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Muito se fala sobre estarmos vivendo em um momento histórico.

Bom, sabemos
que momentos históricos trazem algumas marcas como mudanças sociais, culturais e
econômicas. No meio disso tudo, existem os que tentam manter tudo como era antes, os
que se preocupam com as consequências das mudanças e os que lucram com o
sofrimento dos que estão vivendo os impactos negativos das transformações.

Nesse cenário de crise econômica-sanitária, o ministro Paulo Guedes tem dado


declarações apostando todas as suas fichas na recuperação econômica através do
investimento privado. A pergunta que fica é: poderia a mão invisível do mercado nos
guiar para uma mudança onde a maioria, os 99% que estão sendo esmagados pelos pés
do mercado, encontre esperança no horizonte pós-pandemia?

O golpe que levou a saída da presidenta Dilma foi marcado por discursos
neoliberais fervorosos quanto a dois pontos: 1) as reformas trabalhistas alegando que
tínhamos um índice de desemprego em defasagem devido a um suposto sistema
trabalhista rígido e custoso que impedia os efeitos positivos de políticas econômicas; 2)
a reforma da previdência e o teto de gastos, com menções a um déficit no orçamento do
governo que ainda causam controversas nos debates econômicos.

Ora, as reformas aconteceram e logo vieram propagandas do governo cheias de


floreios de alguns índices pela competente equipe do ministro Guedes, como o infame
PIB privado. Enquanto isso, a informalidade alcançou níveis recordes, o consumo e o
endividamento das famílias também não apresentaram bons resultados. Somado a esse
cenário, um investimento produtivo 25% abaixo do pico registrado em 2013,
porcentagem estimada pelo Boletim Macro do instituto Ibre/FGV1.

Em um cenário antes da crise, a equipe econômica estava trabalhando para


deixar um terreno frutífero para o investimento privado através de uma taxa básica de
juros (Selic) a 3%, reformas trabalhistas, entre outras medidas para garantir o lucro e o
investimento das empresas. Mas essas ações não foram suficientes e com a chegada da
pandemia, além do recuo do investimento privado, o investimento público também está
barrado pelo teto dos gastos.

Devido ao baixo consumo das famílias, a arrecadação do governo cai e com a


previsão de queda da inflação, o ajuste do teto dos gastos que está vinculado à inflação
1

https://portalibre.fgv.br/data/files/9C/86/EF/7B/59260710199794F68904CBA8/BoletimMacroIbre_2002.
pdf
em 12 meses até junho do ano anterior, também será menor. Não é um bom quadro para
se prever recuperação econômica com um combo de investimento privado e público
restritos.

Em uma análise sobre as políticas fiscais retracionistas aplicadas pelo governo


federal até agora, o economista Dowbor2, mostrou como a relação entre o Resultado
Primário do Governo e o pagamento dos juros nominais tem afetado o déficit no
orçamento. Dowbor aponta que o pagamento dos juros nominais, ao invés de estarem
sendo direcionados para financiamento da educação, segurança e outros serviços
essenciais a população, está sendo transformada em rendimentos para o setor privado
(bancos, seguradoras, etc.).

Ainda segundo Dowbor, esse pagamento que está escoando para o mercado
financeiro foi multiplicado por 2,5, desde 2015 e com tendência de crescimento até o
início de 2020. Será que a onda de investimento proposta por Paulo Guedes ampliará
esses números em detrimento da situação da população?

O investimento e o setor privado além de se mostrarem ineficientes para


reerguer a economia antes da pandemia, mostra-se como uma receita desastrosa para
recuperação da economia. Desde 2018 se fala em deflação no Brasil. O pior pesadelo do
setor privado.

Em poucas palavras deflação é o desaquecimento geral da economia, os preços


caem, as famílias adiam o consumo mesmo com os preços baixos, isso impacta nos
níveis de produção causando uma recessão perigosa na economia. No cenário de
pandemia onde a economia externa está se retraindo, isso pode levar a cenários mais
preocupantes na nossa dependente economia.

Apesar da deflação ter sido em meses pontuais no Brasil nos outros anos, em
2020, com estimativas das instituições financeiras de uma taxa negativa de crescimento
do PIB e pouca recuperação em 2021, além de um mercado internacional se
recuperando lentamente, existe a possibilidade do quadro deflacionário ser consolidado,
caso as medidas interventistas não sejam aplicadas da maneira correta.

2
https://outraspalavras.net/outrasmidias/dowbor-uma-farsa-chamada-ajuste-fiscal/
Ainda assim, a equipe econômica de Paulo Guedes insiste em dizer que apenas a
mão invisível irá nos salvar. Na última sexta-feira, o ministro anunciou uma nova onda
em investimentos, não deixando claro do que será formada essa onda. A única onda que
temos visto até agora foi um recuo do mercado diante da recessão, para vir como uma
onda tal qual um desastre tsunâmico sobre a classe trabalhadora.

Muitos economistas, como Laura Carvalho e Mônica de Bolle, falam da


necessidade de uma atuação do setor público robusta, sustentável e contínua para
superação da recessão econômica. O debate apresenta entre as soluções a flexibilização
do teto de gastos para aplicação de políticas fiscais expansionistas. Ainda ressaltam que
é um momento crucial para que o Estado combine o investimento público em políticas
sociais, investimento em infraestrutura afim de incentivar o mercado privado também e
guiar a economia à recuperação.

Resta a nós esperar pelo bom-senso da equipe econômica para que o momento
histórico a qual estamos passando não continue sendo marcado pelas ações dos que
lucram com o sofrimento da população.

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