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INTRODUÇÃO

No mundo em que vivemos, com tantas transformações e pautado por uma

mentalidade consumista, onde a globalização fez com que fronteiras outrora

delimitadas por grandes distâncias, questões ideológicas e culturais fossem

praticamente demolidas em função de vários fatores, dentre estes, os interesses

comerciais e financeiros, é necessário que as pessoas tenham a capacidade de

refletir e constatar o que realmente é falso ou verdadeiro.

O desenvolvimento de várias tecnologias que atravessam os continentes,

trazendo todo um discurso característico de outras culturas, alinhados com os

interesses comerciais, trazendo conceitos, valores e ideias que levam a uma prática.

Em sua grande maioria, as pessoas adotam tais práticas sem qualquer critério

crítico, sem uma reflexão sobre quais as consequências disso para as suas vidas.

Outra questão relevante é a preservação de uma identidade cultural original onde

suas características sejam respeitadas.

Sem dúvida, o intercâmbio cultural deve ser estimulado, mas com critérios e

limites calcados na reflexão.

Além disso, no dia-a-dia das pessoas, independente de fatores externos, elas

são colocadas diante de situações do cotidiano que irão exigir delas a capacidade

de entender quais a variáveis que estão envolvidas nessas questões, sejam elas de

ordem profissional, familiar, política, ética, social ou existencial para, então, poderem

se posicionar adequadamente.

Dentro deste contexto, o papel da filosofia na formação brasileira,

principalmente das crianças e jovens, deve ser fomentado de maneira relevante nas

instituições de ensino brasileira, para que essas possam aprender a pensar de forma

crítica e autônoma.
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É de fundamental importância o ensino da filosofia nas escolas brasileiras e

que este ensino não se restrinja a apenas a uma abordagem histórica, mas uma

filosofia que, vinculada à realidade, leve o docente e o discente a um

aprofundamento dos temas ao seu redor, na busca de compreendê-los e apresentar

respostas que possam ajudar na solução desses e na construção de uma sociedade

mais solidária e igualitária.

Justificativa:

A filosofia é central no formação educacional, pensando e propondo a

pedagogia mais adequada e, principalmente, no processo de construção de um

espírito crítico. Sem um ensino filosófico que estimule o educando a reflexão crítica,

certamente o objetivo de proporcionar uma educação para um pensar autônomo não

logrará êxito.

A filosofia interfere diretamente na formação de uma mente livre e crítica. A

filosofia amplia a visão e pode ajudar a enxergar a perceber a relevância de

questões que até então foram banalizadas por simples ignorância.

Questão Norteadora:

Como o ensino da filosofia na escola brasileira pode ser central na formação

de crianças e jovens com uma mente crítica e que saibam se posicionarem, através

da reflexão profunda e autônoma?

Objetivo Geral:

Levar à compreensão e à valorização da filosofia como instrumento

fundamental na elaboração e desenvolvimento de uma educação que estimule aos

educandos a desenvolver o espírito crítico, possibilitando a formação de pessoas

conscientes, reflexivas e profundas.


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Objetivo Específico:

Levar à sociedade a compreensão da necessidade da implantação do ensino

da filosofia a crianças e jovens, para uma formação intelectual significativa e

abrangente, que estimule e propicie um pensar autônomo e crítico.

Metodologia

Nesta pesquisa serão consultados livros de filosofia, artigos, revistas, jornais,

artigos na internet. Tais pesquisas terão um caráter formativo, com o interesse de

levar aos leitores a reflexão profunda sobre o tema a ser abordado.


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CAPÍTULO I – A IDÉIA GERAL SOBRE A FILOSOFIA NOS DIAS

ATUAIS

Quando uma pessoa começa a buscar conhecer a filosofia e o seu

significado, normalmente ela quase que instintivamente tende a relacioná-la a uma

atividade que está um tanto quanto descolada da realidade, destinada a pessoas

iluminadas quase que de forma sobrenatural, para realizar uma tarefa que diz

respeito a olhar para o mundo a partir de uma perspectiva transcendental e afastada

do dia-a-dia.

A atividade filosófica vem sendo colocada de lado nos dias atuais por pessoas

que se encontram limitadas a achá-la irrelevante, visto que na atual sociedade

imediatista e funcionalista a filosofia parece não ter aplicação.

Este fato ocorre quase que de forma inconsciente, mas é uma determinante

em suas vidas.

O filósofo Max Horkheimer nos adverte que:

(...) os métodos artificiais de reprodução que padronizam e classificam os


seres humanos antes mesmo de nascerem – tudo isso reflete um processo
que invade o próprio pensamento e conduz a um sistema de proibição de
pensar que deve resultar finalmente na estupidez subjetiva, prefigurada na
idiotia objetiva de todo o conteúdo da vida. O pensamento em si mesmo
tende a ser substituído por idéias estereotipadas. Estas são, por um lado,
tratadas como meros instrumentos convenientes, a serem
oportunisticamente abandonados ou aceitos, e, por outro lado, como
objetos de adoração fanática. (HORKHEIMER, 2007, pp.60-1).

O fato é que a maioria das pessoas, de um modo geral, é fruto consciente ou

não da ideologia vigente de sua época, subjugadas ao que nos ensina Paulo Freire

(1970, p.71) “(...) adaptar-se à ideologia que serve ao dominador.”.

As ideias a respeito de qualquer coisa estarão atreladas ao modelo hegemônico

que permeia o modo de pensar a vida daquela sociedade, fazendo com que atribua

maior ou menor valor a alguma coisa que é apresentada de acordo com esse
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pensamento estabelecido. Esse fato, portanto, será uma variável determinante no

conceito que as pessoas terão sobre a filosofia.

A filosofia sofre um desgaste, muito em função da cultura atual que

supervaloriza a técnica e a especificação do conhecimento, colocando a ciência num

pedestal superior a qualquer outro conhecimento, pois entendem que esta se

contextualiza melhor com sua proposta pós-moderna de vida, que visa a alcançar

seus objetivos, hoje determinados de forma esmagadora pelo mercado, pelo

consumismo e o lucro, contexto em que se estabelece como discurso dominante, a

busca de formas e fórmulas para aperfeiçoar os processos, para obter maior lucro

com o menor gasto possível. Essa fala, proveniente do modelo representado pelo

pensamento vigente, reduz a relevância da filosofia à sua aplicabilidade ao

desenvolvimento dos processos industriais e tecnológicos de consumo, caso

contrário, nos dias de hoje, o filósofo é enxergado como uma figura exótica, e a

filosofia como alguma coisa alienada à realidade, em face desse viver pós-moderno.

Em função de tantas variáveis e pressões atuais, é de se entender que as

pessoas cheias de atividades, compromissos e pressões decorrentes de uma vida

pautada pela competição, em que a ciência e a técnica são colocadas num patamar

ou status superior às demais áreas da vida, acreditam que a filosofia não tenha

espaço por entenderem não ser tão útil em seu projeto num contexto como esse.

Em decorrência dessa visão negativa sobre a importância da filosofia, muitas

pessoas passam a achar que esse tipo de atividade é para quem não tem muito que

fazer, ou está relacionada ao antigo, e, de certa maneira, anacrônico, ou é uma

atividade fora de moda.

Certamente, no momento em que a filosofia for abordada como atividade

diretamente relacionada com a vida cotidiana, as pessoas passarão a, naturalmente,


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perceber como ela é algo atrelado à vida e ao dia-a-dia e se conscientizarão sobre o

grande valor que esta tem para o desenvolvimento de uma sociedade.

1.1- Entendendo o Papel da Filosofia

A filosofia notabiliza-se por observar e refletir com liberdade a respeito da

vida, do ser, do físico e do além do físico, entre outras.

O fato é que a filosofia ao deparar-se com um problema por mais simples ou

aparentemente sem importância que possa parecer não o despreza, pois sabe que

todas as questões exigem respostas que poderão ajudar as pessoas a saciar sua

curiosidade filosófica, e a de responder quais as causas e razões a respeito das

coisas existentes, qual as respostas sobre aquela determinada questão.

A filosofia também buscará respostas sobre questões que aos olhos das

pessoas são consideradas mais complexas, sejam estas coisas perceptíveis

empiricamente ou não. Coisas que pareceram, a priori, sem importância, mas que

podem revelar sua relevância num momento seguinte

A filosofia não teme pressões oriundas de uma sociedade institucionalizada,

mas continua sua busca, com cuidado e sem pressa de conhecimento, que

propiciará às pessoas uma vida consciente e, portanto, livre para tomar suas

decisões, tendo como preocupação maior a ética, a justiça e o viver bem com

liberdade e dignidade. E, neste processo, essa curiosidade intrínseca do homem que

busca tantas respostas será aplacada.

A possibilidade do filosofar e assim conhecer a filosofia, está no fato de que

essa atividade humana não está restrita a um segmento apenas da sociedade, ou a

um ramo do conhecimento humano. Tudo é alvo de perguntas tudo é alvo do

escrutínio.
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Uma ideia bastante interessante sobre a filosofia em sua simplicidade e

complexidade, nos é ensinada o filósofo Paulo Ghiraldelli:

A filosofia é simples na medida em que fala sobre situações, pessoas,


acontecimentos, conversas, romances, músicas, desenhos, filmes, novelas,
futebol, negócios etc., notando nisso tudo o que em geral não só não é
notado, mas o que quase todos não encontram motivos para notar. A
filosofia fala sobre o banal. A filosofia é também complexa, pois falar sobre
o banal leva à desbanalização do banal. Desbanalizar o banal? Sim! Eis aí
a atividade da filosofia; uma atividade que termina na produção de um
discurso que tem lá suas sofisticações e seus requintes – seus vários
pontos de vista. Daí a existência de um a variedade de métodos de
abordagem de tópicos filosóficos e o surgimento de muitas “escolas
filosóficas”. (GHIRALDELLI, 2006, p.13).

É muito importante ter a consciência de que o papel da filosofia não é apenas

buscar meras definições, ou conceitos baseados tão somente numa perspectiva

acadêmica ou transcendental.

A aplicação da filosofia está ligada ao cotidiano. Mas é necessário considerar

a profundidade e o compromisso que esta tem com um conteúdo fundamentado

para não comprometer a integridade de suas conclusões e proposições. Para que

isto possa ocorrer, para chegar a uma conclusão razoável, será necessário muito

esforço em pesquisar e refletir sobre o que já foi alvo de reflexão e sobre o que,

talvez, ninguém ainda tenha pensado.

Cada conceito deve ser visto como fragmento de uma verdade total em que
encontra o seu significado. É precisamente a construção da verdade a
partir desses fragmentos que é a principal preocupação da filosofia.
Não existe um caminho fácil para a definição. O ponto de vista de que os
conceitos filosóficos devem ser fixados, identificados e usados apenas
quando seguirem exatamente os ditames da lógica da identidade é um
sintoma da busca da certeza, o impulso muito humano de reduzir as
necessidades intelectuais a pequenas proporções. Seria impossível assim
converter um conceito em outro sem prejudicar sua identidade, como o
fazemos ao falar de um homem, de uma nação ou de uma classe social
como se permanecessem idênticos a si mesmos, embora as suas
qualidades e todos os aspectos da sua existência material estejam
passando por mudanças. (HORKHEIMER, 2007, p.172).

O fascinante na filosofia é que não há respostas prontas e acabadas, pois se

assim fosse, seria uma contradição, visto que a filosofia notabiliza-se pelo pensar e
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repensar para, então, entender e construir um arcabouço de ideias e palavras que

representem de forma coerente o que se busca conhecer.

Existe uma contribuição mesmo na divergência entre os vários pensamentos

apresentados ao longo da história, pois cada tese sobre determinado problema vai

construindo e deixando um degrau nessa escada do conhecimento.

Ninguém faz filosofia sozinho. De certa forma a filosofia é construída dia a

dia, e esse trabalho não acaba nunca. Muitas teses são elaboradas sobre uma base

que já foi construída por outro, mesmo que estas sejam para afirmar a falibilidade

destas que não se concorda.

Essa dinâmica vai impulsionando o homem na direção de encontrar respostas

criativas aperfeiçoando as respostas e não deixando nada fora da reflexão e crítica.

A principal prerrogativa da filosofia reside justamente no seu papel de

perscrutar, buscar e ir até as causas e as razões e saciar essa fome, essa

curiosidade, para aplacar esse espanto, essa admiração que coloca o filósofo em

atitude de inquietação, buscando encontrar as respostas.

1.2- O Início da Filosofia

Na medida em que o papel da filosofia começa a ser entendido e uma

consciência vem surgindo sobre a relevância da filosofia no contexto social, é natural

que perguntas surjam a respeito da filosofia referente à sua história e significado.

Sem dúvida, é altamente enriquecedor conhecer sobre os primórdios da filosofia em

função dos temas abordados naquele momento que denotou grande argúcia do

homem em relação à vida e ao mundo que o cerca.


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A filosofia surge não como uma invenção, mas como uma consequência à

ação natural do homem no seu desejo de buscar explicações para os fenômenos

naturais e conhecer a verdade sobre estes.

Quando se depara com o mundo ao seu redor, ele se convence que tinha

que haver algo mais para explicar o cosmo. As estórias dos sábios e o mito já não

eram mais suficientes para trazer as respostas que se buscava e responder a sua

inquietação e espanto diante deste mundo natural ao redor.

As perguntas que iam surgindo espontaneamente através do exercício da

razão, começaram a impulsionar o homem a uma jornada de questionamentos que

fez com que ele se convencesse de que deveria haver um elemento fundamental

que possibilitasse ao mundo existir de forma coesa, ordenada, como um cosmo

perfeito e belo.

É então iniciado um processo sem volta que desencadeou em uma busca

infinda de respostas acerca do cosmo. Para responder as perguntas que surgiam, foi

necessária uma maneira diferente da usual. Inaugura-se, então, o período do

exercício da razão, do pensar racional, do caminho da reflexão em busca de

questionamentos tão importantes que atormentam o homem até hoje.

Como foi visto anteriormente, nos primórdios da filosofia, alguns homens

estavam cientes de que a explicação mitológica sobre as coisas e o cosmo não

eram suficientemente satisfatórias.

Em função da complexidade e beleza do mundo natural perceberam que

deveria haver não apenas uma estória fantasiosa, mítica ou religiosa que contasse

como surgiram as demais coisas e o mundo, mas se convenceram que deveria

existir um elemento que seria responsável por dar a ordem, beleza e harmonia ao

todo tão complexo e perfeito que compunha o cosmo .


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É nesse momento que o homem começa a especular, a raciocinar e refletir de

forma sistemática sobre o mundo e os fenômenos à sua volta, tentando encontrar

especificamente este elemento que estivesse em tudo e, portanto, fosse o

fundamental. Dessa maneira, o homem volta os seus olhos para o mundo físico ao

redor para explicar o cosmo e começa a criar as suas teses sobre a origem de todas

as coisas.

Os historiadores relatam que o primeiro sábio que se destacou nessa busca e

construção de um conhecimento, concentrando-se em explicar o mundo físico e

natural a partir de um elemento físico, foi Tales de Mileto.

Movido pelo desejo de conhecer sobre as coisas pelos primeiros motivos,

não satisfeito com as respostas apresentadas pelos sábios religiosos e a tradição do

mito, Tales lançou-se na especulação filosófica através da reflexão racional para

tentar explicar e esclarecer as causas da existência do cosmo. O filósofo Paulo

Ghiraldelli também nos ensina:

A filosofia procura dar explicações para o mundo, em todos os seus


aspectos, por meio de causas e razões. Isto é, nossas narrativas
explicativas ligam o que “vem antes” e o que “vem depois” por sequências
de causas e efeitos ou por sequências lógicas (GUIRALDELLI, 2006 p.20).

Parece que Tales tinha dentro de si um profundo desejo, como o que foi

citado acima pelo Filósofo Paulo Ghiraldelli.

Tales de Mileto (624-558 a.C.), nascido em Mileto, antiga colônia grega onde

Hoje é a Turquia, buscava explicações através de suas causas. Foi aí que ele saiu

em busca da arkhé, palavra grega que significa origem, o que vai à frente e o que

está presente em todas as coisas e em todos os momentos, a base central. O

elemento que Tales entendeu fosse o responsável pela origem ou o começo e

comandava a harmonia no cosmo era a água, ela era o arkhé que dava as

condições em possibilitar todas as demais.


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Nessa mesma reflexão surgem outros nomes. Só para mencionar os mais

antigos que mergulharam na busca de respostas sobre o que deveria ser o arkhé

notabilizam-se, por ordem, Anaximandro e Anaxímenes, ambos de Mileto.

Anaximandro (610-545 a.C). Discípulo de Tales, ele entendia que o arkhé era

o designado como apeíron ou o indeterminado, ilimitado. Seu pensamento não

considerava os elementos físicos tradicionalmente conhecidos água, terra, fogo e ar

como o fator principal e único para explicar a possibilidade de existência das coisas

e do cosmo, mas dizia ser o apeiron o fator último gerador de tudo mais. Esse

pensamento transcendia o que até aquele momento estava sendo posto, mas estava

na busca do princípio.

Tales foi criticado por seu contemporâneo Anaximandro (610-545 a.C), que
rejeitou sua visão de um mundo feito de água e propôs uma diferente.
Anaximandro organizou a cosmologia tradicional grega, distinguindo terra,
ar, fogo e água e explicou como as várias propriedades desses elementos
– o quente e o frio, o molhado e o seco – atuavam umas sobre as outras e
se opunham entre si.
(...) Pressionado a dizer, em resposta a uma pergunta de Tales, qual dos
elementos era o mais básico, Anaximandro declarou: ‘Nenhum deles’. A
fonte última do universo e o ingrediente básico de todas as coisas, disse
ele, é algo que não podemos perceber. Chamou isso apeiron, que
poderíamos traduzir simplesmente como ‘matéria básica’, embora a palavra
grega signifique ‘irrestrito’ ou ‘ilimitado’. Em termos da história da ciência,
esse foi talvez o primeiro caso significativo da inferência de um postulado
teórico, que se pretende que exista para explicar fenômenos perceptíveis,
embora esse algo não seja ele mesmo perceptível. (Elétrons e genes são
exemplos mais recentes). (SOLOMON; HIGGINS, pp.54-55).

Outro nome significativo nesse processo desencadeado a partir da reflexão

racional iniciado por Tales foi Anaxímenes (585-529 a.C). Discípulo de Anaximandro,

na busca pelo princípio, ele desenvolve um pensamento original em que considera o

ar como elemento principal para sustentar todas as coisas, e, embora sejam poucas

as informações sobre este, sua contribuição foi também muito importante como

alguém que buscou entender seu mundo a partir do pensamento racional, sendo

esse seu maior legado.

Ora, Anaxímenes estabeleceu o ar como sujeito da archê e da phýsis. Ele


operou uma espécie de retorno a Tales, na medida em que também
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codificou na empiria, num elemento sutil, a expressão conceitual da arché e


da phýsis. Sugeriu uma nova compreensão do problema, Do modo como
está escrito no fragmento 2: ‘Assim como nossa alma, que é ar, nos
governa ou sustem, do mesmo modo o sopro e o ar abraçam todo o
cosmos’. Ele identificou o ar (aêr) e o sopro (pneûma), com a alma
(psichê), e atribuiu à arché a função de governo. `sopro e ar´, segundo
Aécio (fonte que conserva o fragmento), são sinônimos para Anaxímenes.
Entre um e outro, no entanto, há uma gradação de sutileza, como há para
Tales entre a água e a umidade. Esses elementos, assim como o fogo,
Platão (no Timeu) curiosamente os denominou ‘Letras do Universo’: ‘o fogo
e os outros, aceitamo-los como princípios, como uma espécie de
elementos ou letras do universo’ (SPINELLI, pp.29-30).

Muitos outros nomes foram muito importantes no iniciar do desenvolvimento

do pensamento filosófico. Este foi um período muito rico em nomes. Mas estes três

são significativos por terem sido os primeiros e, geograficamente, encontrarem-se na

mesma região de Mileto e terem tido uma vida em comum, já que um foi discípulo do

outro, Tales mestre de Anaximandro e este de Anaxímenes.

O fato de serem discípulos e terem admiração um para com o outro, não os

impediu de serem originais, e é aí que reside o ponto, eles desenvolveram um

pensamento original a respeito do que vinha a ser a arché.

Em virtude da influência que um poderia ter deixado sobre o outro, como de

fato foram deixadas influências profundas em suas vidas, poderia se imaginar que

um fosse apenas o discípulo do outro e fosse apenas um divulgador da ideia do seu

mestre. Mas pelo menos nesta questão da archél, cada um destes três pensou em

três elementos diferentes para explicar o princípio, e, embora houvesse apreço e

admiração pelo seu mestre, o que falou mais alto foi o desejo de responder à sua

mente e à sua inquietação sobre o mundo em que se encontrava.

Esse pensar autônomo e original deve permear busca de respostas, onde

apesar das fortes influências que possam incidir sobre cada pessoa de forma

individual, estas não serão fatores determinantes na construção de uma opinião,

mas o que deverá prevalecer deve ser o compromisso com a razão e a coerência.
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Por outro lado, estes três foram importantíssimos, pois insistiram em

responder as perguntas que faziam sobre o que vinha ser o princípio, através do

exercício do pensamento racional.

O fato de terem buscado nos elementos materiais a base para efetivamente

darem suas respostas foi importantíssimo e original, mas o que deixou um legado

histórico foi a forma que isso foi feito. Sobre essa questão, Mário Guerreiro tem a

dizer:

O extraordinário na filosofia jônica é que abre, contra um poderoso e


plasmador passado mítico, o caminho do longo percurso a ser trilhado pela
reflexão filosófica e aponta para um ainda extremamente longínquo
horizonte científico. Só hesitamos em qualificar de filósofos os jônios –
privilegiando os eleatas Parmênides, Zenão e Melisso – quando nos
esquecemos de que dos desbravadores não se pode exigir familiaridade
com o que começa a ser descortinado. Não se lhe deve exigir intimidade
com a nova territorialidade intelectual, com a nova geografia do
pensamento, que começa a ser localizada. Seria injusto, sobre tudo do
ponto de vista da formação da mentalidade intelectual ocidental, deixar
reconhecer que foram pensadores pioneiros que se revelaram
historicamente decisivos para o surgimento de atitudes e teses intelectuais
que ninguém se recusaria a distinguir com o atributo de filosóficas.
Em franca discordância com Zeller, Gomperz, Brunet e outros
historiadores, esposamos a opinião de que suas contribuições não
residiram na procura de um substrato imutável como fundamento de todas
as coisas (a arché) e sim no modo com que desenvolveram um estilo de
pensamento concentrado na busca de justificativas racionais para suas
afirmações. O fato de se voltarem preferencialmente para o mundo natural
é de somenos importância. O crucial é o surgimento do espírito que
assume que o valor do que se afirma é função de como se pode justificar,
por puro exercício da razão ou por meticulosa observação dos fenômenos,
as teorias que elaboramos para explicar o imponente espetáculo do
mundo. (GUERREIRO, 2007 p.p,49-50).

A filosofia, em seu início, partiu do elemento físico, sensível aos sentidos e

entendia que através da physis é que se poderia encontrar a explicação para o

cosmo. Estes homens buscavam o princípio, a base que daria a condição das

demais coisas existir e funcionar com harmonia e ordem.

Embora a filosofia inicialmente tenha se detido em observar o mundo natural

e físico, no fundo estava interessada em chegar ao que torna possíveis as coisas,

através do pensamento racional, buscando fundamentar com argumentos que

contemplassem não o mítico, mas o exercício da razão.


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Nos dias de hoje, onde se tem muitas afirmações científicas sobre o mundo

natural, e não somente sobre a phisis, mas sobre a vida de modo geral, ainda

assim, o homem entende que existem questões que ainda não foram possíveis de

serem explicadas pela ciência; ficando restritas ao campo da especulação.Tais

questões merecem respostas e é nesse momento que a filosofia se apresenta como

o caminho adequado para encaminhar o debate, através da reflexão filosófica.

Mesmo na reflexão sobre a physis, há um aspecto ainda hoje


reconhecidamente “filosófico”: a busca de princípios. A física moderna tem
muito a dizer sobre a formação do universo, e é capaz de reconstituir a sua
história por bilhões e bilhões de anos. Mas quando chega no começo, no
comecinho mesmo de tudo, no ‘princípio’, ai sentimos, a coisa vira
‘filosófica’. (IGLÉSIAS, 2008 p.25)

Neste ponto é interessante perceber que a inquietação filosófica nos ensina

como esta é vital para desenvolver uma busca racional. É um caminho que exigirá

coragem, pois com certeza no momento em que uma nova ideia é colocada

contrapondo-se a idéia vigente, é muito provável que incomode aquelas pessoas

que defendem tal posição.

Para os dias de hoje devemos entender que vale a pena examinar

detidamente de forma racional e rigor filosófico o mundo que nos cerca, pois muitas

coisas chegam até nós apresentada como a ideia mais coerente ou a melhor

posição para se ter e ser seguida, e esta pode não passar de uma ideia que poderá

estar servindo, em alguns casos, para manter o status quo, e beneficiará alguns em

prejuízo de muitos. A filosofia deve ocupar lugar importante na vida da sociedade e

seu ensino passado às pessoas o mais cedo possível, para que aprendam a pensar

originalmente como aqueles primeiros filósofos ousaram pensar.


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1.3- Conceito de Filosofia

O conceito de filosofia pode nos ajudar a pensar sobre os vínculos profundos

que esta tem com o saber e quais as implicações envolvidas para um autêntico

filosofar. Como foi verificado anteriormente, a filosofia tem sua origem na Grécia por

volta do século VI a.C., só que a palavra que designaria este tipo de sábio como

filósofo, surge posteriormente com outro pré-socrático, Pitágoras (570-497 a.C.),

conforme nos diz Bryan Magee (2001, p.15), “ Acredita-se ter sido ele o inventor do

termo ‘filosofia’, e quem primeiro aplicou a palavra ‘cosmo’ ao universo. Sua

influência direta perdurou por gerações”. A palavra filosofia, também de origem

grega, tem seu significado etimológico da seguinte forma: (philos = amigo + sophia =

sabedoria). As palavras que compõem a definição remetem a pensar em um

sentimento virtuoso e intrínseco, ou numa atitude que contempla prazer no

processo de busca do saber. Em sua origem etimológica, filosofia pode ser

entendida como o amor pelo saber, respeito pela sabedoria.

Os termos aplicados são, sem dúvida, termos que denotam virtude e

excelência. Aquele que cunhou esta palavra provavelmente buscava evidenciar a

relação do sábio com o conhecer com a reflexão, com o pensar racional.

Não obstante o fato dos termos que se referem à filosofia a partir de sua raiz

significar o que ama a sabedoria ou amigo da sabedoria, é importante desdobrar

com mais detalhes tal definição para melhor entender seu significado.

A palavra philos teve sua derivação na palavra grega philia que tem como

significado amor fraternal. Mas a partir desses indícios, cabe perguntar o que é esse

amar de maneira fraternal que a filosofia suscita? É sentimento ou ação? É um

sentimento que move alguém na direção de...? Não se pode dizer o que se passava

exatamente na mente e no coração daquele que cunhou o termo filosofia, mas não
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seria absurdo dizer que pensava em algo que se expressa o quão significativo era

essa relação do homem com o conhecimento, com o saber.

Para pensar mais um pouco sobre a profundidade do significado do termo

filosofia, é interessante conhecer o que afirmaram Gilles Deleuze e Félix Guattari:

A sabedoria mudou muito. Tanto mais difícil tornou-se saber o que significa
“amigo”, mesmo e sobre tudo entre os gregos. Amigo designaria uma certa
intimidade competente, uma espécie de gosto material e uma
potencialidade, como aquela do marceneiro com a madeira: o bom
marceneiro é, em potência, madeira, ele é o amigo da madeira? A questão
é importante, uma vez que o amigo tal como ele aparece na filosofia não
designa mais um personagem extrínseco, um exemplo ou uma
circunstância empírica, mas uma presença intrínseca ao pensamento, uma
condição de possibilidade do próprio pensamento, uma categoria viva, um
vivido transcendental. Com a filosofia, os gregos submetem a uma
violência, que não está mais em relação com um outro, mas com uma
entidade, uma objetividade, uma essência. Amigo de Platão, mas mais
ainda da sabedoria, do verdadeiro ou do conceito, Filaleto, e Teófilo... O
filósofo é bom em conceitos, e em falta de conceitos, ele quais são
inviáveis, arbitrários ou inconscientes, não resistem a um instante, e quais,
ao contrário, são bem feitos e testemunham uma criação, mesmo se
inquietante ou perigosa.
Que quer dizer amigo, quando ele se torna personagem conceitual ou
condição para o exercício do pensamento? Ou então amante, não seria
antes amante? E o amigo não vai reintroduzir, até no pensamento, uma
relação vital com o Outro que se tinha acreditado excluir o pensamento
puro? Ou então, ainda, não se trata de alguém diferente do amigo ou
amante? Pois se o filósofo é o amigo ou o amante da sabedoria, não é
porque ele aspira a ela, nela se empenhando em potência, mais do que
possuindo em ato? O amigo seria, pois, também o pretendente, e aquele
de que ele se diria o amigo seria a Coisa que é alvo da pretensão, mas não
o terceiro, que se tornaria um rival? A amizade comportaria tanto
desconfiança com relação ao rival, quanta tensão amorosa em direção do
objeto do desejo.
(...) O filósofo é amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer
que a filosofia não uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar
conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou
produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em
criar conceitos. O amigo seria o amigo das suas próprias criações? Ou
então é o ato do conceito que remete a potência do amigo, na unidade do
criador e de seu duplo? Criar conceitos sempre novos é o objeto da
filosofia. (DELEUZE; GUATTARI, 2007 p.11-13).

A filosofia expressa por si mesma, através de sua definição, o grau de

exigência de sua atividade. Ou seja, a filosofia não é algo para o exercício

enfadonho e corriqueiro como nas relações cotidianas, nos relacionamentos formais

que apenas exigem respostas prontas e superficiais.


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Ao estudar filosofia entende-se que se está interessado em manter um

relacionamento com o saber de maneira profunda não sendo apenas mais um

estudo que se apresenta como interessante, mas algo fundamental na formação da

consciência e do esclarecimento das pessoas.

A relação do filósofo com o exercício da filosofia se pauta pela entrega e

comprometimento com o conhecer e consigo mesmo, em buscar saber das questões

que lhe causam curiosidade e espanto com cuidado e esmero.

(...) uma das características fundamentais a definir o sábio no mundo


antigo consiste neste ir ao encontro da tradição do saber, acercar-se dele
e, o mais importante, construir em relação a essa tradição um certo
envolvimento, como uma espécie de amor. Afinal, no seu sentido
etimológico de amor à sabedoria, filosofia era um nome com o qual os
gregos designavam não só uma atitude diante de si mesmos e do cosmos,
como também um modo de acesso ao todo diversificado do saber. Por ser
um ‘amor’, expressa uma atitude (disposição ou ânimo – páthos) a
construir, uma habilidade que só o exercício poderia, na prática, consolidar
ou definir. (SPINELLI, 2003, p.19).

Seria pretensão querer definir de forma completa ou mesmo em parte, esse

significado que encharca a filosofia, mas se pode entender a palavra filosofia como

algo cunhado por alguém que queria impregnar a atividade de filosofar com um

significado que se transcende a uma prática formal e corriqueira, e mostrasse como

uma busca relevante na direção das respostas.


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CAPÍTULO II – A FILOSOFIA E A CONSTRUÇÃO DE UM PENSAR

AUTÔNOMO

A filosofia nos impulsiona a um pensar com rigor além da superficialidade e

da acomodação, e, na medida em que se aprofunda no filosofar vê-se como ela é

fundamental e como tem implicações diretas com nossas vidas em incontáveis

situações e ações diárias.

A filosofia não é simplesmente um conjunto de saberes sem qualquer relação

com o mundo que vivemos. Antes se constitui em um conhecimento que no seu

desenvolver diário criará as condições adequadas para um pensamento

independente e consciente.

A filosofia é extremamente central para o desenvolvimento integral da mente

e da formação dos jovens. A filosofia tem por característica a abrangência de vários

temas e seu olhar em busca das respostas levará, irremediavelmente, a pensar

sobre questões relevantes da vida e do mundo em geral.

Na medida em que homens e mulheres, são colocados diante de temas

dentro de um enfoque filosófico, serão levados a um esforço no exercício de um

pensar com rigor e criatividade a respeito destes temas que os levarão a um

exercício cognitivo de aprofundamento. Nesse exercício de pensar e repensar tais

temas, esta dinâmica irá propiciar as condições para formação de seu espírito crítico

e proporcionar condições de elaborar autonomamente suas ideias sobre o todo.

A perspectiva singular filosófica de encarar as questões e a sua atitude é o

que diferencia a filosofia dos demais saberes, embora estes também sejam muito

importantes no processo de formação da capacidade intelectual. A atitude crítica,

inquiridora, filosófica diante dos temas que estão postos é que faz toda a diferença.
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Pois bem, a Filosofia é uma das formas de conhecimento. Mas o que a


caracteriza como igual e, principalmente, como diferente das demais?
Talvez possamos dizer que a Filosofia é igual às outras formas de
conhecimento, porque ela é um conjunto de procedimentos da consciência
humana que, ordenados de certa forma, procuram produzir respostas, o
mais garantidas possível, para questões com as quais os seres humanos
se deparam em suas vidas ou para questões que eles se fazem quando se
põem a pensar mais atentamente.
E, talvez, possamos dizer que a Filosofia é diferente das demais formas de
conhecimento, porque ela trabalha principalmente e prioritariamente sobre
certas questões, utilizando uma maneira própria de abordá-las, tendo em
vista produção de respostas que nunca se fecham, porque são
continuamente questionadas.
Certas questões. Há questões que nós fazemos que pedem algo mais que
constatações, descrições, explanações, quantificações, causas próximas.
Elas nos pedem posicionamentos amplos e, ao mesmo tempo,
significativos, de tal forma que nos ofereçam sentidos, quer como grandes
explicações, quer como rumos de vida ou direções. Podemos chamar
esses posicionamentos de referências, de princípios, de significações.
Nós os queremos bem argumentados e, por isso, com plausibilidade de
serem bons explicadores, referenciados e orientadores de nossas
existências. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que eles não são
absolutamente garantidos como verdadeiros. Daí uma busca contínua em
torno deles, com constante reposição e retomada das questões de certa
maneira. A esse movimento desafiador e instigante chamamos
investigação filosófica.
É uma necessidade, profundamente humana, não apenas estarmos
enredados com essas/nessas questões, mas também atentos e
examinativos em relação às ‘respostas’ que lhes são dadas no ambiente
cultural de que sempre fazemos parte. Algumas dessas ‘respostas’ acabam
tornando-se princípios que pautam a forma de condução de determinadas
sociedades e, muitas vezes, de toda uma época, para determinadas
formações sociais. Não que elas venham antes de essas sociedades se
formarem: são produzidas e, de alguma forma, mantidas no próprio
processo de constituição e de manutenção. Elas, as ‘respostas’,tornam-se
princípios orientadores, ou referências, ligadas, sempre, a determinados
interesses que podem não ser os de todos.
É necessário suscitar, muitas vezes, essas questões com que para
melhorá-las, reelaborando-as de forma mais clara. Temos necessidade de
respostas sempre revisitadas e revistas, com fazemos com as próprias
questões. É preciso saber examinar, com atenção especial, as respostas
que sempre aparecem vindas de diversas fontes e – isso é importante –
carregadas de interesses. (LORIERI, 2002. p.p.34-36)

A autora Marilena Chauí comenta sobre as características da filosofia,


características essas que nos conduzirão, inevitavelmente, à consciência que
possibilitará encontrar as respostas e ver a realidade como ela efetivamente é.

A atitude crítica
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer
não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às
idéias da experiência cotidiana, ao que ‘todo mundo diz e pensa’, ao
estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma
interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações,
os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação
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sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo
isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas
são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que
chamamos de atitude crítica e pensamento crítico.

Atitude filosófica: indagar

Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com os quais a


filosofia se ocupa, veremos que a atitude filosófica possui algumas
características que são as mesmas, independentemente do conteúdo
investigado.

Essas características são:

- perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a idéia é. A filosofia pergunta qual


é a realidade ou a natureza e qual é a significação de alguma coisa, não
importa qual;
- perguntar por que a coisa, a idéia ou o valor, existe e é como é. A
filosofia pergunta a origem ou pela causa de uma coisa, de uma idéia, de
um valor.
A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo que nos
rodeia e às relações que mantemos com ele. Pouco a pouco, porém,
descobre que essas questões se referem, afinal, à nossa capacidade de
conhecer, à nossa capacidade de pensar.
Por isso, pouco a pouco, as perguntas da filosofia se dirigem ao próprio
pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há de pensar? A
filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por
ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a filosofia se
realiza como reflexão. (CHAUI, 2000 p.9-12)

Quando as pessoas são levadas simplesmente a repetir tudo aquilo que já foi

institucionalizado ao longo do tempo, e é ensinado que para se ter oportunidade o

homem precisa enquadrar-se à ordem mundial vigente, quando esta ideologia se

instala, a capacidade de pensar de forma livre também vai sendo limitada.

É nesse contexto que a investigação filosófica poderá ter um valor

fundamental para a retomada de uma atitude de reflexão autônoma. Não meramente

passiva intelectualmente ou unicamente financeira, mas uma inquietação que resulte

numa disposição em começar a investigar aquilo que parecia intocável e romper as

barreiras do sectarismo vigente em várias áreas da sociedade.

Através de questionamentos gerados pela reflexão rigorosa, cuidadosa e

responsável é gerado um pensar que, mesmo num contexto de forte pressão e

influência, é capaz de formular suas próprias respostas, não em busca de respostas


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inéditas, mas de respostas que sejam a mais pura representação de seu pensar

consciente.

Somente um saber com características tão significativas propiciará tantas

possibilidades de problematizar as várias questões que se apresentam, através do

diálogo e contato direto com as pessoas e o mundo.

Nesta perspectiva, os autores Renê Silveira e Roberto Goto apresentam de

forma bastante elucidativa uma das características da filosofia:

2. Apresenta um caráter dialógico: ela não se caracteriza como um saber


fechado em si mesmo, uma verdade dogmática , mas como um saber que
se experimenta, que se confronta consigo mesmo e com os outros, que se
abre ao diálogo com outros saberes, um saber aberto e em construção
coletiva; (SILVEIRA; GOTO; 2007 p.22).

Esta característica marcante da filosofia possibilita essa reflexão comunitária,

embora não seguindo o senso comum, mas também não o despreza. Esta dinâmica

constrange a um movimento para frente em busca não da verdade de uma só

pessoa, mas a verdade como fruto de um pensar plural provocado pela curiosidade

e pelo desejo de aprimoramento, em cuja progressão, a pessoa vai sendo

esclarecida sobre o mundo. E, por mais paradoxal que possa parecer, esta pessoa

vai agora, diante desta revelação de caráter dialógico, gerando as suas ideias de

maneira autônoma.

A filosofia já no seu início demonstra uma de suas características

fundamentais, que é a necessidade das pessoas aprenderem a pensar por si

próprias, pois no mundo sempre haverá muitos fatores que interferirão sobre a

nossa maneira de pensar e influenciarão na capacidade de perceber o mundo e

entendê-lo corretamente. O filosofar nos remete a um aprofundamento de ideias que

culminarão com a autonomia de pensamento, e se não houver consciência dessa

realidade e busca à reflexão coerente, através de procedimentos que ajudem a

caminhar no esclarecer das múltiplas questões que se apresentam, as pessoas


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sempre estarão correndo o risco de serem não reflexivas, e pior, de serem

manipuladas.

É nesse cenário que se faz necessário trazer a filosofia e levá-la até as

pessoas e iniciá-las desde crianças para o aprendizado da filosofia.

Os PRIMEIROS FILÓSOFOS fizeram de uma vez só duas grandes


rupturas com o passado. Em primeiro lugar, tentaram entender o mundo
com o uso da razão, sem recorrer à religião, à revelação, à autoridade ou à
tradição. Isso, por si só, foi algo totalmente novo e um dos mais
importantes marcos no desenvolvimento humano. Mas ao mesmo tempo
eles ensinavam outras pessoas a usar a própria razão também e a pensar
por si mesmas. Assim, nem sequer esperavam que seus próprios
discípulos concordassem necessariamente com eles. Foram os primeiros
mestres a não tentar transmitir um corpo de conhecimento puro e intacto,
inviolado; ao contrário, encorajaram seus discípulos a discutir e
argumentar, a debater, a propor idéias próprias. (MAGEE, 2001 p.12).

A filosofia tem como fundamento instruir para que as pessoas tenham

condições de por si próprias formular suas ideias e contrapô-la a outra, e, então,

decidir qual a melhor.

2.1- A Filosofia como Ferramenta para Entender a Realidade

Antes das pessoas terem condições de pensarem de forma autônoma e

significativa, tendo condições de decidir sobre qual é a melhor postura a ser tomada

ou qual a melhor resposta, é necessário que possuam de antemão condições de

entender a realidade em que se encontram no seu contexto.

A filosofia tem uma grande colaboração nesse processo de ajudar a levar as

pessoas, e, de modo particular, as crianças e jovens que são mais vulneráveis a

essa ação influenciadora dos vários interesses existentes, de através do exercício

aplicado da reflexão profunda perceberem o mundo e a realidade em si.

O homem busca meios para tentar entender a si próprio, o mundo físico e o

além físico. A filosofia apresenta-se como uma ferramenta diferenciada para


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encaminhar as pessoas a iniciarem-se nesse processo que não tem fim, e

aperfeiçoarem-se nessa jornada de investigação.

Para se pensar o mundo é fundamental o questionamento e uma disposição

para refletir a respeito de questões importantes tais como: a sociedade, liberdade,

justiça, ética, religião entre outros temas. Na medida em que através do exercício

lógico da razão as crianças e jovens forem sendo instruídos a através de um pensar

rigoroso sobre tais questões a questionarem o porquê da realidade e o motivo pelo

qual esta permanece, as respostas começarão a surgir e estas levarão a outras

perguntas que irão aprofundar o pensar.

Esse processo é eminentemente filosófico e essa dinâmica constitui-se numa

verdadeira investigação em busca das respostas que irão possibilitar construir nossa

posição sobre a realidade em que estamos inseridos e então direcionar nossas

ações.

E talvez, possamos dizer que a Filosofia é diferente das demais formas de


conhecimento, porque ela trabalha principalmente e prioritariamente sobre
certas questões, utilizando uma maneira própria de abordálas, tendo em
vista produção de respostas que nunca se fecham, porque são
continuamente questionadas. (LORIERI, 2002, p.35).

As crianças e jovens poderão ser iniciadas nesse processo de investigação

rigorosa para que tenham condições de entender a realidade em que vivem. Quando

a criança passa a ter contato com a filosofia começará a construir um conhecimento

que a ajudará a crescer fazendo as perguntas certas e saber quais as respostas

corretas.

Através do ensino da filosofia as crianças serão conduzidas a perceber

através do rigor filosófico, situações que até então não haviam percebido, e que

mesmo muitos adultos não conseguem perceber por não terem sido instruídos a

pensar sobre a relevância de tais questões. As crianças devem ser estimuladas a

pensar e descobrirem a importância de serem pessoas conscientes e lúcidas, para


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que tenham condições de entender a realidade da qual fazem parte, e isso só

poderão alcançar mediadas pela educação filosófica de qualidade.

Em virtude disso é fundamental que o ensino de filosofia seja oferecido as

crianças e aos jovens em suas escolas para que estas quando chegarem a idade

adulta estejam preparadas para entenderem o mundo de forma inteligente e

coerente.

2.2- A Filosofia como Ferramenta para Levar a uma Ação Coerente

Na medida em que uma determinada sociedade começa a refletir e a

perceber que o modelo de sociedade em que vivem não esta mais adequada á sua

realidade, e não representa mais o que estas desejam como modelo de sociedade,

as pessoas serão constrangidas a expressar essa insatisfação, e esse seu

expressar será consequência de uma constatação mediada por uma reflexão crítica.

Sem reflexão filosófica significativa a sociedade corre sérios riscos. Uma das

maneiras mais eficazes utilizadas para manter um estado de letargia social, sem que

as pessoas se insurjam ou questionem suas realidades e vivam de maneira

controlada, é programar ações que as levem a se convencerem que a realidade em

que vivem é a melhor que se poderia ter dentro das condições existentes. Tal

postura é abortar toda e qualquer ação ou mecanismo que leve as pessoas à

reflexão e crítica sobre a realidade.

Essas questões estão postas diante das pessoas e não se pode negligenciá-

las, pois se estes temas não forem pensados pelas pessoas que fazem parte desta

sociedade e debatidos por todo o seu conjunto, inclusive em seus órgãos diversos

de representatividade, ou mesmo de maneira mais individual, pode ser que outras

pessoas decidam em seu lugar.


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Na medida em que as pessoas levam suas vidas sem a devida consciência,

elas poderão repetir práticas e aceitar conceitos que poderão ser determinantes para

o estabelecimento de um modelo social em que estas venham a conviver com

determinadas práticas e ideias geradas em função de não terem examinado com o

devido cuidado suas próprias ações, conceitos e atitudes, e a consequência poderá

ser o prejuízo da sociedade.

Uma atitude inteiramente passiva, com forte tendência ao senso comum faz

com que a sociedade perca e não se desenvolva plenamente em todas suas

potencialidades e possibilidades. Quando essa atitude ocorre o ambiente não será

propício ao aperfeiçoamento, fazendo com que se consolide uma sociedade

acomodada, conformada e comandada ao bel prazer de interesses, sejam eles

comerciais, políticos, religiosos ou qualquer outro interesse.

Ora, numa sociedade em que as explicações estão todas prontas, onde as


normas são aceitas sem discussão, a tendência é estagnar. As alterações,
inevitáveis em qualquer comunidade humana, ficam por conta de fatores
externos: mudanças climáticas, cataclismas, guerras, invasões... Mas lá
onde há questionamento de tudo existe um princípio interno de
transformação, e existe a permanente possibilidade da mudança.
(IGLÉSIAS, 2008, p.17).

Cada prática desta sociedade deve ser alvo de questionamentos e reflexões

para se ter condições de averiguar se esta está sendo a protagonista ou está sendo

conduzida a um modelo de vida já pronto. E, então, concluir se este caminho é o

mais adequado, sendo coerente com seus conceitos e ideias, fruto de uma

capacidade de interpretar e entender o mundo ao redor, e não somente o mundo,

mas a si próprios.

Uma das ações que no Brasil foi implementada no período militar e que

demonstrou de forma prática como a reflexão filosófica é vital, foi o fato da retirada

dos currículos escolares do ensino médio, das disciplinas de filosofia e sociologia.

Sem dúvida, essas disciplinas, principalmente a filosofia, por tratar de questões de


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uma maneira mais holística, possibilitam o aprofundamento dos debates e reflexões

em vários temas e que resultariam em conclusões mediante reflexão, que poderiam

ir de encontro aos interesses do poder estabelecido, no caso, o governo militar, e

resultar em ações concretas no sentido de mudar tal situação.

Essa ruptura, portanto, principalmente com a disciplina de filosofia, trouxe

consequências sérias na formação do caráter crítico dos jovens estudantes e das

pessoas de um modo geral, permitindo a instalação de um estado de

empobrecimento intelectual e a falta da capacidade de discernir as nuances da vida

dentro da sociedade.

No momento em que a formação intelectual dos alunos ficou comprometida,

através da retirada da disciplina filosofia das salas de aulas, sua capacidade de

indignar-se com a situação imposta foi afetada, e, por conseguinte, sua condição de

intervir de maneira consciente para mudança e melhora da sociedade.

Uma questão que também foi sendo disseminada e estabelecida na

sociedade foi a afirmação de que a filosofia não tinha espaço no mundo de hoje

como tinha no passado. Com a chegada do progresso e o avanço tecnológico era

necessário o aperfeiçoamento técnico da mão-de-obra para desenvolver o país. Os

interesses políticos e comerciais se sobrepuseram a qualquer outra perspectiva que

não fosse a permanência desse pensamento político vigente.

A relação entre filosofia e educação ficou obliterada em vários momentos


de nossa história e, de modo especial, da história do pensamento
pedagógico brasileiro. Isso de deveu, em parte, por razões de ordem
teórica e, no mais das vezes, pela conjugação desses dois fatores. Grupos
políticos dirigentes não se resguardaram em esconder seu receio contra o
poder crítico que o pensamento filosófico poderia exercer quando
direcionado à reflexão do processo formativo-educacional de novas
gerações. Por isso, não vacilaram, com suas decisões políticas, em
afastarem a filosofia de currículos e planos político-educacionais. Essa
forma de pensamento ganhou legitimidade, por sua vez, no interior das
instituições de ensino pela ‘força de mercado’, que faz a formação
pedagógica diluída nos currículos de planos de ensino se curvarem cada
vez mais à lógica profissionalizante de qualificar o maior número de
pessoas (mão-de-obra) com o menor custo e espaço de tempo possíveis.
35

Esse pensamento também se fortaleceu pelo espírito corporativista dos


próprios professores, que os leva a proteger sua disciplina e o seu espaço
sem levar em conta, em muitas situações, a devida responsabilidade
acadêmica. (DALBOSCO; CASAGRANDA; MÜHL, 2008, p.1).

Mas nem somente o poder das armas é o que vai determinar qual será o

caminho que se deseja que a maioria siga. Existem outras formas de manipulação

das massas que são determinadas pela instrumentalização das pessoas com vistas

à obtenção de lucros.

A ganância e o lucro tornam-se mais importantes do que o ser humano. O

mercado determina quais as prioridades a serem estabelecidas numa sociedade

cada vez mais hedonista e consumista.

A filosofia nos remete a um sentimento de necessidade de denunciar as

formas de dominação que levam o homem a uma vida limitada e infeliz. Este

sentimento é fruto de uma constatação da realidade através de um pensar crítico.

No mundo de hoje, segue-se o curso que no passado foi-se estabelecido por

aqueles que detinham a capacidade de convencimento, por meio de suas

argumentações, filosóficas inclusive, e suas consequências foram inevitáveis,

cabendo, então, a busca e tomada de decisão para um modelo novo que coloque

esta sociedade nos trilhos da solidariedade, educação e ética.

A reflexão filosófica confrontará inclusive as próprias proposições que foram

feitas por ela própria, além disso, ter humildade de reconhecer onde houver erros,

acertá-los, para prosseguir a propor novas e aperfeiçoadas ideias, para ajudar a

alcançar tempos melhores para todos.

Sobre tal questão, a citação abaixo ilustra os possíveis desdobramentos da

ausência de um pensamento crítico, inclusive, sobre um discurso dito racional:

O terceiro elemento que merece lembrança é o da confiança quase


ilimitado que esses pensadores modernos e iluministas depositaram na
capacidade da razão humana de superar os dilaceramentos cruéis em que
estava imersa a sociedade de seu tempo. Fiéis ao grande projeto moderno,
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julgavam que, uma vez separado o campo laico do religioso e garantida a


liberdade de consciência de todos, seria possível superar os conflitos
sociais e alcançar uma sociedade mais livre, justa e tolerante.
No entanto, e esta é a última observação, o futuro que aguardava o homem
e a sociedade não seria tão luminoso. Desembaraçada de suas
determinações religiosas, a razão passa a ser definida, cada vez mais, em
termos exclusivamente funcionais. Consagrando-se unilateralmente à
busca do conhecimento seguro e exato mediante o uso de métodos
experimentais, amparados na lógica matemática, a razão fragmentou sua
totalidade, privilegiando apenas a sua face funcional e instrumental.
Orgulhosa de sua eficiência e produtividade, colocadas a serviço do
sistema político e do mercado, a razão torna-se insolente, arrogante e
integrada ao poder. Perde a sua capacidade de indignar-se e de resistir às
injustiças, discriminações e intolerâncias que hoje literalmente dilaceram o
corpo social.
O mundo contemporâneo, tal como se apresenta aos nossos olhos, é a
manifestação ostensiva de uma carência fundamental dos rumos que a
modernidade escolheu: a perda da solidariedade social. A razão, que
insiste na sua autonomia, precisa reaprender o caminho de suas
limitações, deixar de fingir-se de cega ante o cenário de sofrimento e
intolerância e, tornando-se mais humilde, recuperar o seu potencial crítico.
(DALBOSCO; CASAGRANDA; MÜHL, p.p.177-178).

Dentro de um cenário cada vez mais tempestuoso, a contribuição da

educação é fundamental para desencadear uma reforma curricular que privilegie a

filosofia, onde esta ocupe papel relevante, para dar as crianças e jovens condições

necessárias para alçar vôos reflexivos, sem medo ou patrulhamento. Para que isso

ocorra, o papel do educador é importantíssimo no ensino básico, pois será

estratégico e insubstituível como agente que facilitará o desenvolvimento de uma

relação significativa dos jovens com a filosofia, trazendo-a para o dia-a-dia desses,

tornando-se parte de seu caráter, de modo a repercutir por toda a sua vida.

Como já mencionado anteriormente, a filosofia tem a característica de

considerar o todo em sua reflexão e não se restringe apenas a um único ponto, e

para alcançar as respostas, lançará mão de todas as pontes possíveis com o intuito

de um aperfeiçoamento que culmine num espírito crítico e reflexivo.

No momento em que se decide tomar uma posição e agir no sentido de

melhorar a sociedade de uma maneira geral, é necessário o esclarecimento, pois a

ação desprovida de significado somente para realizar a vontade de terceiros, nada

mais é do que servidão. A escola, usando as ferramentas adequadas, dentre elas, o


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estudo da filosofia, contribuirá para a formação de pessoas conscientes, capazes de

refletirem, sendo mediados nesse processo por docentes que os encaminhem desde

o ensino básico a entenderem sua importância nesse processo. É o caminho mais

seguro por onde se deve começar.

As afirmações de Matthew Lipman enriquecem nessa perspectiva da

originalidade da filosofia na contribuição de encontrar as respostas que se busca e,

muito mais do que isso, de como se proceder diante da própria vida.

Os melhores físicos, historiadores e professores de inglês não estão


preocupados, apenas, em injetar seu conhecimento nos estudantes. O
melhor historiador não está preocupado, unicamente, em gerar estudantes
que saibam história, mas em produzir, como parte dessa educação,
estudantes que pensem historicamente; nem o historiador enquanto
historiador nem o educador enquanto educador estão equipados para
superar sua especialidade e decifrar os objetivos da educação. Por outro
lado, é da própria natureza da filosofia transcender os pontos de vista das
disciplinas específicas, ser interdisciplinar e, ainda, ter um senso global de
proporção que a coloca numa posição melhor para formular aqueles
objetivos. Não é que os filósofos ao reivindicarem essa prerrogativa
estejam se apropriando de um privilégio para o qual não tenham pretensão
legítima; pelo contrário, quando os especialistas em educação e os
representantes das disciplinas tentam formular os objetivos da educação,
só podem fazê-lo tornando-se filósofos.(LIPMAN, 1988, p.55).

Pensando nessa qualidade inerente à filosofia, de transcender a questões

específicas de outras disciplinas, denota sua importância, mas para que isso se

cumpra de maneira efetiva nas vidas dos jovens educandos é fundamental se

repensar a docência com o objetivo de introjetar nas vidas desses alunos conteúdos

que serão verdadeiramente fundamentais na construção dessa capacidade de

transcender o tradicional e os levem a efetivamente filosofar.

Para que a filosofia se torne algo possível no cotidiano dos educandos e que

estes levem este aprendizado para o resto de suas vidas, é fundamental voltar os

olhos para aquele que estará diretamente lidando com os alunos, o docente. E

nesse momento há que continuar a pensar uma pedagogia no sentido de elaborar e

executar esse projeto de forma significativa para todos envolvidos no processo.


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A centralidade da implementação de um modelo educacional que considere a

formação do aluno de forma integral e pensante é vital e urgente. O ensino não deve

consistir apenas na formação de pessoas para o mercado profissional.

Essa urgência se conclui de forma clara e ela se dá através de um processo

reflexivo e crítico a respeito da vida nos dias de hoje e de como as pessoas tem feito

suas opções, e quais são os seus valores e o que ocupa maior espaço em sua

escala de importância.

Esse modo de vida superficial, individualista e consumista pode levar as

pessoas a frustrações e à valorização maior do ter do que a do ser.

A filosofia não é a redentora da humanidade e não irá transformar a realidade

do mundo perverso em que vivemos, e ela não se propõem a isso. Mas através do

pensar constante e profundo a respeito de tudo que nos rodeia, poderemos enxergar

respostas que não tínhamos visto até então, pelo simples fato de não tê-las

formulado e talvez isso leve a uma ação aperfeiçoadora dessa sociedade. As

respostas obtidas também ajudará a enxergar nossa trajetória e poder vislumbrar o

futuro que nos aguarda em função de nossas escolhas.

É de grande valor ir ao encontro de uma educação crítica e reflexiva, que faça

diferença para transformação das realidades, pois só através do esclarecimento e do

aprendizado permanente é que as pessoas terão condições de se posicionarem

frente a uma sociedade que não satisfaça as expectativas e aspirações de liberdade,

igualdade e respeito. O que se conclui é que a filosofia no processo educacional é

algo que só levará ao amadurecimento das pessoas de maneira individual e como

sociedade.

A educação, enquanto voltada para si mesma e para o outro, abre um


processo de crítica e de autocrítica que as ciências não tem condições de
assumir de modo radical. A filosofia da educação, assim delimitada, sem
um objeto próprio, ideológica e economicamente definido, constitui seu
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objeto no ato de filosofar. Nada mais educativo do que a própria


experiência de filosofar.( DALBOSCO; CASAGRANDA; MÜHL, 2008, p.21).

O filosofar como proposta para uma filosofia educacional é uma opção que

poderá produzir frutos benéficos para a sociedade, pois na medida em que os jovens

aprenderem a pensar certo saberão agir certo como fruto desse pensar. (FREIRE,

2002).
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CAPITULO III – UM ENSINO FILOSÓFICO SIGNIFICATIVO QUE

PRIVILEGIE O PENSAR

O ser humano tem a capacidade de, ao longo da sua vida, desenvolver suas

habilidades e buscar diariamente o aperfeiçoamento de suas potencialidades, visto é

que é inerente ao homem a busca por conhecer e entender o mundo que o cerca. A

busca do conhecimento é parte intrínseca da caminhada do homem, ou seja, é algo

indissociável de sua natureza.

O processo que acontece dia após dia em busca do conhecimento vai

possibilitando sua interação com o meio. Na medida em que esse processo se

desenrola de maneira natural, primeiramente através do relacionamento da criança

com a família, suas faculdades cognitivas vão sendo desenvolvidas.

Ao crescer, a criança segue conhecendo e interagindo com o mundo e as

pessoas, e sua base intelectual vai sendo construída sistematicamente. Esta base

dá suporte para que, de maneira progressiva, ocorra o desenvolvimento da

capacidade de aprendizagem, propiciando então, a formação de suas ideias sobre o

mundo ao redor e sobre si mesma.

Com seu desenvolvimento, a criança passa a tomar consciência do mundo

em seus vários aspectos: sociais, políticos, religiosos, entre outros. Desde sua tenra

idade, ela já começa a fazer suas escolhas e compreendendo sua importância no

meio em que vive e qual a sua participação nele. Sempre movida pela sua

curiosidade, a criança vai se familiarizando com o todo em que se encontra, e seu

pensamento à respeito da realidade em que vive, vai tomando corpo.

Como já mencionado, essa trajetória de aperfeiçoamento, tem seu início na

mais tenra idade. É importante perceber que esse processo poderá ser
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encaminhado de maneira adequada ou não, dependo das variáveis que estiverem

incidindo sobre essa criança, tais como: estrutura familiar, condição econômica,

educação adequada, etc.

A educação filosófica poderá possibilitar ao jovem ter condições de desde

muito cedo perceber questões fundamentais e ajudar a encaminhar de maneira

adequada essa jornada de aperfeiçoamento. Sobre isto nos ensina o filósofo John

Dewey (2007, p.82), “Nesse ponto, revela-se a intima ligação entre filosofia e

educação. De fato, a educação oferece uma base favorável para penetrar a

significância humana das discussões filosóficas, que é distinta da significância

técnica”.

Diante de tão relevante posição, a filosofia não pode ser vista como um

amontoado de conceitos difíceis e distante, mas deve ser considerada como algo

com utilidade prática. Em função disto, o seu estudo poderá se tornar muito

importante, pois a filosofia tem implicações diretas com inúmeros aspectos do viver

diário.

No entanto esse processo é bastante delicado e deverá ser o mais preciso

possível, e para que isso ocorra a participação do aluno será muito importante. Sem

a devida preocupação esse processo pode ser prejudicado e até interrompido,

tolhindo os jovens de terem a oportunidade de uma formação profunda e de

qualidade, onde se possa aprender a pensar de forma rigorosa e autônoma.

Quando tais preocupações não são levadas em conta, as crianças ao se

tornarem em adultas serão simplesmente repetidoras de pensamentos e modelos

vigentes. Tal resultado será consequência de uma ação educacional que não

estimulou a curiosidade e a descoberta a respeito das coisas, mas antes bloqueou

esta curiosidade inata.


42

O psicanalista e filósofo Rubem Alves nos leva a uma reflexão interessante:

Lembrei-me da afirmação com que Aristóteles inicia a sua Metafísica:


‘Todos os homens têm, por natureza, um desejo de conhecer: uma prova
disso é o prazer das sensações, pois, fora até de sua utilidade, elas nos
agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais.’.
Acho que Aristóteles errou. Isso não é a verdade dos adultos. Os adultos já
foram deformados. Acho que ele estaria mais próximo da verdade se
tivesse dito: ‘Todos os homens, enquanto crianças, tem, por natureza,
desejo de conhecer...’.
Para as crianças o mundo é um vasto parque de diversões. As coisas são
fascinantes, provocações ao olhar. Cada coisa é um convite. (ALVES, 2005
p.10).

A afirmação do filósofo Rubem Alves de que os adultos já foram deformados

em seu desejo de conhecer, nos mostra como algo que deveria ser usado para ser

um instrumento valioso para construir pessoas com apetite para conhecer, pode

desviá-las desse caminho do conhecimento movido pela curiosidade natural das

crianças.

Esse processo de educação padronizada institucional, que não privilegia

desenvolver essa capacidade natural da criança de buscar saciar sua curiosidade,

mas estabelece o que ela deve efetivamente conhecer, pode decretar a sentença de

sua anulação intelectual, pois a levará não ao saciar de sua fome natural, mas a um

adequamento ao padrão vigente, que é o de repetir sem questionar ou pensar.

Segundo o próprio Rubem Alves, esse processo de estragar o homem inicia-

se desde cedo a partir do momento que a escola o leva a conformar-se com o

padrão estabelecido onde o pensar dá lugar ao decorar, e não consideram

adequadamente os educandos como pessoas únicas, e com suas características

individuais que merecem ser respeitadas. Em função desse fato, seu desejo de

conhecer cede à obrigação de aprender ou a fazer o que se pede, e muito do que se

tem de aprender efetivamente não é aprendido, mas, decorado, e esse modelo não

ajudará a construir uma relação significativa com os saberes passados a ela e desde
43

cedo o aprendizado passa a ser uma experiência dolorosa e sem significância em

sua via.

As conseqüências disso na vida das pessoas podem ser drásticas e são

capazes de, inclusive, determinar o rumo de uma nação, na medida em que as

pessoas passam a não mais buscar o que verdadeiramente interessa, mas a cumprir

aquilo que lhe foi incutido em suas mentes que deveriam cumprir para serem aceitos

no mercado atual, e o fato é que se deve amoldar-se ao padrão vigente, tornando

uma perspectiva de melhora e aperfeiçoamento como algo quase que inatingível por

não saberem o que fazer por não terem pensado uma alternativa.

É fundamental atentar que dentro de uma sociedade todos de certa forma são

atingidos pelas influências que vêm de todos os lados, e no caso de considerar os

alunos em suas preferências é fundamental saber que esta preferência pode ter sido

motivada por influências que justamente se desejava evitar. Pode ocorrer que aquilo

que interessa ao jovem pode não ser verdadeiramente relevante, mas ainda assim é

fundamental considerá-los. Nestas condições o papel do docente é central, pois ele

será quem ajudará ao aluno a encontrar o caminho para o pensar certo. (FREIRE,

2002).

Quando as pessoas são levadas a simplesmente repetir tudo o que já foi

institucionalizado e que os saberes ensinados são dados como inquestionáveis e

nãio há espaço para a crítica, esta sociedade corre riscos. Quando tudo que se

busca é um ensino que o resultado final é única e exclusivamente para o

preenchimento de uma vaga no mercado de trabalho, a capacidade de pensar

criativo vai sendo limitada. Quando o pensar de forma diferente do modelo vigente

passa a ser sinônimo de anacronismo e até de desajuste psicológico, esta

sociedade está num momento extremamente difícil.


44

A investigação filosófica poderá ter um valor fundamental para retomada de

uma atitude não meramente passiva intelectualmente. É preciso despertar uma

inquietação que resulte numa disposição em começar a investigar aquilo que parecia

intocável e ir rompendo as barreiras do sectarismo, para ampliação do conhecimento

e para uma formação mais integral da pessoa, em especial dos jovens, dentro do

ensino fundamental, de maneira inicial nas turmas de 6º ano nas escolas brasileiras.

O estudo da filosofia pode ajudar a promover o aprofundar-se nos temas das

demais disciplinas que fazem parte do currículo escolar, aplicando as características

do filosofar ao aprendizado dessas disciplinas. Na verdade bom seria aprender a

levar essa atitude como uma postura de vida no seu dia a dia.

A formação de pessoas para que tenham capacidade de pensar de forma

autônoma, que pensem por si mesmas, e saibam fazer suas escolhas baseadas em

princípios e conceitos éticos que valorizam o próximo e o meio ambiente, é algo que

contribuirá para o aperfeiçoamento de sociedade. Ter acesso a um ensino relevante

é um direito que deve ser instaurado o mais cedo possível, pois desenvolver suas

potencialidades cognitivas desde criança com o auxilio da filosofia será determinante

para o seu futuro. Sobre tal questão Lorieri afirma:

Todos os seres humanos têm o direito de decidir os rumos das suas vidas.
Também crianças e jovens têm esse direito, como cabe-lhes o direito de
aprender a dominar o uso das ferramentas intelectuais que lhes
possibilitem as decisões. Têm o direito de ser educados para a autonomia.
Nesse sentido, uma iniciação filosófica relativa aos bons procedimentos do
filosofar deve ser iniciada quanto antes (LORIERI, 2002, p.43).

As escolas e as famílias não podem ficar alheias a esta realidade. Será

fundamental o engajamento no sentido de providenciar uma escola e uma docência

que valorize o pensamento autônomo que trate de questões que são pertinentes a

filosofia, “É improvável que as crianças possam ser ensinadas a se envolver em

investigação ética fora do contexto da filosofia, pois a ´´ ética é parte da filosofia ...”.
45

(LIPMAN,1990, p.91). E para que isso ocorra, não será a implantação de leis que

fará acontecer, independe de condições externas, basta conscientização da

importância dessa prática na sociedade atual.

Do mesmo modo, a razão da criança é impotente se faltarem as condições


que alimentam a reflexão e que, por sua vez, respondem a ela. Se a
escola, a família, o professor e o currículo não cultivarem o pensamento e
não o tratarem devidamente, a probabilidade de a criança ser capaz de
desenvolver em raciocínio ético é bastante remota (LIPMAN, 1990, p.95).

3.1- Filosofia e Seu Ensino Numa Docência Participativa

Sendo a filosofia um instrumento para formação de um pensamento

autônomo, será muito interessante que a docência, em sua prática diária,

comprometa-se consigo mesmo no propósito de não realizar esta prática numa

perspectiva de indiferença ao discente.

É fundamental que haja consciência do professor de sua importância na

possibilidade de ajudar a formar esse aluno em uma pessoa que valorize não só a

filosofia, mas a atitude filosófica, e sinta-se estimulada a expressar essa mesma

atitude em sua vida, ou seja, uma atitude reflexiva, rigorosa, ética e coerente. Seria

relevante também nesse processo que o professor pudesse colocar-se de maneira

pedagógica com seu exemplo de coerência compatibilizando o seu discurso com

sua prática.

A coerência deve ser um exercício diário para que a docência não seja

apenas o cumprimento de uma mera atividade profissional ou programa a ser

desenvolvido sem qualquer compromisso com aqueles que ali estão.

Sobre prática e discurso Freire nos ensina:

1.6 - Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo

O professor que realmente ensinar, quer dizer, que trabalha com conteúdos
no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula
farisaica do “faça o que eu mando e não o que eu faço”. Quem pensa certo
está cansado de saber que as palavras a que falta corporeidade do
exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo.
46

Que podem pensar alunos sérios de um professor que, a dois semestres,


falava com quase todo ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia
das classes populares e, dizem que mudou, faz discurso pragmático contra
os sonhos e pratica a transferência de saber do professor para o aluno?
Que dizer da professora que, de esquerda ontem, defendia a formação da
classe trabalhadora e que, pragmática hoje, se satisfaz, curvada ao
fatalismo neoliberal, com o puro treinamento do operário, insistindo, porém,
que é progressista?
Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar
de desfazê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao
mesmo tempo pergunta ao aluno se “com quem está falando”.(FREIRE,
2002, p.16).

Por outro lado é fundamental que a participação do professor seja cuidadosa

no sentido de não forçar ou induzir o aluno a assumir um pensamento ou uma idéia

sem que esta seja fruto de reflexão rigorosa e livre. O Aluno deve ser estimulado a

refletir e desenvolver uma atitude crítica, para que tenha condições de avaliando e

pensando, tenha condições de elaborar suas próprias idéias e fazer suas próprias

escolhas, aprendendo quais as implicações dessas mesmas escolhas.

A dinâmica do exercício da docência tem muitas variáveis importantes que

interferem diretamente na vida dos alunos e que terão reflexos no resultado final. O

professor precisa estar seguro quanto a suas posturas e preparado para tal

atividade. O texto abaixo mostra algumas dessas situações que estão presentes e

devem ser consideradas:

Dar o seu parecer pessoal ou omitir qualquer juízo pessoal, desistir de


continuar uma questão em prol da obediência aos programas ou não,
responder com novas questões ou abreviar com uma resposta
interpretativa, são exemplos de grandes questões que se colocam a este
professor; variando na percepção de agente de ensino-aprendizagem, este
mediador terá êxito ou inêxito, sob pena de não poder corrigir maus efeitos
no aluno. Muitas vezes se considera este trabalho pedagógico-didático com
a metáfora de trapezismo, não é nada inusitada a expressão, neste
contexto, Segundo Paulo, o professor de filosofia tem de realizar várias
equilibrações, tais como, entre a submissão aos programas oficiais e a
liberdade de ensinar a filosofar, entre o cognitivo e o sócio-afectivo, entre a
aula distante do mestre iluminado e o faz-de-conta da conversa de café,
entre a informação em excesso e a repetição entediante, entre conteúdos e
vivências dos alunos.
Em geral, nos professores encontramos a convicção de que para o
exercício rigoroso do ensino da filosofia se dê, é necessário além de
pressupostos de uma boa formação científica, uma concepção decisiva do
que é a filosofia para si e do que compreende para o seu ensino: ‘Em jogo
começa por estar a relação do próprio ensinante com a filosofia’. E alguns
47

vão mais longe dizendo: ‘ O professor que não se assume como filósofo
não tem a menor chance de ensinar filosofia’. (SOUSA, p.p45-46).

A docência é uma atividade que tem como proposta ajudar a formar o aluno

de maneira que ele seja capaz de seguir em sua vida em condições de continuar

aprendendo. A atividade do professor de filosofia deverá desencadear uma relação

que propiciará um compartilhar de ideias e experiências que terão influência sobre a

vida tanto deste como principalmente do aluno.

A ação educativa deve ser planejada no sentido de aproveitar a boa influencia

que o professor naturalmente exerce sobre o aluno, para provocar no mesmo, o

desejo de aprofundar-se na reflexão, na pesquisa dos temas, no gosto pelo debate e

compartilhamento de suas idéias.

Outra questão a se considerar, é que a vida educacional tem como base o

relacionamento e na medida em que essa dinâmica ocorre não há dúvidas que tanto

aluno como professor levará consigo um pouco do outro.

Sobre este assunto Lorieri nos leva a refletir:

Há uma relação de troca constante entre o nosso ‘eu próprio’ e as relações


de dentro das quais emergimos. Essa relação é dialética `a medida que
nem eu nem o ambiente relacional de que faço parte permanecemos
sempre os mesmos:à medida que cada um vai sendo, o outro se modifica
por este vir a ser constante de cada um. Há sempre uma intervenção do eu
de cada um no conjunto das relações (no ambiente, podemos dizer) e uma
intervenção do conjunto dessas relações em cada eu. Em toda relação, há
intervenção de um pólo e vice-versa. Toda relação é interação. Pode até
haver a acolhida ou a repulsa da intervenção: em qualquer dos dois casos,
porém, a marca da intervenção relacional ficará.
A ação educativa é sempre uma relação. É sempre uma interação. Nela há
sempre uma intervenção que deixará sua marca, tendo sido acolhida ou
não por qualquer um dos pólos da relação.
No caso da relação professor-aluno, por ser uma interação, há sempre
intervenções de ambos os lados: o professor oferece uma intervenção e os
alunos oferecem suas intervenções ao professor. Ambos os lados deixam
marcas um no outro. Se a intervenção não é acolhida, a marca pode ser a
repulsa, a mágoa, o desprazer; pode ser atitudes de fuga, raiva; pode ser o
desejo de não repetir a relação; etc. Se a intervenção for acolhida, algum
resultado diferente ou a mais, dos que acima foram apontados, pode
ocorrer. Mesmo havendo, por exemplo, um desprazer na relação, pode
haver uma acolhida de alguma influência para que se faça algo que não se
sabia fazer ou para fazer algo de forma diferente. Mesmo havendo raiva,
pode-se acolher a intervenção para pensar de forma diferente.
Porém, se houver prazer na relação, se houver simpatia, é possível que
certas intervenções sejam acolhidas de maneira ainda mais intensa e
48

provoquem mudanças mais significativas. Pode, também, haver prazer e


simpatia, e uma intervenção não ser acolhida.
Essas considerações indicam-nos várias coisas: 1) há sempre
conseqüências das relações professor-aluno; 2) é possível pensar
(planejar) intervenções e executar ações para que, nas relações professor-
aluno, as intervenções pensadas resultem nas consequências esperadas;
3) é possível que alunos recusem as intervenções pensadas e realizadas
pelo professor e é possível, também, que eles não as recusem; 4) é
possível que o professor execute ações adequadas para provocar as
consequências desejadas e vice-versa, (LORIERI, 2002, p.p.125 a 127).

3.2- A Importância de Temas que Propiciem Reflexão Filosófica

A proposta de trabalhar temas filosóficos que estejam relacionados com o dia

a dia das pessoas deverá ser levado em conta quando estes forem escolhidos, mas

existem conteúdos que deverão fazer parte do currículo pois são temas relevantes e

portanto merecem ser apresentados aos jovens.

O conteúdo que será trabalhado deverá ser escolhido e usado de maneira a

contribuir de forma decisiva na formação integral dessas crianças. Importante não se

perder de vista a importância de desde cedo propiciar as crianças condições de

serem orientadas sobre questões e temas que sempre serão fundamentais.

... a filosofia oferece às crianças a oportunidade de discutir conceitos, tais


como o de verdade, que existem em todas as outras disciplinas mas que
não são abertamente examinados por nenhuma delas, A filosofia oferece
um fórum no qual as crianças podem descobrir, por si mesmas. A
relevância, para suas vidas, dos ideais que norteiam a vida de todas as
pessoas. (LIPMAN, 1990, p.13).

O filosofar deverá ser direcionado nesse sentido de prepará-los para pensar

sobre temas tão relevantes que o acompanharão por toda a vida.

Uma questão a considerar é, objetivamente, quais temas tratar com os alunos

em sala de aula. Sem dúvida, existe uma grande variedade de assuntos que pode

ser trabalhado, inclusive assuntos relacionados à história do pensamento filosófico e

grandes temas abordados por filósofos que formaram a tradição filosófica. É

importante, porém, buscar utilizar sempre uma abordagem numa perspectiva

reflexiva e crítica.
49

Com certeza, qualquer tema a ser trabalhado exigirá do aluno

aprofundamento e rigor em suas reflexões e esses, atualmente, não estão

acostumados a tal exercício. Mas há alguns temas que devem ser considerados

principais e, portanto, merecem ser abordados no ensino de filosofia a crianças,

conforme sugerido por Matthew Lipman:

As principais áreas a serem mencionadas aqui são epistemologia, lógica,


metafísica, ética e estética. Muito da fragilidade da educação moderna
pode ser observado a partir do momento em que são eliminados do
currículo assuntos normalmente tratados por essas sub-disciplinas.
(LIPMAN, 1990, p.122)

Muitos outros temas relevantes também devem ser abordados. É fundamental

tratar sobre as relações sociais dentro de uma perspectiva filosófica e como essas

relações se dão e como encontrar soluções para problemas existentes nesse

âmbito, onde verdadeiramente a vida se desenrola.

Seria proveitoso considerar um grupo de temas que, juntos, formam a


espinha dorsal de uma abordagem que os jovens podem tomar para
entender a sociedade e para a compreensão do comportamento humano
em seus aspectos socias.
(...) Alegasse que os alunos são incapazes de avaliar as coisas que
apreciam; são acusados de não defender seus valores criticamente. Se
isso é verdade, não deveria haver motivo para muita surpresa, uma vez
que raramente auxiliamos os alunos a desenvolver comportamentos
avaliatórios que irão capacitá-los a fazer julgamentos racionais e seguros.
(...) O objetivo não é produzir alunos que sejam ‘críticos’ no sentido de
serem negativos e pretensiosos. O objetivo é produzir alunos que abordem
questões conceituais com prontidão para estimar e avaliar aqueles
aspectos de tais questões que pedem por julgamento e não apenas por
habilidades mecânicas.
(...) O que ensinamos aos alunos sobre como a sociedade funciona nunca
será totalmente inócuo, porque a maneira como eles pensam que ela
funciona irá – em seu devido tempo – influenciar a maneira como ela
funciona. Se há ideais pelos quais a sociedade guia a si mesma, e se há
práticas, instituições e projetos que se supõem moverem-se em direção
àqueles ideais, então a educação dada às crianças será um fator crítico ‘no
âmbito da qual aqueles ideais serão realizados. A menos que os alunos
possam entender a função reguladora dos ideais e a necessidade de
apreciar projetos e instituições como meios, em vez de fins, cada geração
aceitará, mecanicamente, como necessário e imutável exatamente aquilo
que mais precisava ser avaliado por cada nova geração. É, portanto,
indispensável que a experiência com a função lógica do critério torna-se
uma linha contínua do processo educacional. (LIPMAN, 1990, p.p.136-
138).
50

É importante que os alunos sejam estimulados a refletir sobre esses temas e

problemas que são próprios da filosofia e que também estão relacionados com seu

viver diário. Pensar sobre temas próximos a eles, que efetivamente fazem parte de

seu contexto, será altamente proveitoso, pois ao avaliarem tais questões, terão a

oportunidade de avaliar as suas próprias vidas, conduta, conceitos e ideais.

Na medida em que esses jovens forem sendo instruídos progressivamente no

rigor e na radicalidade de um autêntico filosofar, irão constatar qual tem sido o seu

papel nesse contexto, se de agente ativo ou passivo.

É importante que sejam abordados temas tradicionais da investigação

filosófica e que possam ser trabalhados de maneira sistemática, respeitando os

objetivos propostos. Especialistas no assunto têm sugerido conteúdos diversos e,

sem dúvida, não existe um modelo que possa ser considerado o ideal. O exemplo

proposto pelo filósofo Matthew Lipman é interessante, por propor desenvolver as

habilidades específicas do raciocínio de maneira contextualizada, e, com certeza, tal

abordagem é bastante interessante e de grande contribuição.

Exemplos de como habilidades específicas de pensamento podem ser


aplicadas a questões de valores

Um currículo para a educação de valores deveria tentar desenvolver


habilidades específicas de raciocínio e aplicá-las a temas específicos de
valores. Os exemplos que se seguem são apenas para mostrar como isso
é feito; não são paradigmas, mas exemplos típicos, para o nível de ensino
de 5ª. E 6ª. Séries. (Alguns exemplos podem ser mais apropriados para as
primeiras séries do 1º. Grau ou para o 2º. Grau.)

1. Tirando inferências de premissas simples


Os alunos devem ser capazes de realizar conversões lógicas e saber a
regra que governa conversões válidas e inválidas. (Isto é, eles devem
saber, por exemplo, que ‘Alguns valentes são estudantes’ pode ser inferido
de ‘Alguns estudantes são valentes’, mas que ‘Todas as pessoas são
valentes’ não pode ser inferido de ‘Todos os valentes são pessoas’.)

2. Padronizando frases da linguagem comum


Os alunos devem estar familiarizados e aptos a aplicar regras elementares
de padronização lógica. Por exemplo, uma frase que se inicie com ‘apenas’
deve começar com ‘todo’ e ter o seu sujeito e predicado invertido.
51

3. Tirando inferências de premissas duplas


Os alunos devem ser capazes de tirar conclusões corretas de silogismos
válidos e devem ser capazes de identificar, pelo exame, ao menos alguns
exemplos de inferências inválidas. Deve-se lembrar que os silogismos são
perfeitos apenas se forem formalmente corretos (válidos) e se as
premissas forem verdadeiras ou tomadas como verdadeiras.

4. Usando lógica ordinal ou relacional


Os estudantes devem estar familiarizados com as regras que governam
relações transitivas e simétricas e devem estar aptos a distinguir exemplos
válidos e não válidos de lógica relacional.

5. Trabalhando com a consistência e a contradição


Os estudantes devem ser capazes de reconhecer a consistência ou
inconsistência em uma dada narrativa ou descrição. Eles devem também
estar aptos para formular e aplicar as regras formais de contradição. (Duas
sentenças são mutuamente contraditórias quando, sendo uma delas
verdadeira, a outra tem de ser falsa.)

6. Sabendo como lidar com ambigüidades


Ao tentar entender textos e livros e de outras fontes de informações, os
estudantes devem estar atentos às ambiguidades. Eles devem estar aptos
para distinguir as ambiguidades das palavras com muitos significados no
mesmo contexto das frases cujos arranjos gramaticais permitem diversas
interpretações (isto é, ambiguidades semânticas versus ambiguidade
sintáticas). Os estudantes devem também reconhecer que algumas
ambiguidades (especialmente na literatura) são valiosas.

7. Formulando perguntas
Os estudantes devem estar familiarizados com os defeitos de que estão
comumente impregnadas as perguntas, tornado-as vagas, adulteradas,
autocontraditórias, se sentido ou baseadas em suposições incorretas.

8. Compreendendo as conexões entre parte-todo e todo-parte


Os estudantes devem saber como evitar o erro na relação entre a parte e o
todo – assumir que, se um membro de um grupo tem uma característica,
todo o grupo também a tem. Igualmente, deve ser evitado o erro na relação
do todo com a parte, onde a característica do todo é atribuída à parte.

9. Dando razões
Quando os estudantes se comportam de maneira questionável,
costumamos pedir justificativas por suas ações. Nós também pedimos que
citem razões para sustentar opiniões questionáveis. Os estudantes devem
ser capazes de diferenciar razão de explicação – esta última não justifica,
mas ambas usam o termo ‘porque’.

10. Identificando suposição subjacentes


Os alunos devem ser capazes de especificar as suposições subjacentes a
uma afirmação particular, cuja verdade depende do que está pressuposto.
Tais suposições também podem ser subjacentes a perguntas, exclamações
e imperativos.

11. Trabalhando com analogias


Uma analogia é a menção de uma semelhança entre duas relações – por
exemplo ‘filhotes de gatos estão para gatos, assim como filhotes de
cachorro estão para cachorros’ ou ‘Serrar está para móveis, assim como
esculpir está para esculturas’. A capacidade de se colocar no lugar de outro
52

geralmente envolve raciocínio analógico e, às vezes, é denominada


‘imaginação moral’.

12. Formulando relações de causa e efeito


Os alunos devem ser capazes de identificar e construir formulações que
sugerem relações específicas de causa e efeito. Eles também devem ser
capazes de identificar as falácias com ‘depois disso, por causa disso’.

13. Desenvolvimento de conceito


Aplicando um conceito a um conjunto específico de casos, as crianças
devem ser capazes de identificar aqueles casos que se enquadram
claramente dentro dos limites do conceito e aqueles que ficam fora de seus
limites. As crianças devem ser estimuladas a citar contra-exemplos se
acharem que os limites do conceito foram definidos de maneira incorreta.
Tanto os casos bem definidos como os incertos devem ser trabalhados em
exercícios e planos de discussão.

14. Generalização
Alunos trabalhando com dados devem ser capazes de notar certas
regularidades ou uniformidades que existem realmente e construir
generalizações que se aplicam a estes exemplos e similares. Os alunos
devem estar atentos aos riscos envolvidos em tais generalizações.

15. Tirando inferências de silogismos hipotéticos


Os alunos devem ser capazes de distinguir inferências válidas de inválidas,
quando estiverem trabalhando com silogismos hipotéticos (‘se-então’). Na
educação hipotética é válido afirmar o antecedente ou negar o
consequente . Por exemplo, é válido dizer que – tomando, é claro, por
verdadeiras as premissas – ‘Se eu apertar este botão, o mundo explodirá.
Ele não explodiu. Então eu não devo ter apertado o botão’ (negação
consequente).

16. Capacidade de reconhecer e evitar – ou utilizar conscientemente –


a falta de precisão
Palavras vagas não têm aplicabilidade clara. Os alunos devem ser capazes
de diferenciar os contextos em que as palavras vagas são aceitas daqueles
em que elas são impróprias.

17. Levando em conta todas as considerações


Em questões de valores, assim como em investigação em geral, é
importante verificar a abrangência. Se negligenciamos alguma
consideração relevante, poderemos ser acusados de tirar conclusões
apressadas. Os alunos podem desenvolver habilidades em perguntar uns
aos outros – e a si mesmos – se omitiram alguma coisa ao longo da
investigação.

18. Reconhecendo a interdependência de meios e fins


Quando um fim ou objetivo é citado ou recomendado, há uma obrigação de
se relatar os meios pelos quais ele pode ser atingido. (Os meios são
sempre relativos a fins específicos; assim, o que é um meio para uma
situação pode não o ser para outra.) Os alunos devem ser capazes de
sugerir fins para meios propostos e meios para fins propostos.

19. Sabendo como lidar com ‘falácias informais’


Muitas falácias informais de raciocínio se devem á nossa confiança em
considerações irrelevantes ou à nossa omissão do que é relevante – por
isso, elas dependem de juízos de relevância. Elas podem tanto ocorrer na
53

escrita quanto em violações de procedimentos dialógicos. Os alunos


podem ser alertados de sua presença e de como devem tratá-las.

20. Operacionalizando conceitos


Os alunos devem ser capazes de citar efeitos observáveis para os
conceitos que empregam e de expressá-los sob a forma de condição.
Assim se uma coisa não é riscada por outras coisas, ela é chamada ‘dura’.
Se ela cai, diz-se que tem ‘peso’. A ação específica é o consequente da
condição.

21. Definindo termos


Existem algumas regras bastante gerais sobre definições: elas não devem
ser inclusivas ou restritivas demais; elas não devem ser negativas; e não
devem ser circulares. Um dos procedimentos mais tradicionais para definir
nomes é fazer perguntas como: que tipo de coisa é isso e como isso difere
das outras coisas desse tipo?

22. Identificando e usando critérios


Sempre que fazemos juízos de valor (seja em temas de ética ou de
estética) ou de prática (estimando quantidades ou qualidades) ou mesmo
de fatos (determinado a aceitabilidade de evidência), nós usamos padrões
ou critérios. É importante que o alunos saibam que são usados critérios
para fazer tais juízos e se esses são os mais apropriados. Critérios são
especialmente importantes para a construção de definições e para a
operacionalização de conceitos. Quando nos confrontamos com um
problema, tentamos levar em conta todas as considerações – mas aquelas
que são decisivas são os critérios.

23. Exemplificação
Muitas crianças que têm dificuldades em generalizar e desenvolver
conceitos têm, no entanto, facilidade em dar exemplos – contrariamente ao
que acontece a muitos adultos. A aptidão para dar exemplos é essencial
para a capacidade de aplicar idéias a situações concretas. Igualmente
essencial é a aptidão de dar contra-exemplos como um meio de refutação.

24. Construindo hipóteses


Hipóteses são idéias que representam possíveis maneiras de resolver
situações problemáticas. Quando nos deparamos com fatos
surpreendentes ou importunos, inventamos hipóteses para responder por
eles. A habilidade em construir hipóteses tanto requer quanto abrange
habilidade em fazer previsões pelas quais as hipóteses em questão ou são
confirmadas ou descartadas.

25. Contextualizando
Os estudantes devem ser capazes de reconhecer como as afirmações
mudam de sentido – e provavelmente seus valores verdadeiros – quando
são aplicados a contextos diversos. Assim, afirmando que alguma coisa é
verdade, devemos estar preparados para dizer em que circunstâncias
poderia ser falsa, e vice-versa. Também devemos ser capazes de fornecer,
da experiência prévia, contextos que fariam significativas algumas
declarações elípticas.

26. Antecipando, prevendo e estimando consequências


Até certo ponto, a racionalidade envolve a previsão do impacto futuro sobre
o que acontece no presente, atividade essa que pode ou não ser feita por
nós. É difícil cobrar a responsabilidade por algo que alguém tenha feito se
54

for evidente que esse alguém era incapaz de prever o que aconteceria
como resultado de seu ato.

27. Classificação e categorização


Existem dois tipos de classificação: por escolha e por nivelamento. Na
escolha não se envolve a distinção entre melhor e pior; no nivelamento sim.
Ao selecionarmos um conjunto de classes em que muitos indivíduos devem
ser agrupados, devemos procurar por classes que sejam mutuamente
exclusivas e exaustivas da totalidade de indivíduos. (LIPMAN, 1990, p.227-
240).

Estes exemplos são uma mostra de quão complexa é a vida em suas

relações diárias com as pessoas e o mundo e como é importante saber lidar com

tantas questões. Cabe, então, também ao professor um preparo que lhe possibilite

programar essa dinâmica de estudo aprofundada, de maneira que os objetivos

sejam alcançados.

3.3- Um Aprendizado de Filosofia que seja Significativo

A visão inadequada que as pessoas têm sobre a filosofia muito se dá pelo

fato de terem sido apresentadas a esta disciplina de maneira inapropriada, o que fez

com que a disciplina parecesse sem sentido e enfadonha. Talvez o que tenha ficado

na mente dessas pessoas foi um amontoado de nomes e frases de difícil

compreensão, que talvez não tivesse sentido para suas vidas.

Um professor ao passar o conteúdo precisa vencer o desafio que é pensar

adequadamente como levar a filosofia a esse aluno. O aprendizado poderá tornar-se

mais prazeroso se o aluno for levado a participar do seu próprio aprendizado,

através de métodos e técnicas que poderão levá-lo a motivar-se.

Na medida em que o aluno percebe a filosofia não como um manual de

consultas sobre temas que terá de decorar no momento de sua avaliação, mas a

percebe como algo que lhe ajudará a entender e conhecer a si, a sociedade e o

mundo de maneira mais precisa, talvez esse se sinta mais motivado ao aprendizado

e será a melhor forma de intervir na sociedade.


55

Uma grande questão em voga é: como proporcionar experiências ao aluno

que possam conciliar o prazer com o aprofundar-se nos temas filosóficos através da

reflexão rigorosa?

As pessoas precisam ter uma motivação adequada para que possam

encontrar sentido naquilo que estão fazendo e façam isso com interesse. Ao

propiciar aos alunos oportunidade de vivenciarem uma experiência de aprendizado,

que use-o como elemento para tal, numa participação coletiva mediada por

professores devidamente preparados, com temas que tenham sido previamente

escolhidos, poderá estimulá-los a refletirem e aprofundarem-se nas questões

propostas.

É importante também pensar em um modelo de ensino que proporcione as

crianças e jovens um aprendizado onde toda motivação não seja de ordem negativa,

em que o aluno é movido a preparar-se para ser avaliado num modelo que privilegia

o decorar o conteúdo da avaliação. Este tipo de pressão faz com que o aprendizado

torne-se uma experiência extremamente negativa.

É importante ter sempre em mente qual é a meta da educação filosófica, se é

preparar os jovens simplesmente para realizar avaliações finais ou prepará-los para

um aprendizado que privilegie o pensar profundo e autônomo.

Já que o principal motivo da educação é aprender, como é o caso em todas


as sociedades tribais, o modelo de memorização dominará a avaliação e os
professores acharão difícil não ensinar para os testes. Igualmente triste é
que o modelo de aquisição de informação que domina a educação, em vez
de estimular as crianças a pensarem por si mesmas, seja um fracasso até
em seus próprios termos, pois ficamos constantemente assustados com o
pouco que nossas crianças parecem saber sobre a história do mundo ou
sobre a sua organização política e econômica. O efeito do modelo tribal é
mais de abafar do que o de iniciar o pensamento no estudante. (LIPMAN,
1990, p.36).

Segundo Lipman (1990,p.13), “A filosofia oferece um fórum no qual as

crianças podem descobrir, por si mesmas, a relevância, para suas vidas, dos ideais
56

que norteia a vida de todas as pessoas”. Os temas relacionados a estas ideias,

poderão ser melhor explorados se forem trabalhados de maneira em que os alunos

possam aprender compartilhando suas ideias. Esse “fórum” designado por Lipman

constitui-se no método criado por ele, onde os temas são aprofundados e

possibilitará a discussão e troca, que os levarão a refletirem com rigor filosófico

sobre tais ideais norteadores e consigam desenvolver sua posição sobre tais

questões.

O professor pode manter à mascara de autoridade onisciente. Os alunos


sentam-se em filas silenciosas, dando respostas quando solicitados e
fazendo exercícios de memorização. A filosofia não pode ser trabalhada
dessa maneira. O fazer filosofia exige conversação, diálogo e comunidade,
que não são compatíveis com o que se requer na sala de aula tradicional.
A filosofia impõe que a classe se converta numa comunidade de
investigação, onde estudantes e professores possam conversar como
pessoas e como membros da mesma comunidade; onde possam ler juntos,
apossar-se de idéias conjuntamente, construir sobre as idéias dos outros;
onde possam pensar independentemente, procurar razões para seus
pontos de vista, explorar suas pressuposições; e possam trazer para suas
vidas uma nova percepção de o que é descobrir, inventar, interpretar e
criticar. (LIPMAN, 1990, p.61).

A comunidade de investigação é um método pedagógico que vai ao encontro

de uma proposta que visa fazer com que o aluno possa criar um vínculo significativo

com a filosofia, onde nesse compartilhar de ideias ele será respeitado e ouvido.

Através do diálogo investigativo, as crianças e jovens estarão juntas na busca de

elucidar questões de caráter filosófico, e, num processo de aperfeiçoamento de

ideias, chegar a respostas que desencadearão outras perguntas que exigirão novas

respostas.

Esse fórum onde as crianças compartilham suas ideias e conclusões, também

possibilita a formação de um ambiente relacional, em que essas crianças possam

perceber que a experiência de aprender e de estudar filosofia em comunidade pode

ser uma experiência agradável e significativa. O aprendizado se torna mais eficaz


57

quando o aluno percebe que nesse processo ele não somente entendeu a disciplina,

mas que esse aprendizado serviu para seu amadurecimento.

O ensino de filosofia deverá buscar encontrar meios para que possa ser o

mais significativo possível, visto que se houver gosto pelo estudo, se houver

curiosidade pelo tema e pela investigação filosófica, o aprendizado será absorvido

de forma a tornar-se um legado que permanecerá com a pessoa por toda sua vida.

Para que isso ocorra, será preciso criatividade da parte dos professores em provocar

nos alunos essa curiosidade por conhecimento. “Neste sentido, o bom professor é o

que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu

pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma ‘cantiga de ninar’. (FREIRE,

2002, p.33).

O desafio de um ensino significativo filosófico para as crianças e jovens,

passa por uma docência criativa e em constante preparo. Será preciso buscar

caminhos que possibilitem um aprendizado excelente, que permaneça, trazendo

para discussão situações contextualizadas à realidade dos alunos. É muito

importante que possam ter sua curiosidade aguçada, com vista de se sentirem

estimulados a pensar sobre os conteúdos propostos. Através desse pensar, terão a

oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre os temas discutidos,

desenvolvendo, então, suas potencialidades cognitivas e se preparando para

pensarem com autonomia um mundo que seja verdadeiramente melhor para todas

as pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou mostrar como a filosofia é relevante no contexto de

qualquer sociedade, em função de proporcionar elementos para melhor entender o

mundo em que vivemos e propor novas soluções para melhorá-lo.


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Verificou-se, também, como a filosofia foi relevante desde seus primórdios

para aperfeiçoar a compreensão sobre o universo e apontar em que direção devia-

se pensar para encontrar as respostas.

Procurou-se mostrar que o ensino da filosofia deve acontecer através de uma

docência comprometida e preparada, que consiga facilitar a compreensão do aluno

para a importância de saber refletir com rigor filosófico.

Através da verificação desses vários pontos, pode-se concluir que a filosofia

é fundamental na formação de uma mente crítica. O seu ensino nas escolas

brasileiras, principalmente para crianças e jovens do ensino básico, a partir do 5º.

Ano, tenham o direito de ter acesso o mais cedo possível a uma educação para o

pensar. Essa iniciativa será de grande benefício, pois esses estarão sendo

preparados de maneira adequada, para responderem de forma consciente às

pressões e questionamentos da sociedade em que viverem.

Aqueles que têm a oportunidade de estudar a filosofia e serem iniciados em

seus procedimentos de investigação serão pessoas que trarão grande contribuição

para a sociedade. Na medida em que as pessoas aprenderem a pensar de maneira

crítica e profunda, poderão perceber mais claramente todas as implicações de suas

escolhas, tendo condições de fazê-las corretamente. Portanto, é fundamental

considerar a urgência de implementar o ensino desta disciplina numa perspectiva de

reflexão rigorosa e profunda.

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