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E a água foi privatizada… https://diplomatique.org.br/e-a-agua-foi-privatizada/
Mas não deve ser omitida a participação ativa desses governos nas atuais dinâmicas
de desregulamentação e sua responsabilidade pelos contratos negociados com
instituições internacionais como o Banco Mundial, a OMC ou o Word Water Council.
A reunião da OMC em Catar, em novembro de 2001, por exemplo, só reforçou a
privatização: com o título “Comércio e meio ambiente”, o artigo 31, inciso 3, exige, na
verdade, “a redução ou, conforme o caso, a eliminação dos obstáculos tarifários e não
tarifários aos bens e serviços ambientais”, entre os quais, a água. Segundo essa lógica,
qualquer tentativa de controle de exportação da água para fins comerciais passa a ser
ilegal. E o artigo 32 tem por objetivo impedir os países de apelarem para obstáculos
não tarifários, como as leis de proteção ambiental.
Fevereiro de 2002, bairro de Alto Lima, o mais velho e mais pobre de La Paz. A chuva
forma córregos barrentos que transbordam das sarjetas e inundam as calçadas. As
ruas sem calçamento, esburacadas e cheias de sulcos, onde o acúmulo de sujeira
denuncia a inexistência de um serviço de limpeza pública, já não dispõem de
iluminação à noite, desde que esse serviço também foi privatizado. Os serviços mais
elementares são feitos por uma única ONG. Por ocasião da feira semanal, os
vendedores espremem-se sob as lonas azuis que protegem, bem ou mal, suas barracas
de alimentos e de roupas.
Antonio mora em Alto Lima desde a infância. Esse bairro popular está situado a cerca
de 4.000 metros de altitude – os mais ricos residem mais abaixo, a cerca de 3.200
metros. Alto Lima domina o resto da capital, mas é preciso mais de uma hora para
chegar ao centro da cidade. Isso explica por que Antonio vai tão pouco ao centro:
muito longe e muito caro. Antonio está inconformado pelo fato de a água, que existe
em abundância, não ser disponível para consumo. Desde que sua distribuição passou
a ser administrada pelo consórcio francês Aguas del Illimani (Lyonnaise des Eaux),
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seu preço passou de dois para 12 bolivianos (Bs). Sem poder suportar esse aumento, a
maioria dos moradores do bairro substituiu os chuveiros por banheiros públicos,
pagos.
Enquanto o salário dos administradores passou de 12 mil para 65 mil bolivianos por
mês – os trabalhadores recebem, em média, apenas 1.800 bolivianos -, a partir de
agora é preciso pagar cerca de 330 reais (1.100 bolivianos, aproximadamente) pela
instalação da água, contra o valor anterior à privatização de cerca de 215 reais (730
bolivianos), que podiam ser pagos em cinco anos. “Hoje, é um luxo ter água na cidade
de El Alto”, diz um trabalhador demitido pela empresa Aguas del Illimani. Aliás, um
luxo que ele não pode se permitir, agora que está desempregado.
“O objetivo era demonstrar que a Lyonnaise des Eaux podia também se ocupar das
zonas difíceis”, explicou Arnaud Bazire, executivo francês da Aguas del Illimani. O
resultado está longe de ser satisfatório. “Eles falavam de equipamentos novos, mas o
que fizeram foi pintar os canos de branco”, afirma um operário da manutenção, que
também menciona a presença cada vez mais freqüente de animais mortos na
canalização. Em outros países, algumas empresas privatizadas foram multadas por
não respeitarem normas mínimas de higiene. Até o momento, a Aguas del Illimani só
foi condenada por ter cortado, durante várias semanas, o fornecimento de água às
administrações municipais, e, portanto, a todas as escolas das cidades. Mas, em geral,
os cortes de água são feitos impunemente. O segundo e terceiro setor de Alto Lima
não são atendidos há vários meses. Em dezembro de 2000, por exemplo, Arnaud
Bazire declarou que a população do Alto era “o pior cliente” e “o pior consumidor do
mundo”.
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Por que os habitantes desses bairros aceitam – com a paciência indiferente e otimista
que os observadores estrangeiros costumam valorizar nos mais desfavorecidos –
tanta desconsideração? É que sua condição de subproletários os impede de conceber
um projeto para o futuro e, portanto, de estabelecer as bases de uma organização
coletiva. Mais ainda, essa impossibilidade é criada pela ausência de interlocutores
oficiais, não somente devido à desagregação dos serviços públicos, mas também à
distância crescente entre as elites políticas e o resto da população. A cidade de
Cochabamba é a única cujos moradores, estimulados
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