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SÃO PAULO
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação
do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
USP/IF/SBI-044/2017
Páginas 54 à 61
Cultura Surda e identidade linguística
Quero entender o que dizem. Estou enjoada de ser prisioneira desse silêncio
que eles não procuram romper. Esforço-me o tempo todo, eles não muito. Os
ouvintes não se esforçam. Queria que se esforçassem (LABORIT, 1994, p.
39).
1
Implante Coclear: Conhecido como “ouvido biônico”, é um aparelho tecnológico implantado
cirurgicamente no indivíduo que não se adaptou a aparelhos auditivos. O implante funciona estimulando
diretamente o nervo auditivo por meio de pequenos eletrodos que são colocados dentro da cóclea, levando
estes sinais para o cérebro (fonte: http://www.implantecoclear.org.br/textos.asp?id=5).
me contra todas as técnicas forçosas de implementação de um padrão de
normatizar o indivíduo Surdo tentando torná-lo ouvinte, valorizando-o somente
quando conquista a fala oral, alegando que, como são minoria, devem se
submeter à língua da maioria, pois seria utópico pensar em uma sociedade
(ouvinte e Surda) que utilize plenamente a língua de sinais em todos os
ambientes. O Surdo que deseja submeter-se à oralização e implantação de
aparelhos auditivos deve, de igual modo, ser respeitado, mas quando esse
desejo parte do próprio indivíduo maduro o suficiente para essa decisão e não
quando é imposto por sua família.
É compreensível que em uma família em que não há indivíduos Surdos,
não tem o conhecimento de como tratar do primeiro Surdo que aparece. Muitas
vezes, tomam decisões pautadas no tipo de orientação que recebem, que em
geral, são orientações vindas de médicos ou profissionais da saúde, muitas
vezes com uma visão clínico-terapêutica da Surdez. A família escolhe uma
cirurgia de implante coclear ou submeter seus filhos à oralização sem ao
menos conhecer um Surdo falante da língua de sinais e suas vivências.
Infelizmente, essa é outra área em que a valorização médica se sobrepõe à
educacional, que o ponto de vista clínico-terapêutico se sobrepõe ao sócio-
antropológico, e em consequência, a família toma uma decisão por acreditar
que é a melhor ao seu filho, sem antes conhecer “os dois lados da moeda”.
Antes de se submeterem a esses métodos, deveria ser esclarecido às
pessoas Surdas ou com deficiência auditiva que esses avanços médico-
tecnológicos não eliminam a condição de surdez do indivíduo, e, sim, torna-se
possível que eles passem, diariamente, por momentos de ouvintes. Por
exemplo, uma pessoa que usa aparelho auditivo ou implante coclear precisa
remover o aparelho (no caso do implante, remover somente a parte externa)
para algumas atividades como tomar banho, ir ao cabeleireiro, nadar e também
dormir. Tais aparelhos não eliminam a condição da surdez e não torna um
indivíduo ouvinte, pois a pessoa tem, no mesmo dia, momentos em que ouve e
momentos em que não ouve. Para um ouvinte, a falta de som é uma privação,
enquanto para os Surdos, é uma condição.
Na perspectiva do Surdo que utiliza a língua de sinais, esta pode ser
adquirida conforme sua inserção na cultura Surda e os estímulos que recebe,
se ele tiver acesso ao aprendizado e domínio dessa língua, poderá ter como
segunda língua o português (INÁCIO, 2004). O autor ainda afirma que, para o
ouvinte, ocorre o inverso desse processo, mas ele só aprende a língua de
sinais desde que mostre interesse, podendo ser um intérprete em algumas
situações, sendo uma ponte entre o mundo ouvinte e o mundo Surdo, sem
qualquer perda cultural para ambos os sujeitos e, muito pelo contrário, esse
ouvinte pode oferecer uma rica visão de um grupo social que tem muito para
nos ensinar.
A partir do momento em que a língua de sinais é reconhecida como uma
língua e não desmerecida como uma simples gesticulação, a repercussão
passa a ser também social (SANTANA, 2007). Ao considerar um sujeito
“anormal” como alguém que não possui uma língua e tudo o que ela
representa, com a língua de sinais esse padrão se altera, pois, a língua de
sinais legitima a pessoa Surda, transformando a “anormalidade” em diferença,
trazendo consigo uma delimitação de esferas sociais: “a identidade Surda, a
cultura Surda e a comunidade Surda” (SANTANA, 2007, p. 33).
A língua de sinais está relacionada à cultura Surda que, por sua vez,
reflete a identidade Surda de uma pessoa que convive, na maior parte dos
casos, com a comunidade ouvinte e Surda. Essa pessoa é constantemente
comparada às ouvintes, como se sua própria identidade Surda fosse inferior ou
como se faltassem elementos em relação aos ouvintes (GESUELI, 2006). Essa
comparação está no padrão “ideal” que a cultura ouvinte acredita ser “normal”,
e quem se encontra fora desse padrão deve ser corrigido: