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Coringa: quando os vilões são os bilionários 

(HTTPS://OUTRASPALAVRFilme de Todd Phillips é blockbuster que surpreende ao resgatar a tradição

do realismo social. Sua Gotham City é síntese dos EUA: premia as elites,
culta as celebridades, corta serviços sociais e joga os excluídos na sarjeta ou
no crime

OUTRASPALAVRAS POÉTICAS (HTTPS://OUTRASPALAVRAS.NET/CATEGORY/POETICAS/)

por José Geraldo Couto Publicado 10/10/2019 às 14:23 - Atualizado 10/10/2019 às

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Não é de hoje que os vilões dos quadrinhos e do cinema exercem um fascínio maior que o dos

 heróis propriamente ditos. Sem querer fazer psicanálise de botequim, talvez se possa dizer sobre
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eles o que já se disse sobre os monstros dos contos infantis e dos filmes de terror: que encarnam
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- pulsões, desejos e medos dos quais queremos nos livrar. Se a morte do monstro é um triunfo da
civilização contra as forças do inconsciente, a vitória do herói sobre seu arqui-inimigo é um
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os triunfo da ordem social vigente, uma restituição do status quo.
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À luz dessa ideia, o surpreendente Coringa, de Todd Phillips, representa uma torção curiosa do
esquema, não tanto por assumir o ponto de vista do vilão, mas por colocar em evidência que o
mal não está nele, mas na própria divisão do mundo social
em winners (vencedores) e losers (perdedores), num permanente reality show (ou
comédia stand-up) de opressão e humilhação.

CORINGA - Trailer Final

Não por acaso, o filme começa com a agressão do protagonista por um grupo de pivetes
“chicanos”. Mais do que confirmar o ditado do roto e do rasgado, a cena em que oprimidos se
fazem opressores reproduz o modo de funcionamento de uma sociedade insana.

A noção de insanidade, aliás, é uma das muitas sutilezas desse Coringa. A narrativa se constrói a
partir do protagonista, acompanhando-o o tempo todo, mas se trata de um ponto de vista
instável, em que o real e o imaginário se confundem, obrigando o espectador a revisões e
correções constantes e mantendo-o na incerteza até o final, e mesmo depois.

Loucura contagiosa
A loucura do Coringa impregna a loucura do mundo, e é impregnada por esta. Na construção
visual das cenas, o que é “real” e o que é delírio têm a mesma nitidez, a mesma densidade.
Diferentemente da maioria dos filmes da franquia Batman, aqui o espaço físico não é estilizado:
sua Gotham City é uma Nova York com um pouco mais de lixo e sujeira. É do nosso mundo
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que Coringa fala, ou, mais precisamente, da América neoliberal que exalta o
 empreendedorismo, cultua a celebridade, corta serviços sociais (incluindo a assistência
 psiquiátrica e os remédios do protagonista) e joga os excluídos na sarjeta ou no crime.
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Falou-se do paralelo entre o filme de Todd Phillips e o Taxi Driver de Martin Scorsese,
principalmente por causa da presença de Robert De Niro no elenco, no papel de um veterano
comediante de sucesso, Murray Franklin.
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Mas é com outro filme de Scorsese, O rei da comédia (1982), que Coringa conversa de modo

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mais íntimo. Se ali De Niro encarnava um bocó absoluto que sonhava em ser comediante como
seu ídolo (encarnado por Jerry Lewis), chegando ao ponto de sequestrar este último para
aparecer em seu programa de TV, aqui se opera uma inversão: ele é o ídolo, e Arthur Fleck, o
Coringa em formação, mira-se no seu exemplo e quer aparecer em seu programa.

Os pontos de contato entre os dois filmes são inúmeros: como Rupert Pupkin (o bocó de O rei
da comédia), Fleck mora com a mãe, delira com cenas de glória e aplausos, quer impressionar a
mulher desejada e acaba impelido para o crime. A solidão, o ressentimento, a alienação, o
delírio – e o crime – os aproxima também de Travis Bickle, o motorista de Taxi Driver.

Realismo social
Mais do que angariar a cumplicidade dos cinéfilos, essas conexões filiam Coringa a uma
vertente cinematográfica de crítica social que teve nos anos 1970 um de seus momentos mais
fortes nos Estados Unidos e que nas últimas décadas foi um tanto sufocada por uma acentuada
infantilização das produções e do público. Que Todd Phillips tenha adentrado justamente a
arena dos blockbusters de super-heróis para resgatar esse viés de realismo social é algo que
torna seu filme ainda mais singular.

Talvez por isso Coringa esteja atingindo a rara condição de obra respeitada pela crítica e
prestigiada pelo público. Leão de Ouro em Veneza e megassucesso de bilheteria são coisas que
não costumam se conciliar.

Não mencionei até agora o nome do ator que encarna o Coringa. É que a atuação de Joaquin
Phoenix mereceria um texto à parte, por sua extrema densidade e complexidade. Toda a aflição
do personagem, em seus infinitos matizes, parece se expressar não apenas em seu riso amargo,
mas em cada fibra de seu corpo magro, em cada movimento de sua dança ao mesmo tempo
elegante e desengonçada. É um ator físico e intenso como De Niro em seus melhores momentos.
Só a sua performance já valeria o filme.

Eduardo Coutinho
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 Um mergulho na vida e na obra de um dos nossos maiores cineastas é o que proporciona aos
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cinéfilos e curiosos a Ocupação Eduardo Coutinho (https://www.itaucultural.org.br/eduardo-
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- coutinho-e-homenageado-na-47a-edicao-do-programa-ocupacao), que vai até 24 de novembro
no Itaú Cultural da avenida Paulista, em São Paulo.
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Com curadoria do crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos, um dos maiores conhecedores da
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obra de Coutinho e do documentário brasileiro em geral, a mostra exibe documentos, roteiros,
fotos, vídeos e, claro, filmes do diretor de Cabra marcado para morrer, Santo forte, Edifício
master e tantos outros títulos essenciais da nossa filmografia.

Completa o evento a publicação do alentado livro Sete faces de Eduardo Coutinho (Boitempo
Editorial), do próprio Mattos, baseado em longas entrevistas do autor com o documentarista e
num extenso trabalho de pesquisa, misturando de modo exemplar biografia, crítica e história.

Se a palavra “imperdível” ainda tem significado, ela se aplica aqui.

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JOSÉ GERALDO COUTO

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Teatro Commune: a Desterrados e Cinema: Domingo vê a
rebeldia de manter-se desaparecidos classe média diante de
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em 17/10, lança livro sobre sua trajetória. teimosia em não aceitar que estamos todos Linhart, o doméstico e o político: quando
 Mesmo sob o desmonte das políticas aprisionados? E é por isso que nos Lula toma posse, em 2003, duas famílias
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culturais, mantém viva proposta esquecemos de sua existência – para que a vão para uma fazenda. Sob o mesmo teto,
 independente e combativa que, inclusive, já chama subversiva não se espalhe? conflitos de classe e gênero — e uma elite,
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formou mais de 1500 jovens das periferias assustada e debochada
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Paris, obras que tratam desde a cultura
popular aos ataques ao meio ambiente e
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resistência também se faz pela arte
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Cinema: Mulheres no front
Em Filhas do sol, de Eva Husson, mulheres
curdas lutam para recuperar suas aldeias,
invadidas pelo Estado Islâmico. Crueza da
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apesar de filmada de modo convencional
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Boaventura: o Fado Bicha
como metáfora de Portugal
Precursores de uma colonização que serviu
a outros, os portugueses guardaram em si
não as riquezas da pilhagem, mas o infinito
do mar. Sua nova música, quase marginal,
testemunha não seu suposto fatalismo, mas
seu otimismo trágico
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Um comentario para "Coringa: quando os vilões são os bilionários"

— Hugo Belarmino 11 de outubro de 2019 às 13:36 (https://outraspalavras.net/poeticas/coringa-quando-
os-viloes-sao-os-bilionarios/#comment-38152)
disse:

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 finalmente uma crítica que me contemplou. adorei. o filme é daqueles que vai render anos de discussões, e só por isso já nasce um clássico.
 parabéns pelo texto. escutei e li comentários absurdos colocando o filme como uma narrativa “que atira por todos os lados” e que isto seria
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perigoso, pois daria margem à interpretações “conservadoras”… Me parece que você acertou em cheio quando traz a tradição do realismo social

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e da crítica à sociedade adoecida que vivemos encarnados em cada frame do espetacular Joaquin Phoenix. Coringa é uma espécie de retrato
físico de uma sociedade adoecida, em que o crime, a alienação, as opressões e as “saídas” nunca são fáceis.

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