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O enigma do Clube da Esquina:

vozes de uma outra África na


pedagogia do congado
Pedro Henrique Varoni de Carvalho*

Resumo gia histórica de dominação econômica


e política. Procuramos discutir as re-
O artigo procura analisar por um lações entre os dispositivos midiáticos
ponto de vista discursivo o descom- e os jogos de poder em torno da can-
passo entre a inventividade das can- ção brasileira com base na genealogia
ções do Clube da Esquina e o reco- de Foucault e, ao fazê-lo, entender as
nhecimento midiático em grau de manifestações da cultura popular ru-
equilíbrio com outros movimentos ral e sua influência na canção urbana
marcantes na história da música po- como espaços de resistência criativa.
pular brasileira, como a Bossa-Nova
e o Tropicalismo. A importância po- Palavras-chave: Discurso. Clube da
lítico-poética da canção popular como Esquina. Música brasileira. Pedagogia
espaço de resistência criou no Brasil do congado.
uma relação simbiótica entre a voz
que fala e a voz que canta, conforme
demonstra Luís Tatit. Milton e os de-
mais artistas do Clube da Esquina,
filiados ao discurso que associa o mi-
neiro à introspecção e à discrição, não
articularam essa relação nos canais
midiáticos, quando o fazem – no final
da ditadura –, embalam a associação
de suas canções com o discurso políti-
co de Tancredo Neves. Esse movimen- *
Doutor em Linguística pelo Programa de Pós-Gradua-
to revela contradições entre o espaço ção em Letras da Universidade Federal de São Carlos.
de resistência a partir de uma heran- Professor substituto do curso de Linguística da UFSCar,
integrante dos grupos de pesquisa Labor – Laboratório
ça cultural negra que vem dos ternos de Estudos do Discurso e GEMInIS – Grupo de Estudos
de congo e das festas de rua de Mi- em Mídias Interativas e Digitais, ambos da UFSCar.
nas Gerais, base interdiscursiva das E-mail: pedro.varoni@hotmail.com
canções do Clube da Esquina, com o
Data de submissão: mar. 2017 – Data de aceite: mar. 2017
discurso da mineiridade como estraté-
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v13i1.6770

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Acontecimento e Qual é esse lugar, o que ele representa?
Há uma zona de incômodo, um silêncio
regularidade discursiva significante, nos termos de Eni Orlandi
(2007), a instigar-nos.
Há uma sensação de injustiça quando
É como se o silêncio reforçasse um dos
se pensa no reconhecimento do Clube da
mitos em torno da ideia de mineiridade,
Esquina no contexto da música popular
em que a não explicitação do “mistério”
brasileira (MPB). As características de
se torna a estratégia de uma constru-
inovação, refinamento harmônico, meló-
ção discursiva histórica, tanto a fonte
dico, rítmico e poético da produção de ar-
da originalidade do Clube da Esquina
tistas mineiros, difundida principalmen-
como os limites das formas de inscrição
te nos anos 1970, não teriam encontrado
da singularidade do grupo na rede de
o devido valor no panteão dos grandes
recados (WISNIK, 2004) que caracteriza
movimentos que redefiniram a lingua-
a música brasileira desde o surgimento
gem da MPB. Tanto a mídia quanto os
do samba e da música caipira nas pri-
pesquisadores ligados à história da can-
meiras décadas do século passado. Há
ção popular elegem outros estilos, como
um duplo da mineiridade. De um lado,
o samba, a Bossa-Nova, a Jovem Guarda
o contexto cultural da relação entre a
e o Tropicalismo, deixando à margem o
cultura territorial mineira e os fluxos
Clube da Esquina, em desacordo com a
discursivo-artísticos reprocessados ali
importância das músicas criadas pelo
e produzindo sentido em um local e em
grupo. Como o Clube da Esquina pode
um momento histórico específicos, força
passar despercebido quando, até hoje, a
propulsora do “Clube da Esquina”. Entre
força de suas canções é celebrada pela in-
os ternos de Congo das festas de rua, a
ventividade por fãs, críticos e músicos de
tradição dos literatos mineiros e as infor-
vários países? O apontamento dessa in-
mações desterritorializadas trazidas pelo
justiça tem motivado a publicação de en-
cinema e sons distantes, o Clube da Es-
saios, dissertações e teses, demonstrando
quina forjou sua singularidade musical
os diferentes aspectos de inovação que
e poética e uma positividade discursiva.
fazem do Clube da Esquina uma escola
De outro, o discurso da mineiridade como
diferenciada no vasto e rico repertório
estratégia de dominação política e eco-
da canção brasileira. No entanto, se tais
nômica das elites, imputando ao mineiro
estudos ampliam as interpretações das
características como o silêncio, a parci-
canções do grupo, o lugar dessas criações
mônia, age como elemento limitador da
na série histórica da música brasileira
expressão midiática. Limites que não se
permanece como ponto a ser elucidado.
verificam na inventividade musical do
O que acontece com o Clube da Esquina,
grupo, mas nas relações desses artistas
que, a despeito de toda a expressividade,
com os debates ideológicos em torno da
não obteve ainda o seu lugar merecido?

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canção brasileira no período mais crítico torno da canção popular a partir do final
da ditadura militar, entre o final dos dos anos 1960.
anos 1960 e início dos anos 1970. É importante considerar também o
O discurso do Clube da Esquina se acirramento da ditadura, que encontrou
faz mais pela voz que canta do que pela no canto de Milton Nascimento formas
voz que fala (TATIT, 2002), criando um de resistência profundas, evocando ou-
deslocamento no jogo discursivo daquele tra opressão, aquela vinda dos tempos
momento histórico em que se atribuía da escravidão. Quando, por exemplo,
aos cancionistas da música brasileira um a censura interditou todas as letras do
papel político ideológico. O público sem- álbum Milagre dos Peixes (1974), o canto
pre quer saber quem é o dono da fala, nos onomatopeico de Milton denunciou, como
diz Tatit (2002). A hipótese que lançamos em poucos momentos, o contexto político,
é a de que a recepção da musicalidade e apesar da interdição do signo linguístico.
poética do Clube da Esquina demandou Encontrar o lugar do Clube da Esquina
uma complementação nos debates em na série histórica da canção demanda,
torno da canção não formulada por seus portanto, elementos complexos que
integrantes. A expressão musical que extrapolam a linguagem musical: o dis-
se verificava ali, entretanto, colocou curso da mineiridade, as transformações
em cheque a relação entre voz que fala socioculturais na capital mineira, que
e voz que canta, tal como vinha sendo possibilitaram a eclosão da sonoridade
produzida historicamente. A primeira se do grupo, as questões político-poéticas
interessando pelo que é dito, a segunda e midiáticas em torno do fenômeno da
pela maneira de dizer. Contribuiu para canção popular após o período dos festi-
esse efeito a aura de mistério que cerca- vais de música.
va a figura mais emblemática do Clube O apontamento de uma relação de-
da Esquina, a de Milton Nascimento, sigual entre as narrativas canônicas da
cuja voz, tão expressiva quando canta história da música brasileira e o Clube
e tão econômica quando fala, instaurou da Esquina é formulado em um artigo
outra relação diante de uma demanda de Ivan Vilela (2010), em que o autor
para que os astros da música brasileira demonstra a maneira como os aspectos
opinassem sobre os principais temas de composição e arranjo fizeram do Clu-
da vida nacional. De Milton, bastava o be da Esquina uma escola de inovação
canto, como o “Clube da Esquina” atin- harmônica, melódica e rítmica. Vilela
gia sua expressão pela musicalidade e ilumina a singularidade da produção do
poesia das canções, figurando como um grupo mineiro e aponta dois possíveis
contraponto tanto ao aspecto performá- motivos do não reconhecimento das
tico introduzido pelo tropicalismo quanto canções do grupo de Milton Nascimento
em relação às discussões ideológicas em como um movimento de peso na história

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da MPB: diferentemente da Bossa-Nova, ausência presente na história da MPB
da Jovem Guarda ou do Tropicalismo, é reveladora dos aspectos que norteiam
a música mineira não teve apoio nem as escolhas dos estilos musicais consi-
projeção na grande mídia. A história da derados importantes. As respostas para
MPB é escrita por jornalistas, historia- esses questionamentos estão além dos
dores, cientistas sociais e críticos literá- aspectos musicais: envolvem o campo
rios que, por vezes, passam à margem semântico discursivo do movimento
de aspectos musicais. Assim, tanto a musical e sua relação com os dispositivos
mídia quanto a crítica não teriam sido midiáticos, bem como a capacidade da
capazes de traduzir a potência inventiva canção popular brasileira de refletir e
do Clube da Esquina, o que leva Ivan produzir subjetividades no tecido social:
Vilela a lançar uma série de perguntas há uma vida que entra na música e uma
cujas respostas se dão pela articulação música que entra na vida. É preciso di-
dos aspectos musicais com os midiáticos. ferenciar o lugar simbólico onde o Clube
Quais seriam os parâmetros necessários da Esquina acontece (o reconhecimento
para que determinada corrente musical da riqueza e a originalidade musical
devesse ser tratada como um movimento? e poética da mistura ali verificada) e
Seriam as inovações sugeridas? Seriam as
contraposições ao movimento vigente, an- onde não acontece (ter essa importância
terior à chegada do novo? Seria a qualidade valorizada na mídia e na academia em
musical comprovada dos músicos partici- grau de igualdade com a Bossa-Nova e o
pantes? Seria o fato de a mídia certificá-lo
de modo a tratá-lo como um movimento?
Tropicalismo). É possível enfrentar essa
(VILELA, 2010, p. 17). questão pelas lentes teóricas da Análise
do Discurso de vertente francesa, base-
O texto de Ivan Vilela tece algumas
ada, principalmente, nas contribuições
comparações com a Bossa-Nova, que te-
de Michel Foucault e Michel Pêcheux.
ria operado mais no âmbito musical. Já
O olhar sobre o objeto incorpora as
a Jovem Guarda e o Tropicalismo foram
condições de produção do discurso e a
porta-vozes de mudanças nos hábitos,
forma como, ao circular, esse discurso
nos costumes e no estilo dos jovens. Te-
produz subjetividades no meio social e
mos, de um lado, dois movimentos que
antropológico.
se caracterizam pela potência musical –
Pensar a materialidade da canção
Bossa-Nova e Clube da Esquina – e, de
pelo ponto de vista do discurso é tomá-
outro, dois movimentos – Jovem Guarda
-la como um enunciado foucaultiano
e Tropicalismo – marcados também pela
(FOUCAULT, 2004b): um acontecimento
intervenção midiática, em um momento
na ordem do discurso, cuja expressão
de difusão da televisão no Brasil, algo
não é apenas verbal, mas sincrética.
que teria ocorrido em escala menor no
Na canção popular, o sentido resulta
Clube da Esquina. A busca por se enten-
da conjunção de elementos variados: a
der por que o Clube da Esquina é uma

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letra, o modo como se coloca o cantor contexto das acaloradas discussões ide-
que a enuncia, os elementos próprios da ológicas em torno da canção, das vaias
música – harmonia, melodia e ritmo –, os e dos aplausos, tendo por centro o palco
arranjos e a mixagem. Assim, a música midiático da televisão, sobretudo nos úl-
é transformada no processo que vai de timos anos da década de 1960. Mas se os
sua criação até a gravação, atividade critérios eletivos considerarem inovação
que envolve uma multiplicidade de pes- de linguagem e capacidade de influenciar
soas – de instrumentistas a engenheiros outros artistas, parece claro que o Clube
de som –, convergindo para o resultado da Esquina é um movimento singular. As
posto em circulação. Desde o incremento harmonias de Toninho Horta, a fusão de
dos meios audiovisuais a partir dos anos Beatles com a seresta mineira em Beto
1950, a performance e o aspecto cênico Guedes, o talento precoce de Lô Borges
também contribuem para a produção de como instrumentista e compositor, o
sentido em torno de um movimento ou mergulho nas sonoridades das minas
artista. O enunciado emerge em um jogo profundas de Tavinho Moura, os arranjos
de práticas discursivas associado a um de Wagner Tiso e os versos dos poetas:
domínio de memória. Márcio Borges, Fernando Brant, Ronaldo
Nosso trajeto de análise busca, assim, Bastos são embalados pela sonoridade
mapear o conjunto de saberes que gerou inventiva de grandes músicos mineiros
a musicalidade do Clube da Esquina e de outros lugares. Tudo a serviço da
em contraponto com os poderes eletivos grande voz do Clube da Esquina, a de
dos cânones da MPB. A metodologia da Milton Nascimento. Dono de um timbre
Análise do Discurso contribui para se raro e de uma técnica também diferen-
pensar o duplo na recepção das canções ciada, alternando falsetes com canto de
do grupo: o Clube da Esquina que acon- peito, sua voz remete à ancestralidade
tece e o que não acontece. As criações dos africana, fundida ao catolicismo popular,
artistas resultam em uma relativa homo- sugerindo tanto a ideia de libertação
geneidade a partir de elementos hetero- quanto de denúncia de várias opressões,
gêneos, configurando uma identidade de ecoando uma cultura popular profunda,
grupo. Essas manifestações irrompem na poética e refinada. Ao mesmo tempo, a
série histórica da MPB – considerando musicalidade de Milton é construída a
o diálogo com outros gêneros interna- partir de fusões impensáveis dos ritmos
cionais, como o jazz, o rock e os ritmos populares mineiros com o jazz e o rock,
latinos –, que se filia a um domínio de forjada nos bailes da vida – onde tam-
memória revelando outros cantares em bém se deu a formação do artista – e no
uma sonoridade diversa das influências. ambiente familiar; sua mãe era pianista,
A produção musical do Clube da tendo sido aluna de Villa Lobos. A música
Esquina surge um pouco deslocada do gestada nessa mistura tornou-se univer-

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sal, conquistando a escuta de um público as discussões estéticas e políticas. Esse
internacional e a valorização de grandes conjunto de elementos configura o jogo
nomes da música brasileira, como Dori- de forças micropolíticas em um cenário
val Caymmi, Tom Jobim, Paulo Moura e de ditadura militar, que instaura a pos-
Edu Lobo. No meio musical, a aparição sibilidade de produção de enunciados
do Clube da Esquina foi saudada como artísticos pelo grupo. Os territórios são
grande novidade e reafirmação da aura constituídos por fluxos discursivos e
de sofisticação dos elementos musicais práticas sociais e é, sobretudo, nesse
na canção popular, por vezes, em con- ambiente da capital mineira do período
traponto com a novidade instaurada que encontraremos tanto a fonte da ori-
pelo jogo cênico, semiótico e midiático ginalidade do Clube da Esquina quanto
implantado pelo Tropicalismo. Com certa algumas das possíveis razões para o
discrição, o Clube da Esquina torna-se apagamento discursivo em relação à
um espaço de resistência aos excessos importância do grupo nas narrativas
tropicalistas, mantendo, porém, um canônicas da MPB.
diálogo com os artistas baianos em par- O movimento da história é feito de
cerias e gravações. relações de saber e poder que se ma-
A conjunção de forças que resulta na terializam na linguagem. Cada época
produção dos artistas tem como centro tem os seus regimes de verdade, aquilo
geográfico a capital mineira, no período que pode ou não ser dito (ou cantado).
entre o início dos anos 1960 até 1980. A arte inova quando traduz essas prá-
A despeito da participação de músicos ticas em linguagem, revelando-nos um
de outros lugares nas construções, nas outro real. Esse conjunto heterogêneo de
letras e nos arranjos das canções, há enunciados foi denominado por Foucault
uma associação entre as criações do (2004a) de formação discursiva, cuja
grupo liderado por Milton Nascimento marca constitutiva é a heterogeneidade,
e o universo territorial e simbólico da mas preservando uma relativa estabili-
mineiridade. As identidades são também dade que autoriza certas manifestações
construções discursivas, transformadas e outras não. As formações discursivas
no processo histórico. As condições de agrupam-se no arquivo, tanto depositá-
produção do discurso do Clube da Esqui- rio da memória quanto o que sustenta a
na são o resultado da cultura popular de ordem do enunciável. A canção brasileira
tradição oral, sonora e imagética: rastros pode ser pensada como um arquivo cons-
de memória sob essa geografia quanto às tituído de formações discursivas como o
referências trazidas pelos dispositivos Samba, a Música Caipira, a Bossa-Nova,
midiáticos: o impacto de João Gilberto o Tropicalismo, a Jovem Guarda, o Clube
cantando “Chega de saudade” pelas da Esquina, dentre outros estilos. As
ondas do rádio, o rock inglês dos anos fronteiras das formações discursivas
1960, a influência do cinema, os livros,

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são porosas, há sempre uma relação base nesse dispositivo teórico analítico, a
de identificação ou contraposição com noção de arquivo de brasilidade (CARVA-
outras com as quais convive no arquivo. LHO, 2015), também como possibilidade
Para Tatit, Bossa-Nova e Tropicalismo de análise da canção popular, na forma
constituem a seiva da música brasileira, como essa manifestação reflete e refrata
sempre que um cancionista necessita de a ordem social, cultural e antropológica,
um recuo minimalista para recuperar as constituída como uma rede de recados
linhas de força da canção, sua referên- da “voz das ruas” para os dispositivos
cia é a Bossa-Nova, mas, ao contrário, midiáticos. A inscrição das diferentes
quando se depara com a necessidade de formações discursivas da canção no
expansão, inspira-se no gesto Tropicalis- arquivo determinam os movimentos de
ta (TATIT, 2002). Haveria também um renovação, retomadas na série histórica
gesto Clube da Esquina como fonte de da canção.
inspiração para novas criações, como se Assim, o movimento de análise rea­
dá com a Bossa-Nova e o Tropicalismo? liza-se, de um lado, pelo contexto em
Se existe, qual o movimento sugerido que as produções do Clube da Esquina
por ele? surgem e, de outro, pela presença do
A inscrição do “Clube da Esquina” no elemento interdiscursivo, sinalizando
arquivo da canção popular brasileira é, os domínios de memória inconscientes
hoje, tanto o domínio de memória quanto que deixam marcas na materialidade
a possibilidade de novas criações a partir dos enunciados postos a circular pelos
dos elementos presentes no discurso dos compositores do grupo. Considerando
artistas. O sujeito inscrito na formação o contexto de surgimento do Clube da
discursiva expressa as relações de saber Esquina, há, por vezes, uma compa-
e poder ali presentes. A ordem do dis- ração com o Tropicalismo, tanto por
curso se transforma na relação entre a uma relação de identificação quanto de
estrutura e o acontecimento (PECHEUX, diferenciação dos mineiros em relação
1997). Há uma relativa estabilidade ao movimento baiano. O Tropicalismo
abalada pelo acontecimento que faz tem todas as características de um
irromper uma série discursiva outra, acontecimento discursivo (FOUCAULT,
sempre filiada a um domínio de memó- 2004b). A inovação no uso de guitarras
ria. Quando o sujeito se coloca em uma elétricas, as roupas, os arranjos e as
dada formulação – poética ou musical –, letras das canções emergem de forma
agencia aspectos de memória, por vezes, surpreendente no contexto da música
de maneira inconsciente, que constituem brasileira, redefinindo, de certa forma, os
o interdiscurso, algo não explicitado – caminhos futuros a partir da retomada
de alguma forma esquecido –, mas que da antropofagia modernista.
domina a sua expressão. Formulei, com

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A sonoridade concebida no encontro discurso do período, oscilando entre a
de Milton Nascimento com seus com- herança da bossa-nova, o impacto tropi-
panheiros produz igualmente surpresa, calista, a música de mercado da jovem
sobretudo, como vimos, no meio musical, guarda e a canção de protesto. Em ne-
mas a ausência do aspecto cênico e o di- nhuma dessas categorias, era possível
álogo tímido com o dispositivo televisual enquadrar o Clube da Esquina.
acabam por reduzir os efeitos desse acon- É a partir dos anos 1990 que se ini-
tecimento aos círculos mais intelectuali- cia um processo de tradução da música
zados e musicais. É como se o Clube da mineira, cujo marco é a publicação do
Esquina desenhasse suas características livro de memórias de Márcio Borges:
de inovação em um processo crescente, Os sonhos não envelhecem - histórias
que se inicia com o disco “Milton”, em do Clube da Esquina (BORGES, 1996),
1970, e vai se aprofundando até o “Clube acontecimento que supre parte da de-
da Esquina número 2”, em 1978. Cada manda pelo entendimento das origens
novo trabalho ilumina os anteriores, em e motivações daquele som tão original.
um processo progressivo de constituição Márcio Borges descreve o ambiente de
de uma positividade. Em um período de Belo Horizonte nas décadas de 1960 e
demandas mercadológicas e políticas 1970 com seus espaços sociais: a vida
por diferenciar as variadas tendências em família, a boêmia, os movimentos de
da canção brasileira, os integrantes do resistência à ditadura, as inquietações
Clube da Esquina apostaram suas fichas de uma juventude transformada pelas
mais na elaboração musical do que na informações da contracultura e do ci-
formulação de especificidades conceitu- nema – Jules e Jim, de Truffaut, foi o
ais da música produzida pelos artistas elemento propulsor para que ele e Milton
do grupo.1 Assim, enquanto o Tropica- criassem canções –, em convivência com
lismo produzia canções-manifesto, como o conservadorismo e o preconceito.
“Tropicália” (Caetano Veloso) e “Divino- As memórias afetivas de Márcio Bor-
-Maravilhoso” (Caetano Veloso e Gilberto ges ecoam outra narrativa de formação,
Gil), o Clube da Esquina buscava um aquela do Encontro arcado, de Fernan-
efeito de espontaneidade na crônica de do Sabino. Está lá a descrição de um
jovens urbanos encontrando-se numa ambiente familiar fraterno, quebrado
esquina da capital de Minas. O compor- pelas contradições da vida adulta e fun-
tamento lacônico e tímido dos artistas damentado no sentido maior da amizade,
andava na contramão das tendências que aparece como fio condutor do livro
daquele momento histórico e criava uma de Sabino e como uma das regularida-
espécie de dificuldade de “tradução” do des discursivas das canções do Clube
real significado da contribuição daquela da Esquina. Há, portanto, uma marca
música. Tão forte quando ouvida, tão interdiscursiva do encontro marcado no
difícil de ser classificada na ordem do

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Clube da Esquina, mas, se a geração de capazes de viabilizar projetos ousados,
literatos do modernismo mineiro criou como a gravação do álbum duplo Clube
uma diáspora mineira no Rio, com o da Esquina, em 1972. As canções circu-
Clube da Esquina, os elementos musicais lam, principalmente, no meio universi-
levaram para o resto do mundo a origi- tário:
nalidade de uma produção resultante do Mesmo não tendo o espaço merecido nos
cruzamento entre geografia e história, de veículos de comunicação, o prestigio de Bi-
vozes ancestrais, de fazendas e quilom- tuca continuava a crescer, novidade levada
boca a boca pelos estudantes, aos quais não
bos, extrapolando mesmo o universo da cansava de visitar e para os quais se apre-
mineiridade. sentava [...] nas universidades e nas escolas
O grande líder do Clube da Esquina, (BORGES, 1996, p. 247).
Milton Nascimento, torna-se conhecido O marco inicial do Clube da Esquina
do público a partir do II Festival Inter- acontece no início dos anos 1970, na es-
nacional da Canção, em 1967, do qual teira da originalidade do aparecimento
participou com três músicas. O artista de Milton Nascimento no cenário da
chama atenção pelo estilo de interpreta- MPB. A gravação do álbum “Milton”
ção e pela originalidade de suas músicas, (1970) inaugura, para Ivan Vilela, um
com harmonizações singulares e “perma- caminho sonoro próprio e autêntico na
nente regularidade rítmica” (VILELA, produção dos artistas, desenvolvido como
2010, p. 20), obtendo imediatamente o experiência coletiva durante a década de
interesse de produtores norte-ameri- 1970. A banda de apoio, Som Imaginário,
canos. Milton lança o primeiro disco, com as participações de Toninho Horta,
“Travessia”, no mesmo ano, iniciando, Lô Borges e Naná Vasconcelos, traz, já
em seguida, uma carreira internacional, na primeira faixa, “Para Lennon e Mc
hoje consolidada, sendo gravado e reco- McCartney” (Fernando Brant, Márcio
nhecido por grandes nomes do jazz. Nos Borges, Lô Borges), uma instrumentação
dois primeiros discos, os arranjos foram típica do rock. Em “Pai grande” (Milton
de Luiz Eça e Dori Caymmi, resultando Nascimento), o destaque é para a percus-
parecidos com certo padrão da qualidade são, deixando sua natureza de acompa-
da música brasileira no período. nhamento rítmico para a criação de “um
O Clube da Esquina funda-se sob o evento que corria concomitantemente à
signo do prestígio em nichos intelectu- voz e a ao violão num volume maior do
ais, representado pelos grandes músicos que o usual nas gravações” (VILELA,
populares com os quais os mineiros dialo- 2010, p. 21). Até então, toda a expressão
gam, pela aproximação com o cinema de da musicalidade negra vinha da Bahia, e
Ruy Guerra, para quem Milton compõe no Rio de Janeiro, “Pai Grande” apresen-
trilhas. Esse aspecto garante uma rela- ta-nos uma África que não vem pela via
tiva liberdade e o acesso às gravadoras do samba. A etnia nagô, predominante

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em Minas Gerais, mesclou seus traços à A voz que fala na voz
cultura dominante, resultando em um
catolicismo popular: “É essa a África que que canta do Clube da
vem com Milton. A África dos congados Esquina
e moçambique, catopés e marujadas,
caiapós, candombes e vilões” (VILELA, A inscrição do Clube da Esquina no
2010, p. 22). arquivo de brasilidade da canção pos-
O Clube da Esquina, como denomi- sibilita um duplo movimento: a música
nação do trabalho do grupo, é, assim, mineira como domínio de memória na
um sentido que se constrói de maneira contemporaneidade influenciando artis-
gradativa: como canção do inventivo dis- tas de outras gerações e a configuração
co “Milton”, como nome do álbum duplo de uma posição-sujeito (FOUCAULT,
gravado em 1972 (Milton Nascimento, 2004a), um espaço enunciativo a partir
Lô Borges), nos discos “Minas” (1975) de particularidades, limites e possibili-
e “Geraes” (1976) – todos de Milton dades do dizer-cantar desses artistas. É
Nascimento. Há, ainda, a segunda ver- esse segundo aspecto que permite uma
são do álbum “Clube da Esquina” em aproximação dos estudos discursivos com
1978, que sela a ideia de movimento. A o que é proposto por Luís Tatit (2002)
escolha, pelos artistas ou pela mídia, da na relação entre a voz que fala e a voz
denominação Clube da Esquina sugere o que canta na história da canção popular
reconhecimento de um grupo com afini- brasileira. A voz que fala se interessa
dades estéticas e discursivas. O próprio pelo que é dito e a voz que canta, pela
enunciado pressupõe um aspecto dúbio, maneira de dizer. Tatit (2002) recorre ao
evocando tanto a ideia de restrição, conceito de dicção para tentar abarcar o
fechamento, quanto os inúmeros cruza- projeto estético envolvido nas canções,
mentos possíveis na esquina, em que se cujo ponto de partida é o ato de compor,
encontram os caminhos, de onde se parte complementado pelo arranjo e pela gra-
e para onde se chega. vação. A canção é, nesse ponto de vista,
Em um cenário de intensos debates um prolongamento da fala, tornando-se,
ideológicos e performances televisivas, historicamente, uma rede de recados do
no Clube da Esquina, são os elementos popular para o midiático e o político.
musicais que conduzem o sentido, fun- A Bossa-Nova dialoga com o samba, a
cionando como um contraponto singular tropicália com a cultura popular nordes-
no contexto pós-festivais de música, com tina, configurando um jogo em que as
o exílio dos tropicalistas e o recrudesci- inovações ocorrem com base no diálogo
mento da ditadura. com a tradição.
É porque existe a voz que fala na
voz que canta que há um dinamismo
singular na forma como as práticas dis-

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cursivas se refletem e são transformadas Jovem Guarda, com a voz popular de
na canção. As práticas demandam os Roberto Carlos. Nas canções dos festi-
discursos e esses, novas práticas. Os vais de inspiração política, o pêndulo se
elementos musicais representados pela inverte: a música está a serviço da voz
voz que canta penetram em territórios que fala; é preciso fazer chegar a men-
sutis de construção do simbólico. A músi- sagem. A característica performática do
ca brasileira apresenta, historicamente, Tropicalismo faz do movimento baiano
uma convivência entre o canto falado e o uma convergência entre o que se diz,
canto musicado: das modinhas da corte como se diz e o que se vê, considerando
anotadas em partituras aos improvisos também o aparato visual nas imagens
do jongo e do samba; dos seresteiros às televisivas. É um choque semiótico nos
marchinhas de carnaval em tom colo- canais do sistema potencializado como
quial nas décadas seguintes; passando acontecimento discursivo, implodindo a
pelo Samba-Canção e o Samba de Bre- noção do nacional-popular predominante
que. “Sem a voz que fala por trás da voz nas artes brasileiras.
que canta não há atração nem consumo. Nas canções do Clube da Esquina,
O público quer saber quem é o dono da como na Bossa-Nova, a maneira de dizer
fala” (TATIT, 2002, p. 14). é o condutor do sentido, embora as letras
As canções do Clube da Esquina, estabeleçam um diálogo com o momento
quer pela postura lacônica de seus in- político do país, algo ausente na Bossa-
tegrantes, quer pela relação de sentido -Nova, com sua miríade de amores sola-
entre os aspectos linguísticos e musicais, res. Não se pode esquecer que o momento
transformam o processo de identificação mais denso e significativo da produção
da voz que fala na voz que canta. A não do Clube da Esquina surge no período
explicitação desse lugar, na corrente con- mais crítico da ditadura militar, nos anos
trária ao predominante no cancioneiro 1970, com acirramento da repressão e
das décadas de 1960 e 1970, possibilita censura às letras das canções. É possível
ao Clube da Esquina um deslocamento circunscrever o movimento como consti-
na relação entre a voz que fala e a voz tuído no período que vai do surgimento
que canta, em que se situam tanto a sua de Milton Nascimento nos festivais de
singularidade quanto as dificuldades música do final dos anos 1960 até a gra-
de tradução e reconhecimento do som vação do álbum “Clube da Esquina - 2”,
dos mineiros pela mídia e pela crítica dez anos depois. A partir daí, mudaram
especializada. tanto as condições de escuta quanto o
Na Bossa-Nova, por exemplo, a ênfase cenário político e mercadológico em torno
é na voz que canta – a maneira de dizer da canção.
ganha mais importância em relação ao Na década mais produtiva do Clube
que é dito. O mesmo pode se dizer da da Esquina, as letras das canções ins-

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talam uma nova forma de poesia, uma música brasileira soltando “a voz nas
contracultura das montanhas, buscando estradas” (Travessia, Milton Nascimento
driblar o interdito da censura com o uso e Fernando Brant). O sujeito do Clube
de metáforas e expressando o estilo de da Esquina é aquele que se “chamava
vida do lugar, mas dialogando também estrada, viagem de ventania” e que “nem
com a produção da chamada poesia mar- lembra se olhou pra trás no primeiro
ginal, valorizando aspectos existenciais passo”, como nos versos de “Clube da
em relação às bandeiras macropolíticas. Esquina número 2” (Milton Nascimen-
No Clube da Esquina, essa fusão dos to, Lô Borges e Márcio Borges); o tom
elementos poéticos verifica-se a partir de despedida prevalece em “Nada Será
da tradição familiar, religiosa, dos modos como Antes” (Milton Nascimento, Ronal-
de viver na capital e no interior de Mi- do Bastos): “eu estou com um pé nessa
nas. O “Trem azul” (Lô Borges, Ronaldo estrada / qualquer dia a gente se vê”.
Bastos), lembrando-nos “das coisas que Em “Fé Cega, Faca Amolada” (Milton
esquecemos de dizer”, propõe um retorno Nascimento, Ronaldo Bastos), o viajante
à tradição, principalmente se pensado não se pergunta mais aonde vai dar a
em relação ao “Expresso 2222”, de Gil- estrada. Às vezes, o caminho é nostál-
berto Gil, cujo destino é o tempo futuro, gico, como em “Carro de boi” (Mauricio
pra lá do ano 2000. O “cavaleiro margi- Tapajós e Cácaso), em que a estrada de
nal” é aquele que vê, da janela lateral terra só “me leva, só me leva, nunca mais
do quarto de dormir, “uma igreja, um me traz”; avesso-espelho da despedida
sinal de glória” e “o voo pássaro” (Pai- de “Fazenda” (Nelson Ângelo), com seus
sagem da Janela, Lô Borges e Fernando “tios na varanda, jipe na estrada e o co-
Brant), além do muro branco da cultura ração lá”. Em “Manoel audaz” (Fernando
histórico-territorial. Há uma busca pela Brant, Toninho Horta), canção composta
ampliação das possibilidades existen- para o jipe de Fernando Brant, a viagem
ciais em várias canções, como em “Tudo é solar: “no ar livre, vento livre, aprender
o que você podia ser” (Lô Borges, Márcio não mais tentar”.
Borges): “sei um segredo / você tem medo A estrada é o elemento simbólico que
/ só pensa agora em voltar / não fala mais aponta para uma viagem no espaço e no
na bota e no anel de Zapata”. tempo, tanto nostalgia quanto voo de
Há dois eixos predominantes nas liberdade. O sujeito do Clube da Esqui-
canções do “Clube da Esquina”: a valo- na está, ao mesmo tempo, em fuga e em
rização do afeto na amizade e nas rela- busca. De um lado, as canções refletem a
ções familiares e “a narrativa viajante”, recepção de elementos da arte libertária
indicativa da relação entre tradição e a partir dos anos 1960: as experimenta-
modernidade na trajetória dos artistas. ções livres do jazz, o cinema de Truffaut,
Milton Nascimento surge no cenário da os Beatles, em um contexto de repressão

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da ditadura militar e o impacto da mo- mento, potencializada na voz que canta
dernização nas tradições mineiras. As (solta na estrada), torna-se a própria
novas possibilidades existenciais em incorporação dessa dualidade entre a
uma dimensão micropolítica instauram sensação de perda e a utopia de encon-
o movimento de fugas dos preconceitos, trar um tempo e um lugar que restituam
do conservadorismo de um mundo em aquela possibilidade vislumbrada em
transformação. De outro, a constatação uma esquina da capital mineira. Há, na
de que nada será como antes, indicati- expressão de Milton, uma potência poé-
va da nostalgia por um tempo e lugar tica em que os signos da angústia e da
marcados pela boêmia desimpedida, liberdade parecem conviver, refletindo
pelas relações familiares, amorosas e de nas entrelinhas a tensão do momento
amizade, pelo espaço de experimentação político e seu impacto micropolítico no co-
e liberdade. A impossibilidade mesmo do tidiano dessa juventude. Há, na sua voz,
clube numa esquina que se tornou mun- tanto a Minas que liberta quanto aquela
do – “a gente, gente, gente” –, como can- que reprime, como se sua voz estivesse
ta, no limite da respiração, Lô Borges. destinada a ir longe, como de fato foi,
Clube como fechamento, sentido de bus- para falar de um sentimento ancestral.
ca de uma vivência em um determinado O enigma do Clube da Esquina não
momento, tendo por cenário a capital de deixa de ser a busca da voz que fala,
Minas. Esquina como abertura, a estra- que não está no lugar no qual a escuta
da, o estrangeiro, a impossibilidade da universitária-midiática da época espe-
permanência. A viagem é, assim, tanto rava. Parece prevalecer uma aura de
busca quanto fuga. Márcio Borges capta mistério em relação às particularidades
bem essa dualidade em suas memórias, do som dos “mineiros”. O Clube da Esqui-
na apresentação de Dona Lilian, mãe de na dá prosseguimento, a um só tempo,
Milton Nascimento, no ambiente de Três da tradição do refinamento harmônico
Pontas, onde o artista foi criado. e melódico da Bossa-Nova enquanto
Dona Lília mostrava saber muito bem em realiza a principal bandeira tropicalista
que tipo de sociedade vivia e, se por um lado antropofágica: a fusão de elementos tidos
havia a calma, os dias pachorrentos, a vida por inconciliáveis:
silenciosa e rotineira, a segurança e a tran-
quilidade que pode proporcionar uma cida- Por agregar elementos tão distintos como o
dezinha limpa, relativamente rica para os rock, o congado, o jazz modal, The Beatles, o
padrões do interior mineiro, por outro lado, arcabouço musical da MPB, música clássica,
mais obscuro e secreto, havia, como sempre, o metodismo do barroco mineiro presente na
aliás, a hipocrisia e o preconceito. Ela sofria cultura e no desenho das paisagens (VILE-
por Bituca (BORGES, 1996, p.77). LA, 2010, p. 25).

O silêncio da voz que fala pode ser Uma sonoridade forjada, de alguma
pensado também como signo de opressão. maneira, à margem do dispositivo te-
A expressão musical de Milton Nasci- levisivo que fomentou a nova música

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brasileira nos anos 1960, a partir de pro- ar como um enigma nas narrativas que
gramas como “O fino da bossa” e “Jovem contam a história da música brasileira.
Guarda”. A música do Clube da Esquina Com a gravação dos primeiros sambas
foi mais ouvida do que vista, mais can- no início do século passado, a relação
tada do que falada. O reconhecimento entre a voz que canta e a voz que fala se
internacional chega como é comum na dava nos elementos de força da canção
música, tendo no canto o predomínio do em si. Com a difusão da televisão, sobre-
elemento significante, já que a barreira tudo a partir dos anos 1980, a voz que
do idioma, por vezes, impede o enten- fala do compositor aparece também nas
dimento da mensagem (a voz que fala), entrevistas, polêmicas e outras aparições
deslocando o sentido para a maneira de midiáticas. É como se os artistas, atra-
dizer. Foi assim com a Bossa-Nova e com vés das suas performances – e não mais
o Clube da Esquina. somente pela música –, potencializassem
Esse conjunto de fatores promove um o discurso da canção. Milton Nascimento
deslocamento da voz que fala em relação e os companheiros do Clube da Esquina
à voz que canta na produção do Clube da têm, desde sempre, uma relação tímida
Esquina, o que poderia justificar a baixa e lacônica com a mídia. É sintomático
percepção pelos jornalistas e críticos da desse efeito uma edição do programa
época sobre a riqueza do movimento. “Abertura”, que era exibido pela TV Tupi
Sem participar das grandes polêmicas no final dos anos 1970 e reunia nomes
da MPB, o Clube da Esquina seguiu fortes da intelectualidade e das artes.
pelas margens do mistério, provocando e Em uma das edições, com vídeo disponí-
influenciando gerações futuras, artistas vel no YouTube, Sérgio Cabral se dirige
como Ivan Lins, Gonzaguinha, dentre a Milton dizendo: “O Milton não é muito
outros, mas um pouco a distância dos de dar entrevista. Mas você acredita na
faróis midiáticos mais populares, ao abertura?”. O vídeo exibe o silêncio no
mesmo tempo em que tinha um grande rosto do compositor e a edição insere
reconhecimento internacional. Identi- outros elementos, deixando o silêncio no
ficar a voz que fala no canto de Milton ar.2 O ethos discursivo do mineiro como
Nascimento é algo que dialoga com o calado foi reforçado pela figura enigmáti-
mistério: qual ancestralidade de uma ca de Milton Nascimento, tão expressivo
África mineira que ali se manifesta? quando canta, lacônico e tímido na fala.
A voz no Clube da Esquina, deixa de ser Com a riqueza da produção dos anos
apenas o elemento que canta as canções e 1970, acontece certa pasteurização nas
passa a ser um instrumento que canta sem canções do Clube da Esquina nos anos
letra, que produz sons pouco usuais (VILE-
LA, 2010, p. 24). 1980, que coincide, paradoxalmente,
com a maior presença da voz que fala na
É um canto de resistência contra as voz que canta. Ivan observa essa perda
opressões, um significante que paira no

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da densidade sonora a partir do álbum da figura política de Tancredo Neves,
“Caçador de Mim”, de 1981 (VILELA, que, comparado a Tiradentes, torna-se
2010, p. 23). O momento marca o fim da o mártir da nascente democracia brasi-
ditadura militar, trazendo manifestações leira. O sociólogo Boaventura de Souza
populares que atraíram multidões para Santos (2001) propõe, sempre que se fala
as ruas, muitas vezes, embaladas pelas em identidade, conhecer quem pergun-
canções dos mineiros, tais como “Cora- ta, com quais propósitos e resultados. A
ção de Estudante” (Milton Nascimento, historiadora Liana Maria Reis (2012)
Wagner Tiso) e “Menestrel das Alagoas” reforça o caráter de construção simbólica
(Milton Nascimento, Fernando Brant). A do discurso da mineiridade de artistas,
voz que fala, silenciada nos anos 1970, memorialistas, literatos e políticos que
ressurge em um tom melodramático dos tentam uniformizar as diferenças em
arranjos e também nas abordagens tele- nome de um projeto político, que garanta
visivas, nos clipes por ocasião da morte projeção nacional a partir da ideia da
do presidente eleito, Tancredo Neves. conciliação, favorecendo, sobretudo, as
Ao mesmo tempo em que essas canções elites. “Parte da população mineira in-
eram entoadas pelas multidões, reve- trojeta esse discurso, embora não tenha
lavam um sentimentalismo excessivo, ganhos políticos com isso, ao contrário
anunciando o desgaste do gênero. das elites políticas mineiras” (REIS,
Menestrel das Alagoas (Milton Nas- 2012, p. 95).
cimento, Fernando Brant) e Coração de
Estudante (Milton Nascimento, Wagner A pedagogia do congado
Tiso) tornaram-se hinos populares das
diretas, caracterizando-se pelo tom pas-
na fusão musical no Clube
sional levando ao limite a proposta da da Esquina
canção crítica engajada. A letra de Cora-
ção de Estudante buscava o vínculo com O mecanismo de funcionamento
a classe universitária, como era comum do arquivo é mais bem elucidado com
nos anos 1960, mas reforçando o apelo base nos conceitos de interdiscurso e
emocional: “Coração de Estudante / há intradiscurso, a partir das contribuições
que se cuidar da vida / há que se cuidar de Jean Jacques Courtine (2009). No
do mundo / tomar conta da amizade / momento em que o sujeito se coloca na
alegria e muito sonho / espalhados no formulação de dado enunciado, agen-
caminho”. cia um domínio de memória. É o que
Há, nesse momento histórico, uma Courtine denomina de eixo vertical do
associação dos artistas do Clube da discurso. O intradiscurso refere-se ao
Esquina com a ideia de “mineiridade”, eixo horizontal, a relação dos enuncia-
trazida à tona pelo discurso em torno dos com as linhas do contemporâneo em

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que ele emerge. O interdiscurso é uma álbum em que não há uma distribuição
espécie de matriz do sentido e o desafio igualitária dos instrumentos, resultando
do analista é perseguir essas marcas não em outro padrão de escuta. Na canção
explícitas que, no entanto, determinam “Cais” (Milton Nascimento, Ronaldo
a emergência do discurso. Assim, a voz Bastos), por exemplo, ruídos de conchas
que fala, tal como a consideramos, pode aliados a um som que lembra madeira
ser articulada com o interdiscurso, as e água criam uma atmosfera para a
marcas de uma memória determinante melodia. Outros álbuns gravados nos
para o acontecimento do discurso, mas anos 1970 refinam esse procedimento
não de todo definida. de criação de uma massa sonora. No
O eixo do intradiscurso no Clube da álbum “Milagre dos Peixes” (1973), há
Esquina refere-se ao contexto retratado proximidade maior com as festas de rua,
por Márcio Borges em suas memórias, as os congados mineiros, certa profusão
relações do Clube da Esquina com os mo- sonora, aparentemente desordenada,
vimentos musicais e culturais que lhe são que traz para o centro da cena o pulso
contemporâneos. O do interdiscurso é a de uma outra África que não a do samba.
busca da voz que fala, cuja pista está nos No álbum “Minas” (1975), o som do órgão
elementos musicais apontados por Vilela. “de igreja” mistura-se ao violão, criando
As características da sonoridade do uma sonoridade singular. “Os jovens do
Clube da Esquina revelam outro nível Clube da Esquina vão criar um novo
de vínculo, tomando a tradição como conceito de acompanhamento da canção,
invenção, contrapondo o fechamento das diferente do usual de melodia, harmonia
montanhas às possibilidades litorâneas, e ritmo” (VIELA, 2010, p. 23).
o som das manifestações da cultura po- Essa outra África Nagô mineira
pular com as inovações sugeridas pelo produz o que Vilela define como “peda-
jazz, buscando a linguagem jovem da gogia do congado”, processo inventivo
juventude roqueira, aproximando-se da de aprendizagem da tradição da música
sonoridade latino-americana. A presença oral. As crianças, nos ternos de congo,
de uma outra África Nagô, apontada por aprendem a tocar imitando os maio-
Vilela (2010, p. 22), na sonoridade de res. À medida que crescem, começam
Milton, evocando a tradição dos ternos a tocar criativamente, expandido os
de congo da cultura popular mineira, é contornos da tradição. Fazem o que o
a presença do interdiscurso e pista para grupo solicita, mas vão além e, nesse
encontrarmos a voz que fala por trás da além, expandem as possibilidades. Esse
voz que canta. Assim, as inovações pre- conhecimento ancestral, como tradição
sentes no disco “Milton” radicalizam-se dinâmica, para Vilela, define a forma
no álbum “Clube da Esquina” (1972). como os músicos do Clube da Esquina
Vilela aponta o elemento da mixagem do introjetaram as diversas influências e

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as reprocessaram, brotando dessa fusão Borges. Porém, historicamente, o que
uma sonoridade única. Assim, a voz tinha aspecto rítmico e lúdico não se
que canta no Clube da Esquina fala-nos inscrevia como voz política, diante de
de outra subjetividade, uma África de uma dominação econômica e política das
cores mineiras, transformada também elites mineiras.
pela busca de elementos semânticos no
próprio universo da música e também no Cavaleiro Marginal: as
cinema, gerando, desse movimento, uma
tradição cosmopolita.
subjetividades do Clube
Assim, a partir do artigo de Ivan, da Esquina
podemos descrever o que consideramos
o domínio de memória determinante Um dos principais pontos de contri-
(interdiscurso), chamado por ele de buição da teoria do discurso está, justa-
“pedagogia do congado”. Trata-se de um mente, na definição do que Foucault de-
saber poder que vem da cultura popular nomina de função sujeito (FOUCAULT,
em sua manifestação sincrética e de onde 2004a). Os discursos, os dispositivos e a
se origina a potência criativa do Clube da rede entre esses elementos constituem
Esquina. É esse elemento que determina a ordem do dizível nas sociedades. É
a fusão e a recriação como elementos preciso que o sujeito se inscreva em
constituintes do cancioneiro de Milton uma determinada formação discursiva
Nascimento e seus companheiros. A – sempre heterogênea em relação a ela
África Nagô de onde surgiu o catolicismo mesma e às outras com as quais convive
popular que permitiu o grau de abertu- –, que lhe dá tanto os limites quanto as
ra verificado nas criações dos artistas. potencialidades. Somos determinados
Sendo a base da pedagogia do congado pelas forças sociais e também temos os
a capacidade constante de reinventar nossos processos de identificação a partir
e recriar as sonoridades recebidas dos dos produtos midiáticos e culturais.
mestres, esse elemento será o propulsor Suely Rolnik (2011), seguindo os ca-
do discurso produzido pelo “Clube da minhos abertos por Foucault, Deleuze
Esquina” e a sensação de libertação que e Guattari, utiliza a noção de subjetivi-
as melodias e a voz de Milton evocam. dade como um conceito mais plural do
A percepção do artista encontrou na voz que identidade cultural. A subjetividade
das ruas das congadas sua base pedagó- pressupõe um movimento pelo qual é
gica, amplificada pela convivência com os possível perceber as relações micropolí-
pares de uma Belo Horizonte que fazia ticas definidoras dos embates macropolí-
a transição de capital provinciana para ticos. A autora estabelece alguns padrões
metrópole, em um tempo de comunhão de subjetividade forjados nos anos de
e boêmia tão bem captados por Márcio ditadura militar e que ainda produzem
sentidos, tais como “o coronel em nós”,

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“o hippie em nós”. Os principais movi- próprias vidas. Ousar criar (viver), sem
mentos musicais brasileiros promovem, os limites da tradição, livres dos ranços
à sua maneira, produções de subjetivida- ideológicos que aprisionavam a criação
de, tais como “a bossa nova em nós”, “a dos músicos no período.
jovem guarda em nós”, “a música caipira O cavaleiro marginal tem algo a dizer
em nós”, “o tropicalismo em nós”, como ao presente, com sua disposição de colo-
demonstra Heloisa Starling, em um co- car o pé na estrada e a sabedoria de saber
mentário sobre a Bossa-Nova: que nada será como antes, lembrando-
A interpretação de João Gilberto como as -nos do espaço do sonho: tudo o que você
canções de Tom Jobim, garante aos brasi- queria ser. Assim, esse meio caminho
leiros a sombra de um refúgio - um lugar só entre a fuga e a busca parece justificar
nosso, mas dotado de qualidade muito espe-
cifica que faz emergir da meia luz que ilu- o lugar enunciativo do Clube da Esquina
mina nossa vida privada e interna, valores, na história da música brasileira, mar-
sentimentos e ideias, de deriva deles a base cado por uma dupla impossibilidade: de
de formação de nossas condutas individuais
e coletivas (STARLING, 2012, p. 5).
se manter os laços afetivos típicos de
um determinado momento da história
Acreditamos que a demanda por brasileira e de alcançar a promessa de
instituir para o Clube da Esquina um liberdade da contracultura internacio-
lugar de destaque na MPB – da qual nal. Esse movimento que atravessa a
o artigo de Ivan Vilela é um sintoma – década de 1970 não foi capaz, na virada
vem, justamente, de sua potência como da democracia, de perceber a arma-
discurso produtor de subjetividade dilha do discurso da tradição política,
para muitas pessoas nascidas a partir legitimando a construção discursiva da
de final dos anos 1950. A forma como a mineiridade representada por Tancredo
contracultura e a efervescência cultural Neves. Entre o silêncio repleto dos inven-
e política de final dos anos 1960 penetra- tivos sons da primeira fase e a adesão
ram nas tradições fornece a chave para desse momento, o Clube da Esquina não
se buscar essa produção de subjetivida- encontrou a sustentação da voz que fala,
de. O impulso criador de Jules e Jim de cuja busca tem demandado pesquisas
Truffaut, levando os artistas a compor originais, como a de Ivan Vilela, que
suas canções, a sonoridade dos Beatles nos permite encontrá-la na pedagogia
reinventada nas esquinas e a descoberta do congado. De outra forma, instalam
do amor livre criaram a subjetividade um lugar discursivo nas relações entre
do Cavaleiro Marginal como síntese do a canção brasileira e a vida do país, em
Clube da Esquina. Aquele que contem- que a utopia de uma convivência afetiva
pla a sua própria paisagem da janela, se realiza. Sempre que se sente a neces-
lendo essa realidade como signo de uma sidade de restituir um espaço simbólico
transformação que podia, de repente, en- de alegria espontânea de viver, de expan-
cher os corações de afeto, reinventar as

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são das possibilidades existenciais fora pack the association of their songs
dos jogos de aparência da sociedade do with the political discourse of Tan-
credo Neves. This movement reveals
espetáculo, o horizonte que temos são as
contradiction between the space of
canções do Clube da Esquina. O gesto do resistance from a black cultural heri-
Clube da Esquina é, assim, ao contrário tage that comes from the “ternos de
da expansão tropicalista ou da recupe- congo” and the street parties of Mi-
nas Gerais, creative basis of Clube da
ração das linhas de força da canção da
Esquina’s songs, with the discourse of
Bossa-Nova, a busca do espontâneo, da “mineiridade” as a historical strategy
necessidade de soltar a voz nas estradas of economic and political domination.
e da liberdade de criar. Esse é o lugar We try to discuss the relations betwe-
que o movimento mineiro alcança como en the media devices and the power
games around the Brazilian song ba-
singularidade e potência na história da sed on Foucault’s genealogy and, in
música brasileira. doing so, understand the rural po-
pular culture manifestations and its
influence on urban song as spaces of
The enigma of Clube da creative resistance.
Esquina: voices from another
Keywords: Discourse. Clube da Esqui-
Africa in the pedagogy na. Brazilian Music. Pedagogy of the
of congado Congado.

Abstract Notas
The article seeks to analyze from a 1
As relações do “Clube da Esquina” com o
discursive point of view the misma- Tropicalismo são historicamente amistosas.
tch between the inventiveness of the Em 1974, no show dos Doces Bárbaros, Gal,
Clube da Esquina’s songs and the Betânia, Gil e Caetano gravaram “Fé cega, faca
media recognition in balance with amolada”, uma das canções de maior sucesso
other striking movements in the his- do álbum “Minas”, de Milton Nascimento. O
tory of Brazilian popular music, such prefácio do livro de Márcio Borges foi escrito
por Caetano Veloso, parceiro de Milton em
as “Bossa-Nova” and “tropicalismo”. algumas canções, como “Paula e Bebeto” e “As
The political-poetic importance of the várias pontas de uma estrela”, além de Beto
popular song as a space of resistance Guedes, com quem compôs “Luz e Mistério.”
created in Brazil a symbiotic rela- Milton Nascimento e Gilberto Gil gravaram,
tionship between the voice that spe- ainda, um álbum em conjunto. Informações
aks and the voice that sings, as Luís que reforçam uma relação dialógica entre os
Tatit shows. Milton and the other artistas.
2
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artists of Clube da Esquina affiliated results?search_query=programa+abertura+tv
to the discourse that associates the +tupi++>. Acesso em: 16 jan. 2017.
“mineiro” to introspection and discre-
tion, didn’t articulate this relation in
the media channels, when they do it
- at the end of the dictatorship- they

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Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo - v. 13 - n. 1 - p. 119-138 - jan./abr. 2017

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