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§i
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Dados lntêrnacionais de Catalogação na Publicação (ClP)


(Maurício Amormino Júnior, CR86/2422)

N945
Os novos desaÍios da política ambiental brasileira / Organização
Paul E. Little. - Brasília: lEB, 2014.
511 p. : il.

. lnclui BibliograÍia.
tsBN 978-85-60443-24-6

1. Dêsenvolvimênto sustentável - Brasil. 2. Política


,,ii1'fl ffi
ambiental- Brasil. l. Little, Paul E. ll. Título.

cDD-363.7

IEB - Sede Brasítia Site: www,iieb-org.br


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grupos sociais envolvidos em conflitos ambientais específicos ao modelo de
0 Movimento de Justica Ambiental e a
Crítica ao Desenvotviúento CaoitaLista desenvolvimento capitalista periférico em vigor no Brasil desde os anos
1990. Tivemos, aqui, por base, o acompanhamento das discussÕes e ações
Periférico: â desiqua[dade ambientaL
como cateqoria cónstitutiva da desenvolvidas pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental, a partir de 2001,

acumutaçío por espoLiação no BrasiI ano em que esta Rede foi criada, assim como a consulta aos documentos
produzidos ao longo de seus cinco encontros nacionais.
Na experiência recente, a noçâo de justiça ambiental surgiu da criativi-
Henri AcseLrad,
dade estratégica dos movimentos sociais que alteraram a conf,guração de
forças sociais envolüdas nas lutas ambientais e, em determinadas circuns-
tâncias, procluziram mudanças no aparelho estatal e regulatório responsável
pela proteção ambiental. As primeiras organizações constitutivas do Moü-
mento de Justiça Ambiental surgiiram nos EUA, a partir de meados dos anos
1980, denunciando a lógica socioterritorial que torna desiguais as condições
sociais de exercício dos direitos. contrariando a crença na ügência generâ-
A justica ambiental no Brasit: breve histórico lizada da lógica dita "Nimby" - "not in my backyard" (não no meu quintal),
A noção de 'Justiça ambiental" está associada a um moümento de ressigni- os atores que começam a unificar*se neste moümento propugnam a politi-
ficação da questão ambiental. Ela resulta de uma apropriação da temática do zação integrada da questão do racismo e das desigualdacles ambientais, de-
meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolüdas nunciando e combatendo a lógica que acreditam ügorar, segundo a qual os
com a construção da justiça social em sentido amplo. Esta ressigniflcação males ambientais são alocados "sempre no quintal dos pobres" (Bullard,
vincula-se a um processo de reconstituição das arenas onde se dão os emba- 2002; Acselrad, 2004).
tes sociais pela construção dos futuros possíveis. Nestas ârenas, a questão Representantes de algumas redes do Movimento de Justiça Ambiental
ambiental vem se mostrando cada vez mais central e üsta crescentemente dos EUA estiveram no Brasil em 19982, procurando difundir sua experiência
como entrelaçada às questões sociais do emprego e da renda, alem das ques- e estabelecer relações com organizações locais dispostas a fotmar alianças
tões dos modos de üda e cultura. Esta noção integra, assim, o processo his- na resistência aos processos de "exportação da injustiça ambiental"3. Desen-
tórico de longo prazo através do qual se tem dado a construção subjetiva de
uma cultura dos direitos. 2 Participaram do Encontro com o Movimento de Justiça AmbientaI realizado no campus da
Justice
No presente trabalho, procuramos reconstituir o modo como a noção de Praia Vermelha da UFRJ, em iunho de 1998, representantes do Southeast Regionat Economic
Network, do Southern Orqanizing committee, dô southwest Pubticworkers union, do EnvironmentaI
justiça ambiental foi incorporada por movimentos sociais no Brasil e, em
and Economic Justice Prôject, todos dos EUA, e da Cordittera People's Atliance das Filipinas.
pafticular, como ela foi reelaborada a partir das experiências concretas de
3 No âmbito acadêmico, a noção de justiça ambiental e sua probtemática iá haviam sido
Cidade de
tratadas na Tese de Doutorado do demógrafo Harotdo Torres - Desiguatdade Ambiental na
paulo, Tese de Doutoramento em Ciências Sociais, IFCH/UNICAMP, 1997 e divutgadas no artigo
São
1 Professor do IPPUR/UFRJ e pesquisador do cNpq, co-autor Ícom c. Metto e G. Bezerral de "Demografia dos Riscos Ambientais", pubticado em Torres, Haroldo & costa, Hetoisa lorgs.l, Popula-
O Que é Justiça Ambiental, Garamond, 2009, Rio de Janeiro. cão e MeioAmbiente. Debates e DesaÍios. Editora sENAC. São Pauto,2000. Nesse ínterim,
em março

l roorau I Direitos,Justiçãepotítica | 0[aovrmentodeJu5trçaAmbienrdteacrlr.ââoDesenvolúmêntol...l tbl I


I
volveram, na ocasião, contatos com ONGs e gmpos acadêmicos, que vieram racismo ambiental na alocação de lixo tóxico, que fundara a organização

a ser retomados ulteriormente, atraves da realização de oflcinas no âmbito nascida no âmbito do movimento negro dos EUA. A definição da cate$oria

de diferentes edições do Fórum Social Mundial. Uma primeira iniciativa de luta 'Justiça ambiental" ampliou-se então, designando o conjunto de
associada à releitura da experiência norte-americana por entidades brasilei- principios e práticas que:
ras deu-se por ocasião da realização de um material de discussão elaborado a. "asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de

e publicado por iniciativa da Ong IBASE, da representação da Central Sindi- classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências am-

cal CUT no Rio de Janeiro e de grupos de pesquisa do IPPUR/UFRJ. Os três bientais negativas de operações econômicas, de decisões de politicas
volumes da série Sindicalismo e Justiça Ambiental (IBASE/CUT-RJ/IPPUP- e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou

-UFRJ, 2000) tiveram circulação e impacto restrito, mas estimularam outros omissâo de tais politicas;

grupos da Universidade, do mundo clas ONGs e do sindicalismo a explorar o b. asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos
veio de tal debate, o que levou à organização do Seminário Internacional ambientais do país;
Justiça Ambientat e Cidadania, realizado em setembro de 2001 na cidade de c. asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos

Niterói, reunindo representações de diversos moümentos sociais, 0NGs, recllrsos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de Íbntes
pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, alem de certo número de inte- de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participati-

lectuais e representantes do movimento de Justiça Ambiental dos EUA, entre vos na clefinição de polítlcas, planos, programas e proietos que lhes
os quais o sociólogo Robert D. Bullard, responsável pelo primeiro mapa da dizem respeito;

desigualdade ambiental utilizado como base empirica de denúncias feitas d. favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, novirrr-en-
pelos movimentos nos EUAa. tos sociais e organizações populares para serem protagonistas na
Por ocasião deste seminários, em setembro de 2001, foi criada a Rede construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegll-
Brasileira de Justiça Ambiental, que, após os debates, elaborou uma Decla- rem a democratização clo acesso aos recursos ambientais e a susten-
ração expandindo a abrangência das denúncias para alem da questão do tabiliclade do seu uso."6
Entre 2001 e 2004, a Rede estabeleceu-se basicamente como instrumento
'Cuttura e Desiguatdade, o tema raça nos mo- de transmissão de experiências e denúncias por meio digital, reullindo cerca
de 1998, a revista Proposta, da Fase, publicou o artigo
vimentos feministas e justiça ambientat", de Artete Maria da Silva Alves, hoje proÍessora de Economia de 100 entidades. No seu I Encontro, realizado em 2004, reuniram-se, pela
na Universidade FederaI de Ubertândia, que fizera doutorado em Development Studies peta University
primeira vez frente a frente, os membros da Rede, clarificando, na ocasião,
of Wisconsin em199ó. Na ocasião, a autora cita um texto de Epstein, pubticado na revista Capitalism,
Natrrre and SociaLism, de 1997, sobre a raciatização das [utas contra o lixo tóxico nos EUA. as linhas de confronto do conjunto dos atores e movimentos sociais ali re-
4 Este mapa está reproduzido na p. 21 do livro 0 que é Justica AmbíentaI e Crdadania, Gara^ presentados com um modelo de desenvolvimento caracterizado como "vol-
mond, Rio de Janeiro, 2009.
tado à produção de divisas a qualquer custo". Na Amazônia, por exemplo,
5 0 Seminário Íoi reatizado por iniciativa conjunta dos Laboratórios LACTA/UFF, ETTERN/
denunciou-se as iqjustiças associadas aos mecanismos da acumulação pri-
UFRJ, CESTEH/Fiocruz, do projeto Brasit Sustentável e Democrático/ FASE e da CNMA/CUT CÍ. S.
Hercutano, Riscos e desiquatdade socia[: a temática da Justiça AmbientaI e sua construção no Brasil, I
Encontro da ANPPAS, lndaiatuba, São Pauto, Outubro de 2002 e Flrpo de Souza Porto, M. O Movimento
pela Justiça Ambiental e a Saúde do Trabathador, 3a Conferência Nacionat de Saúde do Trabathador - ó Cf. Dectaração de Fundação da Rede Brasiteira de Justiça Ambrentat, in H. Acsetrad; S
3aCNST- "Traba[harSim,AdoecerNão",TextosdeApoioCotetâneanol,Brasítia-maiode2005. Hercutano: J. A. Pádua lorgs.), JustiÇa Ambientat e Cidadanta, Retume Dumará, Rio de Janeiro, 200/r.

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mitiva, caracterizados pelo sequenciamento entre grilagem de terras, explo- espaço mais rentável onde se relocalizar (ou seja, aqueles locais onde conse-
ração madeireira, desmatamento, criação extensiva e entrada da soja de alta guem obter vantagens fiscais e ambientais), acabam premiando com seus
tecnologia -
uma espécie de "ornitorrinco" aplicado ao território, recorren- recursos Estados e municÍpios onde e menor o nivel de organização da so-
do-se aqui, por analogia, ao termo usado pelo sociólogo Francisco de Olivei- ciedade e mais debil o esforço em assegurar o respeito às conquistas legais.
ra (2003) para designar esta articulação singular entre formas modernas e 0u seja, neste quadro político-institucional, os capitais conseguem "interna-
globalizadas de produção com formas primitivas de exploração do trabalho lizar a capacidade de desorganizar a sociedade", punindo com a falta de
e extração de riqueza. investimentos os espaços mais orgianizados, e premiando, por outro lado,
com seus recursos, os espaços menos organizados.
A constituição de novos sujeitos coletivos E neste contexto adverso que vemos assim constituírem-se sujeitos cole-
Frente à integração mais estreita do território brasileiro ao circuito do capital tivos que exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos
mundializado, com exclusão ou integração subordinada das comunidades recursos ambientais e capacidade autônoma de decidir sobre seus territórios,
locais, esboçam-se, ainda que muito tentativamente, caminhos altemativos pretendendo acesso justo e equitativo aos recursos ambientais do país - eis
de uma articulação territorial preferencial das formas locais de produção com como a noção de justiça ambiental vem se materializando na experiência
o mercado interno, sem submissão aos agentes fortes no mercado mundial. brasileira recenteT.
Tais lutas politizam, assim, a questão ambiental e colocam em discussâo o Em acepção ampliada e reinterpretada pelos atores sociais do pais' são
modelo de desenvolümento que articula as diferentes práticas espaciais. 0s compreendidos, assim, como sujeitos da resistência à produção de desi-
protagonistas destas lutas caracterizam-se pela pretensão a resistir às pres- gualdades ambientais: as vÍtimas da contaminação de espaços não direta-
sões pela atração de investimentos a qualquer custo e pela disposiçâo para mente produtivos - entorno de grandes empreendimentos portadores de
discutir as condições em que se pretende efetuar a integração das populações risco e periferias das cidades onde sâo localizadas instalações ambiental-
Iocais ao mercado. Isto porque o modelo de desenvolvimento em ügor no mente inclesejáveis (lixões, depósitos de lixo tóxico etc.). A desiguaklade
paÍs veio demonstrando ter como sujeitos de peso os agentes fortes no mer- resuh.aria, neste caso, da (a) menor capacidade dos moradores destas ptl-
cado mundial. riferias se fazerem ouvir nas esferas decisórias ou mesmo de seu consen-
E a força destes agentes residiria na "chantagem locacional", atraves da timento dada a carência de emprego, renda, serviços públicos de saúde
-
qual os grandes investidores envolvem, quando não submetem a todos e educação - na expectativa de que tais empreendimentos tragam algum
aqueles que buscam o emprego, a geração de diüsas e a receita pública a tipo de beneficio localizado; (b) as vítimas da contaminação produtiva
qualquer custo. No plano nacional, se não obtiverem vantagiens financeiras,
liberdade de remessa de lucros, estabilidade etc. os capitais interrracionaliza- 7 No lll Encontro da Rede Brasiteira de Justiça Ambientat de 2009, os participantes afirma-
dos ameaçam se "deslocalizar" para outros paises. No plano subnacional, se ram pretender "discutir com a sociedade o que se produz, para quê e para quem se produz, e taÍnbém
onde e como se produz, buscando atternativas à vigente indústria de Estudos de lmpacto Arnbienial
não obtiverem vantagens Íiscais, terreno de graça, flexibilização de normas
- EIA- RIMAs e outros êsquemas mercadológicos de avatiação ambientat, procurando que seja ava-
ambientais, urbanísticas e sociais, tambem se "deslocalizam", penalizando, tiada a equidade ambientat dos empreendimentos por instâncias independentes do setor produtivo,
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garantindo o direito de escotha de comunidades: o direito de ser bem informado e de dizer'não
consequentemente, os Estados e municÍpios onde é maior o empenho em se -
Encontro da Rede Brasiteira de Justiça Ambienta[, Retatório da Ptenária Final. 26/312009 2B/912009,
preservar conquistas sociais e ambientais. Ao mesmo tempo, ao escolher o Caucaia, Ceará.

I PARTIV I Direilos.JustiçaêPotítica I ov.,i*"ntoaeJusri.àAmbienrâteàaritrcdaoDe-envolvrmenrol.l 465


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interna aos ambientes de trabalho industrial e agirícola, pela qual interes- A dinâmica operativa dos movimentos sociais
ses econômicos lucrariam com a degradação dos corpos dos trabalhado- Os movimentos, em sua dinâmica operativa, interagem num diálogo entre
res, via desinformação, contrainformaçâo, mascaramento de informação análises e percepções de terreno por parte de or$anizações de base envolvi-
e chantagem do emprego (Malerba, 2OOa); (c) vítimas da despossessão de das diretamente com as populações afetadas por grandes projetos, e exercí-
recursos ambientais - fertilidade dos solos, recursos hídricos e genéticos cios analÍticos de organizações que acompanham mais de perto a esfera
assim como territórios essenciais à reprodução identitária de comunida- iurídico-politica. Nestes mecanismos de interação, circulam inlbrmaçôes e
des e grupos socioculturais - por grandes pro.jetos infraestruturais e em- análises que permitem a produção de diagnósticos, ao mesmo tempo, refle-
preendimento produtivos que desestabilizam as práticas espaciais de po- xivos e empiricamente fundamentados. 0s diálogos entre razão e experiên-
pulações tradicionais. cia realizaclos a partir do terreno, e entre razão e experiência desenvolvidos
As lutas porjustiça ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro, na observação dos meandros do sistema político, favorecem a constmção
combinam assim: de um entendimento mais favorável a que se evidencie a ligaçâo entre ?rs

. a defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos - comuni- partes de processos articulados: no plano do circuito de acumulação, apon-
dades tradicionais situadas na fronteira da expansão das atividades ta-se a conexão de interesses entre mineração e monocultura de eucalipto,
capitalistas e de mercado; entre hidroeletricidade e siderurgia, ferrovia e porto etc'; no plano das for-
o a defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime contra a mas jurídicas de acesso aos recursos, percebem-se homologias como, por
segregação socioterritorial e a desigualdade ambiental promovidas exemplo, entre o modelo de licitaçâo adotado na exploração clo petróleo e

pelo mercado; o modelo de licitação de concessões minerais.


r a defesa dos direitos de acesso equânime aos recursos ambientais, No plano argumentativo, a troca de informações permite apontar, en-
contra a concentração das terras férteis, das águas e do solo seguro tre as estratégias do capital e do Estado, o recurso repetido às frrrmullrs il;t
nas mãos dos interesses econômicos fortes no mercado; e ,,utilidade pública" e do "interesse nacional" como celulas discursivas tle
. evocam a defesa dos direitos das populações futuras. legitimação do modelo extrativo, frente a qualquer outro modo de produ-
Como os representantes do movimento fazem a articulação lógica entre
ção social dos territórios8. Em particular, denuncia-se o esvaziamento
lutas presentes e "direitos futuros"? Propondo a interrupção dos mecanismos simbólico dos espaços, pensados exclusivamente como tbnte de bens ma-
de transferência dos custos ambientais do desenvolümento para os mais teriais e suporte logÍstico requeridos pela acumulação capitalista. critica-
pobres. Pois, o que estes moümentos tentam mostrar é que, enquanto os -se igualmente o fato de que as áreas de interesse para os negócios são
males ambientais puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressâo arbitrariamente definidas como desabitadas, com a desconsideração das
geral sobre o ambiente não cessará. Fazem, consequentemente, ligação entre
o discurso genérico sobre o futuro e as conclições históricas concretas pelas 8 A Dectaração final do V Encontro Nacional da Rede Brasiteira de Justiça Ambiental lserra,
Espírito Santo,31 de Agosto de 20131 subtinha o modo como corporações, Estado e governos impôenr
quais, no presente, se está definindo o futuro. Ai, dá-se a junção estratégica
esses projetos como de interesse púbtico e nacional, mediante o discurso do progresso e o mito de de-
entrejustiça social e proteção ambiental: pela af,nnação de que, para barrar senvotvimento itimitado. Para isso, contam com o apoio da grande mÍdia e atuam mediante: omissào e
intransparência da informação; promoção de conftitos internos nas comunidades; transformação dos
a pressão destrutiva sobre o ambiente de todos, é preciso começar protegen-
direitos em mercadoria; pressão sobre as comunidades mediante perversas estratégias de cooptação
do os mais fracos. e violência contra os grupos de resistência'.

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implicações que os grandes projetos possam apresentar com relação às Como identificar a pressão exercida sobre os que têm pouca presença
fontes de água, à presença de comunidades tradicionais, ao assim chama- nâs esferas decisórias? Ora, a "chantagem locacional dos investimentos" e
do "entorno" termo que pretende designar, na linguagem do desenvol-
- o mecanismo central, nas condições de liberalizaçâo hoje prevalecentes,
vimentismo-extrativo, toda e qualquer "interferência" da vida social do para a imposição de riscos ambientais e de trabalho às populações destitu-
país no traçado espacial e temporal dos negócios. I§to, tratando*se de idas. Pois, em ausência de politicas ambientais de licenciamento e fiscaliza-
vÍlas e povoados rurais ou de territórios de comunidades tradicionais si- ção de atividades apropriadas, e sem políticas sociais e de emprego consis-
tuados nos perímetros de exploraçâo, ou de moümentos sociais de grupos tentes, as populações mais pobres e desorganizadas tenderiam a sucumbir
atingidos que traduzam em demandas e denúncias a percepção de que às promessas de emprego "quaisquer que sejam seus custos". A dinâmica
estes grupos têm sua presença no espaço, e sua reprodução no tempo, destes movimentos sugere, portanto, que a condição de destituição de cer-
ameaçadas pelos fluxos materiais expandidos e intensificados de capitais tos grupos sociais é um elemento-chave a favorecer a rentabilização de
e mercadorias. investimentos em processos poluentes'e perigosos.
No plano analítico, os moümentos também estabelecem pontes lógi- É por isso que, para os setores populares mais organizados, é cada vez
cas entre os processos jurídico-politicos e as condições de vigência dos mais clara a fusão entre risco ambiental e insegurança social - peças cen-
direitos no terreno; este é o caso, por exemplo, do entendimento de que a trais da reprodução das desigualdades em tempos de liberalização da eco-
titulação de territórios quilombolas ter-se-ia estagnado em atenção aos nomia. Torna-se, assim, também crescentemente difundido o entendimento
interesses das mineradoras, dadas as definições ainda inconclusas no pro- de que a proteção ambiental não e causa restrita a classes medias urbanas,
cesso de estabelecimento do novo Código de Mineração. Tais análises mas parte intesrante das lutas sociais das maiorias. E e atraves de tais es-
permitem, por outro lado, desvendar a lógica geral que preside a recodi- tratégias argumentativas e formas de luta inovadoras que os atores sociais
flcação da exploração mineral como subordinada a um processo de ace- cujas práticas aqui analisamos têm procurado, no Brasil, fazer do ambiente
leração do ciclo pesquisa-circulação-lavra. As dinâmicas de licenciamen- um espaço de construção de justiça e não apenas de realização da razão
to de empreendimentos são, por sua vez, vistas em suas dimensões utilitária do mercado, como tem sido corrente nas estraté§ias ditas de mo-
locacionais, em escalas onde vigoram distintas correlações de forçae - dernização ecológica do capitalismo.
tanto ao perceber-se a retirada de processos de uma instância da federa- Estes moümentos engajam-se, assim, em esforços por explicitar a "am-

ção para outra como forma de subtrair força às organizações locais de bientalidade" própria do capitalismo contemporâneo - e do modelo de de-
resistência, como ao denunciarem-se estratégias governamentais de ins- senvolvimento do capitalismo latino-americano, em particular. 0u seja, de
talação planejada de certos grupos de moradores para locais onde estes que é próprio desta "ambientalidade" concentrar os danos ambientais sobre
terão o papel previamente estabelecido de apoiar os empreendimentos os mais frágeis. Pois só existiria degradação ambiental porque existe desi-
que estão sob crítica dos movimentos. gualdade ambiental - e não porque alguns não respeitam os limites quanti-
tativos do planeta como um estoque de matéria e energia, ou porque outros
não respeltam a Nafureza como um "valor em si'i Isto porque, em se tratan-
9 A geógrafa Hitda Kurtz 12003) destaca o modo como as desiguatdades ambientais estão
envotvidas em lutas peta definição das escatas pertinentes para o estabelecimento de inctusões e
do de uma relação de forças entre lógicas distintas - afirmam representantes
exc[usões de responsabitidades e de tegitimação ou deslegitimação das denúncias. dos movimentos - nada mudará se não forem atacadas as relações de domi-

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nação que impõem a desigualdade ambiental aos grupos sociais dotados de sobre os.destituídos a maior parte dos males ambientais do desenvolümento'

menor poder.lo Foi assim que os moümentos porjustiça ambiental passaram a denunciar, na
0s movimentos de justiça ambiental vieram questionar, na prática, a esfera pública, a ügência de uma lógica política relaciofial que otimiza as

ideologia do
i'individualismo possessivo" implícita em tais formulações, condições terdtoriais da acumulação de capital através da degradação das

pondo na pauta pública a denúncia do que seria uma verdadeira ló$ica pro- condições de üda dos grupos sociais dotados de menor poder de influência
motora da desigualdade locacional subjacente ao acesso desigual à proteçâo nas decisões política e econômicas.

ambiental. Sob esta perspectiva, os conflitos ambientais são trabalhados de A ]ógica sociopolÍtica da desigualdade ambiental, que foi objeto de uma
modo a por à mostra a complexidade dos fatores sociopoliticos pelos quais primeira elaboração critica por parte dos moümentos sociais, é aquela que
se configura o acesso desigual aos recllrsos ambientais, assim como à prote- faz coincidir a localização de fontes de males ambientais e as áreas de mo-
radia de populaçoes de menor renda. Esta coincidência foi então diagnosti-
ção também desigual Ílente aos riscos ambientais - ou seja, ao
modo como
concentram-se os riscos ambientais sobre os grupos sociais menos aptos a se cada como clecorrente da associação entre dois padrões de mobilidade: um

fazerem ouür nas esferas responsáveis pelas decisões tecnicas e locacionais. padrão de mobilidarle e alocação de fontes de riscos ambientais e um padrão

Ao contrário do que supõe a lógica individualista do NIMBY, estas lutas cle mobilidade e localização de moradores de baixa renda'

mostraram estar pondo em discussão os princÍpios de justiça que oriêntam A ideia de desigualdade ambiental foi difundindo-se, porém, em diferen-
as decisões locacionais dos males ambientais, assim como, por extensão, o tes contextos espaciais e provocando novos insights aplicados a situações
acesso desigual dos diferentes atores sociais aos recursos como terra, água, conflituosas variadas, a partir de meados dos anos 1990. Haüa, por certo,
ar limpo e saneamento. uma sensibilidade não malthusiana já propensa a associar dialeticamente a
questão arnbiental à questão social no âmbito de moümentos sociais e or-

A desigualdade ambientaI ganizações, inclusive no Brasil, mas sem que se tivesse até então recorritlo i

Sabemos que no discurso do senso comum, a noção generica de "dano am- noção-síntese se'Justiça ambiental"'e a suas articulações analíticas. Quan-
incidentes do se tàla em desigualclade ambiental, já se faz acompanhar as denúnciers, a
biental" designa os efeitos indiretos indesejáveis - e supostamente

igualmente sobre todos - de determinadas práticas espaciais. Em paralelo, partir dos anos 2000, de forma bastante convincente, de um grande núrnero
demandas mais politizadas por direitos iguais à "proteção ambiental" susten- de evidências empÍricas. Isto não impede que este paradigma este.ia, ainda,

tam que toda a distribuição desigual dos danos decorre do padrão discrimi- longe de ameaçar o paradigma hegemônico que associa ecologismo à ideia
natório das políticas adotadas ou da "ausência" concreta de políticas; ou seja, de "escasSez de recursos naturais", eSCaSSez esta que, Segundo o Senso Co-

da prevalência de um descontrole estatal calculado da ação - tida por expro- mum disseminado pela grande imprensa, ameaçaria a sobrevivência do pla-
priatória exercida por grandes interesses, conflgurando a inexistência de
- neta e unificaria as classes sociais - apontando a "humanidade", ao mesmo
medidas capazes de impedir que os agentes dotados de maior poder projetem tempo, como responsável e vÍtima da degradação ambiental' Nâo foi tam-
pouco suficientemente esclarecida, poderiamos dizer, no espaço público da
10 Pois ocorre que versões correntes e simplistas da sociotogia anglo-saxã do meio ambiente America Latina, a oposição entre os dois paradigmas: ou seja, de que a ideia
reduziram os conÍlitos ambientais a uma tuta intertocal movida peta recusa generaLizada a se esta- de desigualdade ambiental exclui a ideia de um ambientalismo supraclassita.
betecer relações de proximidade com as Íontes de danos ambientais; ou seja, consideram a vigência
generalizada da mencionada tógica NIMBY - "not in my backyard',
"não no meu quintat"' E que para a eficácia de qualquer açâo -justificada por razões "ambientais"

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l ro*rru I Di.eitos,Justiçaepotirica I oMovimentodeJustiçãAmbientâteacrÍiicaaoDesenvoLvimentot..l )

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cacionais, tecnicas, rle investimento público etc. - esta especie tle "lei", vi-
- que requeira mudança nos padrões de produção e consumo, nas escolhas
gente nas sociedades rlesiguais contemporâneas, que faz com que nenhuma
técnicas e nas dinâmicas locacionais da ocupação territorial, seria funda-
mental reconhecer as distinções de classe na distribuição dos males ambien- mudança tenda a ocorrer nos padrões ambientais das clecisões - ou seja, nos

tais do desenvolvimentoll. impactos ambientais das politicas públicas ou empresariais - enquanto os

A noção cle justiça ambiental tornou-se, assim, presente em um número flanos ambientais puderem ser concentrados sobre os grupos sociais mais

crescente de lutas sociais "ambientalizadas", do mesmo modo que pesquisas despossuidos e menos capazes de se fazer ouvir na esfera pública'

tambem se clisseminaram tendo, por foco, a abordagem segundo a qual a Segundo tal hipótese, enquanto não houver o vislumbre - por pafie dos

questão ambiental e intrinsecamente conflituosa e que os males da degrada- que detêm maior poder de influência sobre as decisões - da possibilidade de
qlle, em que haia um rebatimento dos danos ambientais sobre seus próprios interes-
ção dos recursos e da poluição são desigualmente distribuidos. O
parlicular, parece não se ter difundido e discutido suficientemente é a ideia ses, estas decisões tenderão a continuar as mesmas:

básica, elaborada pelos movimentos, a respeito da relação entre a reprodu-


. as in[raestruturas perigosas serão alocadas em áreas de moradia de
politicas lo- baixa renda;
ção das desigualdades e os processos decisórios que operam as
as indústrias sujas serão atraidas no mercado internaciotral parâ ins-
talarem-se com padrões ambientais e urbanisticos mais frouxos e sob
11 Iexto difundido no Fórum Sociat Mundiat em Porto Ategre, em 2001, esboçava uma arti
cutação inicial entre ecologismo e combate à desiguaLdade:
"Considerando o tamanho dos interesses
normas desreguladas para as áreas mais pobres;
em câusa, ô combate ecológico só tem futuro se for um combate democrático, e se adquirir a força de
'de massa". 0ra, ete jamais conseguirá esta Íaçanha se as Teformas continuarão as pressões sobre as chamadas "zonas de sacrifÍcio",
um movimento verdadeiramente
ecotógicas' tiverem por consequência aumentar as desiguaLdades sociais. Estas reÍcrmas {fiscais' de onde há uma superposição de carências e uma sobreposiÇão de riscos
regúlamentaÇãô,...] quando são necessárias, devem ser concebidas de maneira a reduzir e nào au- i
de cliversas ordens sobre as populações mais despossuidas, a pret(lK-
mentar as desiguatdades sociais a fim de serem integradas a um combate democrático pturat. lsto é rl]ll

essenciaI tanto no p[ano nacionaI como internaciona[. 0 combate ecotógico deve reforçar a solidarie- tI
to de se criar empregos;
dade norte-sul e não contribuir para que o su[ pague o preço do desenvotvimento do norte. O encontro . a ausência de controle vai favorecer a permanência da rede de aloca-
entre ecotógico e social não pode ser unicamente uma cooperação potítica na prática. Ete exige de
nas proximidades
ambas as partes um grande esÍorço de renovação teórica' Pierre Roussei {20011 ção clandestina de lixo tóxico nos terrenos baldios
No Fórum Sociat Temático sobre Educação, em 2012, a temática vottou de Íorma mais específica, a dos assentamentos de baixa renda;
tos probtemas sociates y ambientates que viven miltones de personas, âqueltos que habitan sobre
basura[es, que viven cerca de fábricas que depredan et medio ambiente y ta salud de [a pobtación,
. o acesso à proteção ambiental continuará restrito e desigual etc.
que sobreviven sin agua o con acceso a agua contaminada, que tienên gravísimos problemas alimen- Pois parece haver, de fato, como sustenta o sociólogo ulrich Beck
(1992),
tarios". "Cuando hablamos de potittzar [a cuestión ambiental es hacer [o opuesto a [o que muchos
por parte das forças hegemônicas, uma "irresponsabilidade organizada': só
currículos están hacienclo. No es sóto mediante paseos ecológicos que se debe abordar e[ probtema
6e ta injustrcia ambiental y de sus efeclos en nuestras sociedades. Politizar [a cuestión ambientaI es que esta irresponsabilidade, e "classista" e, alguns acrescentariam, neocolo-
ayudándonos a compreender que tos que están más aÍectados por este tipo de viotencia son tos más
nial: poucos recursos são destinados a proteger ou remerliar os úscos sofri-
pobres, cómo muchas de las potíticas destinadas a promover e[ progreso económico impactan en e[
medio ambiente, perjudicando a los más vutnerabLes [...] En efecto, [a injusticia ambientaI tiene co[on dos por grupos sociais "menos móveis" - pobres, indÍgenas, negros e outras
Hay atgo de engaôoso en [a aflrmación que sostiene que [a agresión al. medio ambiente no tiene fron-
minorias etnicas - que são acusados "de saber que moram em áreas alriscâ-
teras. Esto es así, pero atgunos pagan más que otros. Y esos son tos más pobres, justamente, los que
]lil

das e de querer que os contribuintes paguem por sua escolha residenciâI" -


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menos se benefician por e[ supuesto progreso cf. Justicia sociat, justicia ambientaI y educación - un
" rifl
diáLogo con Moacir Gadotti sobre et Foro Sociat de Porto Ategre, in contrapuntos,30 de.ianeiro de 2012. tal como foi expresso pelo jornalismo televisivo dos EUA em materias pos-
http://btogs.etpais.com/contrapunlosl20l2/0lljustidasociat justiciaambientaI educacion.htmt. aces- fi
so em 2318/201 3.
rt
teriores ao furacão Katrina (Daüs, 2005). Vigoraria, nos setores dominantes,
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uma especie de percepção confiante de que os males - quando nâo são por pos sociais que não estão conectados às formas capitalistas de produção - em

eles desqualificados ou contestados - atingirão apenas os mais despossuÍ- áreas de uso comum, praticando gestão comunitária da água etc... - e con-

dos. Uma especie de NIMBY - "nâo no meu quintal" - exclusivo das elites, centrador dos riscos sobre as populaçoes mais despossuídas nas áreas mais
ou seja, mecanismos pelos quais os tomadores de decisão detêm os meios de urbanizadas e industrializadas.
se distanciar das consequências ecológicas de suas próprias ações - colres- Em sua parábola da Etica do Bote Salva-Vidas, o ecólogo conserador
pondente simetrico do conhecido "sempre no quintal dos pobres, negros e Garret I-Iardin (1974) simulava uma situação futura, segundo ele, previsível,
indios'l E assim que decisÕes são postergadas, regulações são eludidas e em que clado o crescimento incontrolável da populaçâo, fazendo como que
flexibilizadas, que os estudos oficiais de impacto ambiental üram meros os habitantes da nave-terra devessem escolher a quem reservar os poucos
elos na cadeia produtiva dos licenciamentos. Iugares disponiveis nos botes salva-vidas. Flardin, com sua perspectiva so-
Este processo, em que os custos da degradaçâo ambiental sâo concentra- cial-clarwinista, sustenta que seria lógico reservá-los àqueles, na humanida-
dos sistematicamente sobre os mais despossuidos, ainda mais quando parte de, que mais tivessem acumulaclo tecnologia e civilização - ou seja, a seu
dos interesses dominantes consegue auferir lucros com esta degradação, su- ver, as populações dos paises mais industrializados. As populações "menos
põe o corolário politico de que os esforços da resistência deveriam ser con- produtivas" deveriam, supõe-se, serem deixadas ao largo. A relutância das
centrados na proleçâo ambienlal dos mais expostos, de modo a que, inter- elites em assumir medidas compatÍveis com o princípio de precaução em
rompendo-se a transferência sistemática dos males, as elites venham a materia climática ou de recusar o duplo padrão, o que exigiria a adoção das
considerar seriamente a necessidade de mudar seus modelos de produção e mesmas normas ambientais para oS grandes empreendimentos industri;ris rtir

consumo, assim como as dinâmicas decisórias quanto à localização de inÍia- América Latina e nos países de origem dos investimentos, mostra, rla pers-
estruturas porladoras de risco, de complexos fabris de indústrias sujas como pectiva critica dos moümentos em prol da justiça ambiental, que a Etica do
a siderurgia, a petroquímica etc. Bote Salva-vidas encontra-se hoje em franca operação. Seja nos bairros
negros cle New Qrleans, nas zonas em vias de cleserlificação da Africa, nas
Os riscos ambientais moradias de risco no Brasil ou, ainda que sob pretensas razões ecológicas,
E corrente certa perplexidade pública ante a absoluta incliferença dos pode- nos processos de trabalho extenuantes observados nos canaviais brasileiros
rosos para com mudanças demandadas por razões ditas ambientais, quantlo ou nas minas peruanas.
tais mudanças possam vir a prejudicar seus rendimentos * à exceção, é claro, No entanto, há exceções: quando é que os ricos e poderosos se preocll-
das iniciativas de autolegitimação publicitária üa programas de responsabi- pam com o risco experimentado pelos mais destituidos? Quanclo os riscos
Iidade ambiental etc. Qual é o senso comum sobre a resistência obselada a concentrados sobre estes se rebatem sob a forma de perdas tambem para os
se promover tal mudança? Alega-se correntemente que há falta de informa- mais ricos. Exemplos disto são a moraclia popular nas encostas das cidatles,

ção sobre os riscos ambientais e que esta desinfotmação deveria ser comba- que são vistas como causa de perdas imobiliárias e paisagísticas das classes

tida com "eclucação ambiental". Reprova-se a "falta de consciência ambien- mais abastadas, assim como a moradia em área de manancial, que e vista
tal" e não a ügência de um bloco de interesses que lucra com a continuidade como capaz de comprometer a qualidade da água das classes mais abasta-
do modelo - modelo este que nâo é "perdulário de recursos" e "produtor de das. Nestas situações singiulares, os grupos sociais dotados de maior renda e

escassez absoluta", mas, sim, expropriatório dos recursos detidos pelos gru- poder vêm-se expostos a um risco ambiental reflexo claquele sofrido colren-

IPARTEV I
Direitos,JustiçaePotilica
l0MovimeniodeJustiçaambientateâcrl"*'"':f1l".l:"]] - ",|
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temente pelos grupos sociais desprovidos de acesso a moradia segura. Tra- ,:li mente, uma metereologia ruim requer uma proteção moderada-padrão. Al-
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tam-se aqui de situações em qlle as ameaças ao ambiente dito "de todos" il
guns poucos itens como capa e guarda-chuva são suficientes. Mas o que fazer
itil

significam, com efeito, ameaças que, além de afetar, como de praxe, os mais ',tl
quando se e atingido por um furacão ou tomado? A maior pafie das corpora-
despossuÍdos, afetam também os grupos sociais de maior renda. elas forem atingidas por
çoes não sofrerá mais do que uma chuünha, mas se
,i1il

A dimensão "ambiental" da ocupação do espaço urbano, aquela relativa um risco social significativo, isto pode ser mortal. Estimar se a sua empresa
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aos efeitos cruzados que cada prática espacial exerce sobre outras práticas il
,tl está situada em uma planície inundável ou numa zona de furacões e difícil de
espaciais - exprimindo as conexões extramercantis que ligam as práticas fazer, embora a pesquisa possa sugerir bons indicadores."12
espaciais entre si- conecta tambem, nestes casos, de f'orma relativamente Esta climatologia dos negócios parece, pois, bem mais relevante para os
excepcional, a "urbanidade" - ameaçada - da moradia dos grupos sociais de empresários do que as mudanças climáticas observadas na atmosfera e even-
maior renda, ao lado da "desurbanidade" corrente da moradia dos despossu- tuais catástrofes a elas associadas. Isto porque há uma cosmologia capitalistil
ídos. As decisôes originárias dos poderes hegemônicos na cidade, responsá- configurando circuitos materiais e monetários em que a atmosfera e a paÚe
veis pela expulsão histórica dos pobres para as áreas de risco - áreas estas, clesvalorizada fla mercadoria - espaço de disposição liwe e gratuita de gases
via de regra, juridicamente caracterizadas como de proteção ambiental - e pafiiculas invendáveis da produção capitalista; ou a Baia de Guanabara, o
não são, por vezes, capazes de evitar que os riscos se rebatam, também, so- espaço de implantação da infraestrutura do petróleo-petroquÍmica contra a
bre os srupos sociais mais poderosos. 0s governos são pressionados, assim, sobreüvência da pesca artesanal e outros usos não industriais das águas etc.
a administrar tentativamente uma situação que escapa ao padrão conven- A continuiclade deste "equilíbrio ecológico da exploração" depende, por ctI-
cional - "puro" - de divisão socioespacial dos riscos, com a concentração to, da desmobilização da sociedade. E, pois, na contramão desta cosmologia
dos mesmos sobre os mais despossuidos. Assim e que temos observado, no empresarial, que as lutas porjustiça ambiental - seja fortalecendo a resistên-
Brasil, por exemplo, uma tendência à "ambientalização" da política de remo- cia dos pescadores da Baia de Guanabara e dos indios Huaorani do Equador,
ções de favelas (Cf. Compans, 2OO7), que pretende que, novamente, a conta seja resistindo à ambientalização das remoções de tavelas - procllram mos-
se-ja paga por aqueles que já foram vitimados pela ausência histórica de trar que, nos paclrÕes de decisão he$emônicos, a irresponsabilidade ambiental
políticas habitacionais e de um modelo de industrialização onde os salários de classe tende a vigorar e que a resistência à reprodução do modelo de de-
não incluíram os custos de uma moradia digna (Maricato, 2OOO). senvolvimento prevalecente passa pela intemrpção dos mecanismos respon-
Outra situação em que o "risco" conta para os poderosos e a do chamado sáveis pela produção da desigualdade ambiental.
"risco social": em nome de estudar as populações que üvem em situação de
risco em suas áreas de implantação, as girandes corporações têm-se mostrado A segregação socioespacial
crescentemente preocupadas com o risco cle que a organização da sociedade como a clivisão social dos riscos ambientais configura-se como diüsão espa-
possa provocar perdas a seus negócios - ou seja, o risco de que os moümentos cial destes riscos? A segregação socioespacial é o mecanismo pelo qual se faz
sociais, os "pobres" organizados, possam instabilizar as expectativas de lucra- coincidir a divisão social da degradação ambiental com a divisáo espacial da
tiüdade das empresas. Referindo-se ao risco social que os pobres oferecem ao
sucesso dos negócios, declarou, em 2005, a üce-presidente da Ássociation of
12 Discurso de chris Ketty, vice-presidente da Booz Atten, em 2005, na Association oÍ Ameri-
Amerícons for Ciuic Responsibility, usando uma metáfora climática: "Tipica- cans Íor Civic Responsibitity IAACRI Roundtabte ConÍerence. Washington, DC

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degradação ambiental. Pois é o diferencial de mobilidade que favorece a oti-


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esse jogo pressupõe a violação sistemática das re$ras. As relações

mização política das escolhas locacionais do capital e limita as possibilidades l]l


entre o politico e o econômico estão configuradas de modo a remo-
cle escolha locacional das populaçoes destituidas. De um larlo, por exemplo, ver quaisquer obstáculos à expansão da grande empresa e do capital
r]l

o capital eüta investir em tratamento e incineração de resíduos, cladas as r


financeiro internacionalizado, apoiados na força militar e politica
possibilidades de lançá-los em áreas desvalorizadas, abandonadas pelos in- do Estado Imperial. Trata-se da emergência na esfera jurídico-poli-
vestimentos públicos em infraestrutura urbana e habitadas por populações il
'
tica, tla exceção permanente, da consolidação da lei do mais forte,
pobres e menos organizadas. Ele usufrui, assim, de uma sobreposição de be- l para desgosto dos que se imaginam descendentes do Iluminismo e

nefÍcios que lhe permite maximizar sua liberdade de escolha locacional: eco- de seu programa de garantias da liberdade e da igualdade.
nomias tecnicas (eliminação de etapas dos processos físico-quÍmicos), econo- Assim e que a operação de um elumping regulatório instaura, para os mais
l

mias regulatórias (desconsideração de normas tecnicas, urbanísticas e despossuidos, um estado de exceçâo permanente. E uma sobreposição de cles-
l

ambientais) e economias transferenciais (transferência de custos para o esta- lll tituições vem favorecer a superposição entre a dMsão social e a dMsão espa-
ll
do e os moradores). 0u seja, à sobreposição de beneficios para o capital, so- cial dos riscos ambientais pela concentração espacial da vulnerabilidade social.
',l
ma-se uma sobreposição de condições de destituição para as populações que
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Em 1991, um memorando de circulação restrita aos quadros clo Banco
ii
residem em áreas periféricas: insuflciência de renda; insuficiente acesso a
ri
Mundial trazia a seguinte proposição: "Cá entre nós, não deveria o Banco
serviços públicos e à inÍlaestrutura; e pouca capacidade de influência sobre Mundial estar incentivando mais a migraçâo de indústrias poluentes para os
i

o poder regulatório/fiscalizatório. Assim, a eficiência alocativa empresarial é ]l


l
países menos desenvolvidos?"la Lawrence Summers, então economista che-
fe «lo Banco e autor do referido documento, aflrmava que a racionalidacle
;

construída pela mediação de processos sociopoliticos espaciais concretos.


Os movimentos por justiça ambiental denunciam esta sobreposição desi- econômica.iustificava que os países periféricos fossem o destino dos rantos
gual de benefícios e de destituições, eüdencianclo este "lado noturno do industriais mais danosos ao meio ambiente: 1) porque os mais pobres, em
capital"13, a desinformação sistêmica, a irresponsabilização organizada e a sua maioria, não vivem mesmo o tempo necessário para sofrer os efeitos der

política de subestimação sistemática dos riscos para a prevenção cle eventu- poluição ambiental; 2) porque, na "lógica" econômica, pode-se considerar
ais rupturas politicas (a chamada polÍtica de "destoxificação simbólica"). que as mofies em países pobres têm custo mais baixo do que nos ricos, pois
Através destes expedientes, a penalização dos mais desprotegidos torna-se os moradores dos países mais pobres recebem salários mais baixos' 0u seja,

regrâ e o controle democrático dos riscos, a exceção. Pois, Iembra-nos Luiz a racionalidade econômica o justifica, sustentava o economista-chefe. Mas
Gonzaga Belluzzo (2002): faltaria, porem, identificar os mecanismos de üabilização política destes
No capitalismo as regras do jogo são as da acumulação de riqueza movimentos de relocalização de capital.
monetária obtida no mercado, isto e, mediante a competição feroz
entre empresas, Estados e indivíduos. Em sua roupagem neoliberal, A importância das [ocatidades
Tais mecanismos de üabilização da produção da desigualdade ambiental em
escala internacional podem ser encontrados nas explicações de Harvey
13 Pesquisas mostram como os [ançamentos ctandestinos de [ixo tóxico. por exempto, são via
de regra realizados durante a noite, de modo a diÍicuttar sua identificação petos moradores de áreas
de baixa renda onde em qeral etes são alocados. Cf. Acsetrad [200ól "Let Them Eat Pottution." The Economist, 1 991, February B.

l',,,1
(1995): na geografia histórica do novo capitalismo ocorre uma reversão das Podemos afirmar, pois, termos, como corolário da articulação entre a re-
condÍções da competição - não e mais o capital que busca vantagens loca- versão dos mecanismos de competição - analisada por Harvey - e a estratégia

cionais, mas os locais e que oferecem vantagens "competitivas" para atrair de produção de desigualdades ambientais, contida na "racionalidade Sum-
investimentos inter-nacionais. Como o fazem? As localidades competem entre mers", o fato de que a obtenção de $anhos de produtiüdade - tão cara aos
si, oferecendo vantagens fundiárias, fiscais e regulatórias, flexibilizando leis estrategistas da competitiüdade - dá-se não apenas atlaves dos dispositivos
e normas urbanisticas e ambientais. Ou seja, a competiçâo se dá, em parte ao da liberalização, que colocam em competição os trabalhadores de todo o mun-
menos, pela oferta de espaços a poluir, assim como, por extensão, de áreas de do pela baixa dos salários, mas também pela construção das condições loca-
fronteira com povos tradicionais e comunidades camponesas a expropriar, e cionais que dão aos capitais a capacidade de ai'etar de forma ambientalmente
áreas urbanas a gentrificar - pela remoção de moradores de baixa renda de danosa a terceiros, assim como de não ser por eles afetados. E estes terceiros,
modo a valorizar solo e imóveis urbanos. Deste modo, a otimização econô- não custa lembrar, são, üa de regra, grupos sociais mais despossuÍdos.
mica formulada por Summers se realizaria por intermédio da otimização das A desigualdade ambiental que daí resulta mostra-se, portanto, constitu-
condições políticas para tanto - quais sejam, a presença de uma disposição tiva da espacialidade do capitalismo liberalizado - poderíamos falar de um
dos Estados nacionais e poderes locais a desregular, e as situações de sufi- elemento estmturante da regulação deste capitalismo, dada a capacidade
ciente desorganizaçâo polÍtica das sociedades locais que as fizessem propen- dos capitais, dados os processos de liberalização econômica, translbrmarerrt,
sàs a consentir com a atração de atiüdades danosas. com maior intensidade, o poder de investir, em força polÍtica. E a crÍtica
Este mecanismo de imposição desigual de riscos é, como vimos, aquele elaborada pelos movimentos sociais promove uma compreensão cada vez
fundaclo na ameaça de deslocalização dos empreendimentos, com a coloca- mais articulada das dinâmicas da despossessão em vigor no continente, as-
ção dos trabalhadores de todo o mundo em situação de competição, não só sociando a justiça ambiental, como categoria de luta, à desigualdade am-
no que cliz respeito ao nivel de seus salários, mas também aos direitos des- biental como categoria analitical5.
tinados a assegurar proteçâo social e ambiental. Tal "tecnologia social" in- Assim é que, em contraposição ao ecologismo pragmático e profissiona-
tegraria, portanto, as instituições normativas do capitalismo flexivel, de lizado, clito "de resultado", que se pretende uma altemativa ao ecologismo
modo a criar as condições macroeconômicas para que se exerça uma multi- dito "ideológico", os protagonistas das lutas por justiça ambiental susten-
plicidade de ações micropolíticas de disciplinamento e de construção do tam - ironicamente - que suas ações são tambem "de resultado", na medi-
consentimento. Bromfenbrenner (2000) mostra, através de pesquisa empíri- da em que mostram-se propensas a emperrar os dispositivos de otimização
ca muito bem fundamentada, como a ameaça empresarial de fechamento de
empresas mostrou-se um instrumento de luta antissindical que se tornou
"DesiguaLdade am-
15 cf. cotetivo Brasiteiro de Pesquisadores da Desiguatdade Ambientat,
muito mais frequente com a liberalização das economias. Sua pesquisa che- bientaI e acumu[ação por espotiação: o que está em jogo na questão ambienta[?", in e-cadernos cES,
"Desiguatdade
ga a duas conclusões básicas: a) as empresas que recorrem à ameaça de saÍ- Coimbra, 2013 (no preto). Este texto reúne as ideias básicas discutidas no Seminário
Ambientat e Regulacão Capitatista: da acumulação por espotiação ao ambientalismo-espetácuto , or-
da têm, em geral, boa saúde financeira, não sendo a crise de negócios uma
ganizado pelo Laboratório Estado, Trabatho, Território e Nêtureza, do lnstituto de Pesquisa e Plane-
razão explicativa para o uso de tal recurso; b) a liberalização aumentou a jamento Urbano e Regionat TETTERN/IPPUR/UFRJ) por ocasião da Conferência Rio+20. Proctrrando
problematizar critlcamente a têmática do meio ambiente e desenvolvimento, ô evento reuniu cerca de
eficácia desmobilizadora das ameaças, mesmo que elas sejam raramente
1ó0 proÍessores, pesquisadores, estudantes ê representantes de movimentos sociais, nos dias 30/05 e
cumpridas através de uma efetiva deslocalização. 0110612012. no Rio de Janeiro.

Direitos,Justiçâepotíti.a ouo,im"ntoaelusticaÀmbiêntateacríticââooesenvotvimen",..., *,
| "o*rru I I -.]
derrames de petróleo, desmatamentos e contaminações, processos estes
rela-
politica das localizações dos projetos de desenvolvimento capitalista, com
seus correspondentes processos de expropriação. Nesta perspectiva, a di- tados pelas comunidades.

mensão interlocal mostra-se constitutiva de toda luta que pretenda enfren- A discussão interna desenvolvida na Rede Brasileira de Justiça Amhien-
tar a desigualdade ambiental associada às estratégias empresariais de ado- tal levou ao entendimento de que âs atividades extratiüstas por parte da
petrobrás refletiam a adoção de um duplo padrão de compoftamento, posto
ção de padrões ambientais múltiplos * assumindo em cada ponto do
planeta uma forma tecnico-locacional especifica, moldada em acordo com que, no Brasil, a legislação impede exploração em Parques Nacionais e em

a capacidade crítica e mobilizatória diferenciada em vigor nos diferentes territórios incligenas (cf. Malerba, 2oo9). A legislação brasileira reconhece os
espaços políticos. riscos e impactos das atividacles de exploração petrolífera e proíbe esse tipo
de atividade em áreas como Parques Nacionais, considerados como de
pro-
Este foi o caso, por exemplo, do envolvimento, iniciado em 2004, da
teção integral. Em 2003, por exemplo, o IBAMA impediu a licitação de
blo-
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) com â campanha que questio-
nava a iniciativa da Petrobrás de prospectar e explorar petróleo no Parque cos próximos ao Parque Nacional de Abrolhos na Bahia e, em 2005, negou

Nacional Yasuni, no Equador. Este Parque, localizado na porçâo amazônica licença para explorar petróleo em outros blocos que ficam próxirnos a uma
do território equatoriano, foi declarado Reserva da Biosfera pela UNESCO, zona consideradâ de amodecimento desse Parquers'
em 1988, e compreende uma área considerada de significativa relevância Preocupados com o comportamento de uma empresa que se aprovc'illtrra
tle
ambiental, alem de ser território ancestral de povos indígenas da etnia Hua- de uma regulação mais permissiva no Equador para iniciar nma atividade

orani. As atividades petrolÍferas no Parque foram viabilizadas pela flexibili- reconhecido impacto socioambiental, em afiiculação com iniciativas inter-
zação da legislação equatoriana que proibia a exploração petrolífera em nacionais de proteção à Yasuni e seus povos, a Rede Brasileira de Justiça
áreas protegidas16. Em agosto de 2004, membros da Rede Brasileira de Jus- Ambiental iniciou uma campanha reiündicando um compromisso pirbliccl
tiça Ambiental foram convidados a tomar parte em uma missão internacio- por parte cla Petrobrás de não desenvolver atiüdades em telTitórios indige-

nal de verificação, organizada pela sociedade cMl do país, para avaliar os nas e em áreas de reconhecida fragilidade socioambiental como parques
impactos ambientais das atMdades petroleiras no interior do Parque. Os nacionais. Propunha-se, assim, que a empresa adotasse, em todos os paises
garan-
integrantes da missão percolTeram as zonas então operadas pelas empresas em que atua, os parâmetros da legislaçâo brasileira no que se refere à

REPSOL/YPF, EnCana Corporation e os futuros campos da Petrobrás no blo- tia dos direitos sociais, culturais e ambientais dos grupos diretamente im-
co 31. O relatório da missão apontou muclanças estruturais na forma de re- pactados pelas atividades petrolíferas. Em setembro de 2008, a Petrobrás e o

produção das comunidades locais à revelia de seu próprio controle ou esco- governo equatoriano assinaram uma ata de entendimento para a devolução

lhat7. Além de dMsões entre as comunidades - geradas pelos conflitos do Bloco 31 ao Estado. Em entreüsta à imprensa, um executivo da empresa

decorrentes de uma nova dinâmica no uso do território -, verificaram-se aflrmou que, além das complicações com a renegociação dos contratos, a

sobreposição da área a uma reserva indígena fez com que a companhia


te-

1ó Para mais detathes sobre o processo de Ítexibitizacâo da proteção ambiental no Parque messe pelas complicações sociais e ambientais que poderiam resultarle.
NacionaI Yasuni, ver: Mêlerba e Rodriguez I2005).

17 CÍ. lnforme da Missão de veriftcação dos lrnpactos PetroLeiros na Reserva da Biosfera Yasuni
1B Cf. Jutianna Materba e Maria Elena Rodriguez. 0p. Cit. p 28
/ Territorio Huaorani, 2004 disponivel em: http://www.odg.cat/documents/enprofunditat/Transnacio-
,.Petrobrás rlevolve bloco, mas quer us$ 250 milhões". Gazeta Mercantil,o9 de ouhrbro de 2008.
nats_espanyoles/maria-mv1 ó.pdf 19 cf.

eena oi*r"", _r.*iç" euiti." o Movimento dê rusriça ambienrar e a crítica ao pêsenvoLvimento [.]__j::_']
I ] " I
Considerações finais nomas, via de regra baseadas na exploração coletiva de recursos tle uso
Desde as transformações da economia mundial verificadas após o último comum e responsáveis pela produção e reprodução da biodiversidade, das
quarto do seculo XX, a America Latina veio, de forma crescente, se inserindo fontes de água e outros elementos do que hoje são apresentados como
em uma nova geopolÍtica mundial de recursos territoriais, naturais e sociais. recursos ambientais ameaçados de escassez e estratégicos para o futuro
Energia, água, minerio e espaço territorial sâo conteúdos foftemente presen- do pais.
tes, direta ou indiretamente, na gama de mercadorias que caracterizam sua O prêmio Nobel de Economia atribuÍdo, em 2009, a Elinor 0strom, cien-
participação no comercio intemacional. 0 acesso a tais recursos e o que tem tista politica que destacou o papel das formas coletivas de $estão dos recur-
justiflcado, em grande parte, a escolha de localização de novos investimentos sos de uso comum, revela o aparecimento de certa preocupação nos meios
no continente. A "grande" geopolítica, com seu jogo de interesses expresso do pensamento hegemônico, com a desestruturação das formas sociais e

na arena internacional, seus macromoümentos de cena nos fóruns multila- institucionais, como aquelas desenvoMdas, nos paises da America Latina,
terais, tem sido acompanhada, porém, por ações "no terreno": implantação de por comuniclades indígenas e ribeirinhas, por seringueiros, geraizeiros, qui-
redes de infraestrutura, reconversão de atiüdades e alteração das formas de lombolas, grupos que exploram em comum fundos de pasto, faxinais e ou-
ocupação do espaço em função de inserção crescente de territórios nos fluxos tros, reconhecidas como capazes de dar resposta aos efeitos homogeneiza-
interrracionais de acumulação. rlores, poluentes e degradantes que as monoculturas e indÍrstrias intensivas
Este movimento de expansão das fronteiras da acumulação articula-se em recursos naturais produzem sobre o ambiente. Isso posto, se, como o
com formas renovadas de exploração do trabalho - via flexibilização e re- sustentam os moümentos de justiça ambiental, a questão ambiental não
versão de direitos - assim como de geração de ganhos financeiros, inclusive será assumida Como uma questão pala o Estado e para o capital enquallto
a padir da especulação com a terra e os espaços urbanos. Desde o início da for possível destinar os danos para os maÍs despossuidos, as lutas contra a
liberalização das economias, o capitalismo nos países latino-americanos clesigualdade ambiental mostram-se aptas a atinSir o coração mesmo do
veio configurando formas peculiares de associação entre acumulação inten- mecanismo de reprodução da acumulação por espoliação.
siva - via aceleração do tempo de rotação do capital, ganhos de produtiü- Segundo Bachelard (1988), só uma pluralidade pode durar: um processo
dade e intensificação do trabalho - acumulação extensiva - via expansão homogêneo, diz ele, nâo e jamais evolutivo. Neste sentido, só uma comhina-
das fronteiras da acumulação e expropriação de recursos comunais - e di- çãocompatível de práticas espaciais pode se reproduzir no tempo - à con-
nâmicas especulativas no campo financeiro e imobiliário. dição, por certo, de que umas não sacriflquem as demais. 0s mecanismos de
Após a crise global de 2008, este modelo foi mais uma vez reafirmado: expropriação e que têm garantido que as grandes corporações possam arris-
os responsáveis pelas ações governamentais não cogitaram sequer em car o esgoiamento de suas próprias bases de recursos, posto que conseguem
adotar medidas que promovessem alguma inflexão na trajetória de inser- avançar no território, expropriando as bases de recursos de terceiros- Por
ção crescente das economias do continente latino-americano como ex- isso, o mo{elo não muda e por isso as lutas contra a desigualdade ambiental
portadoras d,e commodities e semielaborados. A expansão das fronteiras constituem uma barreira estrateg;ica à sua reprodução. Este e o arrazoado -
internas do mercado, que e apresentada correntemente como "incremento relacional que distingue especificamente as análises da Rede das demais
-
clo acesso à renda por parle de populaçôes pobres" materializa-se, antes abordagens do senso comum ambiental, Seja em suas perspectivas economi-
de tudo, pela desestabilizaçâo de formas de produção relativamente autô- cistas e neomalthusianas seja da Ecologia Proftinda.
O devir de uma pluralidade, lembra o filósofo, e polimorfo. A reproduti- BRONFEMBRENNER, K. 2OOO. "uneasy Terrain: the impact of capital rnobi-
bilidade das práticas espaciais - e o que sustentam, por sua parte, os promo- lity on workers, wages and union organizing". us Trade Deficit Reuiew
tores das lutas contra a desigualdade ambiental - só se pode dar numa Commission. NY, mimeo, 73 p.
combinação apropriada e compatÍvel de diferentes modos de uso do espaço BIILIARD, R. D. 2002. "Enüronmental Justice: Strategies for building heal-
0u seja, todo o contrário do que temos visto acontecer na
e de seus recursos. thy and sustainable communities". Paper apresentado no II Fórum Social
América Latina contemporânea - onde, em nome da competitividade inter- Mundial, Porto Alegre.
nacional das economias * monoculturas substituem em áreas ocupadas por COLETTVO BRASILEIRO DE PESQUIDADORES DA DESIGUAIDADE AM-
pequenos agricultores, a grande mineração compromete a presença de povos BIENIAI. 2013. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o

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