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INVASÕES: A TERCEIRA ONDA


Flávio Sidrim Nassar
Arquiteto Urbanista
Professor da UFPA
Diretor da COHAB-PA

Será que começou a terceira onda na história da ocupação do solo da Região Metropolitana
de Belém (RMB)?

É possível que sim. Se as invasões à áreas de estuários dos igarapés que deságuam ao
longo da costa de Belém se confirmarem como tendência, estará se iniciando essa nova e
predatória onda.

Para entendê-la melhor, é bom que se compreenda as anteriores.

Na Primeira Légua, a primeira onda

No final dos anos 50, quando as terras altas da primeira légua patrimonial foram totalmente
habitadas e a cidade foi barrada pelo “cinturão de áreas institucionais” (terras pertencentes
ao Exército, Marinha, Aeronáutica, Embrapa, Cosanpa), iniciou-se então a ocupação das
baixadas. Nas décadas seguintes, a densidade populacional dessas áreas aumentou
progressivamente, até atingir índices só observados com verticalização.

No final dos anos 80 início dos 90, esse adensamento pode ter chegado ao limite de sua
capacidade física de ocupação.

Esse processo de ocupação das baixadas ocorreu lento, “a conta gotas”, “artesanalmente”,
talvez, mais determinado pelo crescimento vegetativo da população urbana, do que pelo
incremento de fluxos migratórios.

Foi o ultimo grande fenômeno urbano de Belém em seu antigo papel de “Metrópole da
Amazônia”, antes portanto, da pressão migratória decorrente da implantação dos grandes
projetos na região, que resultaram em um rearranjo econômico e espacial das suas
atividades.

Ocupadas, as baixadas se transformam no maior problema social e urbano da RMB. Tornou-


se inevitável pensar em sua urbanização, daí ter surgido o projeto de macrodrenagem da
bacia do Una.

Os custos dessa urbanização são altíssimos, principalmente quando se percebe que


representam uma solução localizada, saneando alguns bairros, mas sem repercutir
estruturalmente na vida da região metropolitana.

A Segunda Onda
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Próximo ao esgotamento da capacidade física das baixadas, a pressão demográfica


vegetativa é acrescida de um forte componente migratório. O extravasamento além dos
limites do cinturão institucional , ocorre então.

As invasões de terrenos localizados entre a Rodovia Augusto Montenegro e do Coqueiro e


às margens da Br 316, assumem proporções de uma verdadeira transumância. Os números
desse fenômeno precisam ser melhor investigados, mas suas conseqüências na drástica
redução do déficit habitacional da RMB são inquestionáveis.

Estudos do economista do IPEA Robson Ribeiro Gonçalves publicado .... a partir dos dados
da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) de acordo com a metodologia proposta
pela Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte, mostram que, contrariando a tendência de
agravamento do déficit absoluto das demais regiões metropolitanas brasileiras, na RMB,
durante o período que vai de 1988 a 1995, observou-se uma redução da ordem de 30%.

DÉFICIT HABITACIONAL -
BELÉM/FORTALEZA/SALVADOR

120.000

100.000

80.000
Belém
DÉFICIT

60.000 Fortaleza
40.000 Salvador

20.000

0
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 92 93 95
ANO

Fonte PNAD(Robson Ribeiro Gonçalves)

O déficit que em 1988 foi estimado em 62.339 unidades habitacionais, reduziu-se para
43.676 unidades em 1995. Como não houve neste período, no âmbito local, nenhum fator
que se contrapusesse à tendência nacional de agravamento da crise sócio-econômica e, se
estiverem corretos os números do IBGE, só podemos atribuir tamanha redução, às grandes
invasões ocorridas.
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DÉFICIT HABITACIONAL - BELÉM

70.000

60.000

50.000
DÉFICIT
40.000
Belém
30.000

20.000

10.000

0
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 92 93 95
ANO

Fonte PNAD(Robson Ribeiro Gonçalves)

O fato mostra a capacidade da população de dar solução aos seus problemas de


sobrevivência quando falta ação governamental. O estado por sua vez, para não ir a
reboque, deixando ao movimento características insurrecionais, resolveu aderir, passando a
oferecer assessoramento oficial. São muitas as invasões em terrenos de particulares que
contaram com a orientação técnica de funcionários da COHAB.

Diferente da onda anterior, “artesanal”, podemos dizer que agora o fenômeno adquire uma
“escala industrial”, já não é individual, mas coletivo, organizado.

Ao assumir tal proporção, o movimento incorporou também uma boa dosagem de


oportunismo político-eleitoreiro, onde todas as correntes ideológicas atuantes no cenário
político paraense, tiveram participação, sendo também palco de corrupção e especulação.
Ainda hoje um grande número de lotes havidos nesse processo, continuam como reserva
aguardando valorização imobiliária.

As conseqüências dessa onda: ocupação desordenada, carente de infra-estrutura, predatória


em alguns casos, etc. Como no entanto as características físicas dos novos sítios ocupados
são consideradas favoráveis à urbanização, os custos aí são menores que nas áreas de
baixadas.
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A terceira onda, que deve ser evitada

Terrenos disponíveis no polígono das invasões começaram a rarear, seus proprietários


passaram a exercer melhor vigilância e o governo estadual iniciado em 1995, além de
programar a produção de 20.000 lotes urbanizados que começam a ser comercializados
agora, não mais tolerou a ocupação irracional do solo da RMB.

Como o vetor de expansão desse movimento começou a ser quebrado, os incentivadores


desse tipo de ação passaram a concentrar seus alvos nos terrenos localizados ao longo da
Rodovia Artur Bernardes.

A ocupação residencial dessas áreas pode ser mero anteparo dos interesses de
comerciantes informais (ilegais) de madeira e material cerâmico. É caracteristicamente
predatório, pois destroi os estuários dos igarapés, além de privatista; pretende ocupar as
últimas janelas naturais para o rio. Uma outra Estrada Nova surgirá se nenhuma atitude for
tomada.

Lamentável, que tal ocupação parece ocorrer com o incentivo de autoridades ou com a
omissão de outras.

Se ainda existe alguém acreditando que na permissividade existe uma réstia sequer de
revolucionarismo ou de justiça social, grande equívoco. São justamente sobre os mais
pobres de toda a cidade, aqueles que só dependem do poder público para ter acesso à terra
urbanizada, que recaem os maiores custos da urbanização dessas áreas. Um lote
urbanizado com toda a infra-estrutura, em terreno seco, custa cerca de R$ 3.000,00, ao
passo que em áreas alagadas não sai por menos de R$ 8.000,00, quase três vezes mais.

Continuar errando é absurdo. Se hoje pagamos um alto custo para sanear e urbanizar a
bacia do Una - com os recursos lá utilizados seria possível construir uma cidade -
reconhecemos, foi a fatalidade de condicionantes históricos que determinaram esse tipo de
ocupação, no entanto, agora quando temos a consciência dos erros do passado, mas que
absurdo, é inadmissível, é criminoso.

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