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A gramaticalizagao Ataliba T. de Castilho (USP - CNPq) Resumo Argumento neste texto que os estudos sobre gramaticalizacdo néo se situ- am claramente numa perpsectiva te6rica. Proponho distinguir estdgios (Sintaticizagao, morfologizagao, redugao fonolégica e alteragoes semanti- cas) de principios de gramaticalizacao (analogia, reanélise, continuidade e Unidirecionalidade), examinando fatos da lingua portuguesa sob essa 6t- a. Concluo que a gramaticalizacdo, juntamente com a discursivizagaoe a semanticizacao, compéem um piano sistematico de estudo dos processos Constitutivos da lingua, no quadro de uma teoria modular. eres Apresentagao 4 Este trabalho tem por objetivo examinar criticamente a literatura atual sobre a gramaticalizagao, propondo no final um plano sistematico de inves- tigagdes sobre esse e outros processos de criagao das express6es lingijsti- cas. Ele foi preparado apés participagao em cursos ministrados por Joan Bybee e Paul Hopper no Instituto de Linglistica da “Linguistic Society of i America”, realizado na Universidade do Novo México, no verao de 1995, q gragas a financiamentos concedidos pela FAPESP e pelo Fundo Robert H. Robins. Agradego a Miguel Salles pela identificagao de fenémenos de gramaticalizagao em parte da literatura dialetol6gica sobre o Portugués do Brasil, e a Lygia C.D. de Moraes por observagoes criticas A versdo anterior do texto. Os enganos continuam de minha responsabilidade. 1 A bibliografia consultada revela de parte dos autores certa despreocu- pagao em situar-se claramente numa perspectiva tedrica. Isto provavelmen- te se explique pela dificuldade em escolher uma Unica orientagao, se 0 obje- tivo 6 dar conta da impressionante multiplicidade dos “casos de gramaticalizagao”. De fato, encontra-se aqui de tudo no que respeita a uma teoria sobre a gramatica: desde uma visao estrutural (com seus sistemas hierarquica- mente ordenados), passando por uma visao gerativista (a gramaticalizagao obedece a principios e parametros), chegando a uma visao funcionalista, @ es pouco elaborada (a gramaticalizagao tem seu ponto de partida | \ necessidades comunicativas do discurso). Paralelamente, encontra-se pou- ' co no que respeita a uma teoria sobre a lingua, sobre que se fundariam as teorias sobre a gramaticalizagao. Estudos lingUlsticos © iterérios n® 19: 25-64, mor. 97 25 ento UM re-arranjo dos argumentay ci acesso; separando Os estagios do. tive Conelusdes, parto de uma cop. No corpo deste trabalho ap! apresentados na bibliografia a que nas 3, Par principios mais gerais que 0s fegeM:maticalizagao € apenas yr, cepgao lingtifstica modular, e ae SA Dois outros processos, 0 dg stitutives da indi vados em conta, 0 = eee eae "i discursivizagao, deve eae sistematico de ine ae ie ordem nas idéias & dispor de um Pp Taaiendenteeitee i- ae pcs sobre a cnatvdade linguitica. © obsetv0 Teena gagées sobre a criativi ta que sera aplicavel tanto ao plano sincrénieg sa propos! i ener mete se eee oe ee é que nestaaltura dos aconteciment Sa dicoto- quanto 1s mia ainda se mantém. O texto se compée de trés ca Contemporanea, (2) Estagios gramaticalizagao. partes: (1) Agramaticalizagao na Lingiisti- da gramaticalizagao, (3) Principios da 1. AGramaticalizagao na Linguistica Contemporanea Procedo aqui a uma resenha muito ligeira da vasta bibliografia sobre a gramatizalizagao. _ ‘Heine e Reh (1984), apud Hopper e Traugott (1993: 87), sintetizam as seguintes palavras o entendimento que se vern tendo desse fendme- pho: “evolugao em que unidades linguisticas perdem em complexidade se- A$ mantica, liberdade sintatica e substancia fonética”. Por outras palavras, a By gramaticalizagao € o estudo de mudangas lingiisticas situadas no continuum v | que se estabelece entre unidades independentes, localizadas em constru- i goes menos ligadas, e unidades dependentes tais como cliticos, particulas, ‘auxiliares, construg6es aglutinativas e flexes: Traugott\(1 988). oes prormuless, de Heine e Reh sintetiza Os quesitos que se mostraram icon ent e pes peace Sobre gramaticalizagao, e que poderiam ser assim fa los: id de que unidades lingliisticas” se esta falando: lexicais, gra- ls, Semadnticas, discursivas 2 (ii) de que “evolugao” se esta falando: Algum: isfatérias 6 sien ues sees seieiones tm sido dadas, relativamente A per- S6es que se gramaticalizam, N i¢a0 fonolégica por que Passam as expres- Particularmente com res, lo Mas; tudo continua ainda muito obscuro. distingao de 1 fespeito ao quesito (ij surgi Gramaticaliza atureza terminolégica: trata-se a He maueeede logo uma Ga0, este de Veiculagao maior ni Cee eee a literatura, desde que Meillet 6 Estos ntsco econ nt Bi Sci 19: 25-64, mar. 97. Tipelog a. Wan be gpm Coe bi pene (1912) o cunhou. Amb : 1 - Ambos det is nicos sempre cruzarar, Monstram que fenémenos diacrénicos e sincré- a argumentacao dos lingiiistas. Por gramaticalizaca not Ste P20 entende-se o i Produto final gramaticizagao, no plano diacrénico, Entretanto, por um: ee ase é bé “ » ’a questéo de como- didade mM Por que “gramaticalizacéo” se tornou um termo mais di- i icalizag: is ei ‘ e ; fundido, adotarei Sistematicamente este ultimo no Presente texto, , Mais recentemente, a observacao do. se) 1.1 - Gramaticalizagao e tipologia lingtifstica 2 Humboldt)(1822), apud Lehmann (1982b: 1), falando sobre a ‘origem + das formas gramaticais, hipotetizou que a significagao das formas gramati- cais sofre uma mudanga em quatro estagios: (i) as categorias gramaticais estao completamente escondidas nos lexemas e nas configuragdes seman- tico-sintaticas de expressGes idiomaticas; (ji) as palavras passam a ter uma ordem fixa, e algumas formas vacilam entre palavras plenas de contetido e palavras esvaziadas, com fung6es gramaticais; (iii) estagio da aglutinagao: as “palavras vacilantes” so aglutinadas (como no Turco e no Finlandés), e sufixos “grudam-se” a palavras plenas; (iv) estagio da flex4o: palavras gra- maticais ligam-se a raizes, com alteragéo do esquema acentual, apagamen- to dos limites entre as palavras e criagao de regras de ligagao. Esses pas- —p sos refletem os tipos morfolégicos da tipologia lingUistica de seu tempo: os estagios (i) e (ii) remetem as linguas isolantes, o estagio (iii) as linguas aglutinantes, e 0 estagio (iv) as linguas flexionais. As idéias de Humboldt ficaram conhecidas como a Teoria da | | Aglutinagao, embora este termo retrate apenas 0 estagio (iii). Elas tiveram uma enorme repercussao entre indo-europeistas, tals como Franz Bopp, Karl Brugmann e Georg von Gabelentz . Nao poderei aqui proceder a um rastreamento das nog6es sobre gramaticalizacao na vasta literatura sobre tipologia linguistica. Tornaram-se ’y bem conhecidos os estudos tipolégicos sobre linguas que situam 0 verbo na ( posigao final da sentenga e que, ao mesmo tempo, praticam posposigdes Estudos lingiisicosliterérios n* 19: 25:64, mor. 97 27 i - -se também os estudos sobre ag ty a fe de See oe Artigos e em Marcadores de genera, a pp soes an \inguas africanas compendiadas em Heine-Claud-Hinemes 4, aa e as indagag6es sobre as relagdes entre gramaticalizacao dg : a 4 oe e gramaticalizagao da morfologia, com base num corpus de 6g tinguag de diferentes familias: Bybee-Perkins-Pagliuca (1994). 1.2 - Gramaticalizagéo e Mudanga LingUistica Meillet (1912) eu continuidade a tradi¢ao indoeuropeista, Sobrety. 4 do em seu artigo L’évolution des formes grammaticales, @ que se Seguiu, x em 1915, Le renouvellement des conjonctions. Juntamente com a analo. | gia, ele considera a gramaticalizagao como os dois principais Processos | de mudanga gramatical. Em seu estudo de 1915 ele distingue Criagao, que 6 a introdugao de categorias gramaticais e/ou formais inexistentes Previa- mente, de renovagao, em que um termo como Lat. nam é substituido Por quare, donde o Fr. car. Meillet propée inicialmente a existéncia de trés classes de palavras, as )palavras principais, as palavras acessorias e as palavras gramaticais, indi- cando que entre elas ha uma transigao gradual. A esse processo de transi- Mi go ele chamou gramaticaliza¢ao, entendida como a “atribuigéo de um caré-\ \ /\\ ter gramatical a um termo outrora aut6nomo”: Meillet (1912: 131). a q € Essa transigao diz respeito ao esvaimento tanto do sentido quanto da : forma, de tal sorte que em dado momento uma palavra acesséria se trans- forma numa palavra gramatical, podendo mesmo juntar-se a uma palavra principal para atribuir a esta um Papel gramatical de que ela nao dispunha Previamente. Para exemplificar o Processo, ele chama a atengdo para os usos do verbo francés étre como palavra principal (= verbo locativo), como palavra acesséria (= verbo de ligagado) e como palavra gramatical (= verbo auxiliar, que pode combinar-se com o Préprio étre, enquanto verbo princi- Pal). A exemplificacéd de Meillet leva a crer que por gramaticalizagao se pode entender tanto um Process E acne mel 0 diacrénico, isto é, a derivagao de usos Se e pemataiey de um uso “principal”, quanto um processo /sincronico, isto 6, a convivéncia dos usos assi itu smo Soa " sim Constitul i mesmo. tecorte do tempo, tituidos ‘num Meillet se vale da metafora {= da espiral | tipo de palavra Para outro, o | ( rae Para captar a transigao de um » © due insinua a idéia de qu icalizagao 6 um processo inacabado, sem fim. ee baie” Alguns exemplos de Meillet levantam | Alguns e Ds de Me © problema das relagdes entre {| gramaticalizagao © ppacalieacao, entendida esta como sinénimo do Etimole 28 Estudos lingtisticos e lterérios n? 19: 25-64, mar. 97 jue Al. n a o eee deriva do Alto Alemao antigo hiu + tagu, literal- hoc + anno, respectivane nt 2° Por: hoje, Arc. ogano, do Lat. hoc. + die, i ratio car Nene ee Esse proceso de agregagao de um Demons- Mamente i i ifr duz, na verdade, a criacd Produtivo em muitas linguas, mas con- j gia. Ele explica mente “neste di et 40 de um item lexi tém interesse no quadro di ‘ical. Ore prio Meillet a definiu, por s E. Benveniste, ‘a, CaSOS Como esses nao 10s estudos de gramaticalizagao, tal como o pré- @ tratar de lexicalizagées. discipulo de Meillet, vottaria a0 assunto em 1968, repi- @ langando 0 termo | yk imites de um morfem: Para formante flexional: Kurylowicz (1965), calizar-se, o item lexical perde substancia “fading”) e fonolégica. Quando um item lexical “mi- ele passa a comportar-se como morfema livre (no | caso dos Auxiliares), ou como morfema Preso (no caso dos afixos derivados | de um morfema livre). Nao deixa de ser curioso que Kurylowicz admita uma | “graduagao na gramaticalidade”, perspectiva em que as flexGes seriam mais | | | KR apud Lehmann (1982). Ao gramati semantica (“bleaching”, | gra” para a gramatica, gramaticais que os morfemas-vocabulo, o que parece “tipologicamente in- correto”. Roberts (1 993) 6 a gramaticalizagéo como “a mudanga de uma cate- goria léxica para uma funcional, associada a perda do contetido lexical”. No caso dos verbos, ele postula que esse processo passa pelos seguintes esta- —pgios: verbo pleno > construgao predicativa > forma perifrastica > aglutinaga Adiferenga entre o verbo pleno e 0 perifrastico esté em que apenas o primei- 1 fo atribui papéis tematicos. { 1.3 - Gramaticalizagao, Sincronia e Sintaxe Conversacional if "Os autores examinados até aqui focalizam o aspecto diacrénico da q /pgramaticalizagao, uma posigao que predominou até aos 70. Entretanto, se | nossa leitura de Meillet nao estiver errada, vé-se que sincronia e diacronia se \ / entrecruzaram desde logo nas pesquisas sobre gramaticalizagdo. Mattos e i { Silva (1995: 22) recua para os anos 50 o momento de superacao da famosa | dicotomia saussuriana. Sapir (1921: 104-105) definiu quatro conceitos, ao estabelecer um Continuum entre os diferentes tipos de conceitos linglifsticos como uma base Estudos lingifsticose literdrios n® 19: 25-64, mar, 97 29 ’ Pinson itos fundamentais, co, i ia sincrénica: |) Conceitos: tais, Concrey, para a sua tipologia qualidades”. I!) Conceitos de derivacao, ‘me,’ is je 6es, 7 como objetos, ago Ill, normalmente expressos pela afixacao de a Con. ue |, e mals que men A D oo cicais aos elementos radicais, ou poruma modificagao Intema (oS pees ceitos Concretos de Relacao, “expressos Por afixacs: leg. a ‘untamentaimente do tipo Il porque naeery ou ‘implicam Be i que transcendem do vocabulo particulara que estao ine latamente ligadoss IV) Conceitos Puros de Relagao, ‘destinam-se a relacionar entre Sis alg mentos concretos da proposi¢ao, dando-lhe forma sintatica definida, E visivel a gradiéncia que assinala essas classes, tanto do Ponto de Mista semantico (do concreto para 0 abstrato), quanto do ponto de vista morfolégico (de palavras independentes para elementos afixais), uma Cons- tatag4o recorrente entre os que focalizaram o processo da alteracao seman. ica, que acompanha a gramaticalizagao: v. item 2.2. = Durante o Estruturalismo, 0 debate sobre a gramaticalizagao conhe- ceu certo refluxo, rompido por Hodge (1970) e Givén (1971, 1979 e 1983), Hodge’ admite dois estagios: (i) sintaxe forte e morfologia fraca, que de um modo geral corresponde aos estagios | e Il de Humboldt, e (li) sintaxe fraca e morfologia forte, que corresponde aos estagios III e IV de Humboldt. Ele criou o slogan “a sintaxe de ontem 6 a morfologia de hoje”. Essa afirmagao encontrou eco em Giv6n (1971: 413), j4 nos quadros _ da Gramatica Funcional, quando este autor declarou que “a morfologia de [hoje é a sintaxe de ontem”. Essa formulagao recebeu, posteriormente, o se- guinte aditamento: “a sintaxe de hoje 6 o discurso pragmatico de ontem”: Given (979) 208-209). Surgiu assim a escala Discurso > Sintaxe > Morfolo- if gia > Morfofonémica > Zero. Nesse mesmo texto, Givén sustenta que no : / Processo de gramaticalizag¢éo o modo pragmatico de comunicagao da lugar ao modo sintatico; com isso, expressées lingilisticas com vinculagao sintati- Ca fraca se transformam em expressoes sintaticas fortemente ligadas. Note-se que até aqui os autores vinham operando com dois médulos lingUisticos: o Léxico e a Gramatica. O Funcionalismo givoniano agregou um novo médulo, o do Discurso, considerando-o prioritario em relagdo a Grama- tica. Essa idéia conheceu uma série de desdobramentos, sendo um deles 0 da “iconicidade sintatica”. A sintaxe “icénica” revela um grau de nao-arbitra- riedade das estruturas com relagdo ao que elas significam. Assim, abrimos ‘__uma sentenga com uma construgdo de topico porque o referente sobre que / declara algo deve preceder a declaracao propriamente dita, isto 6, 0 C0- mentario. Outro desdobramento é o da chamada Gramética Emergente, enten- WZ 30 Estudos lingUistcos e literérios nt 19: 25-64, mar. 97. AAimento da gramatica como um Conjunto de parcelas “cujo estatuto vai sen- /do constantemente negociado na fala, néo podendo em principio ser separa- do das estratégias de construgao do discurso”: Hopper (1988: 118). Do pon- tode vista do tempo, este modelo Vé a lingua como uma atividade no tempo. real, cujas regularidades sao provisérias e continuamente sujeitas 4 negoci- agao, a renovagao e ao abandono. Com isto, a rigor nao existe gramatica, existe gramaticalizagao, “que 6 a cristalizagéo das formas discursivas mais produtivas”: Castilho (1994b). Estas postulagées tiveram importancia para impulsionar uma Teoria do Discurso. Entretanto, como pretendo demonstrar nas Conclusées, ha | grandes riscos em estabelecer relagdes de precedéncia entre médulos lin- |! guisticos tais como 0 Discurso e a Gramatica. Essa afirmagao vai implicar em conseqléncias indesejaveis no entendimento dos processos constituti- vos da lingua. Finalmente, lembre-se o incipiente debate sobre a Sintaxe Conversa- Cional, vale dizer, sobre a sintaxe do oral. Diferentes grupos de pesquisa- , dores destacam que o fundamental na lingua falada s4o os processos de constituigao das estruturas, a que contrapdem como inadequado um estu- \_ do estatico-descritivo do oral, mais centrado nos produtos do que no pro- ~ cessamento Propriamente dito. Num trabalho que apresentei ao X Con- gresso Internacional da ALFAL, comprovei a dimensao sincrénica da gramaticalizagao ao examinar casos de repetigao na lingua falada, em que uma Construcao de Tépico se sintaticiza como Argumento Interno de um nome ou de um verbo, passando em seguida a Adjunto, migrando para a direita da sentenga, como Sujeito, sobrevindo sua elipse como estagio fi- | nal do processo: Castilho (1993). Sobre as relagées entre Conversagao e | Gramatica, v. Castilho (1995a). 2. Estagios da Gramaticalizagao Apos esse breve histérico das idéias sobre gramaticalizagao, vejamos resumidamente os resultados das pesquisas nesta area, separando-os por estagios. ¥. fi Entendo por gramaticalizacéo 0 trajeto empreendido por um item lexi- 4» | cal, ao longo do qual ele muda de categoria sintatica (= recategorizacao), Pi 4 tecebe propriedades funcionais na sentenga, sofre alterag6es morfolégicas, é ve fonolégicas e semanticas, deixa de ser uma forma livre, estagio em que pode até mesmo desaparecer, como conseqiiéncia de uma cristalizagao extrema. \ Esse trajeto se da tanto no tempo real quanto no tempo aparente. Num G sentido mais amplo, a gramaticalizagao é a codificagao de Categorias Estudos lingbisticoseliterérios n® 19: 25-64, mar.97 31 as linguisticas, af incluidas a percepgao do mundo ° processamento da informagao, etc. i i fases, podem ser identificados no proce, am seguintes estagios, OU Tas©®, © identificad rece Se eaiearao (i) sintaticizagao, (ii) morfologizagao, (iii) reducao rae 2 oe (iv estdgio zero, fase que reinstaura todo 0 processo. Simuttangs, eo 0s itens lexicais sofrem (v) alteragoes semanticas. aay val Rene respeito, Lehmann (1982b: 13) organizou um quadro bastante ilustrativo. Vou aqui transcrevé-lo: / cognitivas em form Peleg diferentes culturas, Fases da gramaticalizagao i i i Morfofonémica> 2, ivel Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofc jc er ies isolante > analitico> sintético-aglu-inante > sintético-flexional> Fase ares Sintaticizagao > Morfologizagéo > Desmorfemizagao EIS An A ee > *Processo GRAMATICALIZACAO Desconsiderando 0 Discurso como ponto inicial no processo, passo a detalhar os estagios acima listados. Advirto que essa forma de disposi¢aéo dos argumentos nao é clara na literatura especifica, correspondendo a uma leitura minha. 2.1 - Sintaticizagao Asintaticizagao de um item lexical é (i) sua recategorizagao: uma “classe de palavra X” passa a “classe de palavra Y”; (ii) sua categorizagao funcional: categorias sintagmaticas recebem propriedades argumentais e de adjungao na sentenga. Passo a considerar essas faces da sintaticizagao. 2.1.1- Recategorizagao sintatica : Cada item lexical dispoe de propriedades gramaticais que os integram em diferentes classes léxico-sintaticas. Sua gramaticalizagao sera, portanto, | mais propriamente um processo de tecategorizagao. ~ Narecategorizagao de categorias lexicais, tem-se observado o seguinte continuum: 32 Estudos lingtisticos «lterérios n® 19: 25-64, mar, 97. Canes aoe stat sa et | am, Seana) Verbo, Prptteme] > Categoria meciana (Adjet. (2. > Categoria menér [Pr ' i Traugott (1993: 104). ff osi20) Conjungao]: ope aliaeios | eee das categorias '6xico-gramaticais tem sido tradicionalmente ‘ada como processos de composi¢ao e de derivagdo. A gorizagao de um item pré-existente, por fugir a esses Pprocessos, é ita como um caso de “derivacao imprépria”. Os casos talvez mais dra- COS Sao oO da transformacao de um Verbo pleno em Verbo auxiliar ou em mplementizador, e o de Nomes em Preposigées. Este item esta assim organizado: (1) Grupo Verbal, (2) Grupo Nomi- }) Grupo Pronominal, (4) Grupo Adverbial e (5) Grupo dos Nexos. {-[apres. | Tecate: descri mati Cor nal, (3) 2.1.1.1 - O Grupo Verbal f Como categoria primaria, aparentemente o verbo nao deriva de outra | classse lexical, exceto nos casos em que um sufixo verbal é acrescentado a uma base nominal. [4-12 | 40d nt [Acc Assim, do ponto de vista da gramaticalizagéo o fendémeno mais inte- ressante 6 0 da transformacao de um verbo pleno num verbo funcional, e deste num verbo auxiliar. f CSW et fe __ = Verbos plenos sao os que funcionam como ncleos do predicado. Os ~_ verbos funcionais transferem esse papel para os constituintes A sua direita, , _ tornando-se portadores de Pessoa, Numero, Tempo e Modo. Os verbos au- xiliares acompanham verbos nucleares na forma nominal, aos quais atribu-. ~ __, em as categorias de pessoa e ntuimero, especializando-se como auxiliares “~~... __de tempo, modo e aspecto. No portugués, essa escala é exemplificada, entre outros, por Gedere) > ser “estar assentado”, e ‘stare)> estar “estar de pé”. Nos primeiros mo- mentos da lingua, esses verbos atuavam como ntcleo predicador da sen- «tenga, selecionando sujeitos nao agentivos, especificando o lugar ocupado i} por eles. Eram, portanto, Locativos. Os Locativos dao surgimento aos Existenciais, a aos Possessivos, sitando de verbos plenos para verbos funcionais. E|< * —~ 4pe| 3% Tratando da gramaticalizagao de um Locativo como Existencial, Lyons. (1968: 409-410) mostra que é natural raciocinar que'se uma pessoa ou algo _ ocupa determinado lugar 6 porque existe. O lugar é cognitivamente falando \| mais concreto que a existéncia, que 6 mais abstrata. Um sinal dessa deriva- '\ go pode ser encontrado naquelas linguas cujas estruturas Existenciais ain- damantém um Adv. de lugar, seja como um “sujeito dummy” (Ingl. there is), Estudos lingtisticose lterériosn* 19: 25-64, mar. 97 33 ily a, Ital. ci sono, Esp. hay (< habet ibi)) e | hai: cf. num hai quem num sabia, néo hai Port. Arcaico @ ee ive outro nO: Amaral (1922: 77), Marroquim (1945: 213). home mais ore ee surgimento também aos Possessivos. A construgao FOS Locallves ana recipiente mostra essa gramaticalizagao: mihi est ‘atin de esse com Dati lit. “um livro 6 para mim”. V. também Ingl. The ie livro”, as P ier oh or ae > Mary has the children with her. ail aes tipicamente Possessivos, como Lat. habere, tenere (e formas 2 manicas derivadas) Germanico * kap “agarrar, tomar” > *haf > Ingl. have rol “ (eam o sentido original ‘ter nas maos”. De | de “agarrar com as maos”, tenere derivam Port. fenente, Esp. tierrateniente, “proprietario”. Este fato teve fel ‘ consequéncia na organiza¢ 40 do Aspecto Inceptivo, em que verbos como i infinitivo, passam a indicar 0 comego do egar, agarrar, associados a um innit 0 | feet de coisas codificado por este ultimo: of. Port. pegou a falar “comecou a falar”, garrou a criar uma coisa assim, garrou a atacar, identificados no falar piracicabano por Rodrigues (1974), Asemelhanga do Esp. se agarré hablando. Tratando de ser, estar, ter, haver no plano diacr6nico, Mattos e Silva (1994) assim resume a questao: ja acompanhando o verbo (Ff. sej ional do Brasi “1. a variagao de sere estar e o avango deste em estruturas atributivas, 2. a variagao de haver e ter e 0 avango deste em estruturas possessivas, 3. a variagao singular/plural e a perda de concor- d&ncia no participio passado em estruturas com haver/ter analisdéveis como tempo composto (...)”. Ha, também, confluéncias entre ter e estar no Port. coloquial, como em eu tive /4, por eu estive /a, eu tive estudando na sua casa. Como nos casos anteriores, essas ocorréncias mostram que os verbos mais gramaticalizados integram uma classe especial, em que muitas permutas de formas sao feitas. O Copulativo é um item que transforma uma expressao nominal em predicado sentencial. Nas linguas Indoeuropéias, a copula foi gramaticalizada como um verbo, como o Port. ser. No Chinés, é um Demonstrativo ou um Pronome Anaforico que assume essa fungao. Li and Thompson (1977), apud Lehmann (1982: 28), mostram que nessa lingua a sentenga nominal nao tinha copula, seu sujeito era deslocado para a esquerda, sendo retomado. no interior da estrutura por um Demonstrativo, gerando a estrutura [SN [Dem SN]. 0 Demonstrativo no Chinés Arcaico é shi. Essa estrutura se ee reanalisada como [SN Dem SN], e assim o Dem. shi Omo copula, deixando de ser um Demonstrativo. \| eae uence gramaticalizagao 6 aquele em que uma construcao Por uma copula € reforgada por um Dem., como acon- |! tece no Fr. Vivre est a | t8ce no Fr. prendre & mourir, progressi itt i \ Vivre c’est apprendre a mourir. fe he cee f 38 \ sho i rérios 0°19: 25-64, mor. 97 05 lingUisticos lterérios ‘ : 25-64, mar, Um verbo funcional pode transformar-se em verbo auxiliar, @ este em afixos, morfologizando-se. Tais processos seqienciais de gramaticalizagao podem ser assim representados: bale) i iv, Late (by Verbo pleno > Verbo funcional > Verbo Auxiliar > Clltico > Afixo. £1 4 & Os verbos auxiliares codificam o Aspecto, 0 Tempo, 0 Mado e a Voz. Na historia das linguas, muitos Auxiliares de Tempo se morfologizam sao substituidos por outros. O processo parece ser desencadeado por uma sorte de competicao entre essas formas. Assim, o Futuro Latino amabo, 1! ele mesmo fruto da afixacdo de um antigo verbo IDE. *bho “vou”, passou a x. Sofrer a concorréncia de amare habeo, uma perifrase que de inicio codifica- va 0 Modo, com a idéia de obrigatoriedade. E de supor-se que durante algum tempo a forma simples, que poderiamos representar por A, sofreu a competicao da perifrase, que poderiamos representar por B, até que esta Ultima acabou por suplantar a primeira, num ritmo que poderia ser assim notado: A > A/B > B. Accontinuidade da inovagao, que funciona como um dos principios da gramaticalizacao, leva a criagéo de uma nova forma flexional, como Port. amarei, Fr. aimerai, Ital. amerd, etc. (de amare habeo) a qual, a seu turno, passa a sofrer a concorréncia de uma nova perifrase, desta vez constituida pelos verbos ir (Port. vou / irei amar, Fr. je vais aimer, Ital. vado amare) e | querer (Fr. je veux aimer), retomando-se o processo anterior. No caso de ir, | note-se que ao gramaticalizar-se esse verbo perdeu o sentido original de movimento de afastamento referido ao falante, por contraste com vir, que é movimentar-se em direcao ao falante. Com isto, tornaram-se possiveis cons- trugdes como Port. vou ir, vai vir, Ingl. he is going to come, que seriam contra- ditérias, caso o sentido original se tivesse mantido. No caso de querer, lin- guas como o francés acabam promovendo confusées entrealler “ir” e vouloir “querer” (cf. je veux “eu quero” e je vais “eu vou”), como em /e train veut partir, no lugar de /e train va partir. Sobre a associagao entre a nogéo de movimento e a gramaticalizagao do futuro, v. Bybee-Pagliuca-Perkins (1991). Para mais evidéncias, v. Bybee-Perkins-Pagliuca (1994: 243-280). Jambém os Auxiliares de Modo derivam de verbos plenos. Lat. exis- tencial esse combinando-se com um gertndio passa a expressar a obrigato- tiedade: mihi est eundum, lit. “ir existe para mim”, donde “eu tenho de ir”. Verbos de voligao dao lugar aos modais deriderativos, como Ingl. will, Para uma elaborago sobre a gramaticalizagao dos modais, v. Abraham (1991) e Bybee-Perkins-Pagliuca (1994: 176-242). | ae Estudos lingbistcose lterérios n® 19; 25-64, mar. 97 35 e portanto nas Linguas Romanicas, 0A il Voz Passiva afixal. Verbos déiticog Como j, Ye 0 It. viene detto, va deta, Sur Day “2oria) Ag ae iscuses ie nected on a grammaticalization So; ical categories connec Tc ollScajanna io Ce por cistincts ie CRE Tence) Deleon ther isomer ey neither pone dividing line. Ele assim sintetiza a criagao dag cate there isn de Aspecto, Tempo e Modo: No Latim Vulgat, Passiva esse ee como Nn a ituem ’ P s sua vez, subStIUe be, 6 larga a discussao sobe 0 estatuto ¢, one rg pe ann (1982: 38) considera infrutifera ess; verbos auxiliares. —> V. Modal verve Bere ferns Auxiliar —> Marcador de Modo —> Marcador de Aspecto —> Verbo Serial Advérbio ———————___> Marcador de Tempo 2.1.1.2 - O Grupo Nominal Os seguintes processos de tecategorizacao ocorrem NO Grupo No. minal: - 1) Verbos dao origem a Nomes 3 Substantivos, como os infinitivos (eo. mer 6 bom), os Participios (em expressoes nas quais se apagou o nome, como “collecta pecunia > coleta”, Promessa, etc.), gerundivos no Plural {5 Neutro (fazenda, legenda > lenda). 2) Adjetivos fecategorizam como Substantivos (galgo < cannis ey Se P Substantivos se 2 Fecategorizam como Adjetivos (vermelho Mm < vermiculus, louro < faurus): Maurer (1959: 8-250). I Os exemplos acima Mostram que a tecategorizagéo dos Nomes pode Ser assim formulada: Verbo > Nome [Substantivo > Adjetivo, e Adjetivo > Substantivo]. 2.1.1.3-O0 Grupo Pronominal Aparentemente, ilegiando a Codi mere a linguas naturais organizam seu quadro pronomi- a ee ificagao das Pessoas do discurso e dos lugares ocu- \ NO espaco fisico, a ental- Mente déiticos, Os pronomes a0, portanto, fundam Com icalizaca, 4 a Gramaticalizacao dessas, formas, elas vao Perdendo seu cara- 36 PN i ee 9. 35 mar, 97 z ter déitico, isto 6 ™ostrativo, abstratizando-se esse valor, que se desioca para o da identificagao do lugar no discurso, ou anafora. a 1) Os Demonstrativos $&0 basicamente pronomes definidos eitiens, servindo para especificar o lugar ocupado por pessoas ou objetos. Eles fa- zem as vezes dos gestos, como em este aqui, . qui, aquele /4, etc., e ocupam no ‘SN o lugar dos Determinantes. : : No caminho de sua gramaticalizacao, a primeira coisa que acontece 6 aperda do carater déitico e a assungao do valor anaférico, como aconteceu com Lat, ille, Port. aquele, e Pron. Pessoal ele, Depois, os Demonstrativos.-<—— podem transformar-se em Artigos, cliticizando-se ao N, como no Port. o ho- mem, < Lat. Vulgar illu homine, Gr. hé anthropos “o homem”, e reduzindo seu cardter anaférico. O Artigo, com efeito, fornece uma instrugao muito \_ genérica para a busca do referente do Nome que ele determina. Em suma, se a hipétese acima for verdadeira, as linguas comegam a __—> organizar seu quadro pronominal a partir dos Demonstrativos. 2) Os Pronomes Pessoais da primeira e da segunda pessoa sao evi- i dentemente déiticos, @ os da terceira sao anaféricos. Segundo Apolénio Discolo, a terceira pessoa 86 6 déitica na ostens&o, como em eu vou, mas ele af nao vai. \sto cinde o quadro em dois tipos distintos de pronomes, com reflexos na sintaxe e em sua interpretagao semantica. —— Novas formas sao obtidas, especialmente para a primeira ea segunda pessoa, pela incorporagao de expressdes de tratamento, como Port. Vossa Mercé > vocé, que deslocoutu, ou de sintagmas nominais indefinidos, como Port. a gente, que desloca presentemente eu e nés, Fr. on, do Lat. homo. Com isto, duas sao as fontes de gramaticalizagao dos Pronomes Pes- ) 5 para a terceira pessoa determinada, ¢ (li) expressoes | | nominais pat pessoa indeterminada (cf. Lat. homo > Port. Arc. \| ome, Fr. on), para a primeira pessoa (cf. Port.a gente em lugar de eu /nés) ou para a segunda pessoa (cf. Vossa Mercé > Vocé): Lehmann (1982: 41). Pronomes Pessoais atonos se cliticizam, como Port. me, te, se, 0, Ihe. me) reflexivo se tende a generalizar-se para todas as pessoas, sobretudo nas | modalidades nao padrao das linguas, como Port. pop. euse alembro, vocé _ | se alembra, ele se alembra. Depois deste estagio em que se perdeu a cate- \ “Goria de pessoa, 0 reflexivo se cliticiza ao verbo, como no Fr. nao-padrao je sarréte, nous se reverrons, vous se privez. Exemplos como esses fazem pen- | sar na perda da representagao morfolégica da categoria de Pessoa. . 3 Es ai Tedia-gete 1 Cy) a prt ee ) Estudos lingisticos eliterérios n* 19: 25-64, mar.97 37 2.1.1.4- O Grupo Adverbial ‘As seguintes classes podem recategorizar-se, gramaticalizando.., & como Advérbios: : &, 1) Nome > Advérbio, como no Fr. chez, que deriva do Lat. Casa; Por, oy passo, Fr, pas < Lat. passu, originalmente apos um aN, de Negacao con verbos de movimento (como em Port. “nao andou passo”, literalmente, “nao. deu um passo”, Fr. “lls n’ont parti pas”), © depois com outros verbos (Port, “nom vejo passo”, Fr. Je ne veux pas”), e finalmente sem a Primeira forma ~ negativa, assumindo passo / pas, integralmente, a nogao de Negacao (Port."olhou passo”, Fr. “connais pas”). Nesta fase, completa-se Al gramaticalizagao do N passo, que nao pode mais ser articulado, como no Port. * “olhou um passo”, Fr. * “ils ne fument un pas”: Hopper (1991: 31), Outro fenémeno que pode aqui ser capitulado é a progressiva abstratizagao do N tipo no portugués falado. De “isto aqui é um tipo de camisa”, em que tipo 6 o nticleo do SN [um tipo de camisa], temos inicialmente a reandlise dessa unidade, em que tipo cede o nucleo a camisa, recategorizando-se como Especificador desse SN, constituindo a expressdo adverbial Delimitadora. Num segundo momento, tipo se localiza fora do SN, amplian- do seu uso, como em “bom... tipo... que tal comer uma pizza ?”. ara 2) Verbo \dvérbio, como no Fr. voire, que aparece nos Advs. de a == Mr: _designacao vor I, ue) 2.1.1.5 - O Grupo dos Nexos 1) Muitas Preposigdes sao recategorizag6es de outras classes, tais como: oY - 1.1) Nome > Preposigao. Partes do corpo humano sao frequentemen- i te reanalisadas como Preposicdes secundarias (ou “Nomes funcionais”, como também sao denominados). Ingl. back “costas” pode funcionar para indicar 0 espago (como em three miles back “trés milhas atras”) ou para indicar 0 tempo (como em three years back “trés anos atras”). A transformagao desse Nome em Preposic¢ao implica também na reandlise do sintagma em que ele aparece. Assim, em the back is strong , back é 0 nlicleo do SN. Ja em back ofthe body, “atras do corpo”, back é 0 Adjunto do SP, nos termos da grama- tica dessa lingua. O mesmo se aplica a face (cf. in the face of), e ao Port. amor, em por amor de “por causa de”, e suas variantes prumode, pramode, mencionadas por Amaral (1922) e Nascentes (1953). Note-se que esses Nomes nao podem ser articulados, nem receber do Verbo sentencial as pro- priedades sintaticas habituais, mas conservam de certa forma seu sentido original. O seguinte esquema capta a gramaticalizagao de um Nome: a ee ty * N> Nrelacional > Prep securidéria & Prep. priméria'> Clitico > Afixo Obviamente a fase citic 1 as Preps. primérias. Nestas a € de transformagao em Afixo ocorreré com dans), de de intus (> dedans), de de de intus (> de dedans). Fenémeno semelhante ocorreu com a Prep. com, ct. Port, Arc. migo (< Lat. mecum) > Port. Mod. comigo: Lehmann (1982: 18), 1.2) Verbo > Preposic¢ao. Verbos em formas nominals podem {acategorizar-se como Preposic6es, como Ing. regarding, considering, habi- tualmente utiizadas para a introdugao de novos tépicos no discurse, Port Celo, salvo, durante, mediante so casos semelhantes. Mithun (1984) de- ina incorporagao esses casos, 1.3) Numeral Ordinal > Preposigao: cf. Port. segundo. 712) As Conjungdes podem também proceder da recategorizagao de varias classes. Pesquisas sobre linguas nao indo-européias e sobre a modalidade falada tém evidenciado a precariedade da linha que separa a coordenagao ,da subordinagao. No caso do Portugués, basta lembrar as tenues relag6es | ntre coordenadas explicativas e subordinadas causais, entre coordenadas adversativas e subordinadas concessivas, etc. Agregue-se a isso 0 estatuto ——> das correlatas como um terceiro tipo de relagoes intersentenciais. A gramaticalizagao das relagées intersentenciais aparentemente dis- p6e as coordenadas e as subordinadas nos extremos de um continuum, mediado pelas correlatas: Oiticica (1955). Se duas ‘sentengas independen- tes, de verbo finitivo, compartilham o mesmo sujeito, elas podem ligar-se, ou apresentando uma delas seu verbo em forma ndo finitiva, ou antecedendo- se de conjungao. A primeira assumira entao uma hierarquia de superordenagao. Assim, de “X aprende” e “X estuda”, obtém-se “X nao sé estuda como também aprende”, de que decorrem “xX aprende estudando | Porque estuda / quando estuda / se estuda”. Qualquer uma dessas estrutu- tas esta a disposigao do falante, desde a menos ligada até a mais ligada. A conhecida assimetria entre dependéncia semantica e dependéncia estrutural, de um lado, e as motivacoes discursivas das relagdes de causa, condi¢ao, tempo, modo e lugar “/que] permeiam todo o texto, independen- temente do nivel das unidades estruturais (micro ou macro-estruturais) envol- — Estudos linguistics elterérios 19: 25-64, mar. 97 39. || tradas por | | il St sintagrnas, sido atvo de inter gas invest! fos, capitulos, etc.” frases, paragral 7 deg igagdes: Thompson Mulac (1991), Hoppa 0 ): s (1999:171-203), Neves a importante aqui é © da gramaticalizars utra area 6 conjungoes- funcional polifuncion no dominio conve classe das conju! | causal a modos vé se compro 0: Complementizador, 2 ‘o sentido de “parece - 2) Verbo > Conju! weetser (1 ig, atuando no do ngoes. an i 4) Nome. ae ules variantes amoque, mode, pramor de fora, ‘Amaral (1922) no ¥ s perciso is fe pes 90: 78) mostra qUe as Conjyn jo tay minio do contetdo, no dominio epistén ‘onal. Vejamos mais de perto como’se Co g rsaci Constity a 50.A palavramodo constitui a locugao con} Uncion é al “hei d'i na vil F M regi ) no falar caipira: “hei d’i na vila dumingo pramee Outras variantes assumem o Papel g como em ‘Mas home, oc mode que nao imaging” oe Marroquim (1945). ncdo. Em varias linguas da Africa, uerba dicendi et sentiendi transformam-se em Conjungées. Hopper-Traugott (1993; 14) mos. tram que mesmo no Inglés isso 6 possivel, quando uma conjungao Condi. onal pode ser substituida pelo verbo tosay, como em “Say / If the deals fag through, what alternative do you have 20 fenomano Ocorre também em algumas linguas romanicas, como Fr. “Mettons qu'on puisse y aller’, Esp, “Pongamos que yo lo sepa”, Port. “Digamos que eu possa”. Em todos esses casos, segundo Lygia Corréa Dias de Moraes (com. pessoal), o V em pro- cesso de transformacao parece funcionar como um indice de modo irreal, -Y _ 3) Advérbio > Conjungao. Um caso notavel 6 o da transformacao do [ sowie ino magis “mais” na conjun¢ao coordenativa mas. Esse fenéme- no, examinado por Ducrot-Vogt (1978), pode ser claramente documentado ‘em segmentos da lingua falada, como demonstraram Andrade (1995: 124) e Castilho (1995b). Encontramos af as seguintes fases no continuum Adv. de Inclusdo > Conjungao Adversativa: (1) Mas preserva o valor original: “a gen- te vive de motorista o dia inteiro, mas o dia inteiro”[D2 POA 360: 94]; “nds temos tantos amigos desinte: | famili Telacao de contraju 40 Exhdos ington terri por uma concessiva: nhamos amigos assim...” / mas inclusivo: “stava a (1981); “passarim avée esté pra casar mais 0 fosse |”. Marroquim (1 grados...mas nés sé temos amigos assim de a lia desestruturada [D2 RJ 147; 167]. Nesses dois exemplos, mas soma sintagmas nominais e senten: gas, notando-se que o segundo termo nao tem 2 © primeiro, tanto assim que ndo 6 parafraseavel temos amigos desintegrados... embora nés sot Ingao com -.”. Aliteratura dialetal registra com abundancia omals Rosita, mas seu Roberto, sem cerimonia”: Laytan ais baixo, quando océ canté mais eu”, “minha fila filho do Manuel cargueiro”, “e fosse bolir mals al $45). (2) Aparentemente, contextos de negagao ex? 11819; 25-84, mar, 97 = cita dao inicio & recategorizagéo do Adv., como em “ela esté lé mas néo funciona"[D2 SP 343: 101], isto 6, “ela esta I embora nao funcione”. (3) Por _— metonimia, mas incorporou o sentido de negagao, recategorizando-se ple- namente como Adversativa, dispensando contextos com a negagao, como em “as mais velhas estéo entrando na adolescéncla mas séo multo acomo- dadas” [D2SP 360: 41]. Em (2) e (3), a conjungao altera as expectativas geradas na sentenga anterior. 4) Pronome > Conjuncao. Dialetélogos como Amaral (1922), Nascen- N tes (1953) e! lingiistas como Camara Jf (1972) e Tarallo (1983) vém mostran- | do que os pronomes relativos estao perdendo suas propriedades pronomi- { nais, com) uma severa redugaéo em seu quadro, restringindo sua atuagao gramatical a de uma conjungao sem papel funcional. As relativas com pro- nomes-lembrete e as relativas cortadoras decorrem dessa mudanga: “este 6 0 homem que eu falei com ele ontem”, “eu tenho um amigo que ele com- \_ prou um terreno na praia” / “este 6 o homem que eu falei ontem”, “a casa que eu morei”. a 5) No item anterior mencionei indiretamente a redugao dos pronomes |/relativos a apenas um item, que. Esse mesmo item esta passando por outras / formas de generalizagao de uso, operando como conjungao aditiva / tempo- ral / condicional / comparativa, como nestes exemplos de Marroquim 1945: “eu tomei pula vareda, qui (= e) quando cal no engano tinha andado meia légua” / “eu nao sei qui ele veio”(= quando), “se o olhar fosse alfinete e que (= se) desse alfinetada, tu ficava furadinha, que (= que nem) sé renda de almofada”. re hae’: 2.1.2 - Categorizagao Funcional « ee O estudo da atribuigao de nae ae eee remit ° carater dinamico da gramaticalizagao. Esse programa de pesquisas tem-se revela- do menos desenvolvido que o anterior. Nos itens a seguir menciono alguns estudos sobre emergéncia das categorias funcionais | da sentenga. Tratei desse fendmeno na lingua falada em Castilho (1994a), de um Angulo \_sincr6nico. Situando-se em outra perspectiva, Tarallo (1991: 70) oferece uma ele- | gante ligagao entre o problema da recategorizagao léxico-sintatica e o da | categorizagao funcional. Ao estudar a emergéncia de uma “graméatica brasi- leira”, ele hipotetiza que “a re- organizagao do sistema pronominal (...) teve como consequéncias importantes a implementagao de objetos nulos no sis- tema brasileiro de um lado, e sujeitos lexicais mais frequentes de outro”, fato que repercutiu, também, nas estratégias de relativizagao. Estudos lingUstcos e lierérios nt 19: 25-64, mar. 97 41 eer a Duarte (1993) examina pecas teatrais brasil . leiras dos sécs. XIX e XX, encontrando valores muito préximos aos de Tarall lo. 2.1.2.3 - Ordem dos Constituintes Funcionais Agramaticalizagao da ordem dos Constituintes funcionais temdemons- trado, no Portugués do Brasil, um enrijecimento progressivo. Berlinck (1 989)) estuda a construgao [V-SN1] dos séculos XVIII a XX. Consultando autores tao separados no tempo como Jerénimo Soares Barbosa (1803) e Eunice Pontes (1987), ela notou que para o primeiro a ordem SV ou VS “séo ambas naturais", a0 passo que, para Pontes, a ordem SV é a predominante, e VS “se mantém em casos especiais, sobretudo em orag¢des marcadas em rela- Gao a oragao declarativa, afirmativa, neutra”. Esta diferente percepcao do mesmo fenémeno Certamente aponta para uma mudanga. E justamente, us dados mostraram um decréscimo da ordem VS, que obteve 42% de ocortréncias no séc. XVIII, 31% no séc. XIX, é apenas 21% no séc. XX. Em sua analise, as regras de colocacao do sujeito se alteraram fortemente. De discursivas no primeiro momento examinado (0 status informacional especi- ficava a ordem), essas regras passaram a estruturais no segundo (0 tipo sintatico do verbo especifica a ordem). 2.2 - Morfologizagao -—b Amorfologizagao é a criagdo de formas presas, sejam afixos flexio- nais, sejam afixos derivacionais. 2.2.1 - Criagao de Afixos Flexionais 2.2.1.1 - Flexao Verbal Os indoeuropeistas sustentam que os afixos de Pessoa derivam da Cliticizagao de Pronomes Pessoais, os quais, por sua vez, provém de De- monstrativos. Particularmente com respeito & P2, o morfema IDE. *{-t} é ‘uma forma teduzida do Dem. neutro*to-: Lehmann (1982a: 15). No Portugués Europeu ocorre fendmeno semelhante: nos dialetos em Estudos linguisticoselieréios n® 19: 25-64, mor. 97 43 fe {mos} a nés, o Pronome Pessoal nds andabanes, documentado no |p, xo {mos > nes}, como em i qué. fehin ee Foleo. No Portugués do Brasil, @ conus nea de fendmengg ! tito, Gare simplificagao da morfologia verbal e as alteragoes do Quadry, tais col on a que ocorre a assimilagao d a i ‘i liticizagao destes a0 verbo, € 0 possi, sssoais anuncia acll gate an ‘al dos pronomes eos nuimero-pessoais. Tais procliticos desempenharao Q \funcao de sujeito, cuja progressiva retengao foi mencionada no item 2.4 5 Alogo é a migragao de morfemas de Pessoa para as formas Ee, Uae eee as eric Num primeiro momen essas formas admitem um sujeito pessoal, e logo depois aparecem os ree wa de Pes. soa. Para 0 Infinitivo Pessoal, v. Maurer (1952). Para o Gertin fe Pessoal, cf. Portugués Europeu dialetal andandomos, documentado igualmente no jn. quérito Lingijfstico Boléo. HE Quanto a gramaticalizagao _dos_morfemas de Tempo, Nota-se com /, faa freqiéncia que eles procedem de um Verbo Auxiliar. Foi o que ocor- reu com 0 futuro romanico, em que"habere se transforma no morfema {re}, na verdade {e}, se considerarmos que {r} é 0 morfema do infinitivo. O novo \ morfema se integra no sub-sistema morfoldgico da lingua, passando a ter ‘um uso obrigatério. Oafixo Ing]. {-ed}, que assinala o tempo passado, deriva de um verbo Auniliar, 0 Pré-Germanico dhe (Ing. to do), cuja forma de passado eradhedhoht > did. Posposta a radicais verbais, como em solpa + dheedhoht, obtiveram- se solpadhedhet (morfologizagao), depois solboded (haplologia), Gat. salboda, donde 0 Al. Mod. salbte. Os paragrafos anteriores podem dar a impressao de que os morfemas de Tempo derivam sempre de Auxiliares, o que nao é correto. Também Advs podem origina-los: no Tok Pisin, a expressao adverbial do Ingl. by and by originou o marcador temporal baimbai; o Adv. ja indica 0 passado em varias linguas; no Papiamento, a forma espanhola luego se reduz alo e se transfor- ma num marcador de futuro, como em /o mi kanta, “eu cantare”. ; 2.2.1.2 - Flexao Nominal I 1) Os morfemas de Caso representam a gramaticalizagao de itens Uf independentes. Dado 0 cardter ciclico da gramaticalizacao, a seguinte hie- farquia pode ser observada nos Nomes que Ja disp6em de Caso: N + Caso > Prep - N+ Caso > Prep -N > Caso + N, em que 0 Ultimo estagio é por assim dizer a imagem specular do primeiro, > 2) Os trés Géneros do Indo-E feminino. O masculino remetia aos Uropeu poem a questdo da origem do Seres animados, o neutro aos inanima- 44 Estudos lingUistiose lterérios r® 19: 25-64, mar. 97. Nesse caso, podem-se usar Nomes sentido coletivo. Segundo Lehmann (1982: 58), 0 proximo passo 6 a aglutinagao dos afixos de ndmero, Sufixais em sua maior parte, ocorrendo a mudanga coleti- vo > plural. Alem dos coletivos, também numerais e quantificadores podem dar origem a categoria de Numero, como no Tok Pisin dok, “cao”, wanpela dok “um cao”, tupela dok “dois caes”, tripela dok “trés caes”, ol dok “caes”. As categorias de numero nas linguas do mundo compreendem o Sin- gular, o Plural, o Dual, 0 Trial e, em alguns casos, o Paucal, que corresponde a uma sorte de quantificagao indefinida, como em poucas magas, sem codificagao gramatical no Port. =~ Linguas como 0 Port. e o Fr. podem reanalisar o morfema de plural {-s} do Art. Def., que passa de sufixo a prefixo, inicialmente nos casos em que segue um N comegado por vogal, como Port. pop. os olhos [oz6io] > zdio, | _ Ft. le zofficiers, e depois com Ns quaisquer, mesmo iniciados por consoante, /|__como Fr. pop. cinqq z hommes, sett z hommes, etc. ae Os chamados plurais cumulativos dao origem a novas regras de plu- ralizagao, como se observa nas seqUéncias mencionadas por Santos Jota, apud Gongalves (1994: 96): ilhé > ilhés > ilhoses; anand > anands > anana- ses; eiré > eirdés > eiroses. — O grau mais avangado da gramaticalizagao do Numero ocorre nos casos de alternancia vocdlica, como Port. avé / avés, Ingl. mouse / mice. WY Um fenémeno curioso 6 0 modo pelo qual os afixos de plural pene- tram no SN. No Ingl., essa marca se concentra no nucleo nominal: the dogs. Em linguas romanicas como o Port. pop. e 0 Fr., essa marca sé ocorre no Det.: Fr. les hommes [lezome], Port. as casa pequena. Nos dois casos, evita- 0 se a redundancia das marcas de plural. 2.2.2 - Criagao de Afixos Derivacionais ——poum caso interessante foi o a morfologizagéo do Nome latino mente, Estudos lingUisticos e lterérios n® 19: 25-64, mar. 97 45 feminino, que entre outros sentidos tinha o de “modo, Maneira”, Ess, pospés-se a Adjetivos, no sintagma nominal, dando origem a express, como agir crista mente, isto 6, “agir de um modo cristao”. Por uma Tedues fonolégica, mente se tornou atono, cliticizando-se ao Adjetivo, num proces? ainda nao consumado, se levarmos em conta expresses como faloy franca e asperamente. 2.3 - Redugao Fonoldégica A redugao fonolégica é um dos processos de gramaticalizagao mais visiveis. Formas livres fundem-se com outras formas livres, transformando. se em formas presas, gramaticalizando-se como afixos. Braga (1 994: 17) menciona “a relagao inversa entre a dimenséo dos vocabulos e sua frequién. cia de uso”, formulada por Zipf, a que agrega “a atuacaéo de um Principio ic6nico, qual seja, 0 principio de que ao conceito familiar se atribuj uma expressao reduzida”. °} oi), O exemplo sempre lembrado a respeito de redugao fonolégica 6 o da ( formagao do futuro nas linguas romanicas, em que a forma trissildbica habeo reduziu-se ao ditongo ei. 2.4 - Estagio Zero Um morfema tao trabalhosamente construido pode desaparecer, reto- mando-se 0 processo da capo , com o que uma nova expressao perifrastica faré sua aparicdo, como se observou acima. Por que as linguas sao assim ? Um longo processo de gramaticalizacao produz categorias fixas, rigidas, inalterdveis. Elas se tornam, por isso mes- mo, antifuncionais. A cristalizagao de estruturas contraria a natureza mesma | da lingua, no que ela tem de criativo, de transitério, de re-elaborador. Os argumentos de Franchi (1977: 32) em defesa da linguagem como uma ativi- dade de permanente reformulagao caem aqui como uma luva: “A linguagem na medida em que ‘dé forma’ é bem jé uma atividade quase-estruturante, mas nao necessariamente ‘estruturada’, no sentido estrito do termo, ou se conce- bermos ‘estrutura’ como uma organizagao estavel de categorias. (...) A lin- guagem natural permanece sempre o instrumento de uma pratica primitiva de estruturagao dos fatos da experiéncia, de reviséo e reformulagao: uma espécie de ‘iégica’ primitiva e traca que nao se cinge as restrig6es das pro- priedades formais”. Oestagio zero 6 0 momento maximo de exaustao da estrutura, e anun- cia a retomada do processo continuo que 6 a gramaticalizacao. 4b Estudos lingtsticoseltrérios nf 19: 25:64, mar. 97 pe BAT ee eRe ee peda 0°) 2.5 - Alteragao semantica: meté 7 5 sist emantica: metafora e metonimia romanicas implicou en sue © do pretérito perfeito composto nas linguas Jassumindo arctan Ha le habere perdesse seu sentido original de posse, /Eainnoeienes me lal de “dever”, no caso do futuro, e o valor aspectual mesmo pode ae de passado, no caso do pretérito perfeito composto. O Raroteteas er te em tenho de ir, e dé ir,)que na indicacéo do 7 - vimento no espaco fisi indi ento mais abstratizado, no aes CE ee € Alteracéo semantica sofreu também passu, termo que se construia com pees de movimento, como em Port. non vou passo, Fr. je ne vais pas, isto 6, “nao percorrerei o espago de um passo”. Com 0 termo, perde-se completamente © sentido original, e passo / pas tomam o sentido de nega- ao, importado de non/ne, a ponto de se poder omitir esses advérbios, sem perda do sentido de negagao: vou passo, vais pas. fees eae implica, portanto, na perda do sentido original da Gao, desenvolvendo-se novos sentidos. VArios autores notaram a diferente carga semantica das palavras. Meillet; como vimos, distingue “palavras principais”, isto é, plenas de senti- do, de “palavras acessérias” e de “palavras gramaticais”. Vendryes (1921) fala em “palavras lexicais” e “instrumentos gramaticais”. Ullman (1964: 94), reportando-se a diversos autores, separa “palavras plenas ou auto-semanti- a6 cas”, “significativas por si proprias” (Nomes, Adjetivos, Verbos, Advérbios ; /“Predicativos]), das “palavras-forma, ou sinseménticas”, “significativas ape- vs nas quando aparecem com outras palavras” (Preposigoes, Conjungées, Arti- fe we gos e Advérbios [Nao-Predicativos]). PS Em seu conjunto, esses autores captaram um dos mecanismos do ue estou chamando semanticizagao: em dados contextos linglfsticos, as palavras sofrem ligeiras. alteragGes de suas. propriedades intensionais de base; em outros contextos, essas propriedades sao afetadas mais severamente, desenvolvendo-se sentidos novos. Tais alteragdes tém sido denominad: dessemantizagao, bleaching, fading. Trata-se de termos impréprios, pois, Somo se disse, 0 que se observa 6 uma mudanga mais ou menos severa, as nunca uma perda semantica, um esvaziamento do significado. Em qual- quer um desses casos, dizemos que 0 item tramitou do Léxico para a Gra- matica, isto 6, gramaticalizou-se. — Uma questao n&o resolvida é se a mudanga sintatica acarreta a mu- | danga semantica, ou se a mudanga seméantica é um estagio precoce da mudanga sintatica. S6 mesmo postulagées tedricas sobre a natureza des- \ ses médulos da linguagem permitem resolver 0 impasse. Estudos lingUisticose literérios nt 19: 25-64, mor. 97 47 nea do que no continyy bre a gramaticalizacao te peee an no cisany Pesquisas S0Dr° Oe possivel identificar ponto: i 'Scretos, criado por seus ee erbos auxiliares- Os itens em processo ‘ de v! i 6 como no surgimne rr iss6micos: apresentando ee ana S relaci. gramaticalizag80 °° © tras. Relagoes d° (rete ore eet aia Doe) a . onadas umas CO is. er estabelecidas entre esses pontos focai st afora 2.5.1 F A ae nsferéncia de um sentido A para um sentido B, por i ee as “id ee entre eles; trata-se, basicamente, de um processo | haver alguma ee ndo opera mudangas radicais nas propriedades | cognitive. A moetes ‘Assim, um verbo como Ver “olhar, perceber com og Ipsnstpasiey ala: “saber, perceber com a razao”, e depois, “compre. olhos”, passa soon B ne C, percebe-se um movimento que vai de cree Beene tc ara sentidos derivados, mais abstratos, | |) um sentido basico, mais concreto, P Sa roarin ass! Canes 1 ae preservado o sentido de base de ‘captar algo”. A Teorla dos Capta || | muito bem esse movimento do concreto, discursivamente eee, Para o | abstrato, estruturalmente motivado. Segundo Garou leo 28), a teorla / “semilocalista’ dos casos sustenta que ha tres casos ‘gramaticais’, de mo- | wy tivagao estrutural (0 nominativo, caso do sujeito; 0 jacuisativo; caso da deter- minagao do verbo; 0 genitivo, caso da determinagao 9 nome), e quatro ’ “casos “locais”, de motivacdo discursiva (0 ablativo, lugar ‘de onets 30 locativo, ‘\lugar ‘onde’; 0 dativo, lugar ‘para onde’; 0 instrumental, lugar ‘conjunto’). ‘5 Os itens que significam partes do corpo humano e espago fisico ofer cem outros exemplos de continuum metaforicos: a gramaticalizagao dos pri-' 1 a meiros dé origem as preposigdes; a dos segundos, aos auxiliares temporais, | e assim por diante, conforme anotado em 2.1.1. | Da nogao de Espaco fisico para a de Espago-Tempo € outro salto, de natureza igualmente cognitiva: lembre-se que frequentemente a gramaticalizacao do tempo futuro e do passado se da mediante o aproveita- ) mento dos verbos de movimento. Metaforizados, eles passam a significar (') otransito do tempo presente para o tempo futuro, mediante a utilizagao de ir (cf. “vou buscar comida”), ou (ii) o transito do passado para o presente, | mediante a utilizagao de vir (cf. venho de encontré-io ali na rua”). est Tem-se notado que ha um ritmo unidirecional nos processos de meta- fora, do mais concreto para o mais abstrato. Mas o importante neste pro- oe oe on aue “muito da polissemia se deve ao uso metaférico; de fato, las a linguagem, mas nossa cognig¢ao e ! g "9 portanto a lingua opera | Metaforicamente' : Sweetser (1990: 8; v. também pag. 20 e Ss) 4 : 48 Estado linguistics e ieréroen# 19: 25:64, mor, 97

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