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EFEITOS DE MEMÓRIA NO DISCURSO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: UMA

ANÁLISE DO SCIENCEBLOGS BRASIL1

Gerenice Ribeiro de Oliveira Cortes2


UESB – cortesgr@gmail.com
RESUMO
O artigo busca compreender o funcionamento de efeitos de memória na trama do discurso de
divulgação científica (DDC) virtual. Ancora-se teoricamente na Escola Francesa de Análise
de Discurso, desenvolvida por Pêcheux (1969, 1975), além dos conceitos de ciberespaço e
blogs. O corpus é constituído de um recorte de posts do site ScienceBlogs Brasil. A análise
mostra a constituição de efeitos de memória no DDC virtual, pela atualização do enunciado da
“alfabetização científica”, que se apoia no imaginário do cientista possuidor da verdade, por
um lado, e no imaginário do leitor inculto e incapaz, por outro. Ecoa, pois, no DDC uma voz
parafraseadora que busca perpetuar a divisão social do trabalho de leitura de arquivos.

Palavras-chave: Blogs; Discurso de Divulgação científica; Memória discursiva.

ABSTRACT
The article seeks to understand the functioning of the memory effects in the plot of virtual
speech science popularization. Anchored in the theoretical framework of the French School of
Discourse Analysis, developed by Pêcheux (1969, 1975), and the concepts of cyberspace and
blogs. The corpus consists of a clipping site posts ScienceBlogs Brazil. The analysis shows the
operation effects of memory in virtual DDC, updating the wording of "scientific literacy",
which relies on the imaginary of the scientist with the truth on the one hand, and imaginary of
uneducated and unable reader other. And so, echoes the DDC a voice carrier of paraphrase
that seeks to perpetuate the social division of labor file reading.

KEYWORDS: Blogs; Science Popularization Discourse; Discursive Memory.

Efeito de Início
Buscamos, neste artigo, compreender o modo pelo qual os efeitos da memória –
sobretudo dos discursos científico e pedagógico – ressoam no discurso de divulgação
científica virtual. O estudo se insere nos pressupostos da Análise de Discurso (AD) fundada
por Pêcheux (1969, 1975), como também nos estudos sobre o ciberespaço e blogs. O corpus
constitui-se de um recorte de sequências discursivas da blogosfera3 ScienceBlogsBrasil
(Sb.br). Na AD, a constituição do corpus não é guiada pelo dado empírico, mas pelo critério
teórico (ORLANDI, 2012). Assim, o corpus que nos interessa é o discursivo, e o recorte
teórico determinante para os objetivos deste estudo constitui-se principalmente das noções de
sujeito, interdiscurso e memória discursiva.

A Escola Francesa de Análise de Discurso


A Análise de discurso de base pêcheuxtiana emerge com uma proposta de intervenção,
partindo dos conceitos não trabalhados até então, tais como sujeito, história e língua, noções
que, na AD, são trabalhadas a partir de uma relação crítica com a linguística, com a
psicanálise e com o marxismo. Nesse quadro teórico, a língua é pensada como a materialidade
específica do discurso e este é visto como a materialidade específica da ideologia, sendo que a
relação entre a ideologia e a língua afeta a constituição do sujeito e do sentido. Ou seja,
sujeito e sentido se constituem mutuamente, o que conduz ao entendimento do discurso como
efeito de sentidos (PÊCHEUX, 2009). É a ideologia que produz o efeito de transparência da
linguagem, pois os sentidos, que estão em jogo no processo sócio-histórico, são determinados
pelas posições ideológicas sustentadas pelos sujeitos que as empregam. A interpelação dos
indivíduos em sujeitos se dá por meio das formações discursivas “que representam ‘na
linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes” (PÊCHEUX, 2009, p.
147).
A noção de formação discursiva (FD), pensada primeiramente por Foucault ([1969]
2012) consiste, para este autor, em descrever as relações entre os enunciados e os sistemas de
dispersão de um mesmo campo discursivo para compreender as regularidades das distintas
ordens e formações discursivas.Todavia, Foucault não articula a FD à ideologia no sentido
marxista, e sim na relação saberes/poderes. Partindo desses pressupostos, Pêcheux e Fuchs
([1969] 2010a) ressignificam o conceito de FD pelo viés da teoria não-subjetiva do sujeito e
da ideologia althuseriana4, articulada à noção de condições de produção. Para os autores, as
formações discursivas intervêm nas formações ideológicas e também se constituem num jogo
de relações, mas relações ideológicas, relações de classe5. Posteriormente, Courtine (2009)
preconiza a heterogeneidade como condição constitutiva tanto da forma-sujeito quanto da FD,
elucidando, assim, o funcionamento da forma-sujeito e a movimentação das posições-sujeito
no discurso. A noção de FD é, pois, fundamental para a compreensão dos conceitos de
interdiscurso e memória. Segundo Pêcheux ([1983] 2010), o interdiscurso designa o exterior
específico de uma FD, e enquanto este exterior irrompe na FD, ela se torna um lugar de
evidência discursiva.
A noção de memória discursiva6 é teorizada na AD por Courtine (2009) a partir dos
estudos de Foucault (1971), e designa, segundo Courtine (Op. cit.), a existência histórica do
enunciado no interior de práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos. Na relação entre
interdiscurso e intradiscurso (textualização), uma formulação-origem retorna na atualidade,
produzindo o efeito de memória (COURTINE, 2009). Conforme Pêcheux ([1983] 2010a), a
memória, em face do processo de leitura, exerce o papel de restabelecer os implícitos ou os
pré-construídos e discursos transversos, sendo que, cabe à AD buscar esses implícitos
“ausentes por sua presença”. Assim, a atualização de um enunciado produz efeitos de
memória no discurso, que tanto institui a paráfrase, como também pode instituir a
ressignificação, a polissemia (ORLANDI, 1988).
.
A Ciência e a Divulgação Científica: uma trama discursiva
A ciência moderna floresceu com a emergência da civilização burguesa (FOUREZ,
1995). Historicamente, tem sido predominante a visão de ciência detentora da verdade
“absoluta”, que busca descobrir leis eternas, universais, leis imutáveis da natureza que regem
o mundo, uma concepção idealista e abstrata que desconsidera os aspectos históricos, sociais e
políticos que constituem a prática científica. Pêcheux (2009) refuta o mito idealista que
estabelece a lógica como o princípio de toda ciência. Segundo o autor, esta concepção reduz-
se a uma prática de triagem entre enunciados verdadeiros e falsos, desconsiderando as
condições e questões historicamente determinadas ao surgimento de tais enunciados.
Quanto à divulgação científica, resulta da relação estabelecida com o discurso
científico e com o discurso jornalístico. O discurso de divulgação científica (DDC) mobiliza
gestos de interpretação, portanto, não se trata de uma tradução, pois envolve a mesma língua
(ORLANDI, 2001). Para Grigoletto (2005), o DDC é um discurso intervalar, constituído pela
interpretação e (re)atualização do discurso científico, processo que se dá pelo discurso do
cotidiano.
Com a emergência das novas mídias, emergiu também a escrita eletrônica e virtual
com novas materialidades significantes, como os blogs, por exemplo, nos quais se inscrevem
o DDC do ScienceBlogs Brasil - objeto dessa análise. O DDC virtual funciona em condições
de produção especificas, é textualizado pelo discurso eletrônico7, embora seja atravessado
pelo discurso jornalístico. Como todo processo discursivo, é tecido por gestos de
interpretação, sofre determinações do interdiscurso e da memória discursiva. O ciberespaço,
considerado um universo aberto e desterritorializante (LEVY, 1999), não pode ser visto do
ponto de vista meramente técnico, pois é um espaço político e ideológico, no qual se travam
disputas territoriais, um espaço de controle e dominação – uma velha prática que retorna de
“cara” nova, um campo “movediço” no qual se dá uma colonização eletrônica (MOUNIER,
2006). Assim, não concebemos o blog apenas como mais uma ferramenta de linguagem
digital, dissociada da exterioridade, e sim como um objeto simbólico, que – embora funcione
sob o imaginário de liberdade e de acesso pleno – pode exercer controle e interdição. É o que
buscamos mostrar nessa análise.

Gesto analítico – Efeitos de memória no discurso do ScienceBlogs Brasil

O ScienceBlogs Brasil (Sb.br) - rede de blogs de divulgação científica - é um espaço


institucional e empresarial, que representa não somente a voz da divulgação científica, mas também os
interesses capitalistas que exercem domínio e controle sobre a mídia eletrônica. Qualquer discussão
sobre ciência e a divulgação científica deve levar em conta a indissociabilidade entre ciência,
tecnologia e administração (ou Governo) (ORLANDI, 2001), um tripé, cujas relações
funcionam em um jogo de forças que visa instituir o controle dos sentidos e perpetuar a
divisão social do trabalho da leitura de arquivos (PÊCHEUX [1982]2010b).
O Sb.br integra um site maior: o ScienceBlogs: Ciência,Cultura,Política, e se
apresenta como um canal de popularização da ciência, conforme aponta a sequência
discursiva (SD) 1:

Figura 1: ScienceBlogs Brasil –página inicial (fonte: http://scienceblogs.com.br/)

(SD1) “O ScienceBlogs é a maior rede de blogs de Ciências do mundo. Lançado em janeiro de 2006,
seu objetivo é criar um espaço onde seja possível discutir Ciência de forma aberta e inspiradora. As
redes escritas em alemão e português são uma forma de tornar vozes locais em vozes globais.”
(ScienceBlogs Brasil, 2012).
O link Sobre traz informações sobre o surgimento da blogosfera:

(SD 2) O ScienceBlogs Brasil nasceu em agosto de 2008 com um outro nome: Lablogatórios, um
projeto pessoal de dois cientistas que ganhou proporções internacionais. Em uma época onde temas
como mudanças climáticas, biocombustíveis, AIDS, doenças tropicais, células-tronco são discutidos
diariamente, a divulgação científica se faz cada vez mais necessária. ScienceBlogs Brasil tem o
desafio adicional de discutir e popularizar Ciência em um pais em desenvolvimento no qual o
analfabetismo científico predomina. Esperamos que a comunidade formada em torno do ScienceBlogs
Brasil atue na dispersão do pensamento científico, quebrando as barreiras que afastam nossa sociedade
da Ciência. (ScienceBlogs Brasil, 2012, grifo nosso8).

Não podemos desconsiderar que, nessas novas condições, a ciência é interpretada


predominantemente por cientistas, que enunciam tanto do lugar social da
academia/universidade, quanto da internet e dos blogs. É a própria ciência interpretando a si
mesma pela mediação dos blogs. O nome Lablogatórios (SD 2) - fusão dos termos
laboratório e blogs - cria um efeito de relação direta da ciência e do cientista com o leitor,
mascarando a mediação: encena-se a voz da ciência saindo diretamente do laboratório para
falar ao leitor e, ao mesmo tempo, encena-se o leitor saindo do blog e entrando no mundo
científico do laboratório, o qual, imaginariamente, representa um lugar de legitimidade
científica, e assim, cria-se também um efeito de legitimidade científica ao DDC dos blogs. A
trama discursiva é tecida, sobretudo, a partir do imaginário do leitor internauta, leigo em
ciência.
Isto posto, nos deteremos na análise dos efeitos de memória instituídos no DDC
virtual.
Retornemos à SD 2: “ScienceBlogs Brasil tem o desafio adicional de discutir e
popularizar Ciência em um pais em desenvolvimento no qual o analfabetismo científico
predomina”. Vejamos também um trecho do post do Blog Cognando:

(SD 3) Em 2013, não seja um analfabeto científico! (31/12/2012)


Dezembro é o mês das promessas e do planejamento. [...] Para aproveitar então o clima de promessas,
eu tenho uma sugestão: em 2013, não seja um analfabeto científico. Não! Não estou pedindo que seja
um cientista, estudioso e ganhador do prêmio Nobel. Não é isso. Não é preciso ser um cientista para
entender um pouco (e criticamente) sobre o mundo que nos cerca. Abra o jornal e vai logo ver alguma
notícia sobre aquecimento global, ou sobre algum fóssil encontrado em algum lugar, ou sobre uma tal
partícula de Higgs descoberta por físicos na Suíça.[...] Ser alfabetizado em ciência é se tornar um
cidadão melhor e mais consciente, capaz de opinar e lutar pelo bem-estar da sociedade onde vive.
[...]Deixar de ser analfabeto científico é começar a entender (e ser capaz de criticar de maneira
informada) os principais avanços tecnológicos e científicos que nos bombardeiam o tempo todo
(http://scienceblogs.com.br/cognando/).

Calcado em um imaginário de ciência da verdade salvacionista, o DDC do Sb.br


apresenta-se como a resposta, a solução para o atraso do “desenvolvimento” do país,
supostamente provocado pelo analfabetismo científico.Tal posicionamento ideológico institui-
se no discurso científico e no DDC a partir do enfraquecimento da hegemonia religiosa, de
modo que, no DDC virtual, o sujeito cientista-blogueiro se inscreve no lugar discursivo de
alfabetizador de ciência, de onde assume a posição-sujeito de promotor da cidadania e do
desenvolvimento do país. Tais sujeitos consideram-se como “os verdadeiros portadores do
conhecimento científico e, segundo eles, é desse conhecimento que depende o bom ou o mau
funcionamento de todo o mundo” (ALBADA, 1979, p. 138). Sob esta ideologia, a ciência
apresenta-se como “uma entidade etérea de valor indiscutível, útil a gregos e troianos, uma
bênção milagrosa do céu ou da razão” (DEUS, 1979, p. 15). Historicamente, a ciência busca
substituir a dominação religiosa, por isso o céu científico passa a ser a razão, especialmente a
partir do racionalismo cartesiano. Atrelada a esse imaginário de ciência detentora do poder e
da verdade, que pode salvar o país, constrói-se também o imaginário do leitor que, segundo
esse discurso, predomina em nossa população, qual seja, o leitor “ignorante” que precisa ser
alfabetizado em ciência para ser cidadão.
Assim, o enunciado da “alfabetização científica” institui efeitos de memória do
discurso científico – o efeito de verdade que se assenta na “vontade de verdade”
(FOUCAULT, [1970 2012) – e o efeito analfabeto-incapaz, da FD pedagógica, que “doa”
uma alfabetização-salvadora, sentido instituído na história que a ideologia busca naturalizar.
Historicamente, o discurso pedagógico, em especial, o discurso dos programas de
alfabetização de adultos em massa/para as massas, projetava o sujeito analfabeto como um
incapaz, ao qual também era imputada a culpa pelo subdesenvolvimento do país. Freire
(1987) denuncia tal ideologia:

Qualquer que seja a especialidade que tenham e que os ponha em relação


com o povo, sua convicção quase inabalável é a de que lhes cabe “transferir”
ou “levar”, ou “entregar” ao povo os seus conhecimentos, as suas técnicas.
Vêem-se, a si mesmos, como os promotores do povo. Os programas da sua
ação, como qualquer bom teórico da ação opressora indicaria, involucram as
suas finalidades, as suas convicções, os seus anseios. Não há que ouvir o
povo para nada, pois que, incapaz e inculto, precisa ser educado por eles
para sair da indolência que provoca o subdesenvolvimento (FREIRE, 1987,
p. 88, grifos do autor)

Observemos que o imaginário do “transferidor de saberes” do discurso pedagógico é o


de “promotor do povo”, aquele que tem o poder de tirar o povo da condição de
subdesenvolvido, enquanto que o povo, a grande massa de analfabetos, seja na ordem do DP,
seja na ordem do DDC, é imaginado como o “incapaz e inculto” que precisa ser “salvo” pela
alfabetização.
O que se apresenta na SD 3 como sugestão para 2013 – “Não seja um analfabeto
científico” – busca ocultar um imperativo, uma ordem repetida que soa como um slogan, um
efeito de memória dos slogans das campanhas massivas de alfabetização dirigidas a sujeitos
adultos, fazendo ressoar novamente aqui o pré-construído do DP, a exemplo de campanhas
como o MOBRAL9 , o PAS - Programa de Alfabetização Solidária, entre outros. Nesse
discurso, propaga-se a “luta contra o analfabetismo” como uma suposta salvação ou cura das
massas:

Fala-se da “luta contra o analfabetismo” e caracterizam-se, às vezes, as


campanhas como 'batalhas contra o analfabetismo” (...). A maior parte dos
documentos e declarações de governos e órgãos internacionais emprega
reiteradamente, ao referir-se ao analfabetismo, expressões tais como praga,
cicatriz, flagelo, enfermidade, vergonha nacional, assim como o termo
erradicação, tomando-o também, analogicamente, da terminologia
médicopatológica (FERREIRO,1992,p.56).

Desse modo, a ideologia do analfabeto como doença social, por um lado, e da classe
dominante oferecendo a suposta cura, por outro, funciona também no DDC dos blogs do
Sb.br, como mostra a SD 3, ao preconizar que a alfabetização científica vai promover a
cidadania e tirar o analfabeto em ciência da sua condição de incapaz: “Ser alfabetizado em
ciência é se tornar um cidadão melhor e mais consciente, capaz de opinar e lutar pelo bem-estar da
sociedade onde vive.” Logo, no dito da alfabetização científica funciona outro dito, segundo o
qual o leitor leigo em ciência não é capaz de pensar, de emitir opiniões, não é um bom
cidadão.
A ideologia da normalidade em contraponto ao patológico tem seu funcionamento
associado ao discurso médico e ao discurso pedagógico, a partir do século XIX
(CANGUILHEM, 2009), e retorna sob o efeito de memória no DDC virtual, que busca
erradicar o “mal da ignorância” pela alfabetização científica, que resulta num conjunto de
informações vagas sobre a ciência, já que, para ser alfabetizado, é suficiente apenas a notícia
da ciência e a informação sobre os fatos científicos, como aponta a (SD3): “Abra o jornal e
vai logo ver alguma notícia sobre aquecimento global, ou sobre algum fóssil encontrado em
algum lugar, ou sobre uma tal partícula de Higgs descoberta por físicos na Suíça”. /
“Mantenha-se informado da ciência ao seu redor”. Todavia, vagas informações e notícias não
configuram o processo histórico e social da ciência, divulga-se apenas uma ciência mutilada e
esvaziada. Ademais, é a própria mídia – nesse caso a blogosfera-empresa – que decide e
recorta que notícias devem ser divulgadas. Produz-se, assim, a evidência de um bem social: a
promoção da melhoria da qualidade de vida, a solução para os males sociais, institui-se a
normalidade, uma ideologia que convoca sentidos de linearização e dominação. No entanto, o
leitor que tem acesso apenas à alfabetização científica continua alijado do processo de
conhecimento científico.
Está certo que o leitor de ciência não precisa ocupar o lugar do cientista, mas apenas
as notícias dos fatos científicos não são suficientes para compreender criticamente o processo
social e histórico de construção da ciência, como o texto da SD 3 diz (e contradiz): “Deixar de
ser analfabeto científico é começar a entender (e ser capaz de criticar de maneira informada)
os principais avanços tecnológicos e científicos que nos bombardeiam o tempo todo.”
Contudo, “O que o leitor de ciência precisa não é o lugar do cientista mas de poder se
relacionar com esse lugar. Poder ser crítico no processo de produção de ciência, já que a
sociedade capitalista é definida pela sua capacidade de produzir ciência” (ORLANDI, 2001,
p. 28). Mas não se pode ser crítico do processo de construção da ciência apenas pelas notícias
oferecidas na alfabetização científica, que nada mais é senão a sombra da ciência, assim como
o MOBRAL é o simulacro do processo de leitura e da escrita. Reforça-se, portanto, no DDC
do Sb.br, a divisão social do trabalho de leitura do arquivo (PÊCHEUX, 2010b). Na lógica
dessa divisão, alguns são portadores de uma leitura autorizada – nesse caso os cientistas e os
divulgadores – enquanto que ao sujeito-leitor é imposto o seu apagamento, atrás da instituição
que o emprega, nesse caso o ScienceBlogs Brasil.

Efeito de Fechamento
Procuramos mostrar que o discurso eletrônico busca naturalizar os sentidos já instituídos
sob a evidência do novo da tecnologia virtual dos blogs, que funcionam sob o imaginário de
livre acesso. Todavia, o virtual é um espaço determinado por condições históricas, sociais e
ideológicas, uma rede que também pode prender e enredar o leitor-navegador, graças ao efeito
de transparência da linguagem. Pelo viés do enunciado da alfabetização científica, efeitos de
memória do discurso científico e do discurso pedagógico são produzidos no DDC do
ScienceBlogs Brasil visando perpetuar a divisão social do trabalho de leitura de arquivos da
ciência, e assim, manter o leitor excluído do mundo científico. Tal sentido, porém, se apaga
sob o efeito de cientificidade da alfabetização oferecida.

Referências:

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SCIENCEBLOGS BRASIL – Blogs de Ciência. Disponível em http://scienceblogs.com.br/.
Acessos em 12/01/2011 e 07/03/2012.
1
Este artigo é um recorte da minha pesquisa de doutorado que está em andamento (PGLetras/UFPE); Agradeço
à Profª Drª Evandra Grigoletto (UFPE) pelas orientações que me deram suporte para a escrita deste artigo.
Agradeço à equipe do Museu Pedagógico (MP) - UESB, em especial à Profª Drª Livia D. R. Magalhães, pelo
apoio e confinaça.
2
Professora Assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia–UESB.Doutoranda em Linguística pela
Universidade Federal de Pernambuco –UFPE. Coordenadora do Grupo de Estudos de Linguagem e Letramento –
MP/UESB.
3
Termo utilizado para designar um site que abriga um conjunto de blogs organizados em torno de uma temática
comum.
4
Diz respeito ao pensamento de Althusser (1985, apud Pêcheux, 2009) sobre a teoria do funcionamento dos
Aparelhos Ideológicos do Estado.
5
Nesse caso, o termo relações de classe remete à noção marxista de lutas de classes.
6
Na AD a memória não diz respeito a questões cognitivas ou psicologizantes.
7
Noção empregada por Orlandi (2010) para refletir sobre o virtual enquanto linguagem não transparente.
8
Apenas os grifos de sublinhado duplo são nossos.
9
Programa instituído no período da ditadura militar (1967) denominado Movimento Brasileiro de Alfabetização.

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