organizado com um claro direcionamento para atrair
o jovem para os shows (festas) das bandas, que alimentam-se e di-
vulgam-se reciprocamente num mercado intenso e de amplo alcance
geográico. As escolhas das músicas, dos arranjadores, dos músicos,

43
dos estúdios de gravação e das faixas dedicadas à divulgacäo
fönica são feitas meticulosamente pelos empresários com o end.
radio
çamento claro para o momento do show, que configura-se comolere
foco
principal desta estratégia, na qual o suporte gravado em disco seru
serve
principalmente como spot de divulgação para execução em rádios
dios.
Através do pagamento de jabá"o para as emissoras de rádio, os da.
nos das bandas "compram" determinada quantidade de execuciee
de uma ou mais faixas desse disco. Convém lembrar que a Som200m
om
Sat foi o pilar de distribuição das músicas da Mastruz com Leite,no
início dos anos 1990, sedimentando a nova estética do forró. Defor
ma análoga, o rádio continua sendo veículo principal de divulgação
musical não somente para o forró, mas para quase todas as práticas
e gêneros musicais.

Mas a divulgação dos shows não se restringe à veiculação radio-


fonica. As bandas de forró quase sempre contam com um comple-
mento bastante ativo de usuários de internet que divulgam músicas
e shows em páginas no Orkut e sites dedicados ao forró. Com isso,
forma-se um intenso circuito "forrozeiro" em torno das bandas, que
é inteiramente direcionado para os shows. Numa enquete realizada
através do Orkut sobre a banda Aviðes do Forró, diversos fs e até

mesmo aqueles de declararam não gostar muito da banda apontaram


OS shows como uma experiéncia peculiar de grande impacto e qua-

lidade". A ênfase com que os frequentadores aderem ao conjunto d


ituaise à expectativa das apresentações ao vivo confirma essa hip0
Tese. De modo complementar, verifica-se que no forró eletrónico ha

um movimento constante de registro de vários shows feitos tanto ae

forma amadora (com neras de celulares e de baixa qualidade)


quanto num formato mais comercial (financiados pelos empresu
nos que contratam empresas de gravação para registro dos WS,

vendendo nos
os DVDs com edição rápida e qualidade irregult

44
O que importa aqui é o registro da experi-
shows subsequentes).
ência, que será comprada
(ou distribuída pela internet gratuita-
estavam presentes na hora
mente) principalmente por aqueles que
funciona como uma espécie de
da festa. Neste caso, divulgaço
a

video doméstico, alimentado o prazer de visualizar e principal-


mente rememorar um evento do qual se participou, interagindo
com esta lembrança. Assim, mais uma vez observa-se uma produção
em excesso de DVDs de bandas, cuja função é muito mais publi
citária e afetiva do que propriamente comercial.
Omercado de shows do forró eletrônico caracteriza-se ainda por
um alcance geográfico extremamente amplo. Independente da ori-
gemespecifica de cada uma das bandas-Sergipe, Cearáe Rio Grande
do Norte, nos casos, respectivamente de Calcinha Preta, Aviões do
Forró e Saia Rodada - a ampla circulação por centenas de cidades

nordestinas molda um intenso compartilhamento efetivo de sua


ambiência musical e afetiva. Uvas e mentas, saias e calcinhas, tara-
does e solteirões circulam por capitais e cidades de todos os tama-
nhos estados nordestinos construindo uma
nos nove
espécie de rede
musical e simbólica que, num processo
capilarizado e orgànico, ela
bora um sentimento
agudo de pertencimento compartilhado seja
através de sons, gestos, temas, refrões e visuais
intensamente troca-
dos por grande quantitativo de público predominantemente jovem.
Através do rádio e de sua presença fisica
várias localidades, o
em
forró eletrônico se tornou um
parceiro importante de políticos lo-
cais, que patrocinam shows em
troca de apoio velado ou
associando seu nome à festa explicito,
proporcionada em praças e clubes. Tal
aspecto intensifica o teor contraditório e
das
conflituoso que o sucesso
narrativas nmusicais do forró
eletrônico agregam e
cuja adesão
maciça resulta em um
das
complexo processamento dos limites éticos
práticas culturais. Se para o
politico é altamente proveitoso apoiar

45
show de uma banda de projeçao em detrimentode
um de outros
outros gru-
pos e artistas locais ou regionais,
escolhas para
as

público de eventos culturais deveriam em teselbuscar uma


financiame
cão entre estéticas distintas, apresentando à população concilia.
artistas no.
toriamente alijados de um circuito propriamente
comercial, Esta
ressalva se intensifica enormemente se
pensarmos que a vertente"Dé
de serra" do forró é uma musica consolidada no
imaginário da inte.
lectualidade urbana como música representativa
daregião
preterida comercialmente por uma estética que articula Nordeste
e valores radicalmente distantes.
pensamentos
Além disso, deve-se
destacar que o
trinómio conceitual do forró eletrônico (festa, amor e
sexo) se apoia
em um
conjunto referências morais altamente delicadas e
de
micas, ampliando resistências e fornecendo polê-
violentas sobre sua circulação argumentos para recusas
apoiada com verbas públicas.
Em torno de todoesse debate,
um artefato cultural de
reforça-se a ideia de que a música é
grande impacto no cotidiano da população, e
que ideias,
as
pensamentos valores a ela associados tendem a
e
compor
um
quadro de intensa afetividade social, construindo identidades em
torno de
repertórios e modos de ser negociados e
compartilhados.
O ético e o
estético
O forró eletrônico é
considerado pela crítica uma música de baixa
qualidade. Aliás, certos setores
riza contundente
manifestam explicitamente uma oj
contra este
segmento, chegando a desqualificar seu
publico e seus agentes. Como
todo julgamento de valor, observa-se
nas criicas
uma tentativa insistente de
todos os críticos (tanto os
objetivação. Em outras palavra
em profissionais, que divulgam ritos
escri
seus
jornais, revistas, sites e
blogs quanto os "críticos comuns, ntes
ae musica
que conversam sobre ou
música com alguma regular ade,
Julgando artistas e músicas
para seus interlocutores) procura

46
valorativos a partir de elementos
claramente
senvolver argumentos
estabelecer critérios de valoraçäo absolutos
identificáveis, tentando
sua opinião. Uma crítica baseada exclusivamente no

que justifiquem
credibilidade exatamente por não conseguir con
gosto pessoal perde
sistência argumentativa ou nåo se apoiar em aspectos observáveis.
forró eletrónico, dois argumentos são
recorrentes. Oo
o
Assim, contra
da produção musical, classifican-
primeiro aponta defeitos "técnicos
se chocaria com o
do a música como "padronizada"e "repetitiva', que
principio de inovação e
criatividade norteador de um certo senso com
este critério, vale destacar que
partilhado de qualidade artística. Sobre
de valoração do
ele se consagra a partir da transposição de estratégias
ambiente legitimado das artes eruditas para o campo da música po-
assina obra inova-
pular. A exigència de um artista criativo, que
uma

dora que seráfruida por um público atento e silencioso manifesta


uma

do
intenção de algumas práticas de música popular de se aproximar
ambiente de valoração compartilhada da música erudita, da sala de
concerto, da liturgia respeitosa que cerca este universo. Ocorre que na
música popular os critérios de valoração caminham com frequència
em direção oposta; buscando valorizar a participação corporal e a
dança como formas ideais de compartilhar da experiência musical.
Um outro aspecto importante é que a experiência de escuta da cha-
mada canção popular depende fortemente da utilização de certos cli-
chès e padròes reconhecíveis, que se tornam caracteristicos de dicções
de artistas, de gêneros musicais e universos simbólicos. Este reconhe-
cimento de padrões molda uma escuta fundada na familiaridade das
sonoridades, soluçðes ritmicas, líricas, melodias e harmonicas. Fami-
liaridade esta que se torna fundamental para o estabelecimento de
uma atmosfera de compartilhamento de ideias e
pensamentos sociais
processados pela experiència sociocultural da música. E claro que a
dosagem entre repetição e inovação funciona como diferenciadora de

47
aalidade em vários contextoS musicais, mas no é possível dor
possível deter
minar exclusivamente atraves deste criterio uma argumentacäo
va
lorativa negativa contundente. Para isso, e necessário associar eses
sa
suposta falta de "criatividade - um conceito vago o suficiente Dars

ser adotado por qualquer discurso valorativo a outros elementos


desqualificadores.
Uma outra razão parao rebaixamento estético do forró
eletrônico
seria seu componente sexual, entendido como um recurso
menor de
sedução, baseado na utilização explicita de estratégias e narrativas se-
xuais tidas como vulgares ou "de baixo nível'. Com frequência, os dois
argumentos caminham juntos, temperados com uma espécie de raiva
contida que permeia o estado emocional dos criticos. Talvez
parte deste
rancor possa advir da
percepçã0, ainda difusa, que esta música está
moldando um perfil de escuta e interpretação da
juventude nordes-
tina atual que trafega por caminhos radicalmente distintos dos
refe-
renciais consagrados de identidade
regional. Isto é o público jovem,
através da música, está encontrando caminhos
próprios para traçar
seu mapa identitário, se afastando
de determinados modelos que não
hes parecem mais pertinentes ou
adequados. Contudo, convm ana-
lisar pouco mais de perto as condições e os conteúdos do forro
um

eletronicoe de sua critica para


aprofundar a questão.
Mexendo em representações musicais sedimentadas como eixo0s
de uma identidade nordestina reconhecida, ainda
que
ca, o forró eletrônico altera as condições de compartilhamento de
problemat
codigos relacionados à própria noção de Nordeste, tensionado seus
elementose pressupostos. A identificação do forró gonzagueano com
a cultura
nordestina", como vimos, foi construída com base em unma
determinada ideia de Nordeste eminentemente rural, expressa nuum
repertório que sistematicamente sublinhou
alguns traços e caracie
TiSticas peculiares e conservadores do sertão. O ambiente ima

48
todas essas décadas associado as ideias
forró esteve durante
ginário do rigidez da moral serta
e n v o l v i d a s em uma certa
mas
e festa,
de dança forró
um discurso masculino, o
Fortemente
caracterivado por
neja. viés
tem narrado
histórias e situaçóes que reforçam seu
tradicional
A familia aqui é uma unida-
conservador e sua ambienca amiliar"
um determinado conjunto
social que representa
de de organização
bem detinidos
que moldam papeis
de relações sociais hierarquizadas
na "rua". A funçåo
do "pai" - autoridade má-
de atuação na c a s a e
coercitivo que re
assume, neste ambiente, carater
xima de poder
-

cada espaço, em cada


gula a conduta e as relações permitidas em

uma certa
ao ambiente lamiliar promover
festa. Por outro lado, cabe
emocional e financeira, constituind0-se assim um espaço
segurança
forte sentimento de pertencimento.
de tranquilidade fundado num

A educação se torna um dos atributos da familia que, ao lado da


de regras, normas e
escola, deve ensinar para os tilhos o conjunto
condutas sociais aceitas e compartilhadas.
Com a ampliação do alcance das comunicações de massa, con-
comitante com o desenvolvimento e crescimento propriamente in-

dustrial dos centros urbanos durante a primeira metade do século


XX, a função educadora e disciplinadora da familia passa por agudas
transformações que, de um modo geral, Ihe tiram parte do poder de
determinar os limites éticos entre o certo e o errado. Nas cidades
contemporåneas, sobretudo nas médias e grandes, a familia exerce
cada vez mais precariamente seu papel de espaço de segurança e

poder, que vem sendo substituido por outras esferas de circulaçãoe


relações sociais. Num jogo complexo de perdas e ganhos, a dimi-
nuição do poder da família tem
aspectos negativos observáveis (como
a
destruiço de alguns referenciais hierárquicos, a dissolução de va
lores
compartilhados, a pulverização da própria ética), mas que vem
acompanhados de avanços sociais notórios (como a redetinição do

49
de abusos sexuais e físicos, a amnli.
papel da mulher, a condenação
ção da participação comunitária nas tomadas de decisões doméstiecas
e coletivas)0. Para o jovem, sobretudo, o sistema de relações repres.
sivas da família parece ser ainda menos importante nos dias de hoie
o que o leva a acionar espaços e interaçóes sociais menos regulado.
ras fora do åmbito doméstico. Neste contlito geracional (os pais nunca
admitem "perder" os filhos para a "rua'"), a sexualidade aparece como
um dos aspectos mais tensos de negociação moral, para ondeapon
tam várias questões relacionadas à normatização de condutas, re
gras de comportamento e at mesmo as ações mais corriqueiras e
cotidianas dos individuos em sua vivência familiar. E, dentre as prá-
ticas culturais que evidenciame processam toda gama de disputas sim
bólicas do jovem com o mundo que lhe cerceia, a música se torna um
meio particularmente eficaz de estabelecimento de elos sociais, redes
de identificação e núcleos de convívio social alternativos. Assim, o
Sexo é um tema que atravessa o ambiente musical e que catalisa e ex

põe diferenças de modos de ser, pensar, sentir e agir socialmente. E


aquique o estético encontra o ético e ambos moldamo campo de
disputas de legitimidade cultural compartilhada.
Operando numa arena fronteiriça das normas morais vigentes, a
temática do sexo (com ou sem
amor) no forró eletrônico expoe con
radiçoes éticas entre gerações e grupos sociais, desafiando modelos
ae
comportamento sexual consagrados pela moral conservadora crista.
Convém destacar
que o apelo erótico no forró eletrônico abrange quas
todos os elementos
das performances das bandas, com ênfase
para a
coreografias sensuais de dançarinas em
nome de
figurinos reduzidos, pard
algumas das bandas, para as diversas alusões
sensuais noestilo vocal de cantorese propriamen te
cantoras e, sobretud0,
temático das letras das cancões. São elas Pai
recorrente conteúdo
que u
cionamcomo difusores de um sentido
propriamente sexual da an-

50
são alvo mais ácido de criticas
das de forró eletrônico, e que, por isso,
como se a explicitação de temáticas
de toda ordem. Tudo funciona
ligadas à sexualidade em letras de canções fosse um elemento ine
de pensa-
quívoco de aferição negativa de qualidade,
numa corrente

mento que pretende imputar um caráter mais sublimado à experiência

musical popular, aproximando-a da esfera de consagração erudita.


Por outro lado, é fato que, ao operar numa zona de fronteira, os
limites éticos aceitos quanto à forma e ao conteúdo de temáticas se-
xuais são constantemente ultrapassados por algumas bandas, pro-
vocando deslocamentos de sentidos e avalanches de críticas, até
mesmo de alguns fäs. Soma-se a isso o fato de queo trinômio con-
ceitual do forró eletrônico (festa, amor e sexo) implica numa certa
continuidade entre bebida e sexo, numa abordagem que muitas vezes
tem o efeito de apologia. É evidente que estamos falando em uma
época na qual a sociedade brasileira está particularmente atenta e

afinada com uma desejável ampliação da adesão ao que se conven-


cionou chamar de "politicamente correto", frontalmente desafiado
por letras que falam em "beber, cair e levantar"l ou "bebi todas pra
poder ligar"", No debate ético atual, menções a formas tradicionais
de segregação ou preconceito são desencorajadas e muitas vezes pu-
nidas com leis e códigos morais cada vez mais compartilhados e di-
vulgados. Ainda que algumas noções contemporâneas de civilidade
ainda não ten ham atingido parcelas majoritárias da população, a re-
corrência de campanhas publicitárias e a promulgação de leis e decre
tos sobre os "direitos humanos" moldam um ambiente sociocultural
no qual a ética encontra-se na ordem do dia. Parte da viol ncia das

criticas é proveniente exatamente deste setor da sociedade empenha-


do na
transformação de paradigmas morais compartilhados pela po
pulação, que percebem no universo musical de práticas como o torro
uma
espécie de retrocesso ético. Apologia ao álcool, valorização de

51
condutas sexuais episódicas, éntase no
apelo erótico de cancäes
per
formancese juvenilização do publico (cada vez mais cedo os adol
centes aderem a
práticas musicais do nmundo
adulto, acesando
temáticas, danças e retrões que processam uma
ambiência cultural
compartilhável) são
componentes presentes no forró eletrônicoc
apontam para graves problemas éticos que a sociedade que
através de
-

sua elite intelectual, de da


parte classe politica de organizações sociais
e
cada vez mais ativas -

tem se
estorçado para enfrentar.
Neste contexto, é inegável
conteúdo expresso de
que o

canções por operar nesta zona de fronteiras éticas causam


algumas
descon-
-

forto e constrangimento até mesmo em seus fs


que, mesmo relevando
a
mensagem verbal e priorizando o conteúdo sonoro e simbólico
da
festa, compartilha a apologia de
situações e reações ligadas à temática
sexual, que muitas vezes reitera
sas e conservadoras
ideologias altamente preconceituo
através vocábulos normalmente
censurados em
conversas cotidianas. Vale
destacar que o discurso
trado forró
padro encon
no
eletrônico, apesar de verbalizar com certa
tura narrativas sexuais, é desenvol
proferido basicamente a partir de uma visão
bastante machista das
relações entre os sexos, construindo um ima-
ginário mulher altamente conservador
da
é tratada como
quanto ao sexo. A mulher
alvo de um amor passado ou
possivel - numa ideo
logia romantizada do papel feminino ou atua como
sexualmente ativa, neste caso sendo
personagem
classificada como prostituta ou
como
companheira "de uma noite". Esse duplo papel estigmatizado
entre a
esposa virtuosa (amorosa,
companheira, fiel e dedicada) e
a
prostituta (disponível para relações sexuais em
não se deve
eventuais e com
que
estabelecer um envolvimento afetivo) ma
aponta para u
arualizaço de um imaginário altamente ta-
mente combatido
conservador e
violen
há mais de 4 décadas
de direitos humanos. por feministas e derens

52
como um processumento
musical
se
entendemos a pråtica
Porém, modos de ser.
comportamentos e
valores. pensamentos,
de ideias, pessoas,
somos obrigados a
como
mundoe c o m as
estar e interagir e a diversidade dessas ideias.
assumir a complexidade
e
interpretar conflitos e dilemas.
destacando s u a s contradições,
etc,
pensamentos, ban-
quase todas
as
em
sexual, por exemplo,
empregada
A temática variantes estilísticas
apresenta significativas
eletrônico,
das de forró
de tendèncias, pensa-
uma grande pluralidade
que apontam para
morais compartilhados.
A rigor, todos os
valores e códigos
mentos,
variadas de
forma lidam com esferas
musicais de alguma
gêneros umas com as outras.
Não
temática, entram em choque
inserção que
"defesa" da liberdade de
estou querendo, com
isso, elaborar uma
de seu público, mas buscar um aprofunda-
expressão das bandas e acio-
os usos e os filtros
mento no debate que possa complexificar
música e de qualquer outra. Não
nados pelos consumidores desta
-

determinada experiència mu-


é verdade que, ao participar de uma
sical, somos obrigados a interagir e concordar com todos os pres
Ao contrário,
supostos e conteúdos ideológicos daquele repertório.
é quase certo que, no processo de compartilhamento de experièncias

musicais, os individuos e grupos elejam elementos que acionam seu


pertencimento àquele universo em detrimento de outros. Para con-
firmar essa ideia, volto a citar a pesquisa sobre a banda Aviðes do
Forró, na qual mesmo algumas pessoas que declaram gostar muito
da banda, fizeram ressalvas às "letras". Nesses casos, buscaram enfa-
tizar queo que apreciam na banda são os "shows"ea "música, ou
seja, 0 som eaperformance. Esse tipo de resposta confirma a noção
de que a torça centripeta do forró eletrônico encontra-se nos mo-

mentos de experiència musical, para o qual todos os elementos mu-


SIcais e
imagéticos das bandas apontam. Música para dançar, pra
seduzir e
para namorar (com ou sem sexo, com ou sem amor).

53
Orecurso do riso -

usado como
estratégia de identificação
e relativização da importäncia ideolôgica dessas parcial
canções e refräee
aponta para uma negociação dificil de normas morais vigentes,
- dur
mente combatidas por um crescente fundamentalismo
religioso u ee
reverbera em graus variados por porcentagens
significativas da popu-
lação das grandes cidades. Achar graça de unma situação que usual.
amplamente condenada pela moral politicamente correta
mente seria
é um recurso de escamoteamento das
próprias contradições desta
moral que se impõe de modo
irregular e ainda precário na socie
dade. Talvez na contradição entre o efetivamente
observado e o ideo
logicamente indicado esteja uma das chaves para a
dessa identificação to compreensão
popular que conteúdos éticos atingem. E
tais
como se uvas e mentas
apontassem que "o rei está nu', chamando a
atenção para o estágio ainda precário de
dade como
maturação ética da socie
todo.
um

Convém ressaltar que não estou com


isso a imputar um caráter
positivo abordagem moral do forró eletrônico. Ao contrário, é ne-
à
cessårio reconhecer
que, sendo a música uma forma de
expressar e
processar modos de ser e sentir
sao a padrões éticos
coletivamente, a intencional não-ade-
politicamente corretos nos dias de hoje parece
altamente problemática. E fato
que, apesar do riso e da apropriaçao
parcial sempre possivel por
parte do público, apologias de situaçoe
sexuais totalmente dissociadas do
mente
envolvimento afetivo e frequente
ligadas ao consumo
exagerado de álcool, além de uma rigias
delinição dos papéis femininos
tradicionalistas congelados geram uma
relativização de
códigos morais que não tem se mostrado dese)a
Por outro lado, não podemos deixar de
Sao observar que certo e c
categorias instáveis e constantemente
e
grupos sociais. Assim, o
negociadas por indiviauo
que chama a atenção neste debate nao e anto
um
julgamento de valor ta
sobre as ideologias
envolvidas, mas o amDi

54
evidenciando o processo de ne-
cerca tais julgamentos,
eletrizante que
estreitamente relacionados ås práticas
valores morais,
gOciação destes música não são as notas,
se discute
de música popular. Afinal, quando
harmônicos que estão em

as sonoridades ou os padrões melódicos e


de ser e estar coletiva-
debate sobre modos
jogo, mas um profundo
sociais, disputas hierár-
mente, padrões
de conduta, comportamentos
e identidades
culturais.
e... construções de representações
quicas
Sobre representações culturais

e
nordestinidade: um pós-texto
c o m um sorriso nos lábios. Polí-
E comum falarmos de cultura
aos produtos
empresários se referem
economistas e
ticos, jornalistas,
sinônimo de felicidade, de alegria,
de
culturais como se eles fossem
sociedade é
sobre a cultura, seu papel na
lazer. Por conta desta visão
a um plano inferior
e secundário, que se
constantemente relegado
secretarias, na baixa re-
reflete no baixo orçamento de ministérios e

grande maioria dos artistas e desqualificação


na que
muneração da
as profissões ligadas à cultura
sofrem em relação a outras, de maior
esconde é o fato
prestigio. No entanto, o que esse pequeno sorriso

da cultura ser um território de conflitos, de intensas lutas pela afir-


mação de gostos, identidades e pelos processos de construção
tensos
con-
e compartilhamento de valores e pensamentos. Ela é o terreno
traditório e ambiguo no qual sujeitos sociais disputam posições pri-
sínteses
vilegiadas para determinar visões de mundo hegemônicas. As
culturais são, portanto, abstrações compartilhadas e vivenciadas cole-
tivamente através de certos artefatos absorvidos por parcelas da socie-
dade e rejeitados por outras. As representações identitárias advindas
das práticas culturais trazem sempre essa marca da contradigão, da
impossibilidade latente de afirmativas finais, permanecendo continua-
mente abertas e fluidas.

55
Eleger uma música como representativa da região
tarefa delicada. O jogo das representações geográficas e
Nordest
é complexo demais e parece refratário: esse tipo de identitárias
sintese. Assim,
ao apresentar o forróeletrönico como eixo de uma das
mais
ignifi
representações musicais contemporåneas da região..
cativas
estou
demarcando um processo de renegociações contínuas referentes
à
própria identidade regional, ou seja, um
conjunto de dispositivae
temáticos, estéticos simbólicos que
e tenta elaborar um
sentimento
comum, nunca plenamente atingido. Trata-se de um produto cult.
ral de inconteste relevância em toda a região, cuja
população, que-
rendo ou no", interage atraves do consumo com
significados,
pensamentos e valores veiculados massivamente pelas bandas. Seu
alcance geográfico e sua popularidade apontam para este
universo
de ideias, valorespensamentos compartilhados, fortemente atra
e

vessados por um endereçamento para o jovem nordestino. E claro


que jovens de outras regióes também podem se identificar com esse
conjunto simbólico - e efetivamente o fazem. Isto porque, como

aponta José Jorge de Carvalho e Rita Segato, a música popular é fun-


damentalmente um "sistema aberto" que se fecha artificialmente
quando grupos sociais passam a utilizá-la para afirmare elaborar
suas identidades". O que busco sublinhar aqui é o fato de que este
processo ocorre de forma variada basicamente através do uso de re-
frões, shows e ideias compartilhadas pelo
repertório do gènero, que
moldam propriamente uma sensação de pertencimento a este uni
verso, majoritariamente jovem.
nO mesmo tempo, ao associar-se às temáticas de festa, amor e

Sexo do torró
eletrônico, os jovens nordestinos marcam uma uid
tinção geracional (rejeitando os modelos de identidade regional se-
8uidos por pais e avós) e simbólica (rejeitando a vinculação a um
sentimento de nordestinidade associado a um
sertão distante e iaed

56
sentimento de perten-
construção identitária, o
lizado). Como toda
identidade nordestina ocorre em opo-
cimento a um tipo peculiar de
identidade, expressadas n o só
no campo
a outras
formas de
sicão
cultural. As-
em outras esferas de circulação
musical, mas também
identidade nordestina do forró busca a primazia
sim, a disputa pela
"cosmopolita" frente a um referencial for-
da vertente "moderna"e
seus adeptos, precisa
rozeiro "atrasado" e "sertanejo', que, segundo
também aponta paranegociação identitária
uma
ser superado. Mas
uma visibilidade do Nor-
exterior aos limites territoriais, impondo
A neste caso, é estabelecer
deste na cena musical nacional. intenção,
uma mudança efetiva de representações, fazendo o Nordeste ser re
conhecido não através de uma música associada a um ambiente agro-

pastoril de natureza hostil, mas a uma atmosfera festiva e jovem,


caracterizada pela alegria dos shows, pela competência técnica das
aparelhagens e pela sedução erótica visual e sonora de suas perfor-
mances. O Nordeste do forró eletrônico se afasta do chapéu de couro e
da zabumba para interagir com o baixo elétrico, com os holofotes
midiáticos do grande show e com o universo simbólico e imagtico
das dançarinas do Faustão, por exemplo.
Combatido veementemente por setores intelectualizados da so
ciedade com fortes reverberações em outros setores por apelar para
um alargamento moral assumidamente problemáico - o forró ele-
trônico manifesta uma visão (e audição) alternativa da representa-
ção do Nordeste, produzindo o que poderíamos entender como uma
reinvenço musical da própria regiäo, num momento de grande in-
vestimento social e governamental para diminuição das chamadas
disparidades regionais'". Falar em "reinvenção" não imputa neces-
Sariamente um caráter
positivo ao processo, mas aponta para a are
na conflitiva
que cerca a própria noção da região incorporando o
-

debate sobre a
"invenção" do Nordeste proposto por Durval Albu

57
querque Junior -, construida a partir de narrativas e discuree
cul.
turais, midiáticos, politicos e econômicos.
Neste universo de alta carga emocional, começam a se configurar
novas representações de Nordeste processadas pela música, inicial.
mente elaboradas e consumidas na
propria regiao, mas que passam
cada vez com mais desenvoltura a se projetar
para outros espacos
geográficos, ampliando seu alcance cultural. Negociando símbolos
nacionais e transnacionais, o forró eletrónico tem cada vez
mais
narrado musicalmente a região de forma consistente e ampla, mol-
dando um sentimento de pertencimento compartilhado por
jovens
de todos os estados nordestinos, com todas suas contradições
morais,
éticas e estéticas.

Notas
'Professor adjunto do Departamento de Comunicação Social e do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Possui Bacharelado em Música - Habilitação em Composição (Uni-Rio, 1996),
Mestrado em Música (Uni-Rio, 2001) e Doutorado em Comunicação e Cultura
(UFR), 2006). Como pesquisador, tem desenvolvido principalmente temas liga-
dos à circulação da música na sociedade, interpretando as relações entre estética e
mercado, consumo e experiência cultural, sobretudo nos aspectos relacionados às
estratégias de construção de valor. 1° lugar na 1 edição do Concurso Mário Pe
drosa de Ensaios promovido pela Fundação Joaquim Nabuco.
Esta perspectiva está baseada nas obras de diversos
autores da musicologia e da
etnomusicologia, que abordam as relações entre música e tempo em seus traba
Ihos. Podemos destacar
aqui os livros Salsa, sabor y control (de Angel Quintero
Rivera), Music culture and experience (de John
los Sandroni) e
Blacking), Feitiço decente (de ar
Osome o sentido (de José Miguel Wisnik), com os quais mantenho
diálogo mais estreito.
Uma instigante teoria de semiologia musical baseada neste principio é desenvolvi
da pelo musicólogo Philip Tagg em diversos textos entre os
quais se destacam
Analysing popular music (1982), Introductory notes to semiotic of music (19
Fernando the flute (1991);
E verdade
disponíveis no site www.tagg.org.
que aquilo que chamamos de canção popular -

a forma mais dissemina


da de
produção e consumo de músicas mundo todo
verbal bastante ativo,
no tem um componei
que funciona significativamente para o estabelecimento

58
Contudo, afirmo aqui uma possibilidade de fusão do
pertencimentos gostos. e musical, manifestando uma cer
não verbal através da performance
verbalcom o
vivermos em uma sociedade
exatamente por
ta énfase no componente nào- verbal sobre teorias da canção, ver Luiz
maior detalhes
logocéntrica (para
de Ruth Finnegan intitulado "O que
extremamente vem
e o excelente artigo
Tatit O cancionista em 2008 no livro Pala-
o texto, a música
ou a pertormance? publicado
primeiro:
sobre poesia, música,voz).
Cantada: ensaios
vra
sobre a construção do gosto e
bastante interessante e aprofundada
Umadiscussão no livro Performing rites, de
chamada música popular encontra-se
do valor na do prazer da música popular é falar
autor destaca que parte
Simon Frith, no qual
o

uma narrativa que


const rói gostos e valorações comparti-
sobre ela. moldando
lhadas (p.15).
Music, culture and experience, p. 235.
Ver John Blacking. excelentes livros
ser encontrada em dois
Uma discussão mais aprofundada podedo samba: o pioneiro O mistério do samba, de
sobre o periodo de nacionalização
(1995) e o mais decente, de Carlos Sandroni
recente Feitiço
Hermano Vianna

(2001). Bra-
das Cièncias Humanas no
Em um principais "clássicos" contemporâneos
dos
sil A invenção do Nordeste e outras artes -o pesquisador Durval Albuquerque
numa alusão ao também
famoso livro A invenção das tradições, organizado
Jr.,
pelos historiadores Eric Hobsbawn e Terence Ranger, afirma que a noção de Nor
deste foi "inventada" através de um complexo conjunto de dispositivos culturais,
economicos e políticos durante as primeiras décadas do século XX. Tal invenção
identidade nacional
representou um projeto coletivo de processamento de uma
e

levantando questöes sobre a região Nordeste e buscando


regional, posicioná-la no

cenário nacional.
Albuquerque Jr, 2006, p. 306.
1O imaginário da obra de Luiz Gonzaga está brilhantemente apresentado pela pes-
quisadora Sulamita Vieira em seu livro O sertão em movimento: a dinâmica da
produção cultural, com o qual este ensaio dialoga em vários momentos.
Sulamita Vieira, 2000, p. 78.
Em música bastante conhecida do repertório de Luiz Gonzaga, intituladaEstrada
de Canindé, o cantor descreve as belezas encontradas no cominho da tal estrada
que para serem contempladas o "cristão tem que andar a pé'" Trata-se novamente
aqui de uma idealização de um universo simbólico baseado na falta, na pobreza
C'quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé"), que é compensada pela
paisagem bela, "o sole a lua branca no sertão de Canindé'.
Albuquerque Jr., 2006, p. 81.
Ver Renato Ortiz, A moderna
Goli Guerreiro, A trama dos
tradição brasileira.
A
tambores, p. 133.
proximidade intelectual afetiva dos artistas do
setores
da imprensa pernambucana é interpretada com riqueza de detalhes
manguebeat com
jovens
na tese de
doutorado de Carolina Leão intitulada "A nova velha cena', defendida em 2008 no
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFPE.

59
Para uma interpretaçào bastante ampla desta cpoca e das transtormaçoes no me
cado de bens simbolicos nacional, convém consultar as obras de Renato
Ortir A
maderna tradido brasileira e Mundializaçdo e cultura, que inspirou
subst ancial
mente parte das retlexdes ora apresentadas.
A marca de 45 milhoes de copias vendidas do disco Thriller, de
Michael lackson
lançado em 1982, é, até hoje, a maior da história da indústria fonográfica. Em
2009, após o falecinmento do idolo, noticias de agéncias internacionais
esse numero, atestando sua liderança no mercado mundial até os
dobrava
dias de hojie.
Ver Rosa Nepomuceno: Musica caipira: da roça ao rodeio, 1999
O canto em terças é uma das principais caracteristicas do etilo vocal
sertancio.
desde as modas de viola tradicionais até o ambiente contemporåneo das
sucesso. Trata-se de uma lécnica na qual dois cantores entoam melodias
duplas de
sendo que a segunda voz encontra-se a um intervalo de terça inferior em
paralelas,
relação à
primeira.
Para uma interpretação sobre o carnaval como momento de reversão
de ordem,
onsultar a obra do antropólogo Roberto DaMatta, sobretudo seus clássicos
Car.
navais, malandros e heróis (1979), A casa ea rua (2003) e O
que faz
brasil, Brasil?
(2004).
Ver Quce tchan é esse? da pesquisadora Mônica Leme (2002).
23
Um exame detalhado do surgimento e das caracteristicas dos
grupos de pagode
romántico nos anos
pode ser encontrado na tese "Samba e mercado de músi
1990
ca nos anos 1990", de
Felipe Trotta (UFRJ, 2006).
Sucessos, respectivamente dos artistas e grupos: Zezé di
Camargo e Luciano, Le
andro e Leonardo, £ o Tchan, Daniela
Mercury, Raça Negra e Só pra Contrariar,
todos lançados entre 1989 e 1995.
Segundo o texto de apresentação do site www.mastruz.com, acessado em jan/2008.
2
Entrevista de Emanoel Gurgel concedida à Revista
27
Oliveira Lima, Maria Erica. Somzoom Sat: do local ao
Epoca, 1999.
São Paulo: UMESP, 2005, p. 145.
global. Tese de doutorado,
Em artigo publicado recentemente, o
meia o forró eletrônico de "forró
pesquisador Ricardo Feitosa, da Unifor, no
pop", evidenciando sua associação com a indús
tria do entretenimento internacional e
tentando, desta forma, imputar um valor
positivo à prática (ver Apontamentos para uma aproximação critica do universo do
forró pop, Anais do XXXI Intercom, 2008).
"Esse argumentos estão indicados
em seu site oficial
explicitamente no release da banda publicado
www.avioesdoforro.com.br. Acesso em jan/2008.
A coletânea de
artigos Culturas juvenis no século XXI (2008), organizada por
Silvia Borelli e João Freire Filho traz
discussões atuais sobre o consumo
atual, complexificando a idéia de juventudee de jovem a partir de diversos juven
relatos,
estudos e interpretações sobre os
jovens no inicio do nosso século.
Aqui cabe uma ressalva. A distinção entreas duas cançoes não pode ser
a uma
diferenciação linear entre as bandas. Avioes do Forró tem em seuestenai
reper
rio diversas canções que narram o sexo dissociado do amor romàntico e o
pode ser dito deCavaleiros do Forró, que apresenta diversas musicas de
mesi
Pe

60
continui
devta breve análise é uma

romántico
O que é posuivel apreender de relacóes sociais,
mats mnoldam u m ambiente
duas perspectivas. (ue
dade entre as
jovem do forró eletrônico.
no imaginário
sexuais presente altamente
afetivas e a BMG), nome
(depois da tusáo da Sony com
Atualmente sdo quatro BMG e EMIL
Universal, Warner, Sony
familiares internacionalmente: mecanismo encontra s e no best seller A
sobre este
Uma discussdo
aprotundada "mercado de
a emergència do
"

de Chris Anderson (2006), que aponta


cauda longu, rivalizar com o mercado de
atual. passando pela primeira vez a
nichos no mundo
cultural está se alterando e
vendas globais do mercado
o gráfico das
massa. Assim. tornando maior, mais "longa"
a "cauda"
deste gráfico está se
de shows, chamada Day I Enter
abriu uma empresa de produção
A Sony BMG de alguns de seus artistas.
atualmente é responsável pelas agendas
tainment, que subtitulo de "uma
marca Duy I é precedida pelo sugestivo
No site da empresa, a
acionando um modelo comercial altamente
desenvolvedora de talentos,
empresa
lucrativo, fundado na experiència.
Herschmann (2007) discute a ascensão do mercado de
ex-
O pesquisador Micael
à música popular em seu livro Lapa, cidade da música,
no
periências relacionados
bairro carioca como um exemplo de tal merca-
qual discute o circuito cultural do "música ao vivo".
do, fortemente construido partir da experiència da
a

rádios através de seus donos e programadores tèm rechaçado o ter-


Algumas
-

mo "jabá" substituindo-o por "promoção'. O argumento é que tal prática não é


ilegai (de fato, não há legislação que possa ser aplicada para punir o pagamento de
determinado valor financeiro em troca de difusäo radiofônica) e que trata-se de
um espaço de publicidade para os empresários das gravadoras ou das bandas, não
havendo qualquer impedimento ético que o coíba. Do outro lado, é necessário
apontar que o espaço publicitário das rádios é regulado e que a seleção musical
entra na grade de programação não como marketing. mas como objeto de uma
seleção estética supostamente realizada pelo gerente de programação. Além do
mais, há uma queixa generalizada quanto à pouca diversidade musical das rádios,
gerada por este mecanismo de seleção musical baseado unicamente no poder aqui-
sitivo do empresárioenvolvido. A questão é complexae carente de discussöes e
dados mais aprofundados. Os trabalhos pioneiros dos radialistas Fernando Man-
sur (tese de doutorado defendida na Eco-UFRJ intitulada "Rádio: um veiculo sub-
utilizado") e Renata Costa (monografia de Especialização no PPGCOM-UFPE
intitulada "Rádio popular audiència, música e
utilizados para desenvolver esta retlexão.
-

prêmios, ainda inédito), foram


"Pesquisa de Lucia Araújo realizada entre os dias 12 de marçoe 25 de junho, apre
sentada na monografia de
Especialização do Curso de Jornalismo Cultural da UFPE
intitulada Avioes do Forró: um estudo de
caso, ainda inédita.
"Em entrevista a este pesquisador, um dos mais importantes forrozeiros "pé de
Serra de Pernambuco Santanna - declarou que o forró não tem idade, é música
"para toda a família"
Em diversos trabalhos de sua autoria,
0s
ambientes da casa e da rua como
antropólogo Roberto DaMatta descreve
o

paradigmáticos para a compreensäo da socie-

61
dade brasileira. espaços sociais de interação e definiçâo de panki.
representando
sociais. A casa é um ambiente da segurança, da familla, onde as regras såo claraee
as hierarquias definidas. A rua, ao contrårio, è o espaço do desconhecido, do con-
tato com o outro, das relações mundanas. Em seu estudo, a intimidade da casa.
apresentada a partir de gradações (a varanda, a janela, a sala de estar), assim como
a rua. que torna-se familiarizada dependendo do seu uso e de seus circuitos s

ciais (ver A casa e a rua).


No livTo Ccnas da vida pós-moderna, a pesquisadora argentina Beatriz Sarlo discute
a complexa articulação de moradores de um "vilarejo de montanha" para usar a
midia a seu favor, não necessariamente para fins muito nobres (no caso, uma grava.
ção audiovisual seria utilizada para a reivindicação de uma compensaçâo financeira
em virtude de um suposto furto de um cavalo). Indo mais além, a autora destaca que
a hegemonia do audiovisual gerou a perda de valores arraigados como o machismo,
a violéncia doméstica e a "obediència cega a formas tradicionais de dominação, mas
que não se sabe direito o que se ganhou com ela (pp. 103-104).
Título de uma canção de grande projeção midiática lançada em 2007 pela banda
Saia Rodada. A música foi alvo de uma longa matéria no Jornal do Commercio, que
criticava a apologia às drogas. Segundo o jornalista Schneider Carpeggiani, que
assina a matéria, a canção aponta para uma apologia dos "excessos que, na con-
tramão do "sinal vermelho" que a cada dia a sociedade os impõe, retrata "um con-
texto sem restrições" (IC, 27/01/2008).
Trecho da letra de "Locutor" lançada pela banda Calcinha preta em 2008 em seu
CD "Fica comigo Paulinha, vol. 17"
O consumo musical não deve ser entendido como algo estritamente intencional.
Ao ouvirmos música em ónibus, salas de espera, carrinhos sonoros ou rádios alhei
os, interagimos com simbolos e idéias apresentados pelas cançöes que invadem o
espaço sonoro e nossos ouvidos. Por este motivo, convém destacar que o consumo
de forró eletrônico não pode ser pensado como estritamente realizado por aqueles
que dele gostam e participam. Dificilmente alguém que resida em capitais nordes
tinas (e por que não, no interior também) passou o ano de 2008 sem ouvir pelo
menos dez ou vinte vezes fragmentos do refrão de Chupa que é de uva. Essa carac-
teristica da música popular
amplifica seu alcance e, também seus dilemas e coni
tos.
Essas idéias estão desenvolvidas no ensaio "Sistemas abertos e territórios fecha-
dos, publicado na Série Antropologia, disponivel em www.unb.br/dan.

62
Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. "A indústria culturai: o lluminismo


como mistificação de massas" In: Teoria da cultura de massa. 1Luiz Costa Lima (org).
Júlia Eliabeth Levy (trad.)Rio de Janeiro, Paz e Terra,1982.

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A invençdo do Nordeste e outras artes. Recile
FIN Massangana; São Paulo: Cortez, 2006
ANDERSON, Benedict. Naçäo e consciència nacional. São Paulo: Atica, 1989

ANDERSON, Chris. A cauda longa. Rio de Janeiro: Elsevier. 2006.

ARAUJO, Lucia. Aviöes do Forró: unm estudo de caso. Monografia de conclusåo do


Curso de Especialização em Jornalismo Cultural. Recife, UFPE, 2008.

BLACKING, John. Music, culture and experience. Chicago, EUA: Chicago University
Press, 1995.

BORELLI, Silvia e FREIRE FILHO, João (orgs.). Culturas juvenis no século XXI. São
Paulo: EDUC, 2008.

CARVALHO, José Jorge de e SEGATO, Rita Laura. Sistemas abertos e territórios


fechados. Série Antropologia. Departamento de Antropologia (Dan), disponivel em
www.unb.br/dan Brasilia: UnB, COSTA, Renata. Rádio popular: audiència, música e
prêmios. Monografia de conclusäo do Curso de Especialização em Jornalismo Cul-
tural. Recife, UFPE, 2008.

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema


brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
O que faz brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
FEITOSA, Ricardo. "Apontamentos para uma aproximação critica do universo do
forró pop" In: Anais do XXXI Intercom.
Natal, 2008.
FINNERGAN, Ruth. "O que vem
primeiro: o texto, a música ou a performance?
In: Palavra cantada: ensaios sobre
2008.
poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras,

FRITH, Simon. Performing rites: the value


Harvard
on
of popular music. EUA, Cambridge:
University Press, 1998.

GUERREIRO, Goli. A trama dos tambores: a música


34, 2000. afro-pop de Salador. São Paulo:
HERSCHMANN, Micael. Lapa: cidade da música. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
LEAO, Carolina. A nova velha Tese de doutorado
cena.
Pós-Graduação apresentada ao
Programa de
em
Sociologia da UFPE. Recife, 2008.

63
LEME, Mónica. Que tchan é esse? Industria e produção musical no Brasil dos au
2002.
90
São Paulo: Annablume,
MANSUR, Fernando. Rádio: um veiculo sub-utilizado? Tese de doutorado a
resen-
tada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UER Dn
Janeiro, 2005.

NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Ed. 34, 1990
9.
OLIVEIRA LIMA, Maria Erica. Somzoom Sat: do local ao global. Tese de doutorado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UMESP. São Paul
lo,
2005.

ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2003.

. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.

RIVERA, Angel Quintero. Salsa, sabor y control: sociologia de la música tropical.


Mexico: Siglo veintiuno ed., 2005.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, 2001.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Ar


gentina. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000.

TAGG, Philip. Analysing popular music. Popular music n. 2, EUA: Cambridge Uni-
versity Press, 1982

Fernando the flute. Institute of Popular Music, Liverpool: University of Li-


verpool, 1991

Introductory notes to semiotics of music. Disponível em tagg.org Acessor


09/11/2008. Liverpool, Brisbane, 1999
TATIT, Luiz. O cancionista: a
composição de Brasil. São Paulo: Eausp
canções no
1996.

O século da canção. Säo Paulo: Ateli Editorial, 2004.


TROTTA, Felipe. Samba e mercado de música nos anos 1990. Tese de doutorad
apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da
Rio de Janeiro, 2006. r
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Zahar, 1995.
VIEIRA, Sulamita. O sertão movimento:
em a dinámica da produção culturu. v
Paulo: Annablume, 2000.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: ulo:


Conpanhia das Letras, 1999.
uma outra história das miustcas. ou

64

Você também pode gostar