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Panorama da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa
José Giacomo Baccarin
Maria Rita Marques de Oliveira

1. Introdução
Em nosso entendimento, dois pontos mais gerais devem ser aqui considerados: a)
a caracterização da situação de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de cada um dos
países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); b) O nível
de mobilização de cada um dos países para enfrentar seus problemas de SAN.
Mais do que diagnósticos específicos, pretendemos apresentar um roteiro para que
se desenvolvam os dois itens citados para cada um dos países da CPLP.

2. Situação Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


Uma primeira preocupação diz respeito à Produção Agropecuária de
Alimentos. Em especial nos países com população considerável e com territórios vastos,
como Angola, Brasil e Moçambique, o abastecimento alimentar é ou poderia ser atendido
com a produção agropecuária de produtos destinados à alimentação. Considerar a
produção local de alimentos tem dois significados, um mais evidente, que é o de medir a
oferta ou quantidade produzida em relação à população. O segundo é que a produção gera
renda para agricultores e, portanto, aumenta sua capacidade de consumo. Não se deve
esquecer que, em termos relativos (às vezes, absolutos), a incidência de desnutrição é
maior na zona rural e estimular sua produção resulta em ofertar mais alimentos para as
cidades, mas também contribui no combate à fome entre os agricultores.
A preocupação seguinte diz respeito à Disponibilidade de Alimentos. Parte
considerável do que se produz é perdido ou desperdiçado, não se transformando em
consumo alimentar. Além disto, deve-se levar em conta o comércio exterior, com a
exportação diminuindo e a importação aumentando a disponibilidade interna de
alimentos. Países com pouca área agricultável podem se mostrar muito dependentes da
importação de alimentos e, por conseguinte, da geração de divisas de outros setores da
economia para garantir a disponibilidade interna de alimentos.
Na sequência, deve-se considerar como se dá o Acesso aos Alimentos. Neste
caso, a variável básica ser considerada é a renda da população, tanto seu valor médio
(renda per capita), quanto sua distribuição entre as classes sociais. Além da renda do
trabalho e patrimônio, o acesso aos alimentos pode ser propiciado por políticas públicas
de suplementação de renda (bolsas, aposentadorias, pensões), de alimentação escolar,
distribuição de cestas ou suprimentos alimentares etc. A intervenção nos canais de
comercialização e nos tributos pode levar à diminuição nos preços dos alimentos e torná-
los mais acessíveis.
A complementar a preocupações com os três itens acima, sugerimos que se
elenquem variáveis que tratem da situação de SAN da população, ou seja, estabeleçam
um Diagnóstico de SAN. Neste caso, devem ser consideradas situações e medidas de
desnutrição da população como um todo, bem como de segmentos específicos, levando
em conta a idade, sexo, região de moradia, minorias étnicas etc. Além da desnutrição,
sem dúvida o problema mais grave em países pobres, não se deve esquecer que vêm
crescendo os indicadores de sobrepeso e obesidade, que resultam em doenças como
diabetes, cardiovasculares, alguns tipos de cânceres e outras.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) tem
acompanhado a situação de SAN dos países, através de vários indicadores. Alguns deles
são apresentados para os integrantes da CPLP na Tabela 1.
Tabela 1 – Indicadores de Desnutrição e Obesidade na população de países integrantes da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Subalimentação Total* Déf. Cresc. Crianças** Obesidade Adultos***
Países
2004-06 2016-18 2012 2018 2012 2016
Angola 54,8 25,0 n.d. 37,6 5,6 6,8
Brasil 4,6 <2,5 n.d. n.d. 19,9 22,3
Cabo Verde 14,0 12,6 n.d. n.d. 8,9 10,6
Guiné-Bissau 24,4 28,0 32,2 27,6 6,8 8,2
Guiné Equatorial n.d. n.d. 26,2 n.d. 6,2 7,4
Moçambique 37,0 27,9 42,9 n.d. 5,1 6,0
Portugal <2,5 <2,5 n.d. n.d. 21,0 23,2
São Tomé e Príncipe 9,4 7,0 30,6 17,2 8,9 10,6
Timor Leste 31,3 24,9 57,5 50,9 2,4 2,9
Mundo 14,4 10,7 25,0 21,9 11,7 13,2
*Prevalência da subalimentação na população total; **Prevalência déficit crescimento em crianças abaixo
de cinco anos; ***Prevalência de obesidade na população adulta (18 anos ou mais); n.d. – não disponível.
Fonte: FAO (2019).
Há ausência de informações, em especial para o déficit de crescimento de crianças.
Em termos médios e considerando a população como um todo, no Brasil e em Portugal,
a subalimentação encontra-se bem reduzida, enquanto a obesidade atinge mais de 20% de
suas populações. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe encontram-se em posição
intermediária quanto ao índice de subalimentação. Situações muito graves ainda são
observadas em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor Leste e, muito
provavelmente, em Guiné Equatorial, cujos indicadores de subalimentação não estão
disponíveis.

3. Mobilização Nacional em Relação à Segurança Alimentar e Nutricional


Na década de 1990 foram estabelecidas duas metas para diminuição da
desnutrição no mundo. Em 1996, a FAO promoveu a Cúpula Mundial sobre Alimentação,
na qual representantes de mais de 180 países se comprometeram a reduzir pela metade o
número absoluto de pessoas famintas em seu território, de 1990 a 2015. Em 2000, entre
os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), firmados no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU), foi estabelecida a meta de redução pela metade
do porcentual da população desnutrida, entre 1990 e 2015 (ONU, 2007).
Transcorridos os 25 anos previstos nas duas metas, os números apontam que
ambas não foram atingidas, com frustração maior da proposta na Cúpula Mundial sobre
Alimentação. Especificamente para os países em desenvolvimento, no triênio 1990-92, a
média anual de desnutridos era de 990,7 milhões de pessoas, 23,3% de sua população,
valores que passaram para 779,9 milhões e 12,9%, em 2014-16 (FAO, 2015).
Mais recentemente, em setembro de 2015, os estados membros da ONU
aprovaram a Agenda 2030, contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), que se desdobram em 169 metas. O segundo objetivo (ODS 2) propõe, até 2030,
acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a
agricultura sustentável, de acordo com as especificações contidas no Quadro 1.
São metas mais ambiciosas e amplas que as estabelecidas na década de 1990, com
a incorporação, no que diz respeito à produção agrícola, de ações em favor da preservação
ambiental, da diversidade genética e do aumento da produtividade da terra e dos rebanhos.
Fala-se também na adoção de um conjunto de políticas públicas e em controles sobre os
mercados de commodities, inclusive em âmbito internacional.
Seria interessante que se verificasse, para cada país da CPLP, como se encontra
estruturada a mobilização em torno do atendimento dos objetivos e metas do ODS 2 e de
outras, eventualmente, elencadas pela sociedade local. Especificamente, seria interessante
verificar a existência de mecanismos institucionais de participação social na formulação
e aplicação de políticas de SAN, entre elas as conferências e os conselhos nacionais de
SAN. Também se sugere analisar como as diversas ações públicas relacionadas à SAN
encontram-se coordenadas ou subordinadas a um órgão específico.
Quadro 1 - Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 2, da ONU.
2.1. até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os
pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano;
2.2. até 2030, acabar com todas as formas de desnutrição, incluindo atingir até 2025 as metas
acordadas internacionalmente sobre desnutrição crônica e desnutrição em crianças menores de
cinco anos de idade, e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas
e lactantes e pessoas idosas;
2.3. até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos,
particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores,
inclusive por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos,
conhecimento, serviços financeiros, mercados e oportunidades de agregação de valor e de
emprego não-agrícola;
2.4. até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas
agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os
ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições
meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem
progressivamente a qualidade da terra e do solo;
2.5. até 2020, manter a diversidade genética de sementes, plantas cultivadas, animais de criação
e domesticados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive por meio de bancos de
sementes e plantas diversificados e bem geridos em nível nacional, regional e internacional, e
garantir o acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos
recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, como acordado
internacionalmente;
2.a. aumentar o investimento, inclusive via o reforço da cooperação internacional, em
infraestrutura rural, pesquisa e extensão de serviços agrícolas, desenvolvimento de tecnologia,
e os bancos de genes de plantas e animais, para aumentar a capacidade de produção agrícola
nos países em desenvolvimento, em particular nos países menos desenvolvidos;
2.b. corrigir e prevenir as restrições ao comércio e distorções nos mercados agrícolas mundiais,
incluindo a eliminação paralela de todas as formas de subsídios à exportação e todas as medidas
de exportação com efeito equivalente, de acordo com o mandato da Rodada de
Desenvolvimento de Doha;
2.c. adotar medidas para garantir o funcionamento adequado dos mercados de commodities de
alimentos e seus derivados, e facilitar o acesso oportuno à informação de mercado, inclusive
sobre as reservas de alimentos, a fim de ajudar a limitar a volatilidade extrema dos preços dos
alimentos.
Fonte: ONU (2015).

Referências
FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). The State of
Food Insecurity in the World - international hunger targets: taking stock of uneven
progress. Roma: FAO, 2015.
FAO, FIDA, OMS, PMA y UNICEF. 2019. El estado de la seguridad alimentaria y la
nutrición en el mundo 2019 - Protegerse frente a la desaceleración y el debilitamiento
de la economía. Roma, FAO. 2019.
ONU (Organização das Nações Unidas). Objectivos de Desarollo de Milênio – informe
de 2005. Disponível em www.un.org. Acesso em 18 de janeiro de 2007.
ONU (Organização das Nações Unidas). Os 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável. Nova York: ONU. 2015. Disponível em https://nacoesunidas.org/conheca-
os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/. Acesso em 8 de março
de 2017.

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