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Universidade Católica

Portuguesa
Faculdade de Direito, Escola de Lisboa
Semestre de Inverno

Direito da
Cultura
“O Direito à Cultura e a sua
protecção internacional”

Maria Teresa Lopes Capela


3º ano
Nº de aluna: 140108112
Índice

Introdução pág. 3

O Direito à Cultura pág. 5

Organização das Nações Unidas pág. 9

Conselho da Europa pág. 15

União Europeia pág. 24

Conclusão pág. 27

Bibliografia pág. 28

Anexos pág. 29

Introdução
Longe parecem estar os tempos da clássica distinção entre Direitos
Humanos e Direitos Fundamentais, onde a distinção entre o poder
2
estadual e o poder das escassas instâncias internacionais era claro e
inultrapassável.

Hoje estamos perante aquilo que os nossos antepassados ficariam


chocados só de imaginar ou, então, que denominariam como um outro
“admirável mundo novo”. Hoje, os indivíduos não são meros objectos do
poder estadual, meros súbditos, são cidadãos, alguém que tem a
possibilidade de desempenhar um papel activo na construção da
sociedade. Depois de tantas guerras, mortes e sofrimento, o indivíduo
“ganhou” finalmente o direito à protecção dos seus direitos inalienáveis.

Após conseguir tal protecção por parte do seu estado, o Homem


conseguiu algo ainda mais inacreditável: uma protecção internacional
activa, com pretensões de efectividade.

A protecção internacional dos Direitos Humanos tem conhecido


vários estádios de desenvolvimento: 1º) mera declaração de direitos, sem
imediata concretização prática; 2º) consagração de certos direitos em
tratados aplicáveis, directa ou indirectamente, nas ordens jurídicas
internas; 3º) possibilidade de invocação dos direitos consagrados, em
fontes internacionais, pelos seus titulares perante os tribunais dos
respectivos Estados; 4º) possibilidade de invocação, desses mesmos
direitos, perante instâncias internacionais; 5º) criminalização internacional
das violações mais graves aos direitos da pessoa humana; 6º)
possibilidade de invocação desses mesmos direitos perante verdadeiros
tribunais internacionais, capazes de julgar os próprios Estados.

Mas quais são os direitos que esta ordem internacional pretende


proteger? Será que o direito à cultura é um deles?

É isso que se pretende analisar com este trabalho. Irei proceder a tal
análise primeiramente no campo da Organização das Nações Unidas,
depois no campo do Conselho da Europa (o qual irei analisar com mais
detalhe) e, por fim, no campo da União Europeia.

3
O Direito à Cultura

4
É essencial começar por definir em que se consubstancia o direito à
cultura. Será que se insere no conjunto dos direitos fundamentais? Se sim,
a que geração pertence?

1.Os direitos fundamentais e as gerações de direitos do Homem

Os direitos fundamentais são um “modo de efectivação do princípio

da dignidade da pessoa humana [princípio este que deve ser a pedra

basilar do Estado de Direito], sendo igualmente, (como, de resto,

quaisquer outros direitos subjectivos) posições jurídicas de vantagem de

pessoas concretas e determinadas 1”.

Seguindo a linha de pensamento do Prof. Vasco Pereira da Silva,


podemos distinguir três gerações de direitos, as quais se interligam com
determinados modelos de Estado e de Constituição:

• a primeira geração de direitos humanos está ligada ao


movimento liberal e ao modelo do Estado Liberal. Os
revolucionários da época pretendiam efectuar uma ruptura
com os tempos do absolutismo e insurgiram-se, contra este,
proclamando uma filosofia não intervencionista dos poderes
públicos na sociedade. O Estado passa a assumir uma função
de “guarda-nocturno”, devendo deixar a sociedade e o
mercado funcionar livremente, ao abrigo da sua própria
iniciativa. Esta primeira geração inclui as liberdades
individuais e os direitos civis e políticos (como por ex. a
liberdade de expressão, a liberdade religiosa, o direito de
propriedade privada e o direito de voto);

1
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 27.
5
• a segunda geração de direitos humanos corresponde aos
direitos sociais (como por ex. o direito ao trabalho, à
segurança social, à saúde e à educação) e está ligada ao
surgimento do Estado Social. A Primeira Guerra Mundial, a
Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial fizeram com
que o Estado tivesse de alterar a sua forma de actuação, os
privados não conseguiam, sozinhos, sair do caos que envolvia
e absorvia a Europa. O Estado torna-se protector e defensor
social, assim como organizador da economia. Transforma-se
no chamado “Estado de Administração”, pois assume a pesada
responsabilidade de promoção do bem-estar social, de
garantia de serviços públicos e de protecção da população.
Dentro, ainda, do âmbito desta segunda geração ocorre,
igualmente, a “transformação dos direitos políticos (nascidos
na geração anterior), que agora se generalizam a todos os
cidadãos, mediante a consagração do sufrágio universal”2;

• a terceira geração dos direitos humanos continua, ainda hoje,


em desenvolvimento, assim como o modelo de Estado em que
se insere, o Estado Pós-social, que tenta enfrentar as
insuficiências e incapacidades que o Estado Social conheceu
na sua “recta final” e que procura lidar com os aliciantes e
crescentes desafios da sociedade contemporânea. Um Estado
que assume uma “lógica constitutiva e infra-estrutural dirigida
[à] criação de condições para a colaboração de entidades
públicas e privadas”3. Como exemplos de direitos que
pertencem a esta geração temos o direito ao ambiente, à
qualidade de vida, de acesso a bancos de dados e de
preservação do património genético.

2
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 31.
3
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 31.
6
Como o Professor Vasco Pereira da Silva afirma, apesar desta
diversidade de gerações de direitos, devemos realçar a “renovada
unidade” da categoria dos direitos fundamentais, patente na sua
identidade axiológica (uma vez que, todos eles constituem a resposta ao
problema da protecção da dignidade da pessoa humana) e na sua
identidade estrutural (pois todos eles se podem caracterizar, do ponto de
vista jurídico, por apresentarem simultaneamente uma vertente negativa –
que obriga as entidades públicas a absterem-se de agressões susceptíveis
de causarem lesões nas posições subjectivas de vantagens
constitucionalmente protegidas – e uma vertente positiva – que obriga a
prestações dos poderes públicos, ou à cooperação entre estes e os
privados para a sua realização, assim como comportam igualmente uma
dimensão subjectiva e objectiva).

2.O direito à cultura e as diversas gerações de direitos

O direito à cultura é um direito fundamental, cujo conteúdo se vai


transformando à medida que acompanha as sucessivas gerações de
direitos.

O direito à cultura surge na primeira geração “como uma liberdade


em face do Estado, integrando as chamadas liberdades de espírito ou
liberdades de pensamento, encontrando-se expressa ou implicitamente
(uma vez que também podia ser construído a partir da liberdade de
expressão ou de pensamento) consagrado nas constituições liberais”4.

Na segunda geração, é “configurado como um direito a prestações,


integrando a categoria dos direitos económicos, sociais e culturais”5. Na
terceira geração assume “ a dimensão de direito de participação,

4
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 36.
5
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 37.
7
enquanto forma institucionalizada de cooperação entre entidades públicas
e privadas de natureza procedimental”6.

3.O direito à cultura

O direito à cultura compreende o direito à fruição e à criação


cultural. Que liberdades o compõem? O direito à invenção, produção e
divulgação da obra científica, literária ou artística, compreendendo
igualmente a protecção legal dos direitos de autor, compõem o conteúdo
deste direito.

O direito à cultura é um direito fundamental e, como tal, constitui,


também ele, uma resposta ao problema da protecção da dignidade da
pessoa humana. Da sua estrutura faz parte tanto a vertente positiva (da
qual advém uma obrigação, para os poderes públicos, de efectuarem as
prestações necessárias à realização efectiva deste direito), como a
vertente negativa (dele advém, para as autoridades públicas a obrigação
de se absterem de agressões susceptíveis de causarem lesões neste
direito subjectivo público), próprias dos direitos fundamentais.

4.O direito à cultura e a Constituição da Republica Portuguesa

Sobre este sub-tema irão apenas ser ditas algumas palavras, só para
podermos ter uma pequena noção sobre o espaço que este direito ocupa
na nossa Constituição.

Assim, “o direito fundamental à cultura surge, na Constituição


portuguesa dotado de múltiplas faces, encontrando-se consagrado tanto
ao nível dos direitos, liberdades e garantias (artigo 42º, nº 1 e 2) como dos

6
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 37.
8
direitos económicos, sociais e culturais (artigo 73º, nº 1 e 3, artigo 78º). E
vai desdobrar-se em diversas normas, que vão da garantia imediata de
protecção dos particulares ao estabelecimento de deveres, tarefas e
princípios a cargo dos poderes públicos, passando ainda pelo
estabelecimento de deveres dos particulares.”7

Organização das Nações Unidas (ONU)


1.Criação e actuação

A ONU teve como sua antecessora a Sociedade das Nações (SDN)


que, quando foi criada, pretendia ser um instrumento de esperança.
Esperança de povos e de antigos combatentes que desejavam, com
sinceridade, que a Grande Guerra tivesse sido a última. Infelizmente tal
não veio a acontecer, tanto por incapacidade da SDN como da nova ordem
internacional que se revelou ameaçada desde a própria Conferência de
Paz.

A II Guerra Mundial nasce nos tratados de paz da I Guerra Mundial,


que não têm em atenção questões tão importantes como a segurança e a
paz, tendo apenas perpetuado antigos rancores e ódios. A SDN não teve
um papel nada fácil no panorama internacional: o desmembramento dos
grandes impérios em pequenos países inexperientes, a contínua
humilhação da Alemanha pelos países vencedores, a falta de apoio dos
Estados Unidos da América (entre outros problemas) conduziram a SDN a
um profundo fracasso, não tendo tido “forças” para impedir a emergência
de uma segunda Guerra Mundial.

O holocausto, as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial,


mostraram ao mundo até onde a crueldade do Homem é capaz de chegar.
7
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos
Fundamentais e Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 68 e 69.

9
A Humanidade sentiu que era necessário proteger-se de si mesma,
proteger aquilo que de mais importante tem: a sua própria dignidade, os
seus próprios direitos e, tal teria de ser feito por uma instância que se
encontrasse acima dos Estados e que velasse pela paz, pela segurança e
pela protecção da dignidade da pessoa humana.

Na esteira desta mesma vontade Franklin Roosevelt pugnou, nas


cimeiras da “Grande Aliança”, pela criação de um novo organismo, mais
consistente que a SDN, que ele próprio baptizou com o nome de
Organização das Nações Unidas (ONU).

O projecto ficou acordado na Conferência de Teerão, em 1943, e foi,


depois, ratificado em Ialta, onde se decidiu convocar uma conferência com
o fim de redigir e aprovar a Carta fundadora das Nações Unidas.

Segundo a “Carta das Nações Unidas” a ONU foi criada com os


propósitos fundamentais de:

• manter a paz e reprimir os actos de agressão, utilizando, tanto


quanto possível, meios pacíficos, de acordo com os princípios
de justiça e do direito internacional;

• desenvolver relações de amizade entre os países do Mundo,


baseadas na igualdade entre os povos e no seu direito à
autodeterminação;

• desenvolver a cooperação internacional no âmbito económico,


social e cultural e promover a defesa dos Direitos Humanos;

• funcionar como centro harmonizador das acções tomadas para


alcançar estes propósitos8.

A ONU tem sede permanente em Nova Iorque e agrega, hoje,


praticamente todos os povos do Mundo. Embora tenha desenvolvido um
importante papel no que toca à cooperação internacional, a sua actuação

8
Preâmbulo da “Carta das Nações Unidas”, São Francisco, 26 de Junho de 1945.
10
ficou aquém das expectativas no que concerne à concertação da paz
mundial.

Sem querer relativizar os esforços e os feitos alcançados pela ONU e


pelas organizações especializadas da sua “família” (OIT, UNESCO, FAO,
OMS, UNICEF …), esta organização mundial tem encontrado grandes
dificuldades de efectivação dos seus instrumentos de carácter geral,
devido às disparidades filosóficas, ideológicas, culturais e aos conflitos
internacionais.

2.A ONU e o Direito à Cultura

A ONU tomou uma feição profundamente humanista, que foi


reforçada pela aprovação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos
do Homem (DUDH), que passou a integrar os documentos fundamentais
das Nações Unidas.

A DUDH não se limita a definir os direitos e as liberdades


fundamentais (direito à vida, liberdade de reunião, associação, expressão,
entre outros). Os seus redactores atribuíram um importante espaço aos
direitos económicos e sociais (direito ao trabalho, ao descanso, ao ensino,
entre outros), por os considerarem imprescindíveis a uma vida digna e
verdadeiramente livre.

A DUDH “reconhece o direito à cultura, referindo-se tanto aos


direitos de criação e de fruição cultural, como aos direitos de autor. Os
primeiros resultam da determinação de que toda a pessoa tem o direito
de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste
resultam (artigo 27º, nº1); os segundos da estipulação de que todos têm
direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria (artigo 27º, nº2).”9
9
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 44.
11
Apesar de a DUDH reconhecer o direito à cultura, esta não o protege
efectivamente. É preciso não esquecer que a DUDH não é um documento
vinculativo, podemos indagar se terá, ou não, ganho força de costume
internacional mas, na verdade, cabe aos Estados decidir qual o campo da
sua aplicação e, por tal, a protecção que daqui advêm do direito à cultura
depende da forma como este documento é aplicado pelos Estados nele
parte.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,


Ciência e Cultura), fundada em 1945 e cujo objectivo é contribuir para a
paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as
comunicações, tem contribuído para a promoção do direito à cultura,
estimulando a criação, a criatividade e a preservação das entidades
culturais.

Todas as suas iniciativas são de extrema importância, mas não


passam do plano da promoção, não podem impor o direito à cultura, nem
o respeito dos Estados por este, podem apenas incentivá-lo. Falta a estas
organizações poder para poderem intervir de forma mais eficaz, na ordem
interna dos Estados, poder este que dificilmente irão obter, tendo em
conta os desequilíbrios de força que existem dentro das Nações Unidas.
Resta-lhes, assim, a digna missão de promoção do direito à cultura.

3.Outros documentos de âmbito internacional: Pacto Internacional


sobre os Direitos Civis e Políticos

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos foi adoptado


e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da
Assembleia Geral das Nações Unidas a 16 de Dezembro de 1966. Entrou
em vigor, na ordem internacional a 23 de Março de 1976, em
conformidade com o seu artigo 49º. É um tratado internacional e
multilateral.

12
Este reconhece que, em conformidade com a DUDH, “o ideal do ser
humano livre, usufruindo das liberdades civis e políticas e liberto do medo
e da miséria, não pode ser realizado a menos que sejam criadas condições
que permitam a cada um gozar dos seus direitos civis e políticos, bem
como dos seus direitos económicos, sociais e culturais” 10. Pretende, assim,
ser um instrumento mais efectivo do que a DUDH, na protecção dos
direitos inalienáveis do Homem, que derivam da sua própria dignidade,
enquanto ser humano que é. É um documento vinculativo para os Estados
que o ratificaram.

Este documento internacional “trata do direito à cultura, na sua


acepção mais ampla, enquanto direito dos indivíduos integrados em
determinados grupos sociais, agregados populacionais ou comunidades
políticas, dotados de identidade cultural própria, ao estabelecer que nos
Estados em que existem minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as
pessoas pertencentes a essas minorias não devem ser privadas do direito
de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua própria
vida cultural, de professar e de praticar a sua própria religião ou de
empregar a sua própria língua (artigo 27º do PIDCP). Pode considerar-se
que existe ainda um reconhecimento implícito do direito à cultura,
resultante da consagração das liberdades de espírito, nomeadamente da
liberdade de opinião (artigo 19º, nº1 do PIDCP) e da liberdade de
expressão, que compreende a liberdade de procurar, receber e expandir
informações e ideias de toda a espécie (…) sob forma oral ou escrita,
impressa ou artística, ou por outro qualquer meio à sua escolha (artigo
19º, nº2 do PIDCP) ”11.

Este Pacto trata do direito à cultura de forma indirecta e demasiado


ampla. Um determinado cidadão que quisesse defender o seu direito à

10
Preâmbulo do “Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”, 1996.
11
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 44 e 45.
13
cultura, não poderia fundamentar tal defesa somente neste documento,
uma vez que este o consagra de forma bastante implícita.

4.Outros documentos de âmbito internacional: Pacto Internacional


sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais

Foi, igualmente, adoptado e aberto à assinatura, ratificação e


adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações
Unidas a 16 de Dezembro de 1966. Entrou em vigor, na ordem
internacional a 3 de Janeiro de 1976, em conformidade com o seu artigo
27º. É um tratado internacional e multilateral.

Este Pacto “consagra expressamente o direito à cultura nas suas


múltiplas vertentes – de liberdade, de prestação e de participação, assim
como se refere também, em especial, à modalidade dos direitos de autor.
Assim, o artigo 15º [do PIDESC], impõe o respeito pela liberdade
indispensável à investigação científica e às actividades criadoras (nº3);
obriga à tomada de medidas para assegurar a manutenção, o
desenvolvimento e a difusão da ciência e da cultura (nº2), assim como à
adopção de mecanismos de cooperação no domínio da ciência e da
cultura (nº4); reconhece a todos o direito de participar na vida cultural
(nº1, alínea a); garante o direito de beneficiar da protecção dos interesses
morais e materiais que decorrem de toda a produção científica, literária
ou artística de que cada um é autor (nº1, alínea c)”12.

Estes dois Pactos Internacionais propugnam a realização dos


mesmos objectivos, mas em campos que outrora se consideravam
diferentes e com diferente importância (direitos civis e políticos vs direitos
económicos, sociais e culturais). Nesta altura considerava-se que os
chamados direitos de primeira geração estavam mais intimamente ligados
à dignidade da pessoa humana, que os direitos da segunda e terceira

12
VASCO PEREIRA DA SILVA “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 45.
14
gerações. Hoje o entendimento tende a ser diferente. Todos estes direitos
têm a mesma estrutura (são compostos por uma combinação de uma
vertente negativa – que corresponde a uma esfera protegida de agressões
estaduais – e de uma vertente positiva – que obriga à intervenção dos
poderes públicos, de modo a permitir a realização plena e efectiva de tais
posições de vantagem) e o mesmo fundamento (a sua ligação à dignidade
da pessoa humana).

Penso que quem esteve por detrás da redacção destes dois Pactos
Internacionais era de tal forma vanguardista que percebeu tal conexão
entre todos estes direitos, basta lermos o preâmbulo dos dois documentos
para nos apercebermos disso mesmo. Mas a verdade é que esse não era o
entendimento geral e, por isso, existem grandes diferenças entre estes
dois diplomas.

Ambos são vinculativos para os Estados que os ratificaram, mas


apesar de o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais ter representado um grande avanço na protecção explícita do
direito à cultura essa protecção não é de todo suficiente. As medidas a
que este Pacto obriga os Estados a tomar ficam na disponibilidade dos
Estados, os passos que os Estados são obrigados a realizar ficam na
medida das suas possibilidades. As normas deste diploma são demasiado
programáticas, baseiam-se demasiado nos passos que os Estados podem
e querem dar, ao contrário do que acontece com as normas constantes do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que são directamente
exequíveis.

Conselho da Europa
15
O Conselho da Europa é uma organização internacional que foi
fundada a 5 de Maio de 1949, com o Tratado de Londres. É a mais antiga
instituição europeia em funcionamento. Os seus propósitos são a defesa
dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a promoção da
estabilidade político-social na Europa.

1.Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Origem

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) foi celebrada


no âmbito do Conselho da Europa. Foi assinada em Roma, a 4 de
Novembro de 1950 e é um tratado internacional multilateral. Tem o mérito
de ser o primeiro documento de direito internacional a construir um
sistema regional de protecção dos direitos do homem.

Quais são, então, os principais objectivos que a CEDH procura


realizar? A CEDH pretende garantir, a cada particular (sujeito à jurisdição
de um Estado contratante), uma protecção mais eficaz dos seus direitos,
liberdades e garantias do que a que lhe é conferida pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Tem, igualmente, a intenção de
assegurar alguns valores universais e, paralelamente, pretende construir –
sobre esses valores comuns – uma sociedade mais democrática e segura
no espaço europeu.

Tendo consagrado uma importante panóplia de direitos do homem,


a Convenção não se limita, hoje, ao conjunto de direitos consagrados no
seu texto original de 1950. Pelo contrário, ela é, actualmente, o resultado
de uma longa evolução normativa, processada por diversos protocolos
adicionais, que complementam o seu sistema institucional e o âmbito de
protecção dos direitos fundamentais no espaço europeu, e que
representam o desenvolvimento do pensamento jurídico
internacional/europeu.

16
A Convenção representa um ponto de ruptura no Direito
Internacional Clássico, uma vez que ultrapassou o estatuto de mera
proclamação de direitos, pois prevê a possibilidade de controlo
jurisdicional, mediante a intervenção de um tribunal internacional, com a
possibilidade deste mecanismo ser accionado pelos próprios particulares.

2.Direitos consagrados na CEDH

A Convenção inspira-se “numa certa concepção do ser humano e


aspira a exprimir uma posição comum sobre o papel do Homem na
sociedade no espaço europeu. Neste contexto, a Convenção reconhece e
protege direitos inerentes a todos os indivíduos, em razão da sua
dignidade imanente”13. A sua intenção não foi a de criar “novos direitos
substantivos, mas sim de colocar sob protecção internacional alguns
direitos comuns ou básicos, presumivelmente já reconhecidos pela lei
interna dos Estados parte” 14
.

A Convenção consagra um catálogo de direitos minimalista.


Consolida alguns direitos próximos da ideia de liberdade política, que
foram, posteriormente, complementados por protocolos adicionais. Prevê,
entre outros, os seguintes direitos:

• o direito à vida ( artigo 2º da CEDH);

• a proibição da tortura e de penas desumanas ou degradantes


(artigo 3º da CEDH);

• a proibição da escravatura e do trabalho forçado (artigo 4º da


CEDH);

• o direito à liberdade e à segurança ( artigo 5º da CEDH);

13
ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Lisboa, 2009, página 19.
14
L.B. SOHN e TH. BUERGENTHAL, “International protection of human rights”, 1973,
página 1149.
17
• o direito a um processo equitativo (artigo 6º da CEDH);

• o direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8º da


CEDH);

• o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião


(artigo 9º da CEDH);

• o direito à liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH);

• o direito à liberdade de reunião e associação (artigo 11º da


CEDH);

• o direito ao casamento (artigo 12ºda CEDH);

• o direito a um recurso efectivo (artigo 13º da CEDH);

• o direito à igualdade (artigo 14º da CEDH).

A Convenção consagra igualmente o princípio da legalidade (artigo 7º).


Esta é composta por seis Protocolos (Protocolo nº1, 20.03.1952; Protocolo
nº4, 16.09.1963; Protocolo nº6, 28.09.1983; Protocolo nº7, 22.11.1984;
Protocolo nº13, 03.05.2002; Protocolo nº14, 13.05.2004), através dos
quais se procedeu a um trabalho de aditamento. Estes Protocolos
consagram direitos como, o direito à instrução (artigo 2º, do Protocolo
nº1), a eleições livres (artigo 3º, do Protocolo nº1), a proibição da prisão
por dívidas (artigo 1º, do Protocolo nº4), a proibição da pena de morte
(artigo 1º, do Protocolo nº6), o direito a um duplo grau de jurisdição em
matéria penal (artigo 2º, do Protocolo nº7), entre outros.

A este "acervo de direitos do homem (…), dá-se usualmente o nome de


ordem pública europeia, por expressarem a comunidade de valores e
princípios inerentes à dignidade da pessoa humana, que devem guiar a
acção dos Estados contratantes.”15

15
ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Lisboa, 2009, página 21.
18
3.Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)

É um Tribunal com jurisdição internacional, independente e


permanente, composto por um número de juízes igual ao número de
Estados parte na Convenção. Os juízes não têm de ser cidadãos do Estado
pelo qual são eleitos e pode dar-se o caso de existirem dois juízes com a
mesma nacionalidade.

Porém, só podem ser juízes indivíduos que reúnam, cumulativamente,


os seguintes requisitos: 16

 possuam alta reputação moral;

 possuam elevada aptidão técnica, especialmente por reunirem


as condições exigidas para o exercício de altas funções
judiciais ou por serem jurisconsultos de reconhecida
competência;

 apresentem garantias de independência e imparcialidade.

Todos os juízes do TEDH têm de preencher este conjunto de


requisitos. Uma vez preenchidos, os Estados são livres de escolher as
personalidades que desejam ver presentes no Tribunal.

O TEDH localiza-se em Estrasburgo, França.

Que competências tem este Tribunal?

A competência do Tribunal pode ser de dois tipos: consultiva ou


contenciosa.

A competência consultiva de que dispõe o TEDH consubstancia-se


na emissão de pareceres sobre uma questão jurídica relativa à
interpretação da Convenção ou dos seus Protocolos, a solicitação do
Comité (art. 47º da CEDH). O parecer do Tribunal traduz-se num

16
Cfr. ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, p.43, em articulação com o
artigo 21º da CEDH.
19
documento com auctoritas (expressão de JO M. PASQUALUCCI), mas sem
força vinculativa.

A competência contenciosa de que o TEDH dispõe, traduz-se na


apreciação de queixas apresentadas por Estados ou de petições
apresentadas por qualquer indivíduo, pessoa colectiva, organização não
governamental ou grupo de indivíduos, que veja um seu direito (plasmado
na Convenção) ser violado por qualquer Estado contratante (e, desde logo,
pelo seu próprio Estado de nacionalidade ou de residência).

Quem pode solicitar ao Tribunal a composição de um litígio e contra


quem pode ser solicitada a composição desse litígio?

Por outras palavras, e muito sucintamente, é contra os Estados parte


na Convenção que pode ser solicitada a composição de um litígio, são
estes que dispõem de legitimidade passiva. Qualquer Estado contratante,
indivíduo, pessoa colectiva, organização não governamental ou grupo de
indivíduos, que veja um seu direito (plasmado na Convenção) ser violado
por qualquer Estado contratante pode dirigir-se ao TEDH para ver o seu
direito defendido em juízo. Mas tal só pode suceder uma vez esgotadas as
vias de direito interno (número 1, do artigo 35º da CEDH).

Este requisito de acesso ao TEDH revela o carácter subsidiário da


tutela conferida pela Convenção em relação à tutela de direito interno. O
Estado que alegadamente violou a Convenção deve ter prioridade na
resolução da questão. Os meios jurídicos ao dispor do indivíduo devem ser
essenciais, suficientes, acessíveis, eficazes e adequados.

O TEDH pode, inclusive, solicitar a intervenção de terceiros, para o


auxiliarem na sua tarefa de apreciação do mérito da causa (ex. Amnistia
Internacional).

4.Liberdade de expressão

20
A CEDH consagra, no seu artigo 10º, este direito e existem vários
acórdãos, do TEDH, que o concretizam e desenvolvem, explicando-nos
quais as faculdades que este direito envolve e quais os limites a que está
sujeito.

Vou, agora, analisar duas situações que foram submetidas à


apreciação do TEDH.

O acórdão Lopes Gomes da Silva C. Portugal (2000), foi o primeiro


caso em que Portugal foi condenado. O TEDH apreciou a situação de
Vicente Jorge Silva, então director do jornal Público, contra o qual tinha
sido proposta uma queixa crime, apresentada por Silva Resende.

Vicente Silva escreveu vários artigos em que expressava, de uma


maneira não muito moderada, a sua opinião sobre várias pessoas da
sociedade e, na altura, escreveu vários artigos sobre Silva Resende, uma
vez que este tinha sido apresentado como candidato do CDS à presidência
da Câmara Municipal de Lisboa.

Deixo-vos, aqui, um excerto de um dos seus vários artigos: “Basta


ler os excertos dos artigos recentes de Silva Resende, que publicamos
nestas páginas, para se fazer uma ideia da personagem que o novel
Partido Popular quer candidatar ao principal município do país. Será
inverosímil e grotesco – mas é verdadeiro. Nem nas arcas mais
arqueológicas e bafientas do salazarismo seria possível desencantar um
candidato ideologicamente mais grotesco e boçal, uma mistura tão
inacreditável de reaccionarismo alarve, sacristanismo fascista e anti-
semitismo ordinário. Qualquer figura destacada do Estado Novo ou
qualquer presidente da Câmara de Lisboa durante o anterior regime
passariam por insignes progressistas em comparação com este brilhante
achado de Manuel Monteiro”.

O tribunal de 1ª instância (5º Juízo Criminal de Lisboa) absolveu-o, o


Tribunal da Relação de Lisboa condenou-o pelo crime de abuso de
liberdade de imprensa.
21
O TEDH condenou o Estado Português por violação do artigo 10º da
Convenção, afirmando que a liberdade de expressão “é válida não apenas
para as informações ou ideias acolhidas favoravelmente ou consideradas
como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que ferem,
chocam ou causam inquietação. Assim o exigem o pluralismo, a
tolerância e o espírito aberto sem os quais não há sociedade
democrática.”17

Outro caso que se pode interligar com o tema, deste trabalho, é o


caso Wingrove C. Reino Unido (1996). O realizador, Nigel Wingrove,
realizou uma curta-metragem que envolvia diálogo, música e imagens.
Através da sua curta-metragem, Nigel pretendia mostrar ao público a sua
visão sobre a vida e os escritos de Santa Teresa de Ávila (santa que teve
experiências de êxtase com Jesus Cristo). A sua obra continha cenas que
foram consideradas eróticas, entre a actriz que interpretava a personagem
de Santa Teresa e a que interpretava a personagem da sua psique, assim
como as cenas entre a actriz que interpretava a personagem de Santa
Teresa e o actor que interpretava a personagem de Jesus Cristo.

Para poder divulgar a sua curta-metragem, Nigel necessitava de


requer, às autoridades britânicas, a licença devida para o efeito querido. O
seu pedido foi recusado pelas referidas autoridades e Nigel viu-se
impossibilitado de divulgar a sua curta-metragem. Depois de recorrer aos
tribunais nacionais propôs uma acção junto do TEDH. O Reino Unido não
foi condenado por violação do artigo 10º da Convenção, uma vez que o
TEDH considerou a actuação das autoridades legítima, uma vez que esta
se baseava num acto legal (Obscene Publications Acts, de 1959 e de
1964).

5.A Convenção Europeia e o direito à cultura

17
Acórdão Jorge Vivente Silva C. Portugal, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
2000.
22
Esta Convenção não consagra directa nem explicitamente o direito à
cultura. Verifica-se, apenas, o seu “reconhecimento implícito (no quadro
das liberdades de espírito), designadamente, nos artigos 9º (liberdade de
pensamento, de consciência e de religião) e 10º (liberdade de expressão).
A que acresce a protecção do Protocolo Adicional nº1 (20 de Março de
1952), que estabelece no artigo 2º (o direito à instrução), que a ninguém
pode ser negado o direito à instrução, sendo esta uma tarefa estadual a
desempenhar no respeito pelas convicções religiosas e filosóficas dos
pais.”18

Mas será que os casos anteriormente expostos não estariam melhor


protegidos sob a égide do direito à cultura, caso este também estivesse
consagrado na Convenção?

Os artigos de jornal de Vicente Silva podiam nem estar abrangidos


pelo âmbito do direito à liberdade de expressão, mas sendo artigos de
grande qualidade, que nos transmitem uma visão pessoal da sociedade,
sua contemporânea, constituem um bem cultural, que deve ser protegido.
Ao director do Público deveria ter sido, igualmente, reconhecido o seu
direito à divulgação da obra literária, por si criada.

Os artistas do primeiro modernismo português (1911-1918), da


época da revista Orpheu (Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando
Pessoa, Amadeu de Sousa Cardoso, entre outros) eram inovadores e
emblemáticos, tão vanguardistas eram que a população portuguesa os
apelidou de irreverentes, polémicos e boémios. Arrebatados pelo mundo
da técnica do seu tempo, excêntricos e provocadores, estes jovens
deixaram o país escandalizado. Nas suas dissertações, agressivas,
repudiavam o homem contemplativo e exaltavam o homem da acção.
Propunham-se a um corte radical com o passado, denunciando a morbidez
saudosista dos portugueses e incitavam a “raça latina” ao orgulho, à
acção, à aventura e à glória. Se nos deparássemos, hoje, perante uma

18
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 49 e 50.
23
geração igualmente brilhante, também os acusaríamos de crime de
liberdade de imprensa? Também os acusaríamos de abusarem da sua
liberdade de expressão ou protegeríamos os seus escritos, os seus
quadros, as suas obras? Todas as suas criações consubstanciam obras de
arte de valor incalculável, são bens culturais que deviam ser protegidos
através do direito à cultura.

Existem muitos génios, com feitios difíceis, pessoas muito


temperamentais, mas brilhantes. Não deveria ser fácil de lidar com jovens
possuidores de desejos tão ardentes de conhecimento e de expressão,
mas há que proteger as suas obras. O Manifesto Anti-Dantas e por
Extenso19, de Almada Negreiros não teria sido mais ofensivo ainda que os
textos de Vicente Silva? Os grandes artistas nem sempre colhem o apoio
da crítica ou do público mas não é por isso que o seu brilhantismo
esmorece, é ofuscado ou não deve ser protegido.

Deveria ser inserido, na Convenção, o direito à cultura, pois é este


que mais apto está a proteger situações análogas às verificadas nos
acórdãos referidos. Os bens culturais, quer sejam um artigo, um quadro,
ou uma curta-metragem, devem ser protegidos pelo direito à cultura e não
pelo direito à liberdade de expressão. O direito à cultura está dentro do
âmbito dos direitos, liberdades e garantias que a Convenção
preferencialmente visa proteger.

6.Convenção Europeia da Cultura

Os países da Europa têm tradições em comum. A Europa, no seu


todo, tem como base a matriz greco-romana, a cultura judaico-cristã, às
quais se alia uma forte contribuição germânica.

19
“Basta pum basta. Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é
uma geração que nunca o foi. É um coio d’indigentes, d’indignos e de cegos! É uma
resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração!
Morra o Dantas, morra! Pim! Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro
impotente! (…) – ALMADA NEGREIROS, “Manifesto Anti-Dantas e por Extenso”.
24
A Convenção Europeia da Cultura é um tratado internacional
celebrado, também ele, sob a égide do Conselho da Europa, em 1954. O
seu objectivo é proteger a chamada cultura europeia, tentando, para isso,
desenvolver uma política de acção comum de modo a encorajar e
salvaguardar o desenvolvimento desta mesma cultura. Os seus resultados
não são muito visíveis, contém normas demasiado programáticas,
deixando o alcance dos objectivos que determina muitíssimo na
dependência da vontade dos Estados.

Portugal é um Estado Parte desta Convenção.

Esta Convenção não pretende proteger o direito à cultura (enquanto


direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou
artística, nem protege os direitos de autor), mas sim a “cultura europeia”,
como realidade complexa, enraizada na comunidade europeia, que
conjuga tanto elementos de ordem histórica, como filosófica,
antropológica, sociológica e psicológica. Cada Estado parte deve dar o seu
contributo para a protecção e desenvolvimento de tal cultura.

Este documento procura proteger os valores e o património comum


dos vários países da Europa, bem como promover a facilitação do
movimento de trocas e circulação de pessoas e de bens de valor cultural.

União Europeia
1.Origem

25
Após a Segunda Guerra Mundial, inicia-se o movimento de
construção europeia. A Guerra arrasou todos os Estados da Europa, a
cooperação e a união imponham-se mais fortemente: a “ideia de Europa”
surge como a única via para os países europeus se reconstruírem e terem
relações pacíficas entre si. Ou a Europa se unia ou não seria capaz de se
reerguer.

A política expansiva de Estaline e a correspondente ameaça que


pairava sobre as democracias europeias ocidentais que se sentiam (e o
eram na verdade) fracas, operaram como forças convergentes,
congregando os países.

A necessidade de uma acção comum viria a ser particularmente


posta em evidência pelo facto de os EUA a exigirem como pré-condição
para concretizarem o seu auxílio à reconstrução das economias europeias
(Plano Marshall + formação da OCDE).

A URSS e os EUA foram, assim, os dois grandes “federadores”,


impulsionadores da união europeia.

Em 1951 é celebrado o Tratado de Paris e, com ele, surge a


Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).

Em 1957, com o Tratado de Roma, surge a Comunidade Económica


Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica.

A construção europeia inicia-se tendo como objectivo a cooperação


económica (criação de uma União Aduaneira – Pauta Exterior Comum -,
políticas comuns – PAC, PESC, entre outras – criadas pelas instituições
para atingir macro-objectivos definidos).

O sucesso dos primeiros anos do processo de integração europeia


fez surgir o desejo de integração política, assim como o aumento das
competências da Comunidade e alargamento das suas políticas.

26
A Comunidade viu os seus membros aumentarem, assim como a sua
influência sobre estes.

Seguiram-se vários tratados que permitiram à Comunidade Europeia


atingir os seus objectivos primários e muitos outros (Tratado de Bruxelas,
1965/67; Acto Único Europeu, 1986/87; Tratado de Maastricht, 1992/93 –
surge a figura da União Europeia, desprovida de personalidade jurídica, e
os seus três pilares, primeiro pilar: instituições da Comunidade Europeia,
segundo pilar: PESC, Política Externa e Segurança Comum, terceiro pilar:
JAI- COPOJUP, Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal, entre
tribunais; Tratado de Amesterdão, 1997/99 – que implementa a
cooperação reforçada, a qual permite aos Estados avançar mais
rapidamente na integração europeia e, o acervo de Schengen, o qual
abrange uma convenção internacional e um acordo internacional, que
procuram garantir a livre circulação de pessoas, na Europa, sem que a sua
passagem seja controlada nas fronteiras; Tratado de Nice, 2001/2003 –
que visou preparar o grande alargamento a Leste; Tratado de Lisboa,
2007/2009 – datas de aprovação e não de entrada em vigor).

Com o Tratado de Lisboa ocorrem várias mudanças, como por


exemplo: a União Europeia absorve as Comunidades Europeias e adquire
personalidade jurídica; a Carta dos Direitos Fundamentais da EU torna-se
vinculativa, de cumprimento obrigatório para os Estados-Membros; são
criadas novas figuras institucionais; alteração das votações no seio do
Conselho da União Europeia, entre outras.

2.Carta dos Direitos Fundamentais da UE e o direito à cultura

O artigo 2º do Tratado da União Europeia diz o seguinte: “A União


funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da
democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos
do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias.
Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade
27
caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça,
a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres”.

O respeito pelos direitos do Homem é um dos requisitos de entrada,


na União Europeia, para qualquer possível Estado-Membro. Este é também
um requisito de plenos poderes, para os, já, Estados-Membros (artigo 7º
do Tratado da União Europeia).

A União Europeia entendeu que tal não bastava e quis, através desta
Carta, conferir maior visibilidade aos direitos fundamentais, protegidos por
cada Estado e, reforçar a sua protecção, “à luz da evolução da sociedade,
do progresso social e da evolução científica e tecnológica”20.

A Carta dos Direitos Fundamentais da EU consagra a dignidade do


ser humano (artigo 1º), o direito à vida (artigo 2º), o direito à integridade
do ser humano (artigo 3º), a proibição da tortura e dos tratos ou penas
desumanos ou degradantes (artigo 4º) e a proibição da escravidão e do
trabalho forçado (artigo 5º). Tem, inclusive vários Títulos, nos quais
consagra as “Liberdades”, no seu Título II (artigo 6º a artigo 19º), a
“Igualdade”, no Título III (artigo 20º a 26º), a “Solidariedade”, no Título IV
(artigo 27º a artigo 38º), a “Cidadania”, no Título V (artigo 39º a artigo
46º) e a “Justiça” (artigo 47º a 54º).

Este documento não consagra explicitamente o direito à cultura.


Existe um reconhecimento implícito deste direito, resultante da
consagração das chamadas “liberdades de espírito”, através da liberdade
de pensamento, de consciência e de religião (artigo 10º), da liberdade de
expressão e de informação, que compreende “ a liberdade de opinião e a
liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa
haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de
fronteiras” (número 1 do artigo 11º), do direito à educação (número 1 do
artigo 14º). A Carta diz ainda que “as artes e a investigação científica são
livres” e que é “respeitada a liberdade académica” (artigo 13º). Mas, não

20
Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da EU.
28
protege o “direito dos indivíduos integrados em determinados grupos
sociais, agregados populacionais ou comunidades políticas, dotados de
identidade cultural própria” (livro do prof Vasco), não existe nenhum
artigo que proteja os direitos das minorias étnicas, a Carta simplesmente
diz, no seu artigo 22º, que a “União respeita a diversidade cultural,
religiosa e linguística”.

Conclusão
O direito à cultura é um direito fundamental, um direito individual e
colectivo, cabendo ao indivíduo, à sociedade, ao Estado e à Comunidade
Internacional defende-lo e promove-lo.

Infelizmente, este direito não está expressamente consagrado em


nenhum diploma internacional, sendo que tal situação deveria ser
alterada.

Os documentos internacionais têm o dever (senão a obrigação) de


consagrar o direito à cultura. Porquê? Porque este propicia uma protecção
mais eficaz e adequada aos casos que se inserem na sua previsão. Os
bens culturais seriam protegidos de uma forma mais adequada e justa
através do direito à cultura, do que através das “liberdade de espírito”.

Como vimos no acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do


Homem, Wingrove C. Reino Unido, nem sempre um bem cultural é
devidamente protegido através, por exemplo, do direito à liberdade de
expressão. Muito provavelmente se a Convenção Europeia consagrasse o
direito à cultura, o realizador Wingrove, teria visto o seu direito protegido,
a curta-metragem que fez teria sido protegida, uma vez que é um bem
cultural e o Tribunal teria, assim, protegido o seu direito a divulga-la.

Mas tal não aconteceu e quem perde somos nós, cidadãos, que não
vemos os nossos direitos protegidos tão eficazmente como deveriam ser.

29
Bibliografia

• VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos


Fundamentais e Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007.

• ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no


Espaço Europeu – O Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem”, Faculdade de Direito da Universidade Católica.

• JORGE MIRANDA, “Curso de Direito Internacional Público”, 3ª edição,


Princípia, Cascais, 2006.

• FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA, “O Tribunal Europeu dos Direitos do


Homem e a Liberdade de Expressão”, Coimbra Editora, Coimbra,
2009.

• ERNÂNI ROGRIGUES LOPES, “Questões Fundamentais de Construção


Europeia”, Volume I, Lições da Universidade Católica Portuguesa,
Lisboa, 2008/2009.

• L.B. SOHN e TH. BUERGENTHAL, “International protection of human


rights”, 1973.

30
Anexos
Anexo 1

European Treaty Series - No. 18

EUROPEAN CULTURAL CONVENTION

31
Paris, 19.XII.1954

32
The governments signatory hereto, being members of the Council of Europe,

Considering that the aim of the Council of Europe is to achieve a greater unity 
between   its   members   for   the   purpose,   among   others,   of   safeguarding   and 
realising the ideals and principles which are their common heritage;

Considering that the achievement of this aim would be furthered by a greater 
understanding of one another among the peoples of Europe;

Considering that for these purposes it is desirable not only to conclude bilateral 
cultural   conventions   between   members   of   the   Council   but   also   to   pursue   a 
policy of common action designed to safeguard and encourage the development 
of European culture;

Having resolved to conclude a general European Cultural Convention designed 
to foster among the nationals of all members, and of such other European States 
as may accede thereto, the study of the languages, history and civilisation of the 
others and of the civilisation which is common to them all,

Have agreed as follows:

Article 1

Each Contracting Party shall take appropriate measures to safeguard and to 
encourage the development of its national contribution to the common cultural 
heritage of Europe.

  Article 2

Each Contracting Party shall, insofar as may be possible,

a encourage the study by its own nationals of the languages, history and 
civilisation   of   the   other   Contracting   Parties   and   grant   facilities   to  those 
Parties to promote such studies in its territory, and

b endeavour to promote the study of its language or languages, history and 
civilisation   in   the   territory   of   the   other   Contracting   Parties   and   grant 
facilities   to   the   nationals   of   those   Parties   to   pursue   such   studies   in   its 
territory.

Article 3

The Contracting Parties shall consult with one another within the framework of 
the Council of Europe with a view to concerted action in promoting cultural 
activities of European interest.
Article 4

Each Contracting Party shall, insofar as may be possible, facilitate the movement 
and exchange of persons as well as of objects of cultural value so that Articles 2 
and 3 may be implemented.

Article 5

Each   Contracting   Party   shall   regard   the   objects   of   European   cultural   value 
placed under its control as integral parts of the common cultural heritage of 
Europe, shall take appropriate measures to safeguard them and shall ensure 
reasonable access thereto.

Article 6

1 Proposals for the application of the provisions of the present Convention and 
questions relating to the interpretation thereof shall be considered at meetings 
of the Committee of Cultural Experts of the Council of Europe.

2 Any State not a member of the Council of Europe which has acceded to the 
present   Convention   in   accordance   with   the   provisions   of   paragraph 4   of 
Article 9 may appoint a representative or representatives to participate in the 
meetings provided for in the preceding paragraph.

3 The conclusions reached at the meetings provided for in paragraph 1 of this 
article shall be submitted in the form of recommendations to the Committee of 
Ministers of the Council of Europe, unless they are decisions which are within 
the competence of the Committee of Cultural Experts as relating to matters of 
an administrative nature which do not entail additional expenditure.

4 The   Secretary   General   of   the   Council   of   Europe   shall   communicate   to   the 


members of the Council and to the government of any State which has acceded 
to the present Convention any decisions relevant thereto which may be taken by 
the Committee of Ministers or by the Committee of Cultural Experts.

5 Each  Contracting   Party   shall   notify  the   Secretary  General   of   the   Council   of 
Europe in due course of any action which may be taken by it for the application 
of the provisions of the present Convention consequent on the decisions of the 
Committee of Ministers or of the Committee of Cultural Experts.

6 In the event of certain proposals for the application of the present Convention 
being found to interest only a limited number of the Contracting Parties, such 
proposals   may   be   further   considered   in   accordance   with   the   provisions   of 
Article 7,   provided   that   their   implementation   entails   no   expenditure   by   the 
Council of Europe.

Article 7
If,   in   order   to   further   the   aims   of   the   present   Convention,   two   or   more 
Contracting  Parties   desire  to  arrange  meetings  at   the  seat   of  the   Council  of 
Europe other than those specified in paragraph 1 of Article 6, the Secretary G­
eneral of the Council shall afford them such administrative assistance as they 
may require.

Article 8

Nothing in the present Convention shall be deemed to affect

a the provisions of any existing bilateral cultural convention to which any of 
the Contracting Parties may be signatory or to render less desirable the 
conclusion of any further such convention by any of the Contracting Par­
ties, or

b the obligation of any person to comply with the laws and regulations in 
force   in   the   territory   of   any   Contracting   Party   concerning   the   entry, 
residence and departure of foreigners.

Article 9

1 The present Convention shall be open to the signature of the members of the 
Council of Europe. It shall be ratified, and the instruments of ratification shall 
be deposited with the Secretary General of the Council of Europe.

2 As soon as three signatory governments have deposited their instruments of 
ratification,   the   present   Convention   shall   enter   into   force   as   between   those 
governments.

3 With   respect   to   each   signatory   government   ratifying   subsequently,   the 


Convention shall enter into force on the date of deposit of its instrument of 
ratification.

4 The   Committee   of   Ministers   of   the   Council   of   Europe   may   decide,   by   a 


unanimous   vote,   to   invite,   upon   such   terms   and   conditions   as   it   deems 
appropriate, any European State which is not a member of the Council to accede 
to the present Convention. Any State so invited may accede by depositing its 
instrument of accession with the Secretary General of the Council of Europe. 
Such accession shall take effect on the date of receipt of the said instrument.

5 The Secretary General of the Council of Europe shall notify all members of the 
Council and any acceding States of the deposit of all instruments of ratification 
and accession.

Article 10
Any Contracting Party may specify the territories to which the provisions of the 
present Convention shall apply by addressing to the Secretary General of the 
Council of Europe a declaration which shall be communicated by the latter to 
all the other Contracting Parties.

Article 11

1 Any Contracting Party may denounce the present Convention at any time after 
it   has   been  in  force   for  a   period   of   five years   by  means   of   a   notification   in 
writing addressed to the Secretary General of the Council of Europe, who shall 
inform the other Contracting Parties.

2 Such   denunciation   shall   take   effect   for   the   Contracting   Party   concerned 
six months after the date on which it is received by the Secretary General of the 
Council of Europe.

In witness whereof the undersigned, duly authorised thereto by their respective 
governments, have signed the present Convention.

Done at Paris this 19th day of December 1954, in the English and French lan­
guages,   both   texts   being   equally   authoritative,   in   a   single   copy   which   shall   remain 
deposited in the archives of the Council of Europe. The Secretary General shall transmit 
certified copies to each of the signatory and acceding governments.
Anexo 2

Os acórdãos referidos, no trabalho, encontram-se nos seguintes sites


da Internet:

• Acórdão Lopes Gomes da Silva Contra Portugal (2000)

http://www.iidh.ed.cr/comunidades/libertadexpresion/docs/le_eu
ropeo/lopes%20gomes%20da%20silva%20v.%20portugal.htm;

• Acórdão Wingrove Contra Reino Unido (1996):


http://www.hrcr.org/safrica/expression/wingrove_uk.html.

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