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CAPÍTULO 30

Assistência ao feto durante o


trabalho de parto
1 Introdução foi o método predominante de monitorização do feto durante
2 Métodos clínicos de monitorização fetal durante o o trabalho de parto na maior parte do século XX. Ainda é am-
trabalho de parto plamente usada, apesar de uma tendência, iniciada na década
2.1 Ausculta cardíaca fetal intermitente
de 1970, de substituí-la pela monitorização eletrônica contí-
2.2 Avaliação do líquido amniótico
3 Avaliação cardíaca fetal contínua nua.
4 Avaliação do equilíbrio ácido-básico no sangue do Conforme avaliação nos estudos randomizados, a auscul-
couro cabeludo fetal ta é realizada a cada 15 minutos durante o primeiro estádio
5 Comparação entre ausculta e monitorização eletrônica fetal do trabalho de parto e com maior freqüência durante o se-
5.1 Efeitos sobre o trabalho de parto e o parto gundo estádio. Os critérios para “sofrimento fetal” são uma
5.2 Efeitos sobre o feto e o recém-nascido freqüência cardíaca fetal acima de 160 ou abaixo de 100-120
5.3 Opiniões maternas
ou batimentos cardíacos irregulares. Embora alguns especi-
5.4 Técnica de monitorização eletrônica fetal
5.5 Comentário alistas acreditem que as alterações da freqüência cardíaca fetal
6 Outros métodos de monitorização fetal e diagnóstico durante as contrações podem produzir um sinal de advertên-
no trabalho de parto cia mais cedo, a ausculta geralmente é realizada após as con-
6.1 Teste na internação trações.
6.2 Testes de estimulação fetal intraparto
7 Tratamento conservador do “sofrimento fetal” 2.2 Avaliação do líquido amniótico
8 Conclusões A eliminação de mecônio está associada a aumento do risco
de morte intraparto, morte neonatal e várias medidas de
morbidade neonatal, como baixo índice de Apgar ou com-
prometimento do equilíbrio ácido-básico. Parte dessa asso-
1 Introdução ciação, mas não toda, é explicada por problemas respiratóri-
O principal objetivo da monitorização do feto durante o traba- os causados pela aspiração de mecônio.
lho de parto é identificar a hipóxia fetal que, se não for corrigida, O mecônio espesso observado no início do trabalho de parto
pode causar morte ou morbidade a curto ou longo prazo. Ao possui o pior prognóstico, e está associado a um aumento de
menos teoricamente, deve ser possível evitar os resultados adversos cinco a sete vezes do risco de morte perinatal. O mecônio es-
por meio de medidas apropriadas e oportunas. pesso, não-diluído, também reflete redução do volume de lí-
Diversos métodos de monitorização do bem-estar fetal foram quido amniótico no início do trabalho de parto, que é, por si
avaliados em estudos randômicos. Embora esses estudos tenham só, um fator de risco significativo. A leve coloração do líquido
produzido dados confiáveis sobre os efeitos dos métodos opcionais amniótico no início do trabalho de parto provavelmente reflete
de monitorização dos resultados fetais e maternos, ainda há con- um pequeno aumento do risco, mas há controvérsias.
trovérsia sobre a forma como deve ser realizada a monitorização A presença de líquido amniótico meconial no início do tra-
e sobre a resposta apropriada no caso de um resultado “anormal”. balho de parto reflete eventos ocorridos anteriormente. Pode
ser um sinal de comprometimento da função placentária que
expõe o feto ao risco de hipóxia durante o trabalho de parto.
2 Métodos clínicos de monitorização fetal A eliminação de mecônio pela primeira vez após o início do
durante o trabalho de parto trabalho de parto é menos comum, e parece ter um risco asso-
2.1 Ausculta cardíaca fetal intermitente ciado intermediário entre a eliminação precoce de mecônio em
A ausculta intermitente (ausculta com um estetoscópio fetal pequena e em grande quantidade. Qualquer que seja o grau
ou com monitor manual de ultra-som Doppler) do coração fetal ou o momento da eliminação de mecônio, os riscos relaciona-

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dos são maiores se também houver anormalidades da freqüên- ocasional na contagem da freqüência cardíaca materna (o que
cia cardíaca fetal. pode levar a um diagnóstico impróprio de sofrimento fetal) e
Devido às associações entre a condição do líquido perda do sinal ou ocorrência de artefato, com a movimenta-
amniótico e os resultados adversos, foi recomendada avalia- ção materna ou fetal, exigindo reposicionamento freqüente do
ção rotineira do líquido amniótico no início do trabalho de transdutor.
parto, se necessário por amnioscopia ou ruptura artificial das A monitorização externa geralmente é empregada no iní-
membranas, como teste de rastreamento para identificação cio do trabalho de parto, particularmente antes da ruptura de
de fetos sob maior risco. Infelizmente, não foi descrita ava- membranas. Em muitos centros, é preferida a monitorização
liação controlada dessa política. interna, por aplicação de eletrodos no couro cabeludo, numa
fase mais avançada do trabalho de parto, porque proporciona
3 Avaliação cardíaca fetal contínua um acompanhamento mais fidedigno e permite que a mãe
tenha maior liberdade de movimento.
O desenvolvimento em 1960 de um eletrodo que poderia ser
fixado ao couro cabeludo fetal estimulou muitas pesquisas
sobre a relação entre alterações da freqüência cardíaca fetal e
4 Avaliação do equilíbrio ácido-básico no
eventos ocorridos durante o trabalho de parto. Várias alte-
sangue do couro cabeludo fetal
rações da freqüência cardíaca fetal foram consideradas A técnica de coleta de amostra de sangue do couro cabeludo
indicadoras de “sofrimento fetal”. Essas alterações foram de fetal para avaliação do equilíbrio ácido-básico durante o tra-
três tipos: alterações da freqüência basal, alterações periódi- balho de parto foi descrita pela primeira vez no início da dé-
cas relacionadas às contrações uterinas e alterações na varia- cada de 1960. Um bisturi ou estilete é introduzido através
bilidade da freqüência basal. Embora a taquicardia (aumen- do óstio cervical para fazer uma pequena incisão no couro
to anormal da freqüência cardíaca fetal) e a bradicardia (di- cabeludo do feto. A seguir, uma amostra de sangue é colhi-
minuição anormal da freqüência cardíaca fetal) fossem sinais da em tubo capilar heparinizado e analisada para determi-
clássicos de “sofrimento fetal”, poder-se-ia distinguir entre nar seu equilíbrio ácido-básico. A técnica mudou pouco
bradicardias constantes ou “basais”, que foram quase inva- desde que foi descrita pela primeira vez, requer disponibili-
riavelmente associadas a bom resultado fetal, e bradicardias dade imediata de aparelho para dosagem dos gases arteriais
que representavam uma modificação de uma freqüência car- e ainda é um pouco incômoda, demorada, difícil e descon-
díaca previamente maior. As modificações periódicas inclu- fortável para a mulher.
íam desacelerações tardias da freqüência cardíaca fetal que
sucediam, repetitivamente, os picos de contrações e que fo-
5 Comparação entre ausculta e monitorização
ram consideradas devidas à insuficiência uteroplacentária; e
eletrônica fetal
desacelerações variáveis, que tiveram formatos e relações
variáveis com as contrações e foram atribuídas à compressão As duas condutas amplamente usadas atualmente para moni-
do cordão umbilical. Uma redução da variação “batimento torização fetal durante o trabalho de parto são: primeira, o uso
a batimento” da freqüência cardíaca fetal foi atribuída à “de- de monitorização eletrônica na maior parcela de mulheres
pressão” fetal, refletindo uma redução da influência do sis- possível; e segunda, seu uso apenas em mulheres cujas gesta-
tema nervoso central sobre o controle do coração. ções são consideradas de alto risco.
A monitorização eletrônica contínua do coração fetal du- A monitorização eletrônica contínua da freqüência cardía-
rante o trabalho de parto é realizada mais comumente “exter- ca fetal fornece mais informações que a ausculta intermitente
namente” por ultra-som Doppler ou “internamente” por ele- com um estetoscópio fetal. A ausculta durante 1 minuto a cada
trocardiografia. O ultra-som Doppler é o método mais fide- 15 minutos entre as contrações, como é freqüentemente em-
digno para monitorização da freqüência cardíaca fetal no fi- pregada na ausculta intermitente durante o primeiro estádio
nal da gravidez e para monitorização externa da freqüência do trabalho de parto, determina a freqüência cardíaca fetal
cardíaca fetal durante o trabalho de parto. Monitores da fre- durante apenas cerca de 7% do tempo, e fornece relativamen-
qüência cardíaca fetal por ultra-som são satisfatórios para de- te poucas informações sobre a relação entre alterações da fre-
terminar a freqüência cardíaca fetal, mas podem ser menos ade- qüência cardíaca fetal e contrações uterinas, ou sobre a varia-
quados para determinar a variabilidade da freqüência cardía- bilidade da freqüência cardíaca fetal. A questão importante é
ca fetal que o monitor interno. Os possíveis problemas são erro se o maior número de informações fornecidas por monitoriza-

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ção eletrônica contínua durante o trabalho de parto causa ou ros, e assim o efeito protetor estimado pode ser ainda maior
não qualquer melhora do resultado para o bebê. em bebês a termo. Uma análise secundária do maior estudo
Embora a monitorização eletrônica contínua do coração sugeriu que o risco reduzido de convulsões neonatais era li-
fetal forneça bem mais informações sobre a freqüência car- mitado a trabalhos de parto induzidos ou estimulados com
díaca fetal, a interpretação dos traçados de freqüência cardí- ocitocina, ou que foram prolongados.
aca fetal está sujeita a grande variação. Os traçados freqüen- A observação de uma redução de 50% do risco de con-
temente são interpretados de formas diversas por diferentes vulsões neonatais, associada à monitorização contínua do
obstetras, ou até pelo mesmo obstetra em momentos dife- coração fetal e avaliação do equilíbrio ácido-básico fetal, pode
rentes. O problema da monitorização eletrônica do coração ser muito importante. Na verdade, um quarto a um terço
fetal não está em sua capacidade de medir, mas em sua in- dos bebês que sofrem convulsões neonatais morre, e outro
terpretação. quarto ou terço apresenta comprometimento grave na segun-
da infância. Todavia, os dados de acompanhamento dispo-
5.1 Efeitos sobre o trabalho de parto e o parto níveis sugerem que as convulsões neonatais evitadas por
Foram descritos doze estudos controlados e randômicos que monitorização intensiva não são aquelas associadas a com-
comparam a monitorização fetal eletrônica e a ausculta in- prometimento de longo prazo.
termitente da freqüência cardíaca fetal, com a participação A infecção neonatal foi rara em todos os estudos, mas
de mais de 58.000 mulheres em 10 centros. As taxas de ce- não há indicações sugestivas de que a monitorização
sariana e de parto vaginal cirúrgico foram maiores em todos intensiva tenha aumentado esse risco. Os dados são in-
os grupos monitorizados eletronicamente. O aumento da taxa suficientes para explorar diferenças entre os tipos de ele-
de cesariana é muito maior quando não há estimativas do pH trodo nesse aspecto.
do couro cabeludo.
Uma preocupação com o uso de monitorização eletrônica 5.3 Opiniões maternas
contínua (sem telemetria, o que permite mobilização da A maioria dos estudos sobre as opiniões femininas sobre
mulher) foi a possibilidade de prolongar o trabalho de parto monitorização fetal intraparto consistiu em estudos não-
mediante restrição do movimento das mulheres, mas os da- controlados de suas opiniões. Esses estudos sugerem que
dos dos estudos, quando considerados juntos, não apóiam a monitorização contínua é aceitável para a maioria das
isso. Não há efeito claro do método de monitorização sobre mulheres, mas que pode ter importantes conseqüências adver-
o uso ou o método de analgesia. sas para algumas.
Muitas mulheres relataram que a monitorização e o
5.2 Efeitos sobre o feto e o recém-nascido registro contínuos da freqüência cardíaca fetal eram
Há poucas evidências de que as cesarianas adicionais associa- tranqüilizadores porque demonstravam que o bebê esta-
das à monitorização fetal eletrônica contínua causem quais- va vivo e forneciam as informações de que os profissio-
quer benefícios significativos para o bebê. O número de mor- nais necessitam durante o trabalho de parto. Esses sen-
tes perinatais ocorridas entre os partos nos estudos de moni- timentos são maiores se a mulher puder ver bem o mo-
torização cardíaca fetal eletrônica com estimativa do pH fetal nitor durante o trabalho de parto. As mulheres sob risco
foi uniformemente distribuído entre os grupos monitorizados relativamente alto de problemas durante o trabalho de
eletronicamente e de controle. Não há indicações de que a parto, e aquelas mais bem informadas sobre monitorização
monitorização intensiva da freqüência cardíaca fetal, com ou contínua, parecem mais propensas a serem tranqüilizadas.
sem estimativa do pH fetal, reduza o risco de índice de Apgar Entretanto, informações detalhadas fornecidas imediatamen-
menor que 7, ou as taxas de internação em berçários de cuida- te antes do início do trabalho de parto parecem ter pequeno
dos especiais. efeito positivo sobre as percepções femininas da monitoriza-
A única medida do resultado perinatal que parece ser me- ção intraparto.
lhorada por monitorização intraparto mais intensiva é a de A monitorização eletrônica contínua da freqüência cardía-
convulsões neonatais. Esse efeito parece ser restrito à moni- ca fetal pode gerar ansiedade de diversas formas que não po-
torização fetal eletrônica apoiada por estimativa do pH fetal. dem ser previstas antecipadamente para cada mulher. Algu-
No caso de fetos monitorizados dessa forma, as chances de mas mulheres entrevistadas nos estudos relataram desconfor-
convulsões neonatais parecem ser reduzidas em aproximada- to e restrição do movimento, ou preocupação de que o eletro-
mente metade. Não foi observado efeito em bebês prematu- do causasse danos ao couro cabeludo do feto. Outras conside-

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raram o monitor uma distração que interferiu em seu relacio- com a cardiotocografia isolada. O parto cirúrgico no “sofri-
namento com os profissionais e seu acompanhante no traba- mento fetal” foi significativamente reduzido no grupo sub-
lho de parto. O traçado pode tornar-se preocupante, e isso pode metido a cardiotocografia e ECG, mas esse efeito foi parci-
ser particularmente inquietante se os profissionais estiverem almente atenuado por partos cirúrgicos por outras razões;
inseguros quanto ao significado da “anormalidade”. Pode ser houve menor necessidade de coleta de amostra de sangue do
causada por má qualidade ou mesmo artefato, ou o próprio couro cabeludo. Em geral, ainda há pouca razão para se re-
monitor pode apresentar mau funcionamento, algumas vezes comendar essa conduta, e outras avaliações se fazem neces-
repetidamente. Um transdutor abdominal externo pode ser sárias.
deslocado ou um eletrodo no couro cabeludo pode se soltar. Atualmente, a oximetria de pulso fetal está sendo avaliada
Esses problemas não são raros. em um estudo randomizado.
Que peso deve ser dado às várias opiniões maternas
sobre a monitorização eletrônica da freqüência cardía- 5.5 Comentário
ca fetal reveladas nesses estudos não-controlados? Três dos Embora diversos estudos de monitorização eletrônica já
estudos controlados, randomizados, incluíram avaliação tenham sido realizados, coletivamente eles não foram
das opiniões femininas sobre as condutas alternativas. suficientemente grandes para eliminar a incerteza so-
Não houve diferenças claras entre os grupos, mas as mu- bre o impacto, se houver, dessa técnica sobre os problemas
lheres designadas para ausculta mostraram tendência a raros, mas importantes, de morte fetal intraparto e pa-
uma experiência mais positiva do trabalho de parto. As ralisia cerebral.
mulheres pertencentes ao grupo monitorizado eletroni- Dados das comparações randomizadas de métodos
camente foram propensas a ser deixadas sozinhas mais opcionais de monitorização da freqüência cardíaca fetal su-
freqüentemente, mas quase todas as mulheres entrevis- gerem que a morte intraparto é evitada com igual eficácia
tadas relataram que podiam falar com uma enfermeira por ausculta intermitente e por monitorização eletrônica
ou um médico a qualquer momento. Não foi detectada contínua da freqüência cardíaca fetal, desde que a importân-
diferença nas proporções de mulheres que relataram “preo- cia seja relacionada ao reconhecimento imediato das anor-
cupações ou ansiedades” durante o trabalho de parto, ou que malidades da freqüência cardíaca fetal intraparto, qualquer
o trabalho de parto havia sido “desagradável”. De acordo com que seja a política de monitorização. (Durante os 2 anos do
os estudos de observação, um maior número de mulheres no estudo de Dublin, por exemplo, a taxa de mortalidade
grupo monitorizado continuamente sentiu-se “muito restri- intraparto foi menor que nos anos anteriores e subseqüen-
to” durante o trabalho de parto. Em geral, o método de moni- tes.)
torização foi menos importante para as mulheres do que o A fidedignidade da ausculta intermitente pode ser aumen-
suporte recebido da equipe e dos acompanhantes durante o tra- tada pelo uso de um monitor portátil de ultra-som em lugar
balho de parto. de estetoscópios fetais convencionais. Há razões para uso des-
ses dispositivos em todos os casos, em parte porque causam
5.4 Técnica de monitorização eletrônica fetal menor desconforto materno que um estetoscópio fetal. O com-
Comparações diretas da monitorização eletrônica fetal, auxi- promisso com a ausculta intermitente deve ser direto, se um
liadas ou não por coleta de sangue fetal, mostram que o aces- profissional for responsável por apenas uma mulher durante o
so a amostras de sangue do couro cabeludo reduz o número de trabalho de parto. Essa atenção individualizada tende a ter
cesarianas por sofrimento fetal, sem diferenças claras no re- outros benefícios para a mulher. É lamentável que a distribui-
sultado neonatal. Dados de comparações indiretas indicam ção da equipe e outras políticas de assistência intraparto em
melhor resultado tanto materno quanto neonatal se for usada muitas alas de parto impossibilitem esse ideal. A implicação
coleta de sangue fetal. é que a ausculta pode não ser realizada com a freqüência ou
Agora, a monitorização eletrônica da freqüência cardíaca regularidade necessária para a vigilância fetal segura no tra-
fetal muitas vezes é realizada de forma intermitente (por ex., balho de parto.
por 15 minutos a cada hora). Um estudo randomizado não A complexidade da monitorização eletrônica contínua tor-
mostrou indícios de que a cardiotocografia intermitente fosse na-a susceptível a falhas técnicas e mecânicas. Portanto, a
menos segura que a monitorização contínua. manutenção e a substituição dos aparelhos, e o treinamento
Um estudo comparou a cardiotocografia associada à aná- de pessoal, são importantes. A vigilância realizada por moni-
lise simultânea das ondas do eletrocardiograma (ECG) fetal torização fetal eletrônica também pode ser insatisfatória, se

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reduzir a freqüência com que o profissional verifica formal- maior dos obstetras na assistência de rotina. A presença de
mente a freqüência cardíaca fetal. Um monitor cardíaco fetal um monitor também pode modificar os relacionamentos
deve auxiliar, não substituir, a assistência pessoal. entre a mulher e seu parceiro, por um lado, e entre a mu-
A grande variação na interpretação dos registros contínuos lher, a obstetriz e o médico, por outro. Essas maiores impli-
da freqüência cardíaca fetal demonstra que esse é um impor- cações devem ser reconhecidas.
tante problema com os métodos atuais de monitorização con-
tínua. 6 Outros métodos de monitorização fetal e
As implicações para a política institucional dependem da diagnóstico no trabalho de parto
importância atribuída a uma redução do risco de convulsões
neonatais. No estudo de Dublin, o acompanhamento limita- 6.1 Teste na internação
O “sofrimento fetal” intraparto comumente reflete problemas
do das crianças que sofreram convulsões neonatais sugere que
que precedem o início do trabalho de parto. Por essa razão, há
as convulsões neonatais que podem ser evitadas por monito-
um forte argumento para a avaliação cuidadosa do risco no
rização mais intensiva não estão associadas a problemas a lon-
início do trabalho de parto. Foi recomendado um curto (15-
go prazo. Todavia, algumas pessoas considerarão que as con-
20 min) período de monitorização cardíaca fetal eletrônica
vulsões neonatais, por si sós, são suficientemente importantes
externa após internação em trabalho de parto como teste de
para que sua prevenção seja a base da política vigente. Com
rastreamento para mulheres consideradas de baixo risco. O
base nisso, há um bom motivo para se usar monitorização mais
motivo dessa prática é a identificação de um subgrupo de fe-
intensiva quando o trabalho de parto deixa de ser “fisio-
tos que seria beneficiado pela monitorização mais intensiva, e
lógico”, como por exemplo durante a indução ou potenciali-
poderia identificar grandes problemas fetais que não seriam
zação do trabalho de parto, se o trabalho de parto for prolon-
percebidos por ausculta intermitente.
gado, se houver líquido amniótico meconial ou na gravidez
Em princípio, um teste de rastreamento no momento da
múltipla.
internação em trabalho de parto como base para decidir sobre
Na maioria dos trabalhos de parto em que não se apli-
monitorização intensiva seletiva é atraente, porque deve iden-
cam essas premissas, as evidências atuais sugerem que a
tificar já no início do trabalho de parto fetos que já estão com-
monitorização mais intensiva aumenta a intervenção
prometidos. Entretanto, há dois outros componentes da mo-
obstétrica sem benefício claro para o feto. Portanto, a nitorização que devem ser atendidos para que a política seja
ausculta regular realizada por um profissional de assis- eficaz: primeiro, se o teste é interpretado com precisão; e se-
tência pessoal, como usada nos estudos randomizados, gundo, se os resultados do teste induzem medidas apropria-
parece ser a política ideal nesses trabalhos de parto. Será das quando usados na prática clínica. Essas questões só podem
difícil reimplementar essa conduta nos muitos hospitais ser abordadas satisfatoriamente em estudos que comparem os
cuja política atual é a monitorização eletrônica universal. Em resultados em mulheres aleatoriamente designadas para teste
primeiro lugar, a assistência individualizada durante o traba- de rastreamento associado à resposta apropriada ou para um
lho de parto freqüentemente é considerada impossível; e, de- grupo de controle no qual o teste não é usado.
pois, obstetrizes e outros profissionais podem ter perdido a
capacidade e a segurança para monitorizar o trabalho de parto 6.2 Testes de estimulação fetal intraparto
por ausculta intermitente. A aceleração da freqüência cardíaca fetal comumente é aceita
A escolha da técnica para monitorização cardíaca fetal tem como indicador do bem-estar fetal no teste sem estresse pré-
implicações muito maiores que os efeitos diretos sobre a parto. Essas acelerações em um teste sem estresse estão comu-
supervisão e a saúde física do feto. Dependendo do sistema mente associadas a movimento fetais ou contrações uterinas,
prevalente de assistência às mulheres durante o parto, ela mas podem ser provocadas por outros estímulos, como o som.
pode influenciar os papéis e as relações daqueles envolvidos. As observações de que as acelerações da freqüência cardíaca
Com a ausculta intermitente, a obstetriz é o centro de assis- fetal algumas vezes coincidiram com a coleta de sangue do
tência, e o obstetra desempenha o papel de consultor se a couro cabeludo fetal, e que o pH do sangue do couro cabelu-
obstetriz acreditar que pode haver problemas. Em contras- do tendia a ser normal se houvesse acelerações, levaram à con-
te, o uso de monitorização eletrônica contínua transforma a sideração de testes de estimulação intraparto mediante apli-
sala de parto em uma unidade de terapia intensiva. A cação de um clampe ao couro cabeludo, ou por uso de um es-
obstetriz assume um papel mais técnico, com envolvimento tímulo sonoro. Esses testes poderiam reduzir a necessidade de

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TRATAMENTO CONSERVADOR DO “SOFRIMENTO FETAL” 149

coleta de amostra de sangue do couro cabeludo, ou ser usados ou alívio da compressão do cordão umbilical durante o traba-
como alternativa quando essa coleta não estivesse disponível lho de parto. Infunde-se solução salina ou Ringer lactato atra-
ou fosse tecnicamente impossível. Entretanto, não foram ava- vés de um cateter na cavidade uterina. A técnica foi usada
liados rigorosamente. De acordo com os dados disponíveis, um profilaticamente em diversas situações comumente associadas
teste de estimulação não-reativo deve ser seguido por avalia- ao oligoidrâmnio, e terapeuticamente nas desacelerações va-
ção do equilíbrio ácido-básico no sangue colhido do couro riáveis repetitivas da freqüência cardíaca fetal durante o tra-
cabeludo fetal. balho de parto, que são atribuídas à compressão do cordão um-
bilical. O uso de amnioinfusão em casos de compressão do
cordão umbilical intraparto, possível ou diagnosticada por car-
7 Tratamento conservador do
diotocografia, ou de líquido amniótico meconial no trabalho
“sofrimento fetal”
de parto, foi avaliado em diversos estudos controlados. Esse
O tratamento mais comum do “sofrimento fetal” intraparto, procedimento reduz significativamente a freqüência de desa-
diagnosticado por alterações persistentes da freqüência cardí- celerações variáveis persistentes do coração fetal. Também
aca fetal ou diminuição do pH no sangue do couro cabeludo melhora resultados mais importantes, como a taxa de cesaria-
fetal, é o parto imediato. Entretanto, muitas anormalidades na (tanto geral quanto por “sofrimento fetal”) e a endometrite
da freqüência cardíaca fetal serão resolvidas com medidas con- pós-parto materna, e resulta em menos bebês com asfixia ao
servadoras simples, como mudança da posição materna (para nascimento, baixo índice de Apgar ou baixo pH no cordão
aliviar a compressão aortocava e a pressão sobre o cordão um- umbilical. Na presença de líquido amniótico meconial, a
bilical), interrupção da administração de ocitocina para aumen- amnioinfusão também reduz a incidência de síndrome de as-
tar o fluxo sanguíneo uteroplacentário e administração de piração de mecônio. Não foram observados efeitos adversos
oxigênio materno por curto período (para aumentar o aporte claros do procedimento, mas os estudos não foram suficiente-
de oxigênio para a placenta). mente grandes para excluir a possibilidade de complicações
A hipotensão materna freqüentemente sucede a indução maternas incomuns, mas graves.
de anestesia peridural, com conseqüentes anormalidades da O uso profilático de amnioinfusão nas mulheres com oli-
freqüência cardíaca fetal. Foi demonstrado que a adminis- goidrâmnio porém sem anormalidades cardiotocográficas não
tração prévia de líquidos intravenosos reverte a hipovolemia mostrou quaisquer vantagens em relação ao seu uso terapêu-
relativa que sucede o bloqueio peridural e reduz significati- tico deflagrado pelo surgimento de desacelerações variáveis.
vamente a freqüência de alterações da freqüência cardíaca Uma terceira conduta para o tratamento conservador do
fetal. “sofrimento fetal” foi “tratar” o feto para evitar quaisquer efei-
Os betamiméticos intravenosos constituem tratamento útil tos adversos. Acredita-se que o piracetam, um derivado do
para se “ganhar tempo” quando alterações persistentes da fre- ácido gama-aminobenzóico administrado por via intraveno-
qüência cardíaca fetal indicam a necessidade de parto eletivo. sa, estimule o metabolismo das células cerebrais quando es-
Em um estudo randômico e controlado envolvendo 20 traba- tão em hipóxia. Ele foi avaliado em um único estudo contro-
lhos de parto caracterizados por alterações perigosas da fre- lado por placebo. Os resultados sugerem que o tratamento com
qüência cardíaca fetal e um baixo pH no sangue do couro ca- piracetam reduz a necessidade de cesariana e melhora o resul-
beludo fetal, 10 das 11 mulheres tratadas com terbutalina tado neonatal avaliado pelo índice de Apgar e “problemas res-
intravenosa tiveram melhora do padrão de freqüência cardía- piratórios e sinais de hipóxia” neonatais, mas esses resultados
ca, em comparação com nenhuma no grupo de controle. Ao devem ser confirmados por outros estudos antes que a condu-
nascimento, os bebês foram menos propensos a apresentar ta possa ser aplicada clinicamente. A administração de
acidose e baixos índices de Apgar. Os resultados desse estudo piridoxina durante o trabalho de parto parece reduzir a afini-
são apoiados por outros estudos menos bem controlados. Essa dade pelo oxigênio no sangue do cordão. Isso pode ter impli-
melhora rápida poderia ser muito útil nas situações em que cações terapêuticas, mas não há informações disponíveis em
não há disponibilidade imediata de recursos para cesariana de relação à sua importância clínica.
emergência. Algumas vezes a melhora do padrão do traçado é A administração materna de oxigênio é amplamente usada
mantida. Nessas circunstâncias, pode-se permitir que o tra- na suspeita de “sofrimento fetal” em trabalho de parto, mas
balho de parto continue sem parto urgente. não foi submetida a avaliação randômica.
Outra manobra de adiamento, a amnioinfusão para corri- Um estudo interessante, descrito em 1959, que compa-
gir o oligoidrâmnio, pode ser útil como método de prevenção rou o tratamento cirúrgico com políticas conservadoras de

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150 ASSISTÊNCIA AO FETO DURANTE O TRABALHO DE PARTO

tratamento no “sofrimento fetal”, ainda pode ter interesse Apesar de seus problemas práticos, a avaliação do equilí-
maior que apenas histórico. Nesse estudo, as taxas de parto brio ácido-básico fetal é, de acordo com os dados atuais, au-
cirúrgico por “sofrimento fetal” foram de 61% no grupo xiliar essencial da monitorização da freqüência cardíaca fetal
cirúrgico e de 20% com a conduta conservadora. A taxa de e deve ser muito mais usada, durante o segundo estádio e
mortalidade perinatal entre os dois grupos foi semelhante. também durante o primeiro estádio do trabalho de parto.
As modificações da prática obstétrica e dos métodos de ava- Quando se usa monitorização eletrônica, tanto os resultados
liação fetal desde a realização desse estudo tornaram difícil falso-positivos (alarmes falsos) quanto os falso-negativos (se-
relacionar os resultados com a prática obstétrica atual. En- gurança imprópria em relação ao bem-estar do feto) são re-
tretanto, para aqueles que trabalham em situações sem re- duzidos pelo uso de coleta de amostra do sangue fetal como
cursos obstétricos modernos, é útil observar que o uso ime- auxiliar.
diato de parto cirúrgico no caso de líquido amniótico A amnioinfusão intraparto é um tratamento eficaz para anor-
meconial ou de diminuição da freqüência cardíaca fetal cau- malidades de compressão do cordão observadas na presença de
sa aumento considerável dos partos cirúrgicos, e não mos- oligoidrâmnio. Não se deve usar amnioinfusão profilática nas
trou reduzir a mortalidade perinatal. Embora não sejam di- mulheres com oligoidrâmnio porém sem sinais de compressão
retamente aplicáveis hoje, essas conclusões permitem ques- do cordão. O uso de betamiméticos para alívio do “sofrimento
tionar as políticas intervencionistas de conduta na suspeita fetal” no trabalho de parto pode ser uma forma de se “ganhar
de “sofrimento fetal”, que se tornaram prática comum sem tempo” para permitir tratamento definitivo da situação.
serem submetidas a avaliação randômica. Pode-se aprender várias lições com os estudos da monito-
rização eletrônica da freqüência cardíaca fetal durante o par-
8 Conclusões to. Em primeiro lugar, obter “mais informações” não é neces-
sariamente benéfico e pode ter efeitos prejudiciais. Segunda,
O líquido amniótico em pequena quantidade ou que contém se o resultado de um teste for preditivo de resultado adverso,
mecônio está associado a aumento do risco de mortalidade e não deve ser tomado como evidência de que a intervenção
morbidade perinatais. A situação do líquido quando as mem- baseada nos resultados desse teste evitará ou melhorará aque-
branas se rompem espontaneamente deve ser avaliada no iní- le resultado. Em terceiro lugar, a relação entre medidas no
cio do trabalho de parto, e a presença de mecônio ou de pe- período neonatal e o resultado de longo prazo não é direta, e
queno volume de líquido deve incentivar vigilância fetal mais as medidas no período neonatal podem não ser substitutos
intensiva. Com os dados disponíveis, não fica claro se é precisos do resultado a longo prazo. Quarta, a morte e a mor-
justificada ou não a amniocospia de rotina ou a ruptura artifi- bidade infantil grave são (felizmente) raras, e devem ser estu-
cial das membranas para avaliar o líquido amniótico. dados números muito grandes de trabalhos de parto para que
Na maioria das gestações, a morte intraparto é evitada de a avaliação seja fidedigna. Quinta, deve haver um ceticismo
forma igualmente eficaz por ausculta intermitente e por mo- saudável em relação aos novos métodos de supervisão
nitorização eletrônica contínua da freqüência cardíaca fetal, intraparto, de forma que, quando seu desenvolvimento tiver
desde que as anormalidades da freqüência cardíaca fetal
chegado ao ponto em que sejam considerados prontos para uso
intraparto sejam imediatamente reconhecidas e seguidas por
na prática clínica, sejam introduzidos na prática clínica ape-
uma resposta clínica apropriada, qualquer que seja a política
nas no contexto de estudos controlados randômicos de gran-
de monitorização. O uso de monitorização fetal eletrônica com
de escala.
coleta de amostra do couro cabeludo está associado a menor
taxa de convulsões neonatais, mas não a uma menor taxa de
Fontes
incapacidade neurológica grave a longo prazo.
A monitorização eletrônica contínua resulta em aumento Effective care in pregnancy and childbirth
das taxas de cesariana e morbidade pós-parto da mãe, sem
benefícios compensadores para o feto, exceto uma diminui-
ção da incidência de convulsões neonatais. Seu uso dependerá
da importância da prevenção de convulsões. O uso seletivo de Biblioteca Cochrane
monitorização eletrônica fetal pode basear-se na avaliação do
risco pela história clínica, e possivelmente por avaliação
intraparto precoce.

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FONTES 151

Outras fontes

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