Livro: Prado Jr., C. A questão agrária no Brasil – Ed. Brasiliense – São Paulo – 1979
A resenha presente tratará da obra de Caio Prado Júnior sobre a questão
agrária escrito na década de 60. Mais do que por identificação com a corrente que segue a escolha de sua obra se deve ao fato de ter sido notório cientista social brasileiro e daí a curiosidade em conhecer seu trabalho sobre o tema da questão agrária. O livro foi dividido em quatro capítulos: o primeiro capítulo intitula-se “contribuição para a análise da questão agrária no Brasil, o segundo “nova contribuição para a análise da questão agrária no Brasil”, o terceiro “a reforma agrária e o momento nacional” e o último “o Estatuto do trabalhador rural”. O primeiro capítulo caracteriza de fato a questão agrária no Brasil, os atores, as raízes históricas do trabalhador rural, sobretudo colocando as necessidades dos trabalhadores rurais como necessidades humanas muito mais do que agronômicas. No segundo capítulo apresentam-se propostas para a concretização da reforma agrária, analisando sob dois aspectos: aumento da proteção do trabalhador rural por meio de instrumentos jurídicos favorecimento do mesmo à propriedade e utilização da terra. Além disso, neste capítulo o autor diferencia o camponês do trabalhador rural brasileiro. No terceiro capítulo inicia-se colocando a questão dos conflitos por terra e do aumento do número de assassinatos no campo o que justificaria ainda mais a necessidade de reforma agrária. E por fim o quarto capítulo inicia afirmando a promulgação do estatuto do trabalhador rural e fazendo uma crítica ao estatuto sob diversos aspectos. Um ponto inicial do livro de claro destaque, são as raízes da questão agrária brasileira, como o autor mesmo coloca “relação de efeito e causa entre a miséria da população rural brasileira e o tipo da estrutura agrária do país, cujo traço essencial consiste na acentuada concentração fundiária”. Apesar do texto ter sido escrito nos anos 1960, essa realidade perdura até hoje como mostrou o último censo do IBGE realizado em 2006 e que apresentava muita semelhança em relação aos dados do livro em questão. Outro aspecto que se impõe neste início da obra é a questão da diversidade de pessoas e classes sociais que constituem o campo agrário. Existem os proprietários (e nessa classe ainda há grande diversidade como aqueles que compram a terra e tornam-na improdutiva na medida em que não usufruem do seu uso, é apenas uma mercadoria de troca, como um outro produto qualquer). Além deles há os trabalhadores rurais, assalariados que trabalham em propriedades agropecuárias. Há também os parceiros, posseiros, grileiros, meeiros e até mesmo o camponês. No entanto o autor deixa claro, em diversos momentos do livro que as raízes do camponês brasileiro são totalmente distintas do europeu, por faltar-lhe “tradição camponesa”. Um pouco adiante no texto o autor coloca: “não se esqueça que grande parcela da população rural brasileira provém diretamente da escravidão, de que não distam ainda mais que duas ou três gerações”. Assim, enquanto para o grande proprietário tem a serventia de ser um negócio para o pequeno proprietário ela é fonte de subsistência. A “largada” em relação à corrida pela posse da terra já iniciou de forma desigual pelos atores envolvidos nessa questão partirem de direções opostas. Enquanto os exploradores, sendo poucos que teriam recursos para enfrentar tal aventura não lidariam com muita concorrência, os trabalhadores rurais em parte acabavam de sair da situação de escravos e em outra parte começavam a chegar na posição de imigrantes. Com isso abria-se um quadro extremamente apropriado para favorecer os maiores, que se tornaram as classes dominantes depois. Dessa forma, o pequeno proprietário ou trabalhador rural encontra-se na posição de fornecer mão de obra ao grande como pode ser verificado na afirmação ao lado: “o papel que sempre teve a massa do campo brasileiro sempre foi de fornecer mão-de-obra à uma minoria privilegiada e dirigente desta empreitada que é a agropecuária brasileira” (p.25) Então, surgem os mecanismos de renda da terra no campo a exemplo do café. As terras virgens de melhor qualidade eram as mais procuradas já que o preço da saca da pior terra é que baliza o valor da mercadoria e com isso o lucro do proprietário com a melhor terra é muito maior. Como exemplificado diversas vezes em aula essa situação continua atualmente principalmente no caso da cana de açúcar. Dessa forma os produtos que dominam a produção agropecuária brasileira são principalmente aqueles que tem valor agromercantil como café, cana-de-açúcar, laranja, etc. A produção de alimentos, fica em posição mais apagada embora seja de grande importância para a população na medida em que responde por % da alimentação dos brasileiros. Assim, não apenas em relação aos produtos, mas em termos de posse e propriedade da terra. Segundo o autor, a pequena propriedade derivaria da grande que não deu certo como pode ser verificado no seguinte trecho do livro: “quanto à pequena propriedade, ela vem depois, e deriva do fracionamento da grande propriedade. Fracionamento esse que resulta nos lugares onde ocorreu, dos insucessos da grande exploração, seja porque logrou não tomar pé, seja porque não resistiu a situações mais graves da conjuntura econômica, e entrou em decadência e decomposição”. Dessa forma a economia agrária brasileira é colocada da seguinte maneira em relação aos atores: o grande proprietário (derivado da concentração fundiária) como base e em situações econômicas e políticas equiparadas estariam o pequeno produtor e de outro lado o trabalhador rural, empregado geralmente na grande propriedade. O autor termina esse primeiro capítulo ressaltando a importância desse problema colocando esses atores antes de tudo como humanos e quais benefícios chegam para cada um desses atores devido à produção agropecuária. Na segunda seção do texto o autor descreve algumas propostas de soluções em relação à reforma agrária e traça considerações em relação à uma legislação do trabalhador rural. Com isso, ele coloca claramente uma distinção entre o trabalhador rural e o camponês, considerando este último como um produtor rural autônomo de tradição camponesa principalmente pelos processos históricos da Europa, Ásia e em algumas populações indígenas da América Latina. Dessa forma, é possível perceber a corrente em que se situa dentro da questão agrária, sendo tipicamente a segunda (camponês está fadado à extinção). Segundo o autor existiriam duas linhas para que de fato ocorra a reforma agrária: “legislação social-trabalhista” o que anos depois resultará no Estatuto da Terra e “desconcentração da propriedade fundiária rural” (p.91) e seriam duas linhas distintas pois cada uma tem medidas importantes a serem tomadas. Um ponto destacado inicialmente é em relação à habitação do trabalhador rural, em muitas casos ele deve por si mesmo construir o seu alojamento enquanto trabalha em alguma propriedade ou então se hospedar em condições difíceis em ranchos já existentes na grande propriedade. Em ambas as situações a falta de uma legislação sobre condições mínimas de trabalho é notável. Além disso, um outro ponto ressaltado na obra, é o isolamento em que este ator se encontra por não haver a presença do poder público garantindo necessidades básicas do ser humano, quem assume esse papel muitas vezes é o próprio proprietário, passando de “empregador” a “senhor”. A ausência do poder público no ambiente rural ocorre de tal maneira que não existem nem tributos fiscais e nem um disciplinamento em relação aos produtos necessariamente produzíveis o que propicia de forma ampla a concentração e especulação fundiária. Para solucionar esse quadro o autor aponta para algumas possíveis soluções: “estabelecimento de normas de utilização adequada através da fixação de níveis mínimos de aproveitamento e produtividade para as diferentes produções e regiões do país”. Outra possibilidade seria no momento da realização de quaisquer grandes obras que ocorram no ambiente rural, realizar como passo preparatória a desapropriação de terras e subdivisão das grandes terras apropriadas. Necessariamente antes da obra pois se for realizada pós, ocorrerá a valorização da propriedade o que dificultaria ainda mais a desapropriação. O segundo capítulo finaliza-se ressaltando a tragédia dos posseiros que “apesar de tentativas de colonizarem terras, dificilmente alcança a velocidade dos especuladores que muitas vezes possuem pseudotítulos da terra e não a tornam produtiva no momento em que lhes serve apenas para especulação”.
No capítulo 4 o autor trata da promulgação do estatuto do trabalhador rural. É
ressaltado como grande marco que é na história do Brasil, a promulgação desta lei, no entanto contesta o processo de sua elaboração, colocando a falta de participação de diversos atores, grupos de esquerda principalmente para que fosse um instrumento mais efetivamente assertivo. Além disso ele aponta algumas insuficiências que ocorreram.
A primeira delas seria a necessidade de considerar a ampla gama de
trabalhadores rurais que existem, pois, o estatuto já na definição do que seria um trabalhador rural o documento considerou uma quantidade mínima destes últimos por incluir a questão de remuneração por salário, o que poderia gerar diversas dúvidas se a lei se aplica ou não para meeiros, parceiros, entre outros. O autor também coloca que uma legislação social e econômica que proteja de fato o trabalhador e inclua a grande gama de atores que existe no campo poderá facilitar até mesmo a reforma agrária.
Uma questão mais prática sobre os desdobramentos da reforma agrária –
sobre de que forma modificar sistemas de grande produção (produtivos) para sistemas de pequena produção sem que se perca em termos de produtividade.
Em outro trecho do texto aparece novamente uma diferenciação entre
trabalhador emprego e o camponês (p.152) da seguinte forma: “É preciso não confundir como frequentemente se faz, a situação do trabalhador empregado na grande exploração brasileira, com a do camponês, que esse sim, como produtor que é, ou com essa tradição de produtor (é o caso, por exemplo, do camponês europeu, seja ou não proprietário) é ao mesmo tempo um trabalhador e executor de tarefas, e um dirigente de trabalho dessa execução”. Ele coloca que no Brasil o trabalhador rural assemelha-se mais ao trabalhador da indústria, que não tem perspectivas de empoderamento seu sobre o território em que trabalha, mas sim, principalmente com sua remuneração. Outro aspecto colocado no capítulo é o exemplo de Cuba, que com a revolução cubana grandes propriedades de açúcar passaram a ser gerenciadas por cooperativas, mas que isso não seria um exemplo cabível no Brasil devido ao recente fim da escravidão. Assim, um desafio maior seria completar essa transição de trabalho escravo ao trabalho rural garantindo o atendimento de necessidades básicas do trabalhador.
Segundo o autor, quando as condições de trabalho destes atores melhorar,
poderá ocorrer uma intensificação da produção agropecuária e modernização da mesma, pois a manutenção de condições miseráveis de trabalho e baixa remuneração desta mão-de-obra fazem com que a grande exploração não se modernize e invista em melhorias tecnológicas.
Dessa forma, o autor defende uma legislação social-trabalhista construída com
amplo debate entre grupos, e coloca o predomínio da falta de interesse nesse tema pela política brasileira o que diminui o potencial que teria o estatuto da terra se fosse aplicado de forma efetiva.