Você está na página 1de 4

FICHAMENTO:

SONS E RITMOS DA CIDADE: interrogações sobre a


interculturalidade e o cotidiano urbano*
Luciana Ferreira Moura Mendonça

O que a investigação das sonoridades pode trazer para as pesquisas


sócioantropológicas? Pode a investigação que privilegia a escuta iluminar aspectos não
revelados das relações sociais e interculturais nas cidades ou, mais do que isso, do
cotidiano das cidades lido na sua multiculturalidade?

A reflexão sobre essas questões foi motivada por dois estudos etnográficos que foram
base para a tese de doutorado (Mendonça,2004):

1- O foco é movimento manguebeat, de Recife, Pernambuco: os discursos e


performances musicais como fundamentais para alteração das dinâmicas
culturais e sociais, tanto no mercado quanto nas relações de solidariedade social.
2- Polifonias urbanas: contatos interculturais na cidade do Porto: analisa as
interações e trocas culturais entre brasileiros e portugueses na cidade do Porto,
Portugal, onde a música brasileira é muito importante para a conexão entre as
duas culturas e também a presença nos meios de comunicação. A presença da
dinâmica da cultura brasileira nessa cidade aparece muito na juventude urbana, a
partir das práticas de capoeira, de batucada, shows, restaurantes e discotecas. A
música brasileira se torna muito presente também nos rituais, como no São João.
Além do uso de expressões, dos sotaques, da paisagem sonora urbana.

Recife se destaca manifestações afro-brasileiras, tendo o frevo e os maracatus;

Porto não projeta uma “imagem sonora” tão definida, tem combinação de ritmos com
diversas origens no território português ou fora dele. O sentido dessa “imagem sonora”
se revela na vivência e compreensão de sonoridades diversas, com origens e
temporalidades variadas.

Ela vai se concentrar em dois pontos para fazer a análise:

1- o papel da “audição da vida social” como forma de conhecimento, refletindo


sobre a noção de paisagem sonora, que funciona como instrumento para a
organização e análise do conjunto de percepções auditivas;
2- a relação entre a vida urbana por meio das sonoridades e os processos de
desterritorialização das identidades coletivas em contexto de mundialização, que
trazem impactos sobre a definição de “comunidade”. Essa noção se dá em um
senso comum na auto-representação do jeito que se identifica em uma
coletividade(migrantes, moradores de bairros específicos, favela, ou grupos
étnicos) e, pensar a centralidade das solidariedades sociais.

Ouvindo o cotidiano urbano

1)Ver e ouvir

Nas ciências sociais não dão muito importância para as fontes sonoras, mas é um
aspecto importante para cultura de uma sociedade. Geralmente nos trabalhos
antropológicos, proliferam metáforas visuais quando se fala sobre o trabalho de campo
ou sobre a escrita etnográfica.

“Em uma perspectiva histórica, pode-se dizer que o desenvolvimento das formas
musicais ocidentais corre em paralelo com o desenvolvimento das formações sociais e,
junto com elas, das cidades (Cf. Wisnik, 1989)” (p.143)

As sonoridades e ritmos “são marcadores das diferenças sócio-espaciais e culturais que


se estabelecem dentro e nas fronteiras das cidades, apontando também para os
entrecruzamentos entre o local e o global.” (p.144)

2) Paisagens Sonoras
Em um primeiro momento, em um ambiente urbano nós percebemos geralmente um
conjunto de sons, uma diversidade de fontes sonoras, que vai de acordo com os ritmos
sociais e naturais, por exemplo, o trabalho e os descanso, o dia e a noite.

R. Murray Schafer, músico e teórico canadense em 1970 formula a noção de “paisagens


sonoras” se refere a “campo de interações” e de estudo. Em sua análise, Schafer
diferencia as paisagens urbanas das rurais medindo o nível de ruído qualificando como
Lo-fi (de baixa fidelidade) e como Hi-fi (de alta fidelidade).

Sophie Arkett (2004:162):


“Dizer que as paisagens urbanas podem ser reduzidas a uma matriz de paredes sonoras é
interpretar mal a noção de cidade. A paisagem urbana foi e tem sido constantemente
modelada [pelas relações de produção, acrescentaríamos nós, e] por comunidades
definidas por divisões econômicas, culturais, étnicas, religiosas e, consequentemente, os
seus perfis acústicos e marcos sonoros estão em constante transição” (p.145)

É preciso analisar de forma contextual

Néstor Garcia Canclini analisa a utilização da música de fundo em vários espaços


públicos (aeroportos, restaurantes, lojas) para produzir uma “parede sonora” ou
“climatizar” o ambiente.

“ A noção de paisagem sonora evoca tempo e espaço e, assim, pode incorporar a


diversidade de temporalidades e de localidades dos conteúdos que se encontram
dispostos num contexto urbano específico, a ocorrência simultânea e sucessiva de
diversos eventos sonoros, permitindo explorar a dimensão sensível, consciente e
inconsciente, das relações estabelecidas na cidade.” (p.146)

Sonoridades e comunidades na cidade (em tempos de


mundialização)

Repensar as comunidades

A ausência de fronteiras no espaço auditivo


“Podemos aproveitar essas sugestões acerca dos fluxos e da dimensão cultural vista sob
um prisma processual para repensar a “comunidade” para além de enraizamentos e de
fronteiras territoriais. Isto se torna mais imperioso quando nos lembramos de que a
experiência de migração – interna ou internacional – provoca um deslocamento dos
sentidos do corpo e da identidade, do pertencimento a uma “comunidade” (Cf. Obert,
2006).” (p.147)

O sentido de comunidade é de identificação coletiva, identificação à costumes daquele


grupo

Ecos de uma concepção clássica


Tönnies subdividiu os vínculos sociais entre:
Comunidade: “vida real ou orgânica”
Sociedade: “formação ideal mecânica”

A
comunidade
tem por referência as
tradições e costumes, as crenças; a “convivências familiar
, doméstica e
exclusiva”, representa a união íntima, é o “organismo vivo” e “real”. A
sociedade
representa uma estrutura imaginária e mecânica; é uma cons-
trução artificial de um agregado de seres humanos que só superficial-
mente se parece com a
comunidade
; para Tönnies, a
sociedade
é, apenas,
uma forma de convivência “transitória e aparente”, um “agregado e arte-
fato mecânico”

Você também pode gostar