Você está na página 1de 7

EVOLUÇÃO DA LINHA DE COSTA NA REGIÃO DA PONTA DA PRAIA

EM SANTOS – SP
Kelly Kawai Venancio1* & Tiago Zenker Gireli2 & Patrícia Dalsoglio Garcia3

RESUMO
O processo erosivo em andamento na Ponta da Praia em Santos tem se acentuado
consideravelmente nos últimos anos. Além de perdas expressivas de extensão de areia, houve um
aumento do número de ressacas que, ao encontrarem um menor ambiente de amortecimento para as
ondas (isto é, grandes faixas de areia que dissipariam a energia das ondas), acabam trazendo
grandes prejuízos às estruturas urbanas da região. Disto resulta o alagamento de ruas, avenidas e
calçadas, e a destruição de muros e muretas. Tendo esse cenário em vista, este artigo tem como
objetivo principal a avaliação da evolução da linha de costa, do Canal 5 à ponta da praia, tomando
por referência a 0 DHN. Tal análise é possível por meio de comparações entre fotos de satélite do
Google Earth (©2015 Google Inc.) e levantamentos topográficos da região em diferentes climas.
Foram identificados recuos de até 45 metros, para a ponta da praia, juntamente com um abatimento
de aproximadamente 1 m no perfil transversal. Apesar de verificadas flutuações da linha de costa
indicando períodos de engorda da praia, a tendência global da posição da linha média é de
retrogradação no período compreendido entre 2009 e 2017.
Palavras-Chave: Evolução linha de costa; erosão costeira; transporte costeiro de sedimentos.

PONTA DA PRAIA REGION COASTLINE EVOLUTION IN SANTOS – SP


ABSTRACT
The erosive process at Ponta da Praia in Santos has increased over the last years. Besides significant
losses in extension of sand beach, the frequency of storm surges has been higher, resulting in
structural damages in avenues, streets, sidewalks, and walls which are used to protect the beachfront
infrastructure. With smaller sand area, the waves from storm surges do not dissipate enough energy,
so they gain a destructive power over the constructions. Considering this context, this paper aims to
evaluate the coastline evolution from Channel 5 to end of the beach, which uses the 0 DHN
reference. For comparison purposes, it was used Google Earth (©2015 Google Inc.) satellite
pictures and topographic field data of the region which were measured in different climate
conditions. It was identified a maximum retreat of 45 meters, on the end of the beach. In addition,
the cross-shore profile suffered a 1 meter flattening. Although the fluctuation of the coastline due to
seasonal climate variations can suggest sediment deposition for some periods, the shoreline global
tendency indicates erosion for the period between 2009 and 2017.
Keywords: Coastline evolution; coastal erosion; coastal sediment transport.

1
* UNICAMP – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: kellkawai.v@gmail.com.
2
UNICAMP – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: zenker@fec.unicamp.br.
3
UNICAMP – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: dgpatricia@gmail.com.

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1


INTRODUÇÃO
O município de Santos está localizado no litoral sul do estado de São Paulo, sendo sua
décima maior cidade, a 72 quilômetros da capital paulista. Possui 419.400 habitantes, segundo
dados do Censo 2010 do IBGE. Atualmente, o Porto de Santos é o maior da América Latina,
totalizando 13 quilômetros de extensão. A atividade portuária faz com que a cidade seja,
economicamente, a mais importante da Região Metropolitana da Baixada Santista. Além disso, tem
como atrativo turístico seus sete quilômetros de praia, que se estendem da Ponta da Praia ao
tombolo da Ilha de Urubuqueçaba.
É necessário frisar a importância tanto do porto como das praias para a vida da cidade, isto
é, ambos precisam coexistir: a presença de um não deve anular a existência do outro. Entretanto,
nota-se uma erosão mais acentuada na extensão de areia da Ponta da Praia (Figura 1), que tem
ocorrido paralelamente às atividades de aprofundamento do canal, iniciadas em 2009 e encerradas
em 2013, Gireli et al. (2017). Esse processo erosivo não era uma situação inexistente antes do início
das obras, de modo que não se podem ligar os dois fatos diretamente, o que torna muito relevante o
monitoramento topográfico da região.

Urubuqueçaba

C
c

Figura 1. Localização da região da Ponta da Praia em Santos. Fonte: Adaptado de Gireli et al., 2017.

Segundo Schwartz (1967) e Bruun (1988), o equilíbrio das praias é, normalmente, um


equilíbrio dinâmico: quantidades consideráveis de areia estão frequentemente em movimento.
Entretanto, os fluxos de entrada e de saída de sedimentos em uma determinada área costumam
compensar um ao outro. Enquanto a posição instantânea da linha da costa sofre alterações em curto
prazo, a posição da linha média da costa pode ficar estável por um período que varia de meses a
anos.
Dependendo do balanço sedimentar da praia, isto é, o balanço volumétrico entre a
quantidade de sedimentos supridos e disponíveis e a quantidade de sedimentos retirados pelo
transporte (seja ele longitudinal ou transversal), as praias podem sofrer erosão, engorda ou
permanecerem estáveis. Sendo assim, processos erosivos na linha de costa que acarretam o
desequilíbrio desse balanço podem ter várias causas, como: 1) a retenção de sedimentos por obras
XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2
de engenharia; 2) a exaustão de fontes supridoras; 3) a readaptação do perfil de equilíbrio a uma
elevação do nível do mar ou a uma modificação do clima de ondas, Muehe (2004).
Como dito anteriormente, a Ponta da Praia em Santos tem experimentado uma erosão
intensiva em sua extensão de areia. Desta forma, o objetivo deste trabalho é avaliar a evolução da
linha de costa entre o Canal 5 e a ponta da praia no período compreendido entre os anos de 2009 a
2017, utilizando-se de fotos de satélite do Google Earth (©2015 Google Inc.) e levantamentos
topográficos realizados no local em diferentes estações climáticas.

METODOLOGIA
Levantamento topográfico e processamento de dados
O levantamento topográfico fez uso de pontos materializados em trabalhos de campo
realizados ao longo dos anos de 2014 a 2017. Nestes, foi estabelecida uma poligonal amarrada, isto
é, um conjunto de alinhamentos consecutivos constituídos de ângulos e distâncias, em que os
pontos de partida e de chegada têm suas coordenadas conhecidas, permitindo determinar os erros de
fechamento, tanto lineares quanto angulares. Tal poligonal engloba a região entre a ponta da praia e
o Canal 5. Além de seus pontos constituintes, foram materializados pontos de interesse para o
levantamento de seções transversais irradiadas. A extensão das seções transversais, levantadas pela
estação total, é dada da região do pós-praia até a linha externa da arrebentação, já que tal método é
limitado ao alcance do portador do prisma.
Os dados topográficos foram obtidos por meio do uso da estação total TC305 da Leica®, em
conjunto com prismas refletores. O georreferenciamento foi realizado com auxílio de equipamento
GPS Hiper Lite da Topcon®, do tipo pós-processamento; sua precisão horizontal é de (3 mm + 1
ppm × distância) e sua precisão vertical é de (5 mm + 1,4 ppm × distância). O datum vertical
utilizado é o Sirgas 2000, com correção para o Nível de Redução da Marinha, que corresponde à
média das baixa-mares de sizígia. No caso de Santos, segundo sua respectiva carta náutica, está a
-0,79 m em relação ao nível médio do mar.
Os dados levantados pela estação total, expressos em distâncias e cotas, foram inseridos em
um modelo digital de elevação (MDE) feito no software gráfico AutoCAD Civil 3D®, da Autodesk.
O MDE gera uma superfície que representa o relevo da região de estudo, englobando desde a
antepraia até o pós-praia. Deste modo, é possível traçar a evolução da linha de costa no trecho que
se estende da ponta da praia até o Canal 5. A linha de costa de referência empregada neste artigo é
a isóbata de zero metros no Nível de Redução da Marinha, também conhecida como 0 (zero) DHN.

Fotos de satélite e correção do nível de maré


Utilizou-se a ferramenta Google Earth (©2015 Google Inc.) para a composição de um
histórico de imagens georreferenciadas da região da Ponta da Praia, especificamente até o Canal 5
(Figura 1), em datas prévias aos levantamentos de campo, no período compreendido entre 2009 e
2013. Como esse recurso fornece apenas a data da foto, foi necessário estimar o horário de cada
imagem, já que para comparar as figuras dos diversos anos é preciso realizar uma correção do nível
de maré.
A estimativa do horário foi feita por meio da posição do sol que varia ao longo do dia, o que,
entretanto gera sombreamentos únicos, ou seja, a sombra de determinado objeto só passará por certa
direção apenas uma vez no dia. Tal posicionamento foi obtido por intermédio do programa Sun

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3


Position, por SunEarthTools.com, que exibe a angulação dos raios luminosos a cada hora do dia,
conforme ilustra a Figura 2.

Linha de costa não corrigida

Figura 2. Exemplo de utilização da ferramenta Sun Position

A partir da análise da sombra do poste existente na Figura 2, é possível determinar que a


imagem foi obtida, aproximadamente, às 10h30 da manhã. Na sequência, na foto utilizada foi
delineada uma linha de costa preliminar, isto é, sem correção de maré.
Esse traçado preliminar indica a posição da linha de costa para o nível de maré no momento
da foto. Tendo em vista a correção necessária, a partir dos dados das tábuas de maré de Torre
Grande fornecida pela Marinha e, cuja defasagem foi corrigida com base em SONDOTÉCNICA
(1977), traçou-se a senóide que representa a variação do nível do mar de forma a obter a cota do
nível d’água no instante da imagem utilizada. O deslocamento da linha de costa preliminar para a
referenciada 0 DHN é estimado por meio de um cálculo que leva em conta a declividade da praia,
que, por sua vez, foi determinada com base no primeiro levantamento de campo (maio de 2014) –
ou seja, trigonometricamente, uma variação de altura gera certo recuo no plano horizontal.
Por fim, tendo em mãos todas as linhas de costa corrigidas do período em estudo, estas
foram sobrepostas em duas imagens: a primeira do trecho compreendido entre os Canais 5 e 6
(Figura 3) e a segunda da região do Canal 6 à ponta da praia (Figura 4), permitindo comparações e
análises.

RESULTADOS
Tomando por base a análise dos resultados do levantamento de campo de maio de 2014,
obteve-se declividades de 0,0181 m/m para a região entre os Canais 5 e 6; e de 0,0223 m/m entre o
Canal 6 e a ponta da praia. Com tais resultados foi possível traçar as linhas de costa corrigidas,
conforme demonstram as Figuras 3 e 4.

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4


Figura 3. Posições e evolução da linha de costa na região entre os Canais 5 e 6

Figura 4. Posições e evolução da linha de costa na região entre o Canal 6 e a ponta da praia

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5


Para ambas as imagens é evidente que a posição da linha de costa sofre variações devido ao
equilíbrio dinâmico da praia e à sazonalidade do clima de ondas. A linha de costa pode se deslocar
caracterizando os chamados perfis de bom tempo, aspecto de engorda e contorno mais retilíneo, ou
perfis de mau tempo, aspecto de erosão e contorno mais embaiado (côncavo).
Nos detalhes das Figuras 3 e 4 estão destacados os caminhamentos da 0 DHN, determinando
quanto ela avançou ou regrediu em cada intervalo de tempo. Para a Figura 3, têm-se os recuos
aproximados de 28 m a leste do Canal 5, 43 m para o trecho entre os canais 5 e 6 e 36 m a oeste do
Canal 6. Já para a Figura 4, têm-se 28 m a leste do Canal 6 e 45 m na ponta da praia.
Nota-se que as menores variações da linha de costa ocorreram nos pontos próximos dos
canais de águas pluviais, denotando que estes têm atuado como espigões no que diz respeito ao
aprisionamento de sedimentos. Isto resulta em certa proteção à extensão transversal da praia.
Adicionalmente, no recorte apresentado na Figura 3, no que diz respeito aos perfis de mau tempo, o
embaiamento não é simétrico, como pode ser exemplificado pelo alinhamento de setembro de 2016.
Isto significa que ele apresenta maior curvatura na parte leste do trecho e é mais retilíneo na parte
oeste, um indicativo de que existe transporte longitudinal de sedimentos proveniente da Ponta da
Praia em direção ao tombolo da Ilha de Urubuqueçaba. Outro indício desse transporte é a
descontinuidade ou quebra no traçado da linha de costa entre os lados do Canal 6.
Para a Figura 4, não existe o confinamento de sedimentos devido à presença dos canais
atuando como espigões, pois tais estruturas só existem a oeste do trecho. Desse modo, o lado leste é
menos resistente à ação das ondas, bem como das correntes longitudinais. O resultado dessa
combinação é um trecho de praia rotacionado, no qual a linha de costa migra de uma posição
sul/sudeste para uma posição puramente sudeste e apresenta seu maior recuo, como se pode ver na
comparação entre os anos de 2009 e 2017.

CONCLUSÕES
A erosão na região da Ponta da Praia tem se acentuado ao longo dos anos, tornando-se um
problema para a cidade de Santos. A praia é uma proteção natural contra as ressacas, pois nela a
energia das ondas é atenuada. Logo, a perda de extensão de areia faz com que as ressacas atinjam os
equipamentos urbanos com mais facilidade e, portanto, tenham efeitos mais severos, destruindo
muros e muretas, alagando avenidas, entre outros.
Analisando a evolução da 0 DHN, nota-se que ela sofreu algumas flutuações no período
estudado, isto é, de 2009 a 2017. Houve períodos de engorda, como no intervalo entre 2016 e 2017,
assim como períodos de forte erosão, entre 2010 e 2013 e entre 2015 e 2016. Porém, a tendência
global da posição da linha média ao longo dos anos abordados pela pesquisa é de retrogradação, que
se deve à alteração do balanço sedimentar da região. Além disso, pode-se verificar, utilizando a
declividade média da ponta da praia, que o recuo observado corresponde a um abatimento de
aproximadamente 1 metro no perfil transversal entre 2009 e 2017.

REFERÊNCIAS

BRUUN, P. (1988). The Bruun Rule of Erosion by Sea-Level Rise: A Discussion on Large-Scale
Two- and Three-Dimensional Usages. Journal of Coastal Research 4(4), pp. 627-648.

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6


GIRELI, T. Z.; SOUZA, C. M. M. A.; NOBRE, L.B; GARCIA, P. D. (2017). The efficiency of
curved jetties in Bay of Santos – SP: numerical modeling. Revista Brasileira de Recursos Hídricos,
22(5), pp. 1-17. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/2318-0331.011716092.
MUEHE D. (2004). Definição de limites e tipologia da orla sob aspectos morfodinâmico e
evolutivo. In Projeto Orla: Subsídios para um Projeto de Gestão. Ministério do Meio Ambiente e
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasília – DF, pp. 12-32.
SCHWARTZ, M. L. (1967). The Bruun Theory of Sea-Level Rise as a Cause of Shore Erosion. The
Journal of Geology 75(1), pp. 76-92.
SITE DA PREFEITURA DE SANTOS. Disponível em http://www.santos.sp.gov.br/. Acesso em 06
abr. 2017.
SONDOTÉCNICA ENGENHARIA DE SOLOS S.A. (1977). Comportamento hidráulico e
sedimentológico do Estuário Santista: Relatório Final e Desenhos. Portobrás/INPH, São Paulo –
SP.
SUN EARTH TOOLS: Ferramentas para designers e consumidores de energia solar. Disponível em
https://www.sunearthtools.com/dp/tools/pos_sun.php?lang=pt. Acesso em 16 mai. 2017.

XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7

Você também pode gostar