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Lima, Rodne. Caio Prado JR e A QST Agrária No BR PDF
Lima, Rodne. Caio Prado JR e A QST Agrária No BR PDF
RESUMO
Este artigo examina as teses de Caio Prado Júnior expostas em seus artigos sobre a questão agrária no Brasil, com a
preocupação central de demonstrar o encadeamento existente entre elas e analisar as principais conclusões do autor.
PAlAVRAS-CHAVES: Questão agrária, Caio Prado Júnior, .."'t,,,.....,~ agrária, legislação rural brasileira.
Versão preliminar, destinada a apresentar a análise dos principais escritos do autor sobre o tema. Futuramente, desejamos
complementá-la, noutro trabalho que se de clique a examinar a atualidade da análise de Caio Prado Júnior para a questão
agrária contemporânea no país,
** Sociólogo, professor-assistente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina,
"(..) É natw-alportanto que antes de cuidar "(...) ela se resume nisto que a grande maioria
da solução deste problema se comece por da população brasileira, a sua quase totalidade,
distinguir o setor da população para que a com exclusão unicamente de uma pequena
solução se dirige (PRADO JÚNIOR.)
N minoria de grandes proprietários e fazendeiros,
1979:21). embora ligada à terra e obl'{!{ada a nela exercer
sua atividade, tirando daí seu sustento} se
Caio Prado Júnior assinalava, nessa passagem, encontra privada da livre disposição da mesma
não apenas o caráter contraditório das relações terra em quantidade que bastepara lhe assegurar
econômicas, políticas e sociais no campo, de onde um niveladequado de subsistência. Vê-se assím
emergia a questão agrária brasileira, mas forçada a exercer sua atÍVldade emproveíto dos
apontava também a existência de divergentes empreendimentos agromercantis de íniciatíva
interesses no conjunto da própria classe de daquela mesma minoria pn'vilegiada que detém
proprietários rurais, ainda que conjunturais e o monopólio virtual da terra. (...r (PRADO
passageiros. JÚNIOR, 1979:32)
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3. A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL Para Caio Prado, o preço da terra,
inflacionado pela condição de reserva de valor
Em que consistiria, então, a refonna agrária que a propriedade rural assumiu na estrutura
pretendida por Caio Prado Júnior para o Brasil? agrária brasileira, sustentava as amarras primárias
Sua definição -limitada, na análise tradicional da produção agropecuária aos moldes mercantis.
da questão agrária, aos problemas da questão Adicionalmente, impossibilitava a proliferação da
fundiária - resultaria do caráter de classe da pequena unidade de produção, mesmo quando
questão agrária que foi acima demonstrado. Para ocorria a subdivisão de terras da grande
realizar-se no Brasil a forma clássica de reforma propriedade, constituía fator de retração do nível
agrária, através da apropriação imediata das terras de desenvolvimento agrário do país e
pela grande massa de trabalhadores determinava a imobilização massiva de grandes
despossuídos, fazia-se necessário, segundo o fatores de produção, pela inexistência de rendas
autor, a prévia mobilização social e imediata que os demandassem, uma vez que se
capacidade de empreendimento agrário em bases encontravam comprometidas com a pura e
econômicas alternativas à empresa agromercantil. simples aquisição do bem patrimonial imóvel.
Caio Prado Júnior não via a existência nem de De par com a questão fundiária, o baixo
um, nem de outro desses fatores. Daí que seu dinamismo do mercado de trabalho e da
esforço analítico fosse dirigido para a definição economia regional nas localidades
de objetivos econômicos e sociais concretos a predominantemente rurais complementava o
serem atingidos no processo de reforma agrária alicerce do monopólio mercantil da produção
que desejava ver instaurado no país. agrária. A disponibilidade continuamente
Do ponto de vista estritamente econômico, limitada de terras e continuamente ampliada de
era preciso remover as barreiras de acesso à força de trabalho possibilitara à empresa
produção competitiva que a moderna empresa agromercantil desenvolver culturas de
agromercantil impunha aos trabalhadores rurais produtividade incerta, negligenciando-se as
autônomos e pequenos produtores: tecnologias de cultivo intensivo, e até mesmo as
características naturais de fertilidade do solo
a(..) Economicamente, a compra da terra não necessárias às culturas menos resistentes. A baixa
constitui inversão de capit~ que somente se reinversão daí derivada era compensada pela
realiza com a aquisição do aparelhamento produção em larga escala, que possibilitava ao
necessário à produção (instrumentos de proprietário de terras aferir grandes lucros da
trabalhq maquinaria, gado... ), na instalação produção, ainda que menores do que aqueles que
de benfeitorias (construções, estradas e a modernização das culturas certamente traria.
caminho~ cercas divisórias...) e de culturas ou Do ponto de vista macroeconômico, entretanto,
pastagens (preparação do solo, plantações, etc.). o resultado permanecia invariável: a baixa
É nisso que propriamente consiste o produtividade no campo empobrecia a economia
empreendimento agropecuário, de que a compra regional, tornando mais largo o fosso entre a
da telTa não constitui mais que preliminar que condição social e econômica dos proprietários
nem mesmo e; a rigor, de ordem econômÍca, e de terras e os trabalhadores do campo, estes
sim jurídica, poís representa unicamente a últimos destituídos de condições para qualquer
simples obtenção do direito de realizar aquele iniciativa competitiva no conjunto da produção
empreendimento. agropecuária.
A agropecuária suporta assim, em confronto com Traçar as diretrizes que pennitissem inverter
outras atividades econômÍca~ um ônus que se os pólos dessa situação de desigualdade era o
toma considerávelquando a tCiTa atinge os altos objetivo de Caio Prado Júnior na sua formulação
valores no BrasJ4 e em São Paulo emparticular; de reforma agrária. Na resolução que encontrou
valores esses inteiramente desproporcionados para a questão, o autor assimilou três linhas
com relação à produtividade e, paralelas, nas quais consubstanda-se seu projeto
conseqüentemente, rentabilidade que a de reforma agrária: o equacionamento da questão
agropecuária pode normalmente oferecer nas fundiária; a consolidação do mercado de trabalho
condições gerais de nossa economia (' .. F' rural, com aumento da demanda por mão-de
(PRADO JÚNIOR, 1979:133). obra e de seu preço relativo e expansão dos
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direitos dos trabalhadores e das obrigações do das médias e pequenas propriedades, sempre
empregadores; e, entre elas, a transformação da expostas às oscilações do mercado, tais como
economia agrária nacional, dinamizando-a e elevação de preços de insumos ou baixa abrupta
tornando-a competitiva. de preços atacadistas de comercialização dos seus
produtos. E ainda mais: o monopólio inicial da
propriedade rural permitiu aos capitalistas rurais
4. A QUESTÃO FUNDIÁRIA NA executarem unilateralmente a definição da forma
ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA como ocorreria a futura divisão das terras,
facultando-lhes instalar a grande propriedade
Foi fazendo das conclusões teóricas extensiva nas porções mais e de maiores
anteriormente mencionadas pólos de sustentação riquezas naturais, relegando a pequena
para as respostas que tenciona perseguir que Caio propriedade a áreas menos vantajosas e de
Prado Júnior situou, concreta e historicamente, resultados produtivos mais limitados. Acrescente
o problema fundiário no Brasil, e o relacionou se a isso a ampla e generalizada destinação de
com a questão agrária. recursos financeiros do fundo público nacional
A perspectiva do capitalista agricultor foi o - na forma de linhas de crédito, subsídios fiscais
ponto de partida da análise para desvendar os e de comercialização, etc. ao grande
mecanismos econômicos que resultavam na empreendimento monocultor, e poderemos
monopolização da propriedade agrária e de seus vislumbrar com alguma exatidão as condições
recursos produtivos. De fato, Caio Prado Júnior desfavoráveis à competitividade da pequena
concluiria que a mercantilização da terra e de seus produção, via de regra desprovida de recursos
produtos constitui o momento inicial da de toda ordem.
introdução do capitalismo no campo, do qual a No contexto da estrutura agrária especulativa
concentração da propriedade da terra nada mais a formação de latifúndios improdutivos ajustava
é que seu resultado possível e necessário. Uma se como mecanismo ad hoc de ordenamento da
vez estabelecido, concede ao empreendedor produção capitalista, funcionando como
agromercantil a base territorial conveniente à momento de espera do capital, no qual a
produção monocultora e extensiva, ao mesmo exploração da grande propriedade extensiva era
tempo que proporciona à empresa agrária os arrefecida, sem que se desfizesse a base territorial
contingentes de força de trabalho necessários ao necessária ao futuro empreendimento expansivo.
desenvolvimento de suas atividades, em Tal prática econômica encontrava na legislação
condições de baixo custo. Complementam-se, recursos formais a proteger sua existência,
assim, os efeitos do monopólio da terra sobre a especialmente nas disposições de tributação sobre
organização da produção agropecuária. a produção rural, que pouco oneravam a grande
Historicamente, a estrutura agrária no Brasil, propriedade extensiva, possibilitando-lhe manter
forjada sob as bases do capital mercantil se mesmo que mediante baixa rentabilidade:
monopolista, guardou desde seus primórdios, e
durante a sua expansão geográfica e econômica, ((. ..) É essa insigniBcante e praticamente
a característica fundamental da concentração da inexistente tributação da terra e seus
propriedade da terra. A "fronteira agrícola", rendimentos) uma das principais) senão a
consecutivamente reproduzida nas regiões de principal circunstância que permite a pessoas
expansão agrária, foi sempre formada, de grandes posses adquirirem e conservarem
inicialmente, como conjunto de grandes propriedades agrícolas semi-improdutivas.
propriedades resultantes, em parte, da inversão (. ..) Por pequeno que seja o rendimento
de grandes capitais privados no processo de relativo que proporcionam) o rendimento
colonização das novas áreas e, em parte, da absoluto) graças à extensão da propriedade)
apropriação extensiva de terras públicas ou é bastante avultado. E como se acha
devolutas pelos capitalistas empreendedores. O praticamente isenta de impostos) seja o
caráter especulativo da estrutura agrária territoria~ seja o de renda) os proventos que
resultante dessas práticas determinou a proporciona dão uma aceitável compensação
generalização dos sistemas de produção imediata ao capital imobilizado no valor da
extensivos no campo, e a fragilidade econômica terra. Compensação imediata essa a que se
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circunstâncias de ocasião) e particularmente A concentração da propriedade fundiária,
pelas vicissitudes financeiras da grande entretanto, logo seria guindada à posição de
exploração. ( . .) determinante fundamental da dinâmica do
( ..) Isto é) são formas de retribuição de trabalho rural. De um lado, porque sua
serviços prestados em que por um motivo ou proliferação atuava como fator gerador de oferta
outro - mas sempre motivo de ordem contínua e ampliada de força de trabalho. De
circunstancial - o pagamento em dinheiro é outro porque, ao mesmo tempo, reduzia as
substituído por prestações de outra natureza. alternativas de seu emprego, facultando aos
(..r (PRADO JÚNIOR) 1979:64-66 - grifo trabalhadores rurais a possibilidade única de
nosso). submissão à unidade de produção extensiva.
Tinha por efeito imediato a retração do mercado
Há, certamente, um duplo sentido na de trabalho rural e sua definição como pólo da
afirmação de Caio Prado Júnior. Em primeiro economia nacional de baixos salários.
lugar, seu significado teórico remete-se Dessa caracterização do mercado de trabalho
obviamente à negação da consistência dessas rural Caio Prado Júnior elaborou a síntese
relações de trabalho implementadas na produção dialética que lhe serviria de conclusão. Nela
"por motivo de ordem circunstancial". Se são tratou de demonstrar, para a ampla compreensão
inconsistentes, são portanto mero das medidas estratégicas próprias à realização da
escamoteamento da relação de trabalho reforma agrária no Brasil, a relação complementar
fundamental do modo de produção dominante entre os fatores de expansão do capitalismo
na agricultura brasileira, o assalariamento rural. agrário e os fatores de disseminação da miséria
Em segundo lugar, pode-se concluir logicamente social no campo. De fato, correntemente tais
pela negação de outra idéia com a qual o autor já fatores identificaram-se em sua totalidade, o
se bateu nos fundamentos de sua tese sobre a baixo custo de remuneração da força de trabalho
questão agrária no Brasil, a recorrente tese do servindo como base permanente de sustentação
feudalismo brasileiro: se eram inconsistentes em da economia agrária especulativa, enquanto
suas formas as relações de trabalho de simultaneamente gerava o mercado de trabalho
remuneração mista, isto se devia à característica rural estático, o aumento da rentabilidade das
essencial de como e por que tinham sido geradas, unidades de produção correspondendo ao
isto é, ao fato de nada mais serem que formas desenvolvimento capitalista das regiões agrícolas,
capitalistas de adaptação da remuneração da mas não ao aumento do valor geral dos salários
força de trabalho à grande unidade de produção ou rendas da população trabalhadora rural.
extensiva, de baixa rentabilidade, componente Como resultado da dinâmica econômica
primeiro da economia agrária especulativa. concentradora de renda e de recursos de
Adaptação cujas matizes disseminavam-se através produção no campo, a qualificação da força de
de formas que variavam da semi-escravidão de trabalho rural possuíra natural propensão a
nativos nas regiões de fronteira agrícola à baixar, fosse como efeito do êxodo de grandes
emergência do volante nos pólos contingentes de população trabalhadora para a
capitalisticamente avançados de produção cidade, e sua integração ao mercado urbano de
monocultora. trabalho, fosse pela sazonalidade do emprego,
O mercado de trabalho resultante da que obrigava o trabalhador a revezar-se em
composição dessas formas híbridas de emprego diferentes ocupações parcelares do trabalho
e remuneração de força de trabalho teria de ser agrícola. Não se tratava, neste caso, do processo
condicionado, naturalmente, pelas formas clássico de especializaçao dos postos de trabalho
econômicas e sociais que as impunham. O autor ocorrido na indústria moderna, mas da supressão
nos apontou dois fatores essenciais a sua do trabalhador polivalente no mercado de
definição: a concentração da propriedade trabalho rural, sem que em contrapartida se
fundiária e a baixa densidade demográfica do tivesse produzido novas formas de qualificação
meio rural brasileiro. da força de trabalho rural:
Quanto ao último desses fatores, sua
importância seria minimizada por Caio Prado ((Trata-se) em regra) de trabalhadores
Júnior. temporários e sem raízes nos locais onde