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Esse projeto foi contemplado pelo Prêmio Riachão - Projetos de Pequeno Porte, da
Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de Salvador, por meio da Lei
de Emergência Cultural Aldir Blanc, destinado pela Secretaria Especial da Cultura
do Ministério do Turismo, Governo Federal.
FICHA TÉCNICA DO ÁLBUM
DIREÇÃO GERAL LUAN SODRÉ
MUNIZ SODRÉ
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Luan Sodré é músico, violonista,
compositor, produtor, pesquisador e
educador musical. É licenciado em
Música pela UFBA, mestre e doutor
em Educação Musical pela mesma
instituição, além de aprendiz de
capoeira na ACANNE. É professor do
Departamento de Letras e Artes da
UEFS, onde atua no curso de Música e
lidera o grupo de pesquisa Diáspora.
Imerso em experiências negras no
contexto da diáspora, é um estudioso
do campo da música, cultura e
sociedade com foco nas existências
e no pensamento afrodiaspórico.
Enquanto músico, dirige e integra o
Luan Sodré Trio.
SU
MÁ
RIO
NOTAS DO EDITOR 12
NOTAS
expressões de gêneros atravessadas
por uma abordagem violonística
clássica, implicações jazzísticas e até
intenções comuns ao rock.
DO To d a essa confluência
de perspectivas identifica o
‘afrodiaspórico’ com um termo que
não apenas induz uma semântica
apropriada à experiência de escuta
do próprio álbum, mas que também se
estabelece como uma espécie de
Como registrar, em partitura, uma motivo musical, o qual dispara ações
música que, embora delimitada em compositivas do mesmo. Diga-se de
termos estruturais e formais, exige, por passagem, toda essa diversidade
característica, liberdade interpretativa apontada não se dilui no lugar comum
e inventiva em sua performance? A da mistura, e, sim, acomoda-se em
resposta para essa questão portais de encontros e diálogos, com
representou o maior ponto de seus acordos e conflitos naturais,
direcionamento deste projeto que promovendo discursos musicais de
visa uma versão escrita do álbum identidade singular.
“Afrodiaspórico”, do Luan Sodré Trio. A pluralidade também é percebida
Antes de tratar dos aspectos mais nos processos composicionais. Ouve-se
específicos da editoração musical, músicas, como a faixa título, com forte
faz todo sentido trazer à tona o apelo ao desenvolvimento melódico;
imaginário sonoro que o trabalho de algumas, como Kaô, que progridem
referência evoca — até porque isso a partir da ressignificação de figuras
tem implicações decisivas no que diz musicais (sejam elas claves, riffs ou
respeito às escolhas notacionais conjunto de acordes); e outras, como
adotadas. De uma maneira geral, o Pé na Estrada, cujo mote passa pela
disco é uma carta convite à construção de ambientes como a rua,
re l e i t u ra s de diversificadas na direção de manifestações culturais
manifestações musicais brasileiras afeitas a formação de rodas (como a
fundamentalmente afrocentradas capoeira, como o próprio samba). As
—, considerando as complexas estruturas formais seguem o mesmo
dinâmicas da diáspora africana e os princípio: em obras como Adupé, os
processos de adaptações de suas espaços destinados à criação
culturas no contexto brasileiro. Na espontânea são tão importantes
aventura sônica, há menção ao coco, quanto os de construção temática,
ao maracatu, a padrões de timeline seguindo a ideia de ‘tema e
associados ao candomblé, levadas improvisação’; enquanto em outras,
frequentes dos sambas do Recôncavo como Grande Roda, os gestos, materiais
Baiano, batidas de bossa nova, e seções são tão definidos e diversos
samba-reggae, dentre outras que tornam discretas as margens
para o improviso. Tamanha variedade ponto de origem das obras. Além
chega também no domínio criativo de disso, outra diretriz foi flexibilizar os
controle das alturas, visto que, embora conteúdos mais tendidos à direção de
a noção de tonalidade tenha grande arranjo, principalmente no que tange
importância para toda produção, às partes de baixo e bateria, notando
investidas modais e outras, em que apenas o que se apresenta como
as amarras do tonalismo são diluídas, fundamental e que passou a revelar
alicerçam direções expressivas. traços identitários das músicas no
Para além de todas essas registro fonográfico, ou seja, ideias
características, a audição do marcantes e orientações de caráter.
“Afrodiaspórico” revela um viés de Com isso, intenciona-se uma
arranjo com compromisso criativo, p a r t i t u ra que dê l i b e rd a d e
aberto a adaptações e intervenções interpretativa aos seus(suas) possíveis
em níveis que podem ir da i interessados(as), a partir do ímpeto
formação instrumental ao perfil de composicional de todo o trabalho
acompanhamento dos materiais — a própria parte de violão —, mas
principais de cada música. Isso também apresentando mapas
porque, enquanto as linhas de violão musicais e informações textuais que
aparentam comportar-se como a dizem sobre os arranjos iniciais de baixo
espinha dorsal do todo, as faixas de e bateria, os quais, por sua vez, podem
baixo e bateria, que compõem o inspirar outros arranjos e versões
complemento do arranjo original, (inclusive para formações instrumentais
desenvolvem-se com liberdade distintas), como está ilustrado pelo
acentuada, a ponto de não apenas exemplo 1 (trecho de Grande Roda).
valorizar o que é previsto pelo violão
com climas e dinâmicas específicas,
mas desafiá-lo com contrastes em
termos de intenções, texturas, e até com
a apresentação de novos materiais.
A proposta de partitura que
acompanha este livro objetiva
valorizar todos esses aspectos
m e n c i o n a d os , a d m i t i n d o co m
importância a espontaneidade
presente no álbum. Nesse sentido,
a grande diretriz foi focar com
detalhamento no registro (transcrição)
das ideias musicais mais tendidas à
perspectiva de composição (estruturas
melódicas, harmônicas, rítmicas,
padrões basilares de
acompanhamento, etc.) — em suma,
tudo que foi escrito para o violão como
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Exemplo 1: indicações/sugestões textuais do arranjo de Grande Roda
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Por fim, resta mencionar que as partituras a serem apresentadas não carecem
de bula, na medida em que existe uma pretensão de explicação de todos os sinais e
indicações não convencionais no corpo escrito de cada música; e que, embora o projeto
não apenas aceite como incentive adaptações ligadas à formação instrumental,
há sugestão de uso de arco) e de um set de bateria que acolhe instrumentos de
percussão (a disposição do mesmo no pentagrama pode ser apreciada no exemplo 3).
Vinicius Amaro
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Vinicius Amaro é compositor,
licenciado, mestre e doutor em
Composição Musical pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), e desenvolve
pesquisas ligadas à interface
‘composição e cultura’. É professor do
Departamento de Letras e Artes da
Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS), onde atua no curso de
Licenciatura em Música, ministrando
os componentes de Harmonia,
Estruturação, Composição, Teoria e
Percepção Musical.
ACESSE O ÁLBUM
CLICANDO AQUI!
Alexandre Vieira é
contrabaixista, cantor,
compositor e arranjador.
Licenciado em Música e mestre
em Performance pela UFBA.
Atua profissionalmente há
19 anos. Já colaborou com o
trabalho de inúmeros artistas
do cenário local, nacional e
internacional, dentre eles:
Mariene de Castro, Jorge
Vercilo, Saulo Fernandes,
Roberto Mendes, Mateus
Aleluia, Orquestra Sinfônica
Popular de Camaçari, Graham
Haynes, Projeto TRIBASS, Luciano
Calazans, Gigi Cerqueira, Walter
Blanding, Letieres Leite, Lazzo
Matumbi, Michaela Harrison
entre outros.
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Marcos Santos é artista e
pesquisador. Doutor em
Etnomusicologia e mestre em
Musicologia Histórica pela UFBA,
instituição pela qual também
é licenciado em Música. Imerso
nas experiências negras, sua
atuação busca conectar
fundamentos africanos no
contexto da diáspora. Tem
experiência em projetos
educacionais que buscam
discutir e refletir os processos
culturais no Brasil e na África
Central. Tem interesse em
propostas interdisciplinares de
trabalho, envolvendo as áreas
da História, das Filosofias, da
Dança e Artes Cênicas.
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PARTI
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TU
RAS
AFRODIASPÓRICO
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Afrodiaspórico, primeira faixa
do álbum, é cartão de visita
para adentrar no universo de
possibilidades sonoras que
seguirá. O setup usado nessa
música é o que vai acompanhar
todas as outras, com suas devidas
variações: bateria, pratos, gã,
atabaque. Nela, é trazido, na
primeira sessão, um samba de
roda repartido entre hi-hat, aro
e bumbo com fraseados no tom
de 8”. Na sequência, busquei abrir
a sonoridade indo para o ride e
caixa/aro. Na repetição, trago o
atabaque costurando o samba
de caboclo e bumbo – durante
toda a música, mencionando
os bombos e alfaias do coco
de roda. No solo, há o uso do
aguidavi, baquetas que trazem
referência à ancestralidade
yoruba e gêge, ampliando
esse diálogo com as melodias
executadas no atabaque.
Portanto, a afrodiáspora sonora
se faz presente em grande
medida nesta obra.
Marcos Santos
Essa faixa foi uma das primeiras
músicas que Luan me apresentou.
De imediato, já senti que haveria
muitos momentos em que o
baixo poderia dobrar frases com
o violão. Logo, optei por uma
condução com mais pausas
por ter um violão muito rico
ritmicamente. Vale considerar
que o balanço constante do
violão, o qual é uma tradição
do samba do recôncavo, leva
o contrabaixo a buscar lugares
para apoiar o balanço. Esse
padrão mais vazio na condução
encaixou bem, isso porque chega
nas pausas melódicas quando
o tema se apresenta. Assim, a
condução vai ganhando mais
corpo aos poucos. Quando chega
na segunda parte, o balanço se
torna mais constante, buscando
um equilíbrio com a mudança
rítmica na base do violão.
Alexandre Vieira
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kaô
Kaô é inspirada na saudação a
Xangô. Essa obra busca dialogar
musicalmente com elementos
presentes no universo e nos
imaginários relacionados a
este orixá. No material sonoro,
é possível ouvir diferentes
influências das músicas
instrumentais brasileiras; do
pinicado da viola, com sotaques
jazzísticos, à nuances da música
contemporânea de concerto.
Kaô se materializa como música
instrumental afrodiaspórica, a
qual é fruto de uma matriz, de
uma ancestralidade, de uma
cosmologia que se reinventa
artisticamente ao se conectar
com diversas influências musicais,
presentes nas trajetórias que
estruturam o Luan Sodré Trio.
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Kaô, saudação ao rei Sàngo, é
uma das obras em que houve
grande mix entre pensamento
orquestral e pensamento livre.
Tomando como linha guia o vassi,
a música se desenvolve a partir
de uma improvisação inicial entre
tambores, cúpula dos pratos
e aro, na qual, na sessão ‘A’, o
contrabaixo e o violão sustentam
para uma liberdade maior da
percussão. Na segunda sessão,
tem-se uma orquestração em
modo crescente, acompanhando
o violão e o bass, para, então,
chegarmos num ápice juntos,
alterando a concepção do
tempo 12/8 oferecido pelo vassi
e chegando num frevo em 3/4.
A metáfora é de uma fogueira,
que vai sendo preparada
e alimentada aos poucos,
chegando ao seu fogo máximo
ao final; na fervura de um frevo,
na quentura de um fogo justiceiro.
Marcos Santos
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Desde a primeira vez que ouvi
essa canção, durante os ensaios
de preparação do disco, me
encantei com o motivo utilizado
na construção melódica/ritmica
do primeiro tema, o qual se
baseia na clave do vassi, porém
subvertida. Essa subversão me
inspirou a buscar um contracanto
em ostinato cíclico que dialogasse
com os outros instrumentos,
porém sem impor algum tipo
de obrigação em sincronizar o
tempo forte.
As demais partes surgem como
uma suíte, apresentando novo
material, mas ainda apoiadas
na mesma clave. Com isso, surgiu
a necessidade de interagir,
buscando alimentar a dinâmica
proposta pela melodia, em
algumas partes dobrando com
o violão, em outras apoiando a
frase.
Alexandre Vieira
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NO CORRE
No Corre é inspirada em uma
experiência muito presente nas
trajetórias de sobrevivência
de pessoas negras no Brasil.
O mote da obra se relaciona
com a vida corrida, com a
necessidade de se fazer muitas
coisas ao mesmo tempo, com
a quantidade de trabalhos
necessários para dar conta
da manutenção da(s) casa(s)
e da(s) família(s). Ela dialoga
também com as mães-solo e
os “malabarismos” necessários
para as existências dessas
mulheres, com as dificuldades
com o transporte público e com
os arranjos necessários para
lidar com tal situação. A obra se
relaciona ainda com o imaginário
que constitui a ideia da busca
incansável por “ser alguém na
vida”. “Alguém” sempre “no corre”!
No corre, embora seja uma
música instrumental, também
pode ser ouvida como uma
narrativa artístico-sonora do dia
a dia de algumas experiências de
negritude.
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Estar No corre é estar em
movimento. Promover dinâmicas,
inquietudes, sabores. E aqui,
temos uma bateria que transita
entre a sutileza de pings na
borda dos pratos, desenhando
contornos melódicos em parceria
com o violão/bass, crescendo
com bumbos deslocados,
pausando com pratos fortes.
É extremamente orquestrada,
como a vida, cujo regente ora
somos nós, ora são as forças
maiores, ora são as vicissitudes
raciais, sociais, culturais. Efeitos
sonoros, conchas, unhas,
anunciam o final de mais um dia
de corre. Corpo cansado, mas feliz
de ter podido viver tais dinâmicas
em sua plenitude.
Marcos Santos
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Na primeira exposição do tema,
usei o recurso do baixo pedal
como nota pivô entre os acordes
dessa seção e, na segunda
exposição, criei uma linha
baseada no material melódico
que Luan toca no violão, o qual é
inspirado nas violeiras de samba
do recôncavo. Ambas as práticas
são elementos muito utilizados
no samba de roda. Essa música
apresenta essa característica de
suíte em diferentes momentos.
Na segunda parte, na qual
existe uma tensão melódica, eu
apoiei os arpejos, escolhendo
algumas notas específicas para
não perder a mobilidade no
fraseado do violão. Na terceira
parte, vem um rock carregado de
energia, em que o baixo trabalha
dando chão para a melodia
que caminha na cabeça e na
síncope. Seguindo esse percurso,
na quarta parte, o arco entra
em cena não apenas para soar
mais dolente, como também para
proporcionar uma sensação de
relaxamento até o momento
em que o primeiro tema volta,
mantendo ainda esse clima.
Alexandre Vieira
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GRANDE RODA
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Iêeeeee, anuncia a chamada.
Grande Roda, roda da vida.
Dinâmica, sagaz, visceral, sem
titubear. É assim que essa música
foi executada. Ponto a ponto,
giro a giro em consonância com
os camaradinhas de jogo. Uma
ginga sincronizada, assegurada
pelo desequilíbrio do balanço.
Tambores, caxixi, caixa, pratos…
todos em profusão sinfônica,
recheando sabores diversos em
cada momento do capoeirar.
Corrido, ladainha, São Bento, tá
tudo ali. A África tá viva e rodante
nessa mandinga diaspórica.
Marcos Santos
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Quando Luan nos apresentou entra num jogo de pergunta
essa canção, senti a e resposta, o qual foi traçado
obrigação de representar o pelo próprio arranjo do
berimbau, o qual, junto com o violão, atacando junto com o
caxixi, atabaque e pandeiro, violão em resposta à primeira
representa a sonosfera da melodia. Em seguida, vem
capoeira. Eu já tinha vontade uma seção, por meio da
de experimentar o aguidavi qual o motivo da capoeira
no contrabaixo como um novamente é explorado. Nela,
berimbau. Esse momento eu retomo o aguidavi, tocando
pareceu, sem dúvidas, bem de forma mais “aberta”, como
oportuno para explorar essa um efeito. Logo em seguida,
possiblidade. Primeiro, eu vem uma seção com o arco,
tentei reproduzir o som do a qual é a transição técnica
berimbau com o próprio arco mais complicada da música,
do contrabaixo, pensando dado os saltos harmônicos.
como se fosse con legno (com Na última seção, antes do
a madeira), mas senti falta fechamento, vem um tema
do balanço do caxixi. Nesse em forma de balada, na qual
momento, Marcos sacou optei por uma condução,
um aguidavi do seu estojo reforçando o diálogo
de baquetas e a mágica melódico proposto pelo violão
aconteceu. O grande desafio, de Luan.
entretanto, foi encontrar uma
forma de segurar o aguidavi
e o caxixi, e ainda depois
tocar pizzicato e arco, mas Alexandre Vieira
tudo se encaixou de forma
orgânica. Assim, segurei o
aguidavi e o caxixi da forma
tradicional e, quando precisei
alternar para pizzicato e arco
(alemão), posicionei o aguidavi
junto com o caxixi. Como
outras canções do disco, essa
também tem esse caráter
de suíte que, pra mim, já é
uma característica do estilo
de composição de Luan. Na
segunda parte, o baixo
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ADUPÉ
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Em forma de agradecimento
coletivo, Adupé apresenta uma
textura diferente das demais
músicas. Construída em bases
de shufle, oriundo de um núcleo
africano ocidental, a vassourinha
assume aqui o lugar de
protagonista na condução dos
grooves, fraseados e polissons.
Há exploração de todas as
partes desta baqueta em todas
as peças da bateria, no intuito
de preencher e dialogar com
a ambiência que o violão e o
contrabaixo propõem. O seu
andamento proporciona o
uso suave do pé esquerdo na
condução do hi-hat, do bumbo,
marcando levemente o início
dos ciclos, enquanto as mãos
vão varrendo a caixa, fazendo
ecoar um som de ondas do mar,
trazendo Kalunga pra dentro.
Ao final, o solo é metáfora de
agradecimento individual, mo
dupé.
Marcos Santos
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A introdução de Adupé remete à
construção do imaginário coletivo
sobre a música indígena, sendo
composta por uma marcação
grave e constante que aparece
como um riff. Logo de imediato,
captei essa característica e
coloquei o baixo junto ao bordão
do violão de Luan, apoiando
essa ideia. No momento em que
a melodia se transpõe para a
região mais aguda do violão,
busquei acentuar a cabeça do
motivo melódico, reforçando a
direção da frase melódica. Na
segunda parte, a música explode.
Então, busquei dar força nos
ataques e dobrar as frases para
aumentar a pressão. No solo de
contrabaixo, explorei o mundo
afro diaspórico dessa canção
que se mostra bastante lírico
e, ao mesmo tempo, com forte
marcação rítmica. Fui guiado
intuitivamente nessa direção.
Alexandre Vieira
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GROOVADEIRA
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Samba de roda. Essa é a tônica
de Groovadeira. No pé esquerdo,
a linha guia das palmas que
falam do Kongo kikongo. Na mão
esquerda, os atabaques falando
de Angola em kimbundu. No pé
direito, as sambadas de coco
vem costurar nosso Nordeste
afro-indígena, tupy-pretuguês.
Na mão direita, a liberdade
melaninada, proposta pela
diáspora sonora, então, presente
nas Américas e Caribe. Groove,
Groovadeira é sobretudo isso;
feitiço, mistura, composto, saberes
plurais disposto num único corpo.
Marcos Santos
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A introdução da música é um
momento de liberdade para
explorar sonoridades. Então,
pensei em usar o arco que excita
os harmônicos e proporciona
uma textura diferente da que se
apresenta no restante da música.
Além disso, explorei tremolos e
glissandos dentro da harmonia.
Na primeira exposição do tema,
procurei deixar espaço para o
violão e acentuei a cabeça do
bordão do violão. Na segunda,
dobrei a linha em uníssono com
o violão, enfatizando o poder
condutivo da violeira. Em seguida,
vem uma frase de transição.
Senti que deveria dar suporte
para dar mais peso. No xaxado,
que aparece logo em seguida,
faço uma condução baseada
na célula do xaxado tradicional,
buscando uma base homogênea
e relaxante. No solo de baixo,
pensei em manter um fluxo
rítmico constante para manter
o balanço do samba sempre
vigoroso.
Alexandre Vieira
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IFÉ
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Ifé é tocada/sentida a partir de
uma aura densa. Uma espécie
de amor racionalizado, ou quem
sabe, um tipo de amor que já
nasceu conjunto, amalgamado
num instinto reflexivo sobre a
realidade vivida, sem divagações.
É uma música que pulsa num
beat constante, firme, construído
em três sessões distintas, porém
amarradas pela unidade da
busca pelo real. A condução no
ride é frenética, na primeira parte,
com fraseados de caixa muito
sutis. Essa sensação é distribuída
posteriormente pelas demais
peças do instrumento, fazendo
dinamizar o colorido timbrístico,
o qual dialoga com a ideia das
identidades múltiplas as quais
nos constituem. Ifé é quente, sem
necessariamente pegar fogo.
Marcos Santos
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Essa é uma canção que carrega
grande intensidade na troca
entre a melodia e o arranjo.
Como somos um trio, precisamos
ouvir e agir como uma orquestra,
pensando em contracantos
e tentando aproveitar todos
os espaços para completar o
sentido da canção. Com isso
em mente, busquei frasear nos
espaços, em que a melodia tem
notas longas ou pausas. Na
segunda parte, a dinâmica é mais
calma; logo, dei essa respiração,
ao reduzir a quantidade de notas
e, assim, tocar notas mais longas,
como uma “cama”.
Alexandre Vieira
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UM LUGAR
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Um Lugar é uma marchinha,
como costumamos chamar, aqui
na Bahia - o frevo em andamento
lento. Com melodias suaves e
fluente, a condução percussiva
é feita exclusivamente com a
vassourinha percutindo a caixa,
e com o bumbo, alternando nos
tempos 1 (toque fechado/com
pele presa) e 2 (toque aberto com
pele solta). Essa é dinâmica da
música; preparar a cama para o
violão encontrar o seu lugar.
Marcos Santos
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Senti, na sonosfera do tema, a
tradução de um momento de
nostalgia; e, no baixo, busquei
apenas embalar, conduzindo
como um surdão em bloquinho
de carnaval, deixando espaço
para a melodia cantar.
Alexandre Vieira
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AGÔ AIYÊ
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Agô Aiyê é swingue do começo
ao fim. Samba funk nas
vassouras junto à caixa, hi-
hat com o pé esquerdo nos
tempos flutuantes, bumbo no
segundo tempo chão e ar. Essa
é a primeira sessão. Depois vem
o relaxamento momentâneo,
o respiro... retomamos o fôlego
num fraseado conjunto, onde o
gã aparece convidando o ijexá
e preparando o samba afro do
Ilê Aiyê. “Quero ver você, Ilê Aiyê,
passar por aqui”. Agô, meu pai,
agô, minha mãe!! Estamos aqui!
Marcos Santos
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A maior parte das músicas de
Luan já traz muitos elementos do
arranjo no violão, cabendo a mim
escolher o material que poderia
ser incorporado pelo baixo. Esse
é um exemplo claro. Usei, no
baixo, o bordão melódico que
ele traz na introdução, tirando
algumas notas. Explorei o motivo
rítmico do bordão, adaptando
para as mudanças harmônicas
que surgem na primeira parte
da música. Na segunda - que
eu entendo como uma ponte
para a terceira -, usei o arco
para mudar a textura e marcar
a mudança que estava para
acontecer. Na terceira, chegou
um material sonoro diferente com
uma frase em uníssono e depois
um motivo baseado na clave do
ijexá, momento em que dobrei a
melodia com alguns contracantos
nas pausas melódicas. No solo
de contrabaixo, sempre busco
usar a voz como um guia rítmico
e melódico. Essa sonoridade
proporciona maior inteligibilidade
do discurso musical, facilitando
também o meu próprio processo
criativo em termos de ação-
reação.
Alexandre Vieira
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PÉ NA ESTRADA
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Pé na Estrada é sinônimo de
movimento, de chegadas e
partidas. É um fechar e abrir
de portas, de ciclo, onde aqui,
enquanto última do disco,
pode ser entendida como o
ponto exúrico da obra, uma
vez que ela suscita dinâmicas
de andamento do ir e vir até
então não explorada. É a última,
mas também é a primeira. Num
baião regado a coco de roda,
a bateria mistura esses gêneros
irmãos entre o bumbo e prato de
condução, ora trazendo no aro
um samba, convidando mestre
Jackson do Pandeiro para a
roda. O maracatu, na segunda
sessão, aparece cadenciando a
dança e ditando o novo fluxo e
volta tudo ao começo. Ao final,
vem o foguinho, onde sobe
tudo (dinâmicas e andamento),
transformando a música numa
brincadeira de pega-pega
ou quem sabe, numa peça
pregada por Exú, a quem estava
desavisado sobre suas diversas
faces.
Marcos Santos
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É uma música que nos convida
para o movimento. Ao seguir
esse fluxo, senti que a condução
deveria atender a esse chamado,
pulsando o tempo inteiro e
mantendo um balanço constante,
mesmo na segunda parte,
quando o tema sai do baião
para o maracatu. Em algumas
passagens mais fortes da
melodia, o baixo dobra, seguindo
as acentuações do violão, como
no riff do primeiro tema e na
transição para o maracatu. Pé na
Estrada é uma música brincante
e nos inspirou a gerar interações
que fazem parte do nosso
imaginário infantil.
Alexandre Vieira
PARA
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Afrodiaspórico é o álbum de estreia
do Luan Sodré Trio. Agrega as
concepções sonoras do violão de
Luan Sodré, da bateria de Marcos
Santos e do contrabaixo acústico
de Alexandre Vieira. É um álbum
instrumental e dançante composto
por dez obras que, a partir do
Recôncavo Baiano, dialogam com
uma série de tradições, referências
musicais e formas de ser, estar, ler
e entender o mundo presentes
na Diáspora Negra, no Brasil e na
Bahia. O álbum Afrodiaspórico é um
convite para as pessoas pensarem
o mundo através da música e dos
seus corpos e este songbook se
propõe a ser mais um mapa para
quem aceitar esse convite.
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