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GASTRONOMIA,
CULTURA E MEMÓRIA
Cerâmicas, potes e vasilhames
Por séculos, apenas os chineses sabiam como fazer porcelana, até
que os portugueses as trouxeram à Europa no século XVI. Desde então,
holandeses, alemães, franceses e ingleses tomaram o domínio português
neste impressionante comércio marítimo, bem como procuraram
fabricar, eles mesmos, tais objetos. Em sentido amplo, pode-se imaginar
o Ocidente e os povos colonizados das Américas como “filhos” do desejo
de obtenção dos segredos da produção de porcelanas, lembrando que,
junto ao seu uso e manufatura, as bebidas como o chá (oriental), o café
(árabe) e o chocolate (americano) formaram, sem esquecermos do açúcar,
as bases dos processos de industrialização e do sistema capitalista de
que ainda somos herdeiros. Considerando tais aspectos, que repousam
silenciosos por trás dos pratos e outros utensílios que usamos para
apresentar, conter e comer os alimentos no nosso dia a dia, este livro
busca mostrar, dentre outras discussões, as lutas, os conflitos, os modos
de apropriação e distinção que ainda norteiam os fluxos comunicacionais
e simbólicos acerca do comer e da comensalidade.
Este livro é um produto do Projeto de Extensão Pirapoca, do curso
de Gastronomia da UFRJ. Criado em 2014, o Pirapoca desenvolve um
trabalho de divulgação e valorização da cultura brasileira e sustentável
do milho crioulo, milho nativo, destacando a contribuição dos povos
indígenas e afro-brasileiros na transmissão da cultura material e imaterial
do milho no Brasil. Além de oferecer oficinas lúdico-participativas em
ambientes escolares, os membros do Projeto Pirapoca integram o
Grupo de Pesquisa em Gastronomia, Cultura e Memória, responsável
por realizar investigações acadêmicas em temáticas e campos diversos.
O grupo coordena o Encontro de Gastronomia, Cultura e Memória e
é responsável pela editoração, organização e publicação de conteúdos
gerados nos Encontros e em suas demais pesquisas.
Para maiores informações, visite o nosso site: gcm.gastronomia.ufrj.br.
GASTRONOMIA, CULTURA E MEMÓRIA:
CERÂMICAS, POTES E VASILHAMES
Myriam Melchior (Org.)
GASTRONOMIA, CULTURA
E MEMÓRIA
Cerâmicas, potes e vasilhames
Copyright © 2018 dos autores
Copyright © 2018 desta edição, Letra e Imagem Editora.
CONSELHO EDITORIAL
Felipe Trotta (PPG em Comunicação e Departamento de Estudos Culturais e Mídia/UFF)
João Paulo Macedo e Castro (Departamento de Filosofia e Ciências Sociais/Unirio)
Ladislau Dowbor (Departamento de pós-graduação da FEA/PUC-SP)
Leonardo De Marchi (Faculdade de Comunicação Social/Uerj)
Marta de Azevedo Irving (Instituto de Psicologia/UFRJ)
Marcel Bursztyn (Centro de Desenvolvimento Sustentável/UNB)
Micael Herschmann (Escola de Comunicação/UFRJ)
Pablo Alabarces (Falculdad de Ciencias Sociales/Universidad de Buenos Aires)
Roberto dos Santos Bartholo Junior (COPPE/UFRJ)
Apoio:
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO
PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
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Folio Digital é um selo da editora Letra e Imagem
tel (21) 2558-2326
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www.letraeimagem.com.br
SUMÁRIO
Introdução 6
6
Introdução 7
pítulo tem como intuito analisar o Quilo como um produto por excelência
da comensalidade brasileira. Nisto, incluindo a sua própria invisibilidade no
âmbito dos estudos em gastronomia que não o veem enquanto um gênero e
um estilo por si mesmo. Ao transitar conceitualmente pelos Quilos, vemos
uma grande parcela da sociabilidade alimentar brasileira e contemporânea,
bem como as suas continuidades e rupturas com as tradições alimentares no
Brasil. A ideia central é também a de demarcarmos, quase como quem finca
uma bandeira num terreno ainda não explorado, o início de um campo de
estudo, pesquisas e conhecimentos que tem muitas facetas e possibilidades
de agregar novos conhecimentos sobre a cultura alimentar brasileira.
Para finalizar este livro, o décimo segundo capítulo, de Dora Wainer,
“Fogo cruzado: dimensões e deslocamentos das artes do fogo entre o artesana-
to, o design e a arte”, discorre sobre o trabalho desta artista com os materiais
cerâmicos, numa reflexão sobre o seu percurso profissional, considerando
alguns dos sentidos e significados da arte e do design neste trajeto. Com um
texto bastante sintético e conceitual, a artista lembra que, “mesmo conside-
rando algumas diferenças fundamentais entre a produção artística e a de
design (questões de funcionalidade, praticidade, recepção etc.), é importante
destacar que não existe tensão ou competição entre as duas esferas”. Ou seja,
seria como se Wainer nos mostrasse um ponto de inflexão dos campos dis-
ciplinares do design e da arte, separados pela modernidade e quase sempre
vistos hoje como disjuntivos, sobretudo desde as perspectivas processuais e
funcionalistas, como comentei no início desta introdução, para, então, nos
mostrar que é possível conciliar no campo das ideias (nos estágios onde se
originam as obras materiais ou “o processo criativo”) as qualidades e co-
nhecimentos do design e os conceitos e a ausência de racionalidade e de fun-
cionalidade da arte ou vice-versa. Mais efetivamente, tudo isso depende da
nossa habilidade de ressignificação e mudança de olhar, bem como de novas
linguagens e maneiras, a partir das quais nos expressamos e nos colocamos
no mundo para percebermos convergências entre as linguagens do design e
da arte, que têm em comum a produção de cerâmicas da artista. Manifes-
tando todas essas ideias, teríamos um exemplo na obra Tempo (2012), de
Wainer. Esta obra trata de uma mesa posta com peças de um enxoval: jarras,
copos, pratos, vasilhas. Estes belos objetos se contrapõem às funções que lhes
foram consagradas pelas tradições do repertório alimentar ao terem as suas
superfícies vazadas: não há como depositar ou reter neles qualquer substân-
cia comestível aquosa ou sólida. Também esta mesa está coberta com um véu
que a protege, remetendo-nos um ambiente onírico e utópico, no senso em
que falamos de topos (superfícies). Nessas superfícies vazadas e encobertas,
o passado, o presente e o futuro se entrepassam, não somente porque vemos
através das perfurações nas jarras e pratos e do véu, mas de todos os tempos
Introdução 17
Myriam Melchior
NOTA
1
ALTARES. Guillermo. A autêntica revolução foi no período neolítico: numa época de
mudança ambiental, os olhares dos especialistas se voltam para o Neolítico, o periodo em
que a humanidade experimentou sua transformação mais radical. El País, 22 abr. 2018.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/20/ciencia/1524219983_369
281.html>. Acesso em: Set. 2018.
O ouro branco oriental
A cultura e a memória das porcelanas na construção
da identidade e da sociabilidade alimentar no
Ocidente, do século XVI à modernidade
Myriam Melchior
18
O ouro branco oriental 19
De acordo com Duby, “em todos os meios sociais, dá-se essas cerimô-
nias de uma publicidade particular, e a multidão que ali se comprime
ultrapassa em muito os limites da família e do meio privado […], convi-
dados, conhecidos, clientes, basbaques, centenas de pessoas participam”21
das “bodas, enterros, batismos, reencontros, casamentos” e então “bancas
sobre cavaletes, estrebarias, celeiros transbordam de presentes (sobretu-
do vinho), enviados por aldeias inteiras, mosteiros, camponeses anônimos
assim como próximos”.22 Portanto, conclui Duby, “receber bem, é [era],
naturalmente, alimentar e dar de beber em profusão. Os banquetes são
aqui, como em toda parte, a peça de resistência da hospitalidade osten-
tatória”.23
Na França do tardo-Trecento, escreve a historiadora Barbara Tuchman,
os “banquetes oficiais usaram todos os recursos do século XIV para deliciar,
deslumbrar e fartar os convidados”.24
Vê-se, deste modo, que os banquetes e as comemorações são práticas
sociais cujo intuito é manifestar poder e distinção social. Essas práticas
serão, inclusive, cada vez mais importantes à medida em que a “definição
de nobreza pelo nascimento diluiu-se com o enobrecimento de plebeus”.25
Segundo Tuchman e o sociólogo Norbert Elias,26 o fim do feudalismo
coincide com a ascensão das classes comerciais que auxiliaram a formar
um novo grupo de “notáveis urbanos”,27 como definiu Elias. São pessoas
que passam a ocupar “postos ministeriais e mais altos cargos judiciários,
para posições de prefeitos e chefes de guildas”, dentre outras posições de
prestígio, oferecendo suporte financeiro aos senhores territoriais – reis,
príncipes e nobres com poder –, de modo que rivalizam não só com o Clero,
mas com a antiga nobreza. Este foi um tempo no qual adveio, como desta-
cou Elias, o processo de luta por diferenciação social, propiciando a noção
moderna de civilização, baseada em convenções de estilo.
Como consequência, a posse e a exibição de vestimentas, o ofereci-
mento de banquetes e a posse de baixelas28 foram objeto de escrutínio
para a criação de um sistema de codificação social. Roy Strong comenta
que “o século XIV viu o surgimento do dressoir de pararement – aparado-
res cujo único propósito era a exibição de pratos – […]. No casamento bor-
gonhês de 1429 havia um aparador em cada lado da sala, todos com seis
metros de comprimento e as baixelas expostas em cinco prateleiras”. O
sistema de distinção foi usado pela “corte Borgonhesa […] especificando
exatamente quantas prateleiras as pessoas de cada nível poderiam mos-
trar”.29 Neste sistema, o número de “prateleiras” (nota-se a designação de
um local específico para pratas e pratos) permitidas ia decrescendo con-
forme o título nobiliário. Os que não dispunham de títulos não poderiam
ter nenhuma.
O ouro branco oriental 25
A cidade de Córdoba, que foi a capital do califado, tinha sido uma es-
pécie de Paris do século X e o centro cultural da Europa medieval. Como
explica o historiador James Michener,
Figura 3. Jan Janson Treck. Natureza morta com uma jarra de estanho e dois pra-
tos de porcelana. c. 1631. Amsterdam. Óleo sobre Tela. National Gallery, Londres.
Não é demais lembrar que a Holanda era uma província do Sacro Impé-
rio Romano, sendo governada, até o final do século XVI, por um rei espa-
nhol. Em 1580, Filipe II (1556-1598) incorporou a monarquia portuguesa à
Espanha. Antes disso, entretanto, já tentava conter a Reforma Protestante
que avançava nos Países Baixos, tendo, inclusive, invadido violentamente a
Antuérpia em 1576, onde a feitoria real portuguesa estava estabelecida des-
de 1488. Oleiros que já conheciam as técnicas de fabricação da maiólica e
da cerâmica mourisca, estabelecidos na Antuérpia, mudaram-se para Delft
e ali passaram à produção da cerâmica conhecida por Delft Ware.
Mas isso ocorre justamente quando o comércio entre Lisboa-Goa-Ma-
laca-Macau-Japão-Lisboa (entrepostos portugueses) e Antuérpia e Amster-
dam começa a sofrer violentas intervenções. Em 1592, a Nau Madre de
Deus foi capturada pelos ingleses com 1.600 toneladas de carga. Mary
Murphy-Gnatz conta, ainda, que os holandeses expandiram a exportação
em porcelana como resultado da captura de dois navios portugueses que
estavam carregados de produtos em consignação. Um deles era a carraca
(navios de velas redondas e borda alta) Santa Catarina, atacada em 1603. A
carraca carregava cem mil peças de porcelana. Estas peças foram leiloadas
na Holanda e tiveram como compradores representantes de Henrique IV da
França e James I da Inglaterra.46
32 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Figura 7. “Serviço dos Pavões” (1750 – 1795). Coleção particular: Cláudio André
de Castro. Fotografia de Cláudio André de Castro, 2015.
Figura 12. Peça de decoração com detalhe de arco floral. Pasta dura. Rocaille.
Meissen, 1745. Cooper Hewitt, Smithsonian Design Museum, Washington, EUA.
Foto: Gallica.bnf
Foto: Gallica.bnf
Fotos: Gallica.bnf
Figuras 20 e 21. Folha de rosto e prancha com imagem do costume para cozi-
nheiro. Le Maitre D’Hotel Français, ou parallèle de la cuisine ancienne e moderne
[...] Tomo II. Par M.A. Carème, de Paris. Paris: De Límprimerie de firmin Didot, 1822.
Não seria suficiente terminar esta pesquisa sem mencionar o casamento en-
tre a porcelana e os líquidos quentes e exóticos que foram introduzidos na
Europa a partir do século XVI e desses com o açúcar. Junto com a porcelana,
este outro “ouro branco” caracterizou-se como um facilitador na assimilação
das bebidas quentes e teve com elas outras afinidades. Uma delas foi a de
se tornar conhecido na Europa por intermédio dos árabes que cultivavam a
cana-de-açúcar no Mediterrâneo, no século XII. Originário da Melanésia e
da Nova Guiné, o açúcar foi disseminado no oceano Pacífico, passando pela
Indochina e, por fim, chegando à Índia. A massa cristalizada de Sarkara, em
sânscrito significando grão, deu origem às palavras de origem indo-euro-
peias sukkar, em árabe, e sacharum, em latim. Em 500 a.C., durante as expe-
dições do rei da Pérsia, Darius, pelo rio Indus, os persas desenvolveram a sua
cultura em todo o Mediterrâneo Oriental, monopolizando o seu cultivo. No
século VII, os árabes invadiram a Pérsia e adotaram o hábito de usar o açú-
car, transferindo-o aos países mediterrâneos.68 No século XIV, Veneza chegou
a desenvolver a indústria do refino, mas a cana não se desenvolvia bem no
solo europeu. Assim, por fim, foi Portugal mais uma vez o protagonista na
produção do açúcar e Lisboa desenvolveu o refino, ainda durante o século XV.
Figura 22. Hans Collaert I. Nova invenção dos tempos modernos [Nova
Reperta; série de 20 ilustrações, publicada por Theodor Galle], e invenção da
Refinaria de açúcar, c. 1560. Antuérpia, Bélgica.
Figura 23. Armenian Ladies at home. Oriental album twenty illustrations, in oil colors,
of the people and scenery of Turkey with an explanatory and descriptive text. By rev.
Henry j. Van Lennep. 1862. New York.
[…] de acordo com uma testemunha ocular em Paris, em 1789: “Os cafés
públicos estão não somente abarrotados, mas multidões se espremem
nas portas e janelas para ouvir abertamente alguns oradores que discur-
sam de cadeiras e mesas, cada um para a sua plateia; a ânsia com que
são ouvidos e o barulho dos aplausos que recebem a cada manifestação
mais intensa de violência ou ousadia contra o governo não podem ser
facilmente imaginados”.79
Figura 24. Jean-Étienne Liotard. Conjunto para chá. c. 1780. Óleo sobre tela.
Getty Center, Los Angeles, EUA.
tokal, estas são denominações para as laranjas doces tendo Portugal como
expressão metonímica.87
Na cultura árabe, as laranjas chegaram a assumir-se enquanto árvores
ornamentais de casas abastadas. Na Espanha é comum ainda encontrar
laranjeiras nos passeios e jardins públicos. Assim, temos a laranja, em suas
origens, enquanto um sinal de sofisticação.
Como já havia mostrado, o uso do açúcar para confeccionar frutas em
calda, e a geleia seria um resultado desta técnica, já havia sido estabele-
cido pelas cortes renascentistas e, evidentemente, são heranças da cultura
islâmica. Um fato curioso é que teria sido Portugal a levar o consumo de
açúcar à China e ao Japão e nestes países o uso de confeitos de açúcar pas-
saram a integrar as cerimônias e refeições com o chá. Um testemunho raro
desta assimilação é a fotografia (Figura 25) do viajante Stemberg, tirada na
China, e que foi denominada “Festa de chá e ‘torta’ chinesa”, fazendo men-
ção ao consumo de alimentos confeccionados com açúcar. O termo japonês
Konpeitó vem da palavra portuguesa confeito.88 A técnica de produzir doces
foi introduzida no Japão no século XVI pelos missionários portugueses e
passou a integrar as cerimônias do chá no Japão.
Figura 25. A chinese tea and cake party. Fofografia. Publicado por M. Sternberg,
em Hong kong, conforme impressão no verso. 1908. New York Public Library.
Mais uma vez outra “tríade” porcelana, chá e açúcar é formada, fazen-
do surgir uma nova cultura alimentar no Ocidente. Deve-se sublinhar que
a cultura do chá certifica a mudança de eixo do poder na Europa, na qual a
Inglaterra passa a assumir a liderança, dado o seu protagonismo, alterando
O ouro branco oriental 57
Figura 27. Tratado Novo e Curioso do Café, do Chá e do Chocolate. Por Philippe S.
Dufour. c. 1685. Image Collection; The John Carter Brown Library.
Foto: jcb.lunaimaging.com
Notas
1
BRANCO, Pércio de Moraes. Dicionário de Mineralogia e Gemologia. São Paulo: Oficina
de Textos, 2008. p. 608.
2
GOMES, Celso Figueiredo. Argilas: o que são e para que servem? Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1988.
3
MÉNAGE, Mr. Dictionaire Etymologique ou Origines de la Langue Françoise. Pa-
ris: Imprimerie Royale, 1794. p. 591. Disponível em: <https://books.google.com.br/
books?id=508tZHK3c_sC&pg=PA592&lpg=PA592&dq=porcelana+ethimologie&sour-
ce=bl&ots=lIHSheklCG&sig=q82UwdO7DU2nDE4wz6Zf8eg6uWc&hl=pt-BR&sa=-
X&ved=0ahUKEwjbvKLAxbnZAhXEi5AKHXghDSEQ6AEISjAJ#v=onepage&q&f=fal-
se>. Acesso em: fev. 2018.
4
JAMIE, Kathleen. The White Road by Edmund de Waal review – incidents, marvels and
misery. The Guardian, Thursday, 1 oct. 2015. Disponível em: <https://www.theguar-
dian.com/books/2015/oct/01/white-road-edmund-de-waal-review-porcelain >. Acesso
em: out. 2017.
5
WACQUANT, Loïc. Habitus. In: CATANI, Afrânio et al. (Orgs.). Vocabulário Bourdieu.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, p. 213-6.
6
Ibidem, p. 214.
7
Idem.
8
De acordo com Afrânio da Silva Garcia, “a metonímia pode ser definida como uma
relação de contiguidade, de aproximação, em que parte do conteúdo semântico de uma
O ouro branco oriental 61
33
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 51. ed. revista. São Paulo: Global, 2008.
34
Ibidem, p. 300.
35
CAIGER-SMITH, Alan. Lustre Pottery: technics, tradition and innovation in the Slam
and the Western World. Devon: The Herbert Press, 1985.
36
BIRLOUEZ, Op. Cit., p. 69.
37
George Savage menciona apenas esta nomeação, indicando “o tipo de porcelana artifi-
cial que foi produzida com o patrocínio de Francesco Maria de Medici, o grande duque da
Toscana que, consequentemente, foi chamada por Porcelana de Medici”. Trata-se de uma
faiança. Cf. SAVAGE, George. Porcelain through the ages: a survey of the main porcelain
factories of Europe and Asia with 64 pages of plate, many lines drawing, a bibliography,
and tables of makers marks. Baltimore: Pelikan Books: 1954. p. 179.
38
Idem.
39
BIRLOUEZ, Op. Cit., p. 71.
40
JANSON, Horst Waldemar. História da arte. 5. ed. Lisboa: FCG, 1992. p. 522-537.
41
Estudiosos da arte, como Janson, tendem a separar a arte produzida em Flandres
e na Holanda segundo modelos culturais distintos: de um lado, a cultura católica que
prevalece em Flandres baseada no sistema monárquico e na Igreja Católica, ambos que
comissionavam artistas e faziam encomendas públicas; de outro, na Holanda, onde a arte
religiosa era proibida devido a orientação protestante. Com isso, no seu universo artís-
tico surgiram temas independentes e uma arte feita para o mercado. Na Holanda, uma
nação de mercadores e comerciantes independentes, formou-se a prática de colecionador
objetos de arte e os colecionadores podiam ser comerciantes, açougueiros, padeiros ou
qualquer pessoa que pudesse adquirir a arte como mercadoria. Certamente, uma menta-
lidade semelhante pairou sobre a produção de cerâmicas, tornada, muito cedo, também
uma mercadoria. Cf. JANSON, Op. Cit., p. 527
42
NAZARÉ, Maria João Vicente. Cerâmicas Medievais da Santa Olaia (Figueira da Foz)
depositadas no Museu Municipal Dr. Santos Rocha. 2013. 171 f. Dissertação (Mestrado) –
Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras de Coimbra, 2013.
43
VIEIRA, Ana Isabel. Cerâmicas dos séculos XIV à XVI do Castelo de Sesimbra. Revista
O Arqueólogo Português, série V, n. 1, p. 657-687, 2011. Disponível em: <http://www.
patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_5/vo-
lume_1/ceramicas.pdf>. Acesso: dez. 2017.
44
AZEVEDO, João Lúcio. Organização econômica. História de Portugal. V. 2. Primeira
Época (1128-1411). Porto: Livraria Civilização, 1929.
45
SIMÕES, A. Veiga. Portugal, a Flandres e os primórdios do capitalismo moderno. Con-
ferência proferida em 29 de Fevereiro de 1932 no Instituto de Altos Estudos de Bruxe-
las. Publicada na Revue Economique International. Bruxelas: Goemaere, 1933. Disponível
em: <https://www.google.com.br/search?client=safari&rls=en&q=Portugal,+a+Flan-
dres+e+os+prim%C3%B3rdios+do+capitalismo+moderno&ie=UTF-8&oe=UTF-8&-
gws_rd=cr&dcr=0&ei=hWuDWtfzJ8OGwQTQiKHwDw>. Acesso em: dez. 2017.
46
MURPHY-GNATZ, Mary. The porcelaine Trade. University of Minnesota Libraries. Dis-
ponível em: <https://www.lib.umn.edu/bell/tradeproducts/porcelain>. Acesso em:
nov. 2017.
47
TROCKI, Carl A. Opium, Empire and the Global Political Economy: A Study of the Asian
Opium Trade, 1750-1950. London: Routledge, 1999.
O ouro branco oriental 63
48
MURPHY-GNATZ, Op. Cit.
49
MERI, Josef W.; BACHARACH, Jere. Medieval Islamic civilization: an encyclopedia.
New York: Routledge, 2006.
50
TAGGART, Emma. The history of the colour blue: from ancient Egypt to the latest
scientific discoveries. My Modern MET, fev. 2018. Disponível em: <https://mymodern-
met.com/shades-of-blue-color-history/>. Acesso em: fev. 2018.
51
É comum encontrar referências ao termo Kraak como sendo de origem holandesa, o que
seria um interessante exemplo das teses “Sobre o conceito da história” do filósofo Walter
Benjamin. Nela, Benjamin diz: “se perguntarmos com quem o investigador historicista esta-
belece uma relação de emparia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num
momento dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes”. Cf. BENJAMIN, Wal-
ter. Magia e técnica, arte e política. Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 225.
52
ALVES, Adalberto. Dicionário de arabismos da língua portuguesa. Portugal: Editora
LeYa Digital, 2014, p. 371.
53
COELHO, Inês Alexandra. A cerâmica oriental da carreira da Índia no contexto da
carga de uma nau – a presumível Nossa Senhora dos Mártires. 2008. 201 f. Dissertação
(Mestrado em Antropologia) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa, 2008.
54
SAVAGE, Op. Cit.
55
No conto, a moça é recompensada no final, tornando-se princesa, e a criatura punida
de alguma maneira (há algumas versões). Essa história remete a uma espécie de projeção
moral da Idade Média na qual existem dois tipos sociais e uma moral que deve prevale-
cer: de um lado, os comerciantes e não nobres, caracterizando-os como seres maus que
só pensam no lucro individual, como é o caso da criatura mágica e, de outro, a nobreza
cujos seres são protegidos e que agem de modo inocente. Cf. HUNT, Margarett. Fayri
tales by brothers’ Grimm. London: G Bell & Sons 1910, 2004. Disponível em: <http://
www.gutenberg.org/files/5314/5314-pdf.pdf?session_id=0f2ca145b570790d7bcba-
22f04b59a731ab6fd42>. Acesso em: fev. 2018.
56
DOWNING, Ben. The shape of Obsession: it took 17th-century savants 20 years to
crack the secret of how Asian porcelain was made. The Wall Street Journal, nov. 2015.
Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/the-shape-of-obsession-1448476275>.
Acesso em: jan. 2018.
57
GRAF, Dominic. Duas irmãs, uma paixão (Die Geliebten Schewestern). Drama. Direção:
Dominik Graf. Roteiro: Dominik Graf. Alemanhã, Áustria e Suíça: 2014. 120min.
58
COHEN, George M. (Ed.). The Essentials of art history. New Jersey: Research & Educa-
tion Association, 1995, p. 109 -112.
59
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 13-25.
60
STRONG, Op. Cit., p. 196.
61
Ibidem, p. 204.
62
Ibidem, p. 205.
63
CARÊME, Marie-Antoine. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/
wiki/Marie-Antoine_Carême>. Acesso em: fev. 2018.
64
O Serviço à Francesa original é como citei na versão de Massialot. Enquanto o Serviço à
Francesa levava muitas horas e deixava os alimentos expostos sobre a mesa, tornando-os
64 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
frios, o Serviço à Russa mantinha os alimentos quentes. Neste, as travessas são trazidas
da cozinha e servidas imediatamente. Ao terminar o primeiro prato, estes, junto aos
talheres sujos, são retirados, pratos limpos são trazidos e um novo alimento é servido
pelos garçons em uma travessa à esquerda do comensal. Cf.: TUOR, Conrad. Wine and
food handbook. 2. ed. London, Sydney, Toronto: Hodder And Stoughton, 1981.
65
TCHOBANOV, Maria. La table de Catherine II de Russie dressé ao château de Champ-
s-sur-Marne. Russia Beyond. Culture, dez. 2017. Disponível em: <https://fr.rbth.com/
art/79715-art-table-empire-russe-catherine-ii-chateau-champs-sur-marne>. Acesso em:
fev. 2018.
66
MURPHY-GNATZ, Op. Cit.
67
ENTREPRISE DU PATRIMOINE VIVANT – EPV. Cité de la céramic à Sèvres. Paris: Édi-
tions du patrimoine du Centre des Monuments Nationaux, 2010.
68
VILAR, Leandro. O engenho e o fabrico do açúcar no Brasil colonial. In: Seguindo os
passos da história, dez. 2013. Disponível em: <http://seguindopassoshistoria.blogspot.
com.br/2013/12/o-engenho-e-o-fabrico-do-acucar-no.html> . Acesso em: fev. 2013.
69
STANDAGE, Tom. Uma história comestível da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
p. 126. s
70
Ibidem, p. 127-8.
71
Idem. (O comentário de Standage é sobre os engenhos ingleses no Caribe, por isso não
menciona a cachaça).
72
MINTZ, Sidney. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. York:
Viking, 1985.
73
SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: a cultura holandesa na época do ouro. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
74
MORGADO, Paulo Jorge; SILVA, Ricardo Costeira da; FILIPE, Sónia Jesus. A cerâmica
do açúcar de aveiros: recentes achados na area do antigo bairro das olarias. Arqueologia
moderna. Disponível em: <https://saidaslagunadeaveiro.files.wordpress.com/2014/06/
pm_f-20.pdf>. Acesso em: fev. 2018.
75
STANDAGE, Tom. História do mundo em 6 copos. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 65.
76
Ibidem, p. 112.
77
COELHO, Op. Cit., p. 92.
78
STANDAGE, Op. Cit., 2005, p. 113.
79
Ibidem, p. 134.
80
Segundo o historiador Augusto Casemiro, “Portugal, em busca de apoios contra Fi-
lipe IV de Espanha na Guerra da Restauração, a isso se comprometera pelo tratado de
paz e aliança assinado em 3 de junho de 1661” no qual deveria transferir a posse de
Tânger, e do porto e ilha de Bombaim, entre outros privilégios tais como “ no caso de
os Portugueses recuperarem dos Holandeses a ilha do Ceilão, obrigavam-se a repartir
com os Ingleses o trato da canela”. Cf. CASEMIRO, Augusto. Dona Catarina de Bragança:
rainha de Inglaterra, filha de Portugal. Caxias (Portugal): Editora Fundação da Casa de
Bragança, 1956.
81
KOEHLER, Jeff. Darjeeling: a history of the world’s greatest tea. London: Bloomsbury,
2015, p. 22-23.
82
STANDAGE, 2005, p. 158.
83
Ibidem, p. 152.
O ouro branco oriental 65
84
Idem.
85
BEEVERS, David. Chinese Whispers: Chinoiserie in Britain, 1650–1930. Brighton: Ro-
yal Pavilion & Museums, 2009, p. 19. (As palavras entre colchetes são minhas).
86
Ainda hoje, a aristocracia e os castelos existentes na Europa têm na mobília, em vesti-
mentas, em vasos e outros tantos objetos os motivos chineses que permanecem como um
clássico. O mesmo ocorre como uma decoração sóbria, forma e clássica que é sugerida
para quem deseja mostrar sinais de distinção.
87
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Verbete “Portugal”. Novo Dicionário da Lín-
gua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1010.
88
KONPEITÓ. Disponível em: <https://en.m.wikipedia.org/wiki/Konpeitō>. Acesso
em: mar. 2018.
89
JONES, Christine A. When Chocolate was Medicine: Colmenero, Wadsworth, and Du-
four. The Public Domain Review. 2015. Disponível em: <http://publicdomainreview.
org/2015/01/28/when-chocolate-was-medicine-colmenero-wadsworth-and-dufour/>.
Acesso em: maio 2015.
90
Idem.
91
THYS, Marianne; BEYERS, Leen; DE RYNCK, Patrick (Orgs.). Antwerp à la carte: on
cities and food. Antuerp: Museum aan de Stroom – MAS, 2016, p. 50. (De acordo com os
autores, sugere-se Maria Theresa da Áustria, considerando que Liotard passou um perío-
do nesta corte sendo comissionado para obras pictóricas).
As bebidas e os vasilhames
Entre ânforas, taças e copos
Como previa Nobert Elias1 acerca das transformações nos costumes e nas
normas de comportamento, os utensílios para o uso das bebidas se mo-
dificaram e se modificam materialmente em períodos de longa duração,
sendo, no caso das bebidas, incorporados aos rituais de sociabilidade. É
nesse contexto que, a seguir, apresento alguns utensílios utilizados no uso
das bebidas alcoólicas, buscando pontuar no decorrer do texto as transfor-
mações de usos nos utensílios, as quais se transformam continuamente e se
influenciam mutuamente ao longo do tempo. As memórias relacionadas à
materialidade dos utensílios e dos usos das bebidas alcóolicas são apresen-
tadas em diferentes tempos e civilizações.
Dessa forma, é importante mostrar como as bebidas alcoólicas estive-
ram, desde as suas origens, relacionadas às técnicas de produção de utensí-
lios que possibilitaram o seu uso, ou seja, a ingestão do próprio líquido. De
acordo com Álvaro Vieira Pinto,2 a técnica pode ser entendida como uma
propriedade inerente à ação humana que serve a uma finalidade, possuin-
do o efeito de produzir materialmente, em um sistema de relações sociais
definido, os bens que a humanidade necessita. A técnica é, então, uma ma-
nifestação humana de produzir o seu próprio vir-a-ser, o que se revela in-
separável de todos os atos que pratica, sendo uma condição existencial em
que se produz para subsistir.
Tendo essas considerações em vista, inicio, a seguir, uma apresentação
dos usos e dos objetos de consumo das bebidas na Antiguidade, retomando
os rituais de sociabilidade relacionados ao vinho, e, em seguida, abordo
conhecimentos técnico-científicos do uso dos vasilhames para o consumo
de vinho, passando pela coquetelaria moderna e, por fim, versando sobre
os copos de cerveja.
66
As bebidas e os vasilhames 67
Num casamento, uma tigela dourada para libações, cheia de vinho, pode-
ria ser oferecida pelo sogro ao genro. A tigela tornava-se um símbolo da
noiva, “concedida” em casamento por seu pai, quando dois homens, duas
famílias, eram agora uma só, com o vinho partilhado.11
As bebidas e os vasilhames 69
Ao contrário dos mitos dionisíacos da Grécia antiga, com seus ritos natu-
ralistas, populares e essencialmente agrários, com aparições mais violentas
do que temperantes, os banquetes gregos possuíam um aspecto aristocrá-
tico e eram divididos em três momentos: a chegada dos participantes (kó-
mos), a comida (deipnon) e o consumo do vinho (sympósion), que acontecia
em meio a poesia, conversações, concursos, músicas, danças, acrobacias,
jogos, coroas de flores, perfumes etc. Segundo Carneiro, essas reuniões se
intensificaram a partir do século VII a.C., configurando-se como um es-
paço importante da formação dos cidadãos gregos para as funções cívicas:
“Era como um centro de educação do caráter, de debate das ideias políti-
cas e filosóficas e de exercício da expressão pública das emoções de forma
controlada, do ensinamento da temperança em oposição ao descontrole do
excesso (hybris)”.12
Enquanto um ritual de sociabilidade festiva aristocrática e ensaiada pela
racionalidade, os sympósios eram regidos por um simposiarca, pessoa que
controlava e dosava a bebida misturada com água nas crateras – “a cratera,
onde se põe água e vinho em igual medida, é uma particularidade helênica:
os gregos não bebiam o vinho puro a não ser em ocasiões excepcionais, e
essa mistura era, para eles, uma maneira de se distinguir do mundo bárba-
ro”.13 Essa distinção era observada materialmente não apenas pelo uso do
vinho, que distinguia os gregos dos bárbaros bebedores de cerveja, como
também pela diluição do vinho em água nas crateras, sinalizando a impor-
tância do vasilhame.
Os gregos conceberam a pintura primordialmente em paredes e pai-
néis como motivos de decoração às vezes esculpidas em alto relevo, mas se
tornaram notáveis pelas pinturas feitas em cerâmica, cujos motivos geral-
mente representam pessoas em atividades cotidianas e em cenas da mito-
logia grega. Os vasos pintados serviam para quatro finalidades: recipien-
tes para armazenar bebidas e alimentos (vinho, azeite, mel), equipamento
para refeições festivas, recipientes para uso decorativo e vasos especiais
para serem usados nos rituais.14 Os vasos se apresentam materialmente
em três formatos: a ânfora, a cratera e a hídria. A primeira tinha formato
de coração, com duas alças simétricas e gargalo estreito, como na imagem
(Figura 1).
70 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anfora_nolana.jpg>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Crátera_de_campana_del_Pintor_de_
Christie_(M.A.N.).jpg>
As bebidas e os vasilhames 71
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:HidriaConMénadeYSátiros.jpg>
brinde menos digno seria feito com as taças. Nos países mediterrâneos,
entretanto, o brinde nunca teria sido muito animado, sobretudo depois da
ascensão do cristianismo. O costume de brindar seria reintroduzido no sé-
culo XVI pelos germânicos, de modo que brindare viria do alemão ich bringe
dir’s, que significa a você. Em sociedades mais hierarquizadas, a etiqueta
poderia reger o ritual do brinde, determinando com quem seria possível
brindar, não devendo ser sugerido o brinde a superiores, ao menos que se
tivesse a certeza de que o brinde seria aceito.17
No século XVII, teriam se expandido as taças e os brindes individuais.
Bater um copo contra o outro simbolizaria uma forma de se fazer contato,
ou seja, de lembrar que, embora o vinho estivesse separado por taças, o lí-
quido seria o mesmo, único, devendo-se estender os braços para alcançar o
outro mutuamente. O uso da taça se expandiria ainda em função de ser um
instrumento esguio de refinamento que reforçava a ideia de respeito. Sua
difusão ocorreria mais por razões relativas ao comportamento socialmente
desejável do que por justificativas mais racionais dadas pela ciência, ainda
que mais tarde essa viesse a legitimar tais costumes.18
com que a produção de vidro fosse transferida para Murano, uma ilha a 5
km de Veneza, o que contribuiu para o controle dos segredos da técnica de
fabricação. Os vidreiros venezianos chegaram a gozar de alta reputação,
sendo o vidro um material considerado valioso, que rivalizava com o ouro
e a prata nas mesas de jantar, de modo que um nobre poderia se casar com
a filha de um vidraceiro sem perder seu status. Por volta de 1650, o aperfei-
çoamento da rolha levou ao aumento do uso do vidro como recipiente para
o acondicionamento de bebidas. Na Revolução Industrial, o vidro assumiu
um papel definitivo na história da humanidade.
É difícil encontrar uma definição para o vidro devido à multiplicidade
de tipos de vidro, seu desempenho e composição química e, de modo geral,
pode-se considerar que o vidro “é uma substância fisicamente homogênea
obtida pelo resfriamento de uma massa inorgânica em fusão, que se solidi-
fica sem cristalizar através de um aumento contínuo de viscosidade”.20 O
vidro é um material complexo que pode ser transformado em diversos pro-
dutos: “Em sua forma pura, o vidro é um óxido metálico, super resfriado,
transparente, de elevada dureza, essencialmente inerte e biologicamente
inativo, que pode ser fabricado com superfícies muito lisas e impermeá-
veis”.21 Os vidros comuns são compostos basicamente pela fusão de dió-
xido de silício (SiO2), carbonato de sódio (Na2CO3) e carbonato de cálcio
(CaCO3); sua manipulação ocorre enquanto fundido, quente e maleável. A
função dos compostos utilizados na fabricação do vidro é descrita a seguir:
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Glass_Blowing_(3639471992).jpg>
Uma boa taça é aquela que tem um corpo com concavidade de tulipa,
sendo levemente cônica no topo. A taça deve ser armazenada até um terço
do volume total, pois, acima desse nível, seria dificultada a rotação, que
ocorre ao girar a haste em torno de seu eixo, técnica fundamental para
oxigenação e liberação de aromas do líquido, sendo a análise olfativa um
importante quesito avaliado na degustação.26
Na imagem a seguir podemos observar a estrutura ISO para taças, defi-
nida pela International Standards Organization, utilizada como padrão nas
degustações técnicas oficiais a partir da ISO 3591 desenvolvida pelo comitê
técnico ISO/TC para produtos alimentares agrícolas de 1974. Essa norma
internacional especifica as características da taça de prova de vinhos, que
consiste em um cálice “oval alongado” (bojo), sustentado por uma haste que
repousa sobre uma base. A taça deve ser de vidro transparente e incolor,
sem ranhuras nem bolhas. Na taça ISO destacamos o diâmetro da base (65
mm), a altura da haste (55 mm) e sua espessura (9 mm), o diâmetro da base
na parte mais larga (65 mm), que se estreita em direção à borda com diâ-
metro mais estreito (46 mm),27 conforme a imagem a seguir:
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wine-tasting_glass.jpg>
brut, 10º C para vinhos brancos e 15º C para vinhos tintos, sendo servidos em
uma sequência que leve em consideração: os vinhos brancos antes dos tintos,
os leves antes dos encorpados, os jovens antes dos envelhecidos, os fermen-
tados em tanques de inox antes dos fermentados em barricas de carvalho, os
secos antes dos dosces, os tranquilos antes dos efervescentes.28
As taças de cristal geralmente são feitas manualmente, são considara-
das um produto mais refinado. Nessas taças, as laterais e o bojo são mais
finos. Embora seja mais agradável beber em uma taça cuja a borda é mais
delgada, os cálices de cristal são mais frágeis que os de vidro, comumente
mais durável e acessível. Independentemente do material utilizado, as ta-
ças devem estar bem limpas, sendo indicada a utilização de sabão neutro
com enxague suficiente para remover qualquer resquício de resíduo. Além
da taça de vinho na degustação, devem ser disponibilizados utensílios
para servir água a fim de que os degustadores possam enxaguar a boca.
A ingestão de água evita que os degustadores fiquem fatigados ou desi-
dratados, atuando ainda como um agente redutor de danos. Para renovar
o paladar entre os goles de uma degustação, é indicada a ingestão de
alimentos como pão e cream cracker, ou seja, alimentos que não desviem
a atenção das qualidades do próprio vinho. Vale ressaltar que, no caso
de uma desgustação de vinhos harmonizada com produções culinárias,
o objetivo é ressaltar as características de ambos elementos envolvidos,
tornando-os mais saborosos.
Além da taça ISO para degustações técnicas, existem diferentes formas
de agrupar os vinhos, que vão desde os vinhos licorosos, os fortificados e
os de sobremesa, consumidos normalmente em pequenas doses em cálices,
até os tradicionais vinhos brancos, rosés e tintos, com variação de açúcar e
de carbonatação no caso dos vinhos espumantes e frisantes. Essa variedade
resulta em uma diversidade de oferta contemplada pelas cristalerias que
produzem objetos de vidro e de cristal, incluindo não apenas taças para o
consumo de bebidas, mas peças para o uso de mesa e de bar como um todo.
Entre as cristalerias existem algumas centenárias, como é o caso das
francesas Saint Gobain, criada 1665, e a Baccarat, fundada em 1764. Além
dessas, podemos destacar outras cristalerias, como as francesas Durant,
Lalique, Christofle e Saint Louis, a italiana Calpi, a inglesa Dartington, a
sueca Kosta Boda, a austríaca Riedel, as alemãs Spiegelau e Schott Zwiesel e
as norte-americanas Steuben e Tiffany. No Brasil, a história da indústria do
vidro começou no século XVII com as invasões holandesas, sendo criada no
Rio de Janeiro, no século XIX, a Vidros e Cristais do Brasil, que funcionou
até 1940. Ainda, na Bahia operou até 1960 a Cristaleria Fratelli Vita. Atu-
almente a produção do país se concentra na cidade de Blumenau, em Santa
Catarina, onde se situam a Cristaleria Hering e a Cristallerie Strauss.29
As bebidas e os vasilhames 77
Além do uso das taças, o universo do vinho guarda certos rituais, como
o que se refere à técnica de aerar e decantar o vinho. Ao ser colocado em
contato com o oxigênio, o vinho “respira”, de modo que, aerado, revela
aromas e sabores, pois “o aumento do potencial de óxido-redução (rH) do
vinho melhora com o aerajamento, exteriorizando a complexidade de seu
bouquet”.30 O contato com o ar deve, entretanto, ser pontual para que o vi-
nho não seja oxidado, bem como se percam ou se alterem as caractrísticas
organolépticas. A função de decantar o vinho, que dá nome ao utensílio
decanter, diz respeito ao processo de separação da matéria sólida da parte
líquida através da decantação de pigmentos e de taninos polimerizados que
se formam com a passagem do tempo, sobretudo em vinhos de guarda e
com potencial de envelhecimento. Esses sedimentos, que chegam a formar
borra, causam sensações desagradáveis ao paladar, devendo ser separados
quando vertidos da garrafa para o decanter e do decanter para a taça. No
serviço, a garrafa deve ficar na posição vertical o tempo necessário para
decantar, devendo a transferência do líquido ao decanter ser interrompida
quando observada a aproximação dos sedimentos ao gargalo, o que pode
ser feito com a utilização de uma vela. Após ser acomodado no decanter
(Figura 6), o vinho deve permanecer pelo tempo necessário para decanta-
ção até que seja vertido na taça, sendo realizado o mesmo procedimento de
interrupção da passagem dos sedimentos ao se aproximarem do gargalo.
Figura 6. Decanter
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:New_Decanter.jpg>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pape-Clement-1961.JPG>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Louis_Latour_Bourgogne_rouge_2006.jpg>
As bebidas e os vasilhames 79
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Riesling_2007_from_Marlenheim,_Alsace.jpg>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:No._103_Champagne_Cup,_1866_
(CH_18731915).jpg>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flute_Glass.svg>
As bebidas e os vasilhames 81
servido com uma azeitona, o que contribui para quebrar a secura típica da
bebida. A utilização da haste da taça permite pegar a bebida sem que o ca-
lor das mãos contribua para alterar a temperatura, que, nesse caso, deve ser
extremamente gelada, motivo pelo qual em sua produção os ingredientes
são misturados ao gelo no mixing glass e depois o líquido coado por dupla
coagem na taça:
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dry_Martini-2.jpg>
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Faience_beer_stein_with_ball_scene_on_
brown_background_02.jpg>
As bebidas e os vasilhames 85
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Export_hell_seidel_steiner.png>
O nonick, por sua vez, diz respeito a um copo típico dos pubs britâni-
cos, estabelecimentos que tradicionalmente serviam de ponto de encontro da
classe proletária. Nesses espaços, não raro, o consumo de cerveja era feito em
pé, o que levou à construção de um copo resistente com uma protuberância
na parte superior que lembra um calombo. O objetivo dessa criação era evitar
que o recipiente escapasse da mão e se quebrasse no chão – esse formato pode
ser observado na imagem a seguir (Figura 15), à esquerda, no copo que com-
porta a cerveja escura. Ao lado e à frente do copo nonick, temos duas taças
em forma de tulipa, modelo que surgiu no final do século XIX, sendo a taça
comumente mais estreita na proximidade da borda. Esse modelo favorece a
retenção de espuma, sendo o “colarinho” um importante quesito a ser avalia-
do na cerveja que diz respeito, por exemplo, à quantidade de malte utilizado
na receita, se apresentando mais ou menos persistente, contribuindo para
a retenção de aromas e a manutenção da temperatura. Já a quarta garrafa
de cerveja, da esquerda para a direita e localizada ao fundo da imagem, se
refere à taça lager, confundida muitas vezes com a tulipa. Em frente à taça
lager podemos observar a taça pint, tradicionalmente utilizada para o serviço
da sout irlandesa, a exemplo da Guinness. Seu formato se assemelha à taça
nonick, tendo o mesmo intuito de evitar que escorregue da mão. A weissbier,
à direita, comporta cerveja de trigo típica da região da Baviera, possui um
copo característico de 500 mililitros com cerca de 25 centímetros de altura e
bojo estreito, que se alarga em direção à boca, o que permite a acomodação
do colarinho volumoso com cerca de 7 centímetros de espuma.37
86 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Beer_in_glasses_and_steins.jpg>
CONSIDERAÇÕES FINAIS
consumir bebidas. Essa forma remete à técnica entendida como uma forma
de expressão humana de caráter existencial, como fruto de um processo
dialético de resolução das contradições da realidade circundante diante da
possibilidade de se produzir a própria existência a partir do trabalho e das
demandas sociais e econômicas de cada momento histórico.
Notas
1
ELIAS, Nobert. O processo civilizador. Uma história dos costumes. V. I. Tradução de Ruy
Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
2
PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contratempo, 2005.
3
OLIVER, Garret. A mesa do mestre-cervejeiro: descobrindo os prazeres das cervejas e
das comidas verdadeiras. Tradução de Anthony Cleaver. São Paulo: Senac, 2012.
4
VISSER, Margaret. O ritual do jantar: as origens, evolução, excentricidade e significado
das boas maneiras à mesa. Tradução de Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
5
GRIECO, Allen J. A alimentação e classes sociais no fim da Idade Média e Renascença.
In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. Tradução
de Luciano Vieira Machado e Guilherme João de Freitas Teixeira. 8. ed. São Paulo: Esta-
ção Liberdade, 2015. p. 466-495.
6
VISSER, op. cit.
7
Ibidem, p. 250.
8
MONTEIRO, Renata da Silva. Do mito dionisíaco à indústria cultural da cerveja: ciência
e tecnologia na formação do gosto. 233 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação
em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
9
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portugue-
sa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
10
STANDAGE, Tom. A História do Mundo em 6 Copos. Tradução de Antônio Braga. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005.
11
VISSER, op. cit., p. 260.
12
CARNEIRO, Henrique. Bebida, abstinência e temperança na história antiga e moderna.
São Paulo: Senac, 2010. p. 36.
13
VETTA, Massimo. A cultura do symposion. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI,
Massimo. História da Alimentação. Tradução de Luciano Vieira Machado e Guilherme
João de Freitas Teixeira. 8. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2015. p. 73.
14
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. V. I. Petrópolis: Vozes, 1986.
15
FERNANDES, João Azevedo. Selvagens bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos cul-
turais no Brasil colonial. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminen-
se, Niterói, 2004. p. 73.
16
BRANDÃO, op. cit.
17
VISSER, op. cit.
18
ELIAS, op. cit.
19
FURTADO, Edmundo. Copos de bar & mesa: história, serviço, vinhos e coquetéis. São
Paulo: Editora Senac, 2009.
20
BABISK, Michelle Pereira. Desenvolvimento de vidros sodo-cálcicos a partir de resíduos
de rochas ornamentais. 90 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto Militar de Engenharia,
Rio de Janeiro, 2009. p. 32.
As bebidas e os vasilhames 89
21
CRISIGIOVANNI, Cirinea Lucia Marcante. Uma abordagem sócio-ambiental e tecnoló-
gica da reciclagem dos resíduos de vidro. 88 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento de Tecnologia, Curitiba, 2010. p. 17.
22
Idem, p. 17 e 18.
23
FURTADO, op. cit.
24
SANTOS, José Ivan; SANTANA, José Mari. Comida e vinho: harmonização essencial.
3. ed. São Paulo: Senac, 2012b.
25
VISSER, op. cit.
26
SANTOS, op. cit.
27
FURTADO, op. cit.
28
MIELE, Alberto; MIOLO, Adriano. O sabor do vinho. Bento Gonçalves: Vinícola Miolo,
Embrapa Uva e Vinho, 2003.
29
FURTADO, op. cit.
30
MIELE, op. cit.
31
STEED, Tobias. Coquetéis de Hollywood. São Paulo: Editora Senac, 2010.
32
PALAMARCZUK, Raissa (Ed.). Martinis. Revista Rabo de galo, p. 16, abr. 2016.
33
CARNEIRO, op. cit, p. 36.
34
STEED, op. cit.
35
BELTRAMELLI, Maurício. Cervejas, brejas e birras: um guia complete para desmistifi-
car a bebida mais popular do mundo. São Paulo: Leya, 2012.
36
Idem.
37
MORADO, Ronaldo. Larousse da cerveja. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009.
38
GUIA DE ESTILOS DE CERVEJA DO BEER JUDGE CERTIFICATION PROGRAM (BJCP).
Tradução livre de Mauro Manzali Bonaccorsi. Abr. 2016. Disponível em: <http://www.
brauakademie.com.br/assets/bjcp-2015-beer-pt-br.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2017.
39
MARQUES, Teresa Cristina Novaes. A cerveja e a cidade do Rio de Janeiro: de 1888 ao
início dos anos 1930. Brasília: EdUNB, Paco Editora, 2014.
40
BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Planalto do Governo Federal. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Decreto/ D8442.
htm#anexoii>. Acesso em: 9 jun. /2016.
41
MONTEIRO, op. cit.
42
SCHNEIDER, Marco. A dialética do gosto: informação, música e política. Rio de Janei-
ro: Circuito, 2015.
As panelas de barro e
a cozinha brasileira
90
As panelas de barro e a cozinha brasileira 91
ladas, são secas ao sol para retirar a umidade, levadas para queimar a céu
aberto, onde são empilhadas e queimadas como se fosse uma grande foguei-
ra, ou em fornos construídos para a queima das panelas. Em alguns locais,
a impermeabilização pode acontecer antes do processo da queima, como
acontece em Irará (Bahia), utilizando o tauá (pigmento vermelho), ou depois
de queimadas, quando é passado o tanino (este é o caso de Goiabeiras/ES),
num processo que é chamado de açoite. A queima geralmente ocorre em
locais abertos nos quais as panelas são dispostas sobre madeiras, onde serão
queimadas. Esses processos encontrados e catalogados apontam algumas
das permanências da prática de feitura das panelas, que cumprem a função
de cozinhar e servir a comida ainda em cima do fogão, ou levando a comida
até a mesa, atuando enquanto mediadoras das práticas da comensalidade.
Notas
1
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Ed. SENAC, 2004.
2
SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. A Comida Como Lugar De História: As Dimen-
sões do Gosto. Revista História: Questões & Debates, Curitiba, Editora UFPR, n. 54, p.
103-124, jan./jun. 2011. p. 8.
3
BOUTAUD, J. J. Comensalité, le partage de la table. In: MONTANDON, A. (Ed.). Le livre
de l’hospitalité. Paris: Bayard, 2004.
4
IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Panelas das goiabeiras.
Disponível em:<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso: Março 2018.
5
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
p. 168.
6
CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Ed. Itatiaia,
1983. p. 165.
Materialidade e imaterialidade
O corpo humano enquanto um instrumento
95
96 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
O “ofício das baianas de acarajé” foi inscrito no Livro dos Saberes do Patri-
mônio Imaterial como “patrimônio cultural brasileiro” em 2005. O pedido
de registro foi feito pela Associação das Baianas de Acarajé e Mingau do
Estado da Bahia (ABAM), pelo Terreiro Ilé Axé Opô Afonjá e pelo Centro de
Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO).
A principal argumentação para a realização do registro era o reconheci-
mento do valor simbólico do “ofício” das baianas de acarajé. Tal valor sim-
bólico estaria vinculado ao modo de fazer o acarajé, às roupas, à etnicidade
e, principalmente, às religiões afro-brasileiras. O “ofício” aparece como o
representante de um legado étnico e religioso.
O registro também foi solicitado em consequência do surgimento do
“bolinho de Jesus”, ou “acarajé de Jesus”, em que os evangélicos estariam
“descaracterizando” o acarajé ao associá-lo a Jesus e à igreja evangélica,
opondo-se à esfera religiosa do candomblé. Neste contexto de divergências
religiosas, a ressignificação do acarajé, com o acarajé de Jesus, é objeto de
discordância entre as baianas pertencentes às religiões afro-brasileiras –
que demarcam a “origem” do acarajé nos terreiros.
No inventário do registro consideraram que seria mais interessante o
registro do “ofício da baiana de acarajé”, e não somente do acarajé, ou da
baiana de acarajé (e sua materialidade). O registro do ofício da baiana res-
salta a valorização do legado histórico afrodescendente e sua ligação com
as religiões afro-brasileiras.
A partir desse novo foco, o inventário valorizaria tanto a característica
imaterial, expressa pela categoria ofício, apresentando-a como um “símbolo
da identidade baiana”, quanto a materialidade presente na “indumentária
Materialidade e imaterialidade 101
Tem clientes que nos tornamos amigos, pessoas que vêm e que gostam do
nosso acarajé, vem aqui comer. Tem cliente que passa a tarde toda aí sen-
tado, olhando a gente trabalhar. Tem cliente que vem aqui, compra e vai
embora. Teve cliente que veio de fora, indicado por pessoas que vieram aqui:
“Olha, eu vim aqui porque o meu amigo que mora lá fora me indicou só essa
barraca aqui”.
[…] Aqui tem cliente que gosta de ser atendido por mim, tem cliente que
gosta de ser atendido pela Neném: “Ah, não, vou esperar ela chegar”. Ain-
da tem essas coisas aqui. Porque tem cliente que gosta mesmo. Pode estar
quem for, mas ele quer que você atenda. Dizem, alguns, que é por causa da
energia, dizem que a baiana tem um negócio.
102 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
nas que preparam a comida e, em seguida, pelo seu contato com as mãos
dos clientes. Revela-se uma noção de corpo que gera e medeia essa energia.
Marcel Mauss, em seu clássico ensaio sobre as técnicas do corpo, aponta
que o corpo é o primeiro e natural instrumento humano. Instrumento pecu-
liar, nos diz ele, pois é simultaneamente meio e objeto. Para ele, as técnicas
corporais, as maneiras pelas quais os homens em cada sociedade se servem
de seu corpo, são sentidas como naturais, entretanto, são imperceptivelmente
construídas. No caso apresentado, o corpo das baianas e de seus consumidores
expressam categorias relacionadas às religiões afro-brasileiras. Podemos per-
ceber, portanto, que as fronteiras entre a materialidade e a imaterialidade do
próprio corpo e de objetos podem ser questionadas nesse contexto específico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
baianas utilizam suas mãos, transmissoras do axé. Os clientes, por sua vez,
ingerem esse alimento com o contato direto de suas próprias mãos. Dife-
rentemente da utilização de pratos e talheres para o consumo de alimentos,
pressupondo um distanciamento e regramento corporal, é através das mãos,
enquanto instrumentos, que o alimento é ingerido. No caso apontado sobre
as baianas de acarajé, a noção de alimento aparece intimamente relaciona-
da à concepção de corpo. Ambos são agentes no processo de transmissão
de axé, desfazendo uma ideia dicotômica de sujeito ativo e objeto estanque.
Notas
1
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2006.
2
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Antropologia dos objetos: coleções, museus e pa-
trimônios. Rio de Janeiro: Museu, Memória e Cidadania, 2007.
3
CASTRO, Celso (Org.). Franz Boas: antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004.
4
GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: University Press, 1998.
5
KOPITOFF, Igor. The cultural biography of things: commoditization as process In:
APPADURAI, Arjun (Org.). The social life of things: commodities in cultural perspective
Cambridge: Cambridge University Press, 1986. p. 64-91.
6
IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872>. Acesso:
Nov. 2015.
7
FONSECA, Maria Cecilia Londres. O Patrimônio em processo. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ; MinC – IPHAN, 2005.
8
IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso: Nov. 2017.
9
FONSECA, op. cit.
10
Idem.
11
IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso: Nov. 2017.
12
O conceito “patrimônio imaterial acabou prevalecendo em detrimento de “patrimônio
oral” e “cultura popular e tradicional”.
13
IPHAN. Patrimônio imaterial: o registro do patrimônio imaterial – Dossiê final das
atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. 4. ed. Brasília:
Ministério da Cultura; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2006. Dis-
ponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImaDiv_ORegistroPatri
monioImaterial_1Edicao_m.pdf>. Acesso em: Maio 2018.
14
SIMÃO, Lucieni de Menezes. A semântica do intangível. Rio de Janeiro: Gramma: 2016.
15
IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso: Nov. 2017.
16
BITAR, Nina Pinheiro. As baianas de acarajé: comida e patrimônio no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2011.
17
Consultado no CNFCP (Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular) em 2009.
18
Entrevista da Baiana Nanance, na Feira Hippie do Rio de Janeiro, em 2009. In: BITAR,
Nina. As baianas de acarajé: comida e patrimônio no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ae-
roplano, 2011. p. 144.
19
RIAL, Carmen. De acarajés e hambúrgueres e alguns comentários ao texto. In: LIMA,
Vivaldo da Costa. Antropologia em primeira mão. Florianópolis: UFSC, 1995. p. 10.
20
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
Gastronomia e patrimônio
O uso do cobre, da madeira e de folhas
em preparações tradicionais
Karina Moreira
105
106 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Nos últimos anos, os utensílios, saberes e tudo o que é ligado aos alimen-
tos tradicionais passaram por uma desvalorização devido à necessidade de
112 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
ligados a estes alimentos tradicionais. Por isso, cabe a todos nós nos man-
termos firmes na luta pela construção identitária e por uma alimentação
mais natural, limpa e justa.
Notas
1
ANDRADE, Manuel Correia de. Atualidade do pensamento de Élisée Reclus. In: ____________.
(Org.). Élisée Reclus: Geografia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Vol. 49. São Paulo:
Ática, 1985. p. 7-36.
2
FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Belo
Horizonte, Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1982 [1967].
3
MACIEL, Maria Eunice. Identidade cultural e alimentação. In: CANESQUI, A. M. (Org.).
Antropologia e nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 128.
4
BESSIERE, Jacinthe; RAYSSAC, Sébastien et al. Patrimoine alimentaire et innovations:
essai d’analyse typologique sur trois territoires de la Région Midi-Pyrénées. Actes du colloque
international ISDA 2010: Innovation and Sustainable Development in Agriculture and Food.
Montpellier: CIRAD - INRA - SupAgro Montpellier, 2010. 12p.
5
BRASIL. Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacio-
nal do Patrimônio Imaterial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 de agosto de 2000. Dis-
ponível em: <http:www.Iphan.gov.br/legislac/decreto3551.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
6
CASCUDO, Luis Camara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004.
7
CROSBY, Alfred W. Imperialismo Ecológico. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
8
CASCUDO, op. cit.
9
PANEGASSI, Rubens Leonardo. Plantas de civilização e equivalência simbólica. Mne-
me, Caicó, v. 7, n. 16, p. 101-123, jun./jul. 2005.
10
OURO PRETO. Dossiê de Registro da Tradicional produção de doces artesanais de São
Bartolomeu. Prefeitura de Ouro Preto, 2010. Disponível em: <http://www.ouropreto.
mg.gov.br/patrimonio/index/secao.php?id=6>. Acesso em: Junho 2018.
OURO PRETO. Decreto nº 456 de 8 de fevereiro de 2007. Inscrição sob o Nº 09 no Livro
do Tombo dos Bens Históricos, Artísticos e Arquitetônicos.
11
Os doceiros chamam assim a substância que causa a oxidação do tacho de cobre.
12
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006.
13
Idem.
14
PROENÇA, Rossana Proença da Costa. Alimentação e globalização: algumas reflexões.
Ciência e Cultura, v. 62, p. 43-47, 2010.
15
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 20, de 22 de
março de 2007. Aprova o regulamento técnico sobre disposições para embalagens, re-
vestimentos, utensílios, tampas e equipamentos metálicos em contato com alimentos.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 mar. 2007. Disponível
em: <http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=26268&word>. Aces-
so em: 10 jun. 2018.
Panelas mágicas
A arte cerâmica como encantamento
Isabela Frade
114
Panelas mágicas 115
FAMILIARIDADES CONSTITUÍDAS:
AFINIDADES E COLECIONISMOS CULTIVADOS
em uma grande mesa, dispostas em profusão. Foram palco para outra ação:
fazer cantar as panelas, chamando o público para jogar com esse oco da
forma/panela como espaço de reverberar, gerar ruído. Na abertura da mos-
tra, um canto coral despertou o conjunto: o canto lírico ecoou por dentro
delas, abrindo uma pesquisa sonora em uma performance musical do Coral
da Universidad de Puebla. O inusitado uso da panela expôs o que a arte do
encontro pode promover: o espaço lúdico como núcleo do experimento da
liberdade ao convocar o público para sonhar outros usos e sentidos para as
panelas. Essa reunião de panelas de todos os tipos foi o que denominamos
Familiae Panelacea.
Ao lado deste conjunto desordenado, erguia-se majestosa a obra Res-
soante, panela gigante. Um penetrável, aventura escultórica que exigiu
esforço físico imenso. Foi se fazendo no entrar e sair, ou ao se deitar
dentro dela, quando se podia escutar o próprio corpo no interior do seu
arco e, depois, na montagem final, definiu-se ao abrigar um banquinho
com autofalante tocando o som da batida de um coração. Em intervalos,
ao se desligar, provocava o sentir soar de si mesmo. Assim encontrou-se
nome e sentido.
As obras produzidas no coletivo de artistas O Círculo de Mulheres da Arte
da Terra manifestaram-se como coisas do barro em motivações feministas
com ânsias da arte. Durante a mostra DENTRO/FORA/JUNTO, expuseram
22 mulheres de diferentes idades e formações. Uma artista convidada, Ro-
silda Sá, ocupava a galeria com a obra Inventário. Rosilda fotografara vários
conjuntos de louça doméstica em João Pessoa, cidade onde vive e trabalha,
formando belos conjuntos do clássico gênero “natureza morta”. Algumas
traziam peças muito antigas, preciosidades que as famílias guardam como
memória, lastro afetivo com seus antecessores. Atestados de nobre origem,
do gosto cultivado, ampliam funções domésticas da louça: mais que servir
o alimento, revelam quem é o seu possuidor.
Panelas mágicas 121
Fonte: <http://grupoartehibrida.blogspot.com.br/2010/09/rosilda-sa.html>.
122 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Se a fina louça das avós, guardada como preciosa assinatura familiar, exi-
bida com orgulho emocionado, pode ser relacionada com a mais rude arte
paneleira, foi para demarcar, pelo contraste, a riqueza do universo da
cerâmica doméstica. Apreciamos essa mistura dos afazeres da cozinha e
da mesa; a primeira clamando resistência, ligada aos trabalhos do fogo,
seguindo depois a delicadeza das toalhas, o serviço sobre os panos lim-
pos, na depuração que se faz sobre a mesa. Para o que coube trabalhar
na alquimia do processo de cocção, reduzindo, depurando, derretendo e
desmanchando, em ambiente pesado pelos vapores quentes, na suadeira
da cozinha, no cansaço. Já na mesa, é o sentido delicado do paladar que
se exige apurado, denotando fino trato. Se na primeira a força é desenvol-
vida, na outra, é a sensualidade que convoca o apetite. E, também sobre
a arte culinária, aquela indissociável dos apetrechos do preparo e serviço,
há o excedente, aquilo que é o plus sensível da arte. Se a hipótese corrente
da inutilidade da arte vigora como ponto crítico de seu julgamento, have-
rá aqui um sentido expresso do que pode ser essa dispendiosa condição
(in)útil. São abrigados aqui o destino das formas que se inventam e que
seguem até as estampas, nos detalhes das curvas e sua proporcionalidade
estilística, na coloração dos esmaltes. No apuro dos sentidos que se dei-
xam fecundar.
Por fim, há uma outra hipótese a ser comentada aqui: especulações
sobre a origem da cerâmica, que provavelmente se produziu por acaso na
cocção de alimentos. Neste sentido, as formas de barro, aproximadas ao
calor como pedras de cozer, recipientes ou placas de argila, se fizeram,
então, no contínuo do fogo, impermeáveis. Seria como uma descoberta
fortuita que marcaria esse destino do barro, gerando a primeira matéria
artificial. Desde então, cada momento segue uma evolução constante na
relação entre corpo e matéria, em que a arte se desenvolve na operação
genuína do desejo.
Notas
1
BOURRIAUD, Nicolas. Arte Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
2
LEVY-STRAUSS, Claude. Mitológicas 1 – o cru e o cozido. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
3
Uma história que me lembro de ouvir de minha avó: Era uma vez um jovem aventurei-
ro que saiu para conhecer o mundo e, em cumprindo uma boa ação, ganha de presente
uma panelinha mágica. Dela se poderia fazer de tudo, das mais simples às mais elabo-
Panelas mágicas 123
radas refeições, capaz de saciar todo um exército ou prover um banquete a muitos cor-
tesãos. No entanto, havia sido advertido que a mantivesse escondida. Entre desventuras,
a furtam. Assim, somente quando desafiado pelo destino a buscar o que lhe pertence é
que pode ser finalmente bem-sucedido e, além de vencer a fome, exigência ordinária, ao
final pode ultrapassar seus maiores devaneios: casar com a filha do rei.
4
LEVY-STRAUSS, Claude. A Oleira ciumenta. Lisboa: Edições 70, 2010.
5
DIAS, Carla. Panela de Barro Preta. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
6
Ibidem, p. 111.
7
Ibidem, p. 112.
Saber trançar
Um diálogo entre a Amazônia e a Praia Grande da
Cajaíba, Paraty (RJ)
124
Saber trançar 125
Num local marcado pelo êxodo forçado, sobretudo nas últimas décadas
(de dezenas de famílias que ali viviam, hoje residem apenas duas), a pro-
pagação de práticas e técnicas ligadas aos recursos naturais possui grande
importância para a memória coletiva do povo caiçara desta região. Essas
práticas e técnicas constituem resquícios de um passado com traços identi-
tários bem demarcados, como observou Marina Mendonça, que entrevistou
os antigos moradores da Praia Grande para a sua dissertação de mestrado.
Consoante esta pesquisadora:
lizado à beira da praia, nos deparamos com uma estrutura erguida com um
mosaico de técnicas tradicionais: pau a pique, telhado de sapê e cestinhos,
onde são servidas as porções de comida do bar, assim como nos recipientes
utilizados para a conservação das garrafas de cerveja. Nestes recipientes e
cestos o trançado se faz presente, mantendo suas características tanto es-
téticas e tradicionais quanto aquelas que são funcionais nos tempos atuais.
E, também, ao buscar o aprendizado, fica evidente o prazer que essa artesã
tem em ensinar a técnica para quem desejar: seja um local, seja alguém
“de fora”, já que a mesma lamenta a falta de interesse de seus descendentes
pelo balaio.
Assim, seria possível concluir junto com Lúcia van Velthem que
Notas
1
VAN VELTHEM, Lucia Hussak. Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar,
usar. Revista de Estudos e Pesquisa, Brasília, v. 4, n. 2, p. 117-146, dez. 2007.
2
Idem.
3
Idem.
4
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo amerín-
dio. MANA, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.
5
VAN VELTHEM, 2007, p. 125.
6
Ibidem, p. 140.
7
Ischnosiphon Ovatus – Planta da família das Marantáceas, também conhecida como
bananeirinha-do-mato.
8
Os griôs (palavra de origem africana) são mestres reconhecidos pela sua própria
comunidade como agentes transmissores de saberes e fazeres particulares ao seu povo,
utilizando a oralidade como meio.
9
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São
Paulo: Editora Hucitec, 2001. p. 84.
10
Com o intuito de pesquisar a confecção de balaios nas comunidades caiçaras de Paraty
(RJ), em 2017 estive pessoalmente na região para entrevistar D. Dica.
11
MENDONÇA, Marina de Oliveira. Territórios, deslocamentos, permanências e transfor-
mações: o caso dos caiçaras da Praia Grande da Cajaíba/Paraty, RJ. 2012. Dissertação
(Mestrado) – Curso de Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.
99.
12
VAN VELTHEM, op. cit., p. 141.
A produção de cerâmica
no centro da perspectiva
gastronômica e turística
O caso de Cunha/SP
131
132 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Notas
1
ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE CUNHA. In: A cidade. Disponível em: <http://www.
cunha.sp.gov.br/a-cidade/>. Acesso em: Maio 2018.
2
CUNHA TUR. Empreendedores no turismo. Disponível em: <http://cunhatur.com.br/>.
Acesso em: Jun. 2018.
3
PATIRE, Gabriel. Cunha, escola de cerâmica. Jornal UNESPO, 2011.
4
MORAIS, Liliana Granja Pereira de. Cerâmica em Cunha: 40 anos de forno Noboriga-
ma no Brasil. 1. Ed. São Paulo: OM Editora, 2016.
5
Idem.
6
DA SILVA, Kleber. José. A gênese de uma cultura ceramista. Cerâmica, v. 62, n. 361, p.
105-109, 2016.
7
Entre 1910 e 1930, um grupo de intelectuais japoneses liderados pelos ceramistas
Shoji Hamada, Kanjiro Kawai e Kenkichi Tomimoto desencadeou o Movimento Minguei
(arte do povo), que se propunha a resgatar a beleza singela do trabalho produzido manu-
almente pelo artesão desconhecido. Cf: DA SILVA, op. cit.
8
MEMORIAL DA CERÂMICA DE CUNHA. In: Histórico. Disponível em: <http://www.
mecc.art.br/historico.html>. Acesso em: Maio 2018.
9
MORAIS, op. cit.
10
PATIRE, op. cit.
11
VELOSO, João José de Oliveira. A história de cunha-freguesia do facão à rota de explo-
ração das minas e abastecimento de tropas. Cunha, SP: Centro de Cultura e Tradição de
Cunha, JAC Gráfica e Editora, 2010.
12
PATIRE, op. cit.
13
Idem.
14
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997.
15
Corresponde a cópias imperfeitas da realidade, podendo ser representações que ten-
tam dar veracidade a algo que não é equivalente ao real. Cf: BAUDRILLARD, 2008.
16
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. 2. ed. Coimbra, Portugal: Edições 70, 2008.
17
Raros são os objetos que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de objetos que
os exprimam. Transformou-se a relação do consumidor ao objeto: já ́ não se refere a tal
objeto na sua utilidade especifica, mas ao conjunto de objetos na sua significação total.
Cf: BAUDRILLARD, op. cit., p. 17.
18
BAUDRILLARD, Jean. El sistema de los objetos. México: Siglo XXI, 1969.
19
Ibidem.
20
MORAIS, op. cit.
The Dinner Party
A obra de Judy Chicago como uma manifestação
feminista através da simbologia da cerâmica e da
comensalidade
140
The Dinner Party 141
A ARTISTA
Judith Sylvia Cohen, mais conhecida como Judy Chicago, nasceu no dia 20
de julho de 1939, em Chicago, nos Estados Unidos. É artista, escritora, pos-
sui dez livros publicados, e seu trabalho mais famoso chama-se The Dinner
Party, obra simbólica de libertação e independência das mulheres que levou
cerca de seis anos para ser construída e foi a público em meados da década
de 1970, durante a segunda onda do feminismo.
Trata-se de uma grande instalação de arte disposta de forma a convidar
os observadores a caminharem ao redor da mesa, para que possam analisar
de perto cada detalhe da obra, desde os bordados até as esculturas de cerâ-
mica mais elaboradas.
A artista é considerada pioneira do movimento feminista em artes plás-
ticas e, em 2017, foi homenageada com o prêmio Women in The Arts, dado
a mulheres com desempenho notável no campo artístico.
De acordo com Fernando Oliveira Souza,11 “na primeira onda feminista
do começo do século XX, principalmente na Europa, muitas mulheres artistas
eram emancipadas e tinham a arte como profissão em tempo integral”. En-
quanto a primeira onda do movimento tinha como objetivo o sufrágio e a rup-
tura de barreiras legais à igualdade de gênero, a segunda onda ampliava essas
indagações, tendo como pauta questões que iam desde família, sexualidade,
direitos reprodutivos, mercado de trabalho, até violência doméstica e estupro.
Além disso, na segunda onda feminista, as mulheres tinham como meta
a exposição de suas obras de arte em museus, pois, segundo Fernando Oli-
veira Souza,12 “além das imposições sociais tradicionais, muitas das insti-
tuições acadêmicas de arte não permitiram a entrada de mulheres até o
início do século XIX”. A visão feminista de arte contaria, portanto, com a
representação real de seus corpos, sem pudores. O corpo da mulher não
deveria ser mais visto apenas como o de uma musa, contrariando a visão
dos artistas masculinos.
A obra The Dinner Party está exposta por tempo indeterminado no Museu
do Brooklyn, no Centro de Arte Feminista Elizabeth A. Sackler, no quarto
andar. Antes de chegar à mesa, há seis banners de tecido, o primeiro deles
representado na imagem (Figura 1), com desenhos abstratos feitos por
Judy Chicago, em tons de vermelho, preto e amarelo dourado. A artista
se inspirou na Renascença e na tecelagem pictórica dessa época,13 movida
pelo fato de que às mulheres nessa época era negado o acesso ao treina-
The Dinner Party 143
juntamente com suas realizações, fez com que ela se destacasse de outras
mulheres de seu tempo).20 Desse modo, a artista representa o feminismo no
contexto histórico do Cristianismo à Reforma Protestante.
Já a ala três se configura desde o lugar de Anne Hutchinson (uma religio-
sa britânica nascida ao final do século XVI que questionava leis religiosas e
a Bíblia e foi perseguida por seus debates intelectuais)21 a Geogia O’Keeffe
(pintora norte-americana nascida no final do século XIX que desenvolveu
trabalhos em formas de vulvas e florais e foi extremamente criticada por
seus pares masculinos).22 Nessa ala estão representadas, portanto, as mu-
lheres mais importantes para a Revolução Americana e o Sufragismo, além
do movimento em ascensão de expressão criativa e individual das mulheres.
Em cada lugar à mesa, Judy Chicago bordou o nome da mulher ho-
menageada e as bordas em tecidos de seda, remetendo a um altar. Acima,
um cálice de cerâmica dourado, com talheres simples e um guardanapo
branco (Figura 3). Em cada prato, foram feitas pinturas e esculturas de
cerâmicas que representam vulvas (com exceção de dois pratos), sendo
diferentes de uma mulher para outra (Figuras 4, 5 e 6). Essas esculturas
estabelecem conexão com as mulheres que estariam reservadas para estar
nesses lugares.
Notas
1
VENTURINI, Maria Cleci; GODOY, Ana Carolina de. Da beleza ao talento: novas for-
mas de representação do feminino na gastronomia. Entremeios: Revista de Estudos do
Discurso, v. 15, p. 52, jul./dez. 2017.
2
FISCHLER, Claude. L’Homnivore. Paris: Odile Jacob, 1992, p. 7 apud ASSUNÇÃO,
Viviane Kraieski de. Comida de mãe: notas sobre alimentação, família e gênero. Caderno
Espaço Feminino, v. 19, n. 1, p. 250, jan./jul. 2008.
3
RIVERA, Isaac. Food and art: A Brief history. Thesis. Rochester Institute of Technology,
2004. Disponível em: <http://scholarworks.rit.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=8658&
context=theses>. Acesso em: 20 maio 2018.
4
Idem.
5
Idem.
6
LIMA, Romilda de Souza; NETO, José Ambrósio Ferreira; FARIAS, Rita de Cássia P.
Alimentação, Comida e Cultura: o exercício da comensalidade. Rio de Janeiro: Demetra,
2015.
7
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas etc.: um estudo sobre as zonas de serviço
da casa paulista. São Paulo: Perspectiva; 1976. p. 226 apud LIMA, NETO; FARIAS, op. cit.
8
WOORTMANN, Klaas. A Comida, a família e a construção do gênero feminino. Revista
de Ciências Sociais, v. 29, n. 1, p. 103-130, 1986 apud ASSUNÇÃO, Viviane Kraieski de.
Comida de mãe: notas sobre alimentação, família e gênero. Caderno Espaço Feminino, v.
19, n. 1, p. 234, jan./jul. 2008.
9
SCAVONE, Naira. Discursos da gastronomia brasileira: gêneros e identidade nacional
postos à mesa. Porto Alegre: Artdotempo AA Deseing Produções Artísticas e Culturais
LTDA, 2007.
10
GHILARDI-LUCENA, Maria Inês. Representações de gênero social na mídia. Web Re-
vista Discursividade, n. 6, s.p., jul./dez. 2010.
11
SOUZA, Fernando Oliveira. Arte, mulher e feminismo: muito além de Frida Kahlo. Re-
vista J. Press, USP, São Paulo, dez. 2013. Disponível em: <http://jpress.jornalismojunior.
com.br/2013/12/arte-mulher-feminismo-alem-frida-kahlo-parte-1/>. Acesso em: 17 jun.
2018.
12
Idem.
13
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/entry_banners>. Acesso em: 17 jun. 2018.
14
NOCHHLIN, Linda. Women, Art and Power and Other Essays. Westview Press, p. 147-
158, 1988.
15
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/home/>. Acesso em: 17 jun. 2018.
The Dinner Party 147
16
Idem.
17
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/primordial_goddess>. Acesso em: Ago. 2018.
18
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/hypatia>. Acesso em: Ago. 2018.
19
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/marcella>. Acesso em: Ago. 2018.
20
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/anna_van_schurman>. Acesso em: Ago. 2018.
21
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/anne_hutchinson>. Acesso em: Ago. 2018.
22
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings/georgia_o_keeffe>. Acesso em: Ago. 2018.
23
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/entry_banners>. Acesso em: Ago. 2018.
24
BROOKLYN MUSEUM. Disponível em: <https://www.brooklynmuseum.org/eascfa/
dinner_party/place_settings>. Acesso em: Ago. 2018.
25
CHICAGO, Judy. O Jantar Festivo: Um Símbolo de Nossa Herança. New York: Anchor
Books, 1979.
Moldes de farinha
A mandioca em sua função de suporte da identidade
e da sociabilidade alimentar brasileira
148
Moldes de farinha 149
Foi assim que, na história da farinha de mandioca, o fato de ela não ser
inicialmente demandada por um mercado europeu e, portanto, de não se
constituir em um produto para exportação, como era o açúcar e, mais tar-
de, o café, por exemplo, a sua fabricação restringiu-se ao consumo interno
– bastante elevado –, bem como, mesmo que, mais tarde, tenha sido indus-
trializada nos estados do Sudeste, a farinha ainda assim manteve-se definida
pelo estigma de “comida de pobre”,5 talvez e sobretudo para as regiões Nor-
te e Nordeste brasileiras, tendo em vista que nos estados do Sul e do Sudeste,
sobretudo nas regiões mais urbanizadas, o contato com o uso da farinha
manteve-se de certa forma definido pela oferta industrial. Daí porque no Su-
deste e no Sul os engenhos de farinha artesanais, não estando diretamente
em contato com a população urbana, não trouxeram um estigma negativo
tão intenso. Neste sentido, a “farinha de mesa” foi um componente tradicio-
nal nas casas e também nos locais onde se ofertava comida fora do lar, de
modo que estiveram associados aos hábitos à mesa e à comida caseira. Hábi-
tos atrelados, inclusive, à oferta da indústria, uma vez que a farinha de mesa
passou a ser adquirida nos mercados e centros de distribuição.
Entretanto, a partir da crescente utilização da mandioca e dos seus pro-
dutos por chefs em pratos sofisticados, sobretudo mais recentemente, ou
seja, a partir dos anos 1990 (durante o fenômeno da globalização), consi-
deramos, neste capítulo, que fosse necessário refletir e questionar sobre o
lugar do mais brasileiro dos alimentos em nossa cultura atual.
Como já dissemos, a mandioca está enraizada na cultura popular brasi-
leira e sempre foi um alimento barato e de fácil acesso, podendo ser encon-
trada in natura ou sob a forma de diversos produtos fabricados a partir dela
em praticamente todo o país.
Analisando a obra de Luís da Câmara Cascudo,6 podemos verificar que
a farinha era essencial para as populações indígenas, pois acompanhava
todas as coisas comestíveis, das carnes às frutas. Já os beijus forneciam os
mantimentos para suas jornadas, guerras, caças e pescas, além de servirem
150 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
para permutas e oferendas. Roberto Borges da Cruz7 afirma que, para mui-
tos grupos indígenas, a mandioca e seus derivados representavam mais que
um alimento para nutrir, “significava uma relação com um passado mítico,
transcendente, um elo cultural com os antepassados, que não lhes podia ser
tirado”. Além de um alimento para o corpo, também era um “alimento” do
espírito, sendo, portanto, um alimento básico que representava uma carac-
terística fundamental de identidade cultural ameríndia.
Diferentemente da cultura ocidental, onde o alimento é objetificado e
subordinado aos serviços dos homens, numa relação desigual entre Sujeito-
-Objeto, para os indígenas lhes é concebido uma “humanidade” ontológica.
Desta forma, seu universo conceitual de trocas está baseado em dinâmicas
Sujeito-Sujeito, respeitando as diferenças entre as naturezas dos seres.8 Ci-
tando o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, Myriam Melchior explica
essa relação por meio do conceito de perspectivismo ameríndio. Assim,
[…] Cheio o prato com este caldo, no qual nadam feijões, joga-se nele
uma grande pitada de farinha de mandioca, a qual misturada com os fei-
Moldes de farinha 151
jões esmagados, forma uma pasta consistente que se come com a ponta
da faca arredondada, de lâmina larga.12
trução das práticas alimentares tradicionais e tendo em vista que tais práticas
sustentam-se pela utilização da farinha de mandioca. Apesar de o costume de
comer com as mãos já ter desaparecido na Europa, no período colonial este
continuou a vigorar, assim como diversos outros de origem indígena, como a
utilização de cuias e o de carregar água em cabaças.23 Comia-se, invariavel-
mente, com as mãos, como relatou o príncipe de Wied-Neuwied em 1815:
Portanto, podemos notar que a mistura do feijão com a farinha foi, mui-
to antes de atender às exigências do paladar, uma adaptação ao modo de
vida tropical e, sobretudo, uma nova maneira de comer construída exclusi-
vamente à maneira brasileira.
Notas
1
CASCUDO, Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil. 4. ed. São Paulo: Global,
2011. p. 90.
2
CONCEIÇÃO, Antonio José da. A Mandioca. 3. ed. Barueri, SP: Nobel, 1987. p. 27.
Moldes de farinha 155
3
PENA, Lara Conceição Campos. Farinha de Mandioca: tradição, usos e consume nos
meios de hospedagem de Salvador – BA. 2018. 100 f. Dissertação (Mestrado) – Progra-
ma de Pós-graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde, Escola de Nutrição, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2018. p. 11.
4
Ibidem, p. 64.
5
SOARES, Mariza de Carvalho. Engenho sim, de açúcar não. O engenho de farinha de
Frans Post. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 25, n. 41, p. 61-83, jan./jun. 2009.
6
CASCUDO, op. cit., p. 91.
7
CRUZ, Roberto Borges da. Farinha de “pau” e de “guerra”: os usos da farinha de man-
dioca no extremo Norte (1722-1759). 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
-Graduação em História Social da Amazônia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2011. p. 28-29.
8
MELCHIOR, Myriam. Memória e resistência: argumentos para a valorização de uma
cultura do milho particularmente brasileira. In: ____________. Gastronomia, Cultura e Memória:
por uma cultura brasileira do milho. Rio de Janeiro: Folio Digital, 2017. p. 73.
9
CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac
Naify, 2014. p. 71.
10
FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no Mundo. 3. ed. rev. atual.
Rio de Janeiro: Senac, 2015. p. 190.
11
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1816-1831). São Paulo:
Martins, 1940. p. 139.
12
Idem.
13
SILVA, Paula Pinto. Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial.
3. ed. São Paulo: Senac, 2014. p. 81.
14
Ibidem, p. 100.
15
MELCHIOR, Myriam E.; SOARES, Cláudia M. P. Fi(-)lo porque Qui(-)lo: modernity and
hypermodernity in by the kilogram Brazilian restaurants. In: IV CONGRESO INTERNA-
CIONAL DEL OBSERVATÓRIO DE LA ALIMENTACIÓN Y FUNDACIÓN ALÍCIA “OTRAS
MANERAS DE COMER: ELECCIONES, CONVICCIONES Y RESTRICCIONES”, 1., 2015,
Barcelona. Anais... Barcelona: Observatori de l’Alimentaci, Campus de l’Alimentaci de
Torribera, Universitat de Barcelona, 2015. p. 1068-1088.
16
Ibidem, p. 1080.
17
SILVA, op. cit.
18
BORGES, Geraldo. Vamos comer farinha? Piauinauta Blog, 18 abr. 2010. Disponível
em: <https://piauinauta.blogspot.com.br/2010/04/vamos-comerfarinha.html?m=1>.
Acesso em: Out. 2017.
19
ORENSTEIN, José. À moda brasileira: arremesso de farinha. Estadão, 14 mar. 2013.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-odabrasileira-arremesso-
-de-farinha-imp-,1008555>. Acesso em: Out. 2017
20
LODY, Raul. Feijão de comer “de mão”. Malagueta Comunicação, 10 abr. 2013. Dis-
ponível em: <http://www.malaguetacomunicacao.com.br/noticia/feijao-decomer-de-
-mao/>. Acesso em: Out. 2017.
21
VEREDA DO SERTÃO. O velho capitão de feijão temperado! Vereda do Sertão Wordpress,
3 mar. 2016. Disponível em: <https://veredadosertao.wordpress.com/2016/03/03/o-ve-
lho-capitao-de-feijaotemperado/>. Acesso em: Out. 2017.
22
CONTRERAS, Jesús; GRACIA, Mabel. Alimentação, Sociedade e Cultura. Rio de Janei-
ro: Ed. FIOCRUZ, 2011.
23
SILVA, 2014, p. 60.
24
WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Viagem ao Brasil do príncipe Maximiliano Wied-
-Neuwied (1815-1817). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. p. 68.
O Quilo e o prato único
Maneiras de comer e de servir na identidade e
cultura brasileiras
Myriam Melchior
Cláudia Soares
Denise Diniz
156
O Quilo e o prato único 157
ocorrer nos Quilos mais luxuosos e indicam, ainda, que existem graus e
tipologias nos serviços a quilo.
Como se vê e apesar de encontrarmos inúmeras paisagens para abordar
o Quilo, estudá-lo não foi muito fácil devido à escassez de estudos – ao me-
nos no campo das ciências reflexivas, já que é por este viés que nos interes-
sou compreender a importância dos Quilos. Desta maneira, compreenden-
do o campo das ciências sociais, encontramos apenas um artigo, do autor
Marcelo Carvalho,1 onde há uma discussão acerca da cultura alimentar
nos Quilos – embora o autor não tenha usado esta nomeação, mas a de self-
-service, a qual, aliás, passou a ser uma espécie de termo técnico nas áreas
de administração e gestão de empreendimentos gastronômicos. Isso, reflete,
aliás a invisibilidade do Quilo como um produto cultural por si mesmo para
estas áreas de estudo. Nessas áreas, inclusive, encontramos muitos artigos,
sendo a esmagadora maioria discutindo o Quilo (usa-se o termo self-service)
apenas como um negócio e sobre as estratégias para montá-lo. Como não
estávamos interessadas nessas perspectivas, talvez apenas para criticá-las,
não fizemos uso do material.
Já o nosso próximo passo para abordar o Quilo foi determinar como e
por onde começar a discussão. Assim, optamos por conhecer a sua história.
Nesse campo também não foi fácil encontrar registros sobre a(s) origem(ns)
dos restaurantes a quilo. O que de fato encontramos no meio do material de
pesquisa foi um guia de restaurantes da capital do estado de Minas Gerais,
Belo Horizonte, onde havia uma menção à sua “invenção” pelos irmãos da
família Proença da Matta Machado, em 1985. Em sua publicidade, os pro-
prietários teriam adotado como slogan a frase: “Uma comida feita com um
tempero bem caseiro: uma comida para o dia a dia”.2
Ora, essa “chamada” para a oferta de uma produção qualificada como
caseira definiu uma direção para a nossa abordagem, qual seja, a de iniciar
o nosso trabalho buscando compreender os Quilos segundo os critérios de
comida de casa e comida de rua, considerando neste debate a modernidade
alimentar no Brasil e o seu encaixe e desencaixe nas origens da moderni-
dade alimentar, segundo fabricadas pelos países centrais da modernidade.
Consequentemente, buscamos delinear a chegada dos modelos de moder-
nidade alimentar no Brasil e observar as suas influências no modelo de
comida a quilo. Foi neste critério temporal que dividimos o nosso estudo e
na digressão acerca do advento dos Quilos.
Assim, no primeiro subitem, A comida de Casa e a comida de Rua na for-
mação da cultura alimentar brasileira, focamos na problemática indefinição,
na história da alimentação brasileira, acerca da “comida fora do lar” e do
“mercado de refeições fora do lar”. Embora essas expressões não tenham a
sua origem na cultura alimentar brasileira, mas no advento da indústria
O Quilo e o prato único 159
Figura 1. The Cheap Fish of St. Giles’s Victorian London, 1877, photography by
John Thompson.
Para Basso, “essa é a razão pela qual poucos estudos sobre história da
alimentação – e não apenas em São Paulo – se debruçaram sobre as práticas
ocorridas nas ruas ou mesmo nos lugares públicos”. A historiadora também
conclui que,
Talvez, este seja o baluarte das tradições que o Quilo soube, inconscien-
temente, manifestar. Nesses estabelecimentos notamos também a ausência
de barreiras entre a casa e a rua, observando que não há brasileiro que se
sinta constrangido ao entrar no Quilo. Por comparação, não poderíamos
dizer o mesmo para outros serviços e espaços de alimentação, tais como os
hotéis, os botequins, os bares, os restaurantes que mantêm alguma barreira
simbólica que distingue quem pode frequentá-los, mesmo que de maneira
sútil. Talvez os Quilos guardem as especificidades das tradições de promo-
ver os laços primários dos tempos primevos da Colônia, seus laços afetivos e
femininos que desfazem as velhas dicotomias brasileiras. E, assim, ensejam
este lugar meio utópico que está “entre” a comida de casa e a comida “fora
do lar”.
brasileiro –, mas também foi por meio da televisão que foram propagadas
as ideologias neoliberais e os modelos de modernidade exógenos.
Assim, temos na televisão, a telinha caseira, um produto que é ao mes-
mo tempo “o” objeto por excelência de consumo (um dos maiores no Brasil)
e o representante da modernidade (por ser um objeto tecnológico), respon-
sável por formar a sociedade de consumo de massas.
Numa lógica eminentemente comercial, a TV aberta propagou em sua
publicidade não só o imaginário de que a vida no sudeste brasileiro teria
melhores oportunidades, incentivando o êxodo rural das regiões Norte e
Nordeste para as metrópoles, bem como, entre outros impactos, incitou
hábitos alimentares associados à cultura norte-americana. Os alimentos
processados e ultraprocessados e os fabricados pela indústria modificaram
o imaginário alimentar de gerações e gerações de crianças que, no Brasil,
passam muitas horas à frente da televisão comercial. Essa prática certa-
mente concorreu contra a alimentação caseira, fazendo com que as crianças
preferissem alimentos encobertos com a aura da publicidade e das emba-
lagens industriais que contrastam com a comida caseira. Ainda é preciso
lembrar que a televisão foi um gadget que auxiliou a mulher brasileira a sair
para trabalhar fora de casa. Neste aspecto, diferentemente das culturas eu-
ropeia e a norte-americana, que contaram com a indústria da alimentação,
interessantemente, a modernidade alimentar no Brasil se deu por intermé-
dio da televisão caseira.
É neste novo contexto socioeconômico, político e cultural que surgem os
Quilos. Curiosamente, estes estabelecimentos, por sua proposta, se colocam
em oposição à lógica televisiva, na medida em que são empreendimentos
voltados para adultos e trabalhadores e oferecem, ao contrário dos enlata-
dos e fast foods, uma comida mais próxima da doméstica.
Muito embora os alimentos servidos no Quilo não se encaixem na lógica
publicitária televisiva, sua existência se deve em parte à TV. De certa forma,
sua subjetividade está ligada a ela. A começar por seu surgimento na fase
da implantação de uma ideologia neoliberal, fazendo menção ao imagi-
nário de classe média na “direção” do seu próprio negócio,40 sem que essa
gestão considerasse uma formação específica em áreas de conhecimentos
em alimentos e bebidas, gastronomia ou afins. Ao contrário, supõe-se que
a maioria dos empreendedores originais tenham migrado de outras áreas,
vendo no Quilo uma oportunidade de negócio (como ainda se propaga nos
manuais de administração do tipo “como abrir o seu negócio”) que não
exigia conhecimentos prévios, desvalorizando os saberes domésticos e os
profissionais relativos à cozinha.
Por isso, nesta segunda onda modernizante, a migração do doméstico
para o público faz referência ao mesmo tempo à cultura televisiva e patriar-
O Quilo e o prato único 173
Fonte: as autoras
Nas imagens (Figuras 5 e 6) temos uma versão do prato único que pode
ser transportado, como são as “quentinhas”. É bastante comum encontrar
serviços de embalar quentinhas nos Quilos. Neste caso, o Quilo atua no
segmento de “pague e pegue”, que não deixa de ter uma de suas lógicas
baseadas na praticidade e nos modelos estrangeiros. Vale acrescentar (até
para lembrar da ambiguidade sempre presente nos Quilos) que este serviço
está em continuidade com a outra versão do prato único, que é a “marmita”
– geralmente um recipiente contendo comida preparada em casa e levada
ao local de trabalho, que, antes da existência do Quilo, era uma prática
comum a muitos trabalhadores. As marmitas, aliás, voltaram à moda para
as classes mais burguesas devido à oferta de novas embalagens no feitio
importado sendo oferecidas no comércio, bem como na valorização atual
da comida caseira, segundo os critérios de saúde e de economia. Quanto à
marmita, é preciso dizer que o Quilo, em sua origem e ainda atualmente,
veio substituir a marmita, desde muitos anos trazida de casa, oferecendo a
comida no estilo caseira próxima ao local de trabalho.
O Quilo e o prato único 175
Por fim, mais uma referência às tradições do prato único e das maneiras
de servir no Quilo é o “bandejão” – serviços de alimentação institucional
(em universidades, escolas, hospitais etc.) no qual os comensais levam seus
pratos em bandejas e são servidos de porções de alimentos por funcionários
ou por eles próprios (Figura 7).
Fonte: pt.freeimages.com
Fonte: http://restauranteterrabrasil.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Notas
1
CARVALHO, Marcelo. O alimento: do espaço privado à mercadoria. In: MIRANDA,
Danilo Santos; CORNELLI, Gabriele (Orgs.). Cultura e alimentação: saberes alimentares e
sabores culturais. São Paulo: SESC, 2007. p. 85-96.
2
Disponível em: <http://www.restaurantes.com.br/regiao-sudeste/belo-horizonte.
html>. Acesso em: Dez. 2014.
3
MELCHIOR, Myriam. Brazilian aliments and sensoriality in the work of painter Este-
vão Silva, in the 19th Century. In: ESNA – European Society for nineteenth century art.
Symposium. Food, glorious food: Food at the heart of nineteenth-century art. The 8th and
9th of June 2017. Museum Aan de Stroom (MAS), Antwerp, Belgium.
4
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3.
ed. São Paulo: Papirus, 2003.
5
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. 6. ed. São Paulo: UNESP, 1991. p. 11.
6
FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003.
7
MELCHIOR, Myriam. Grand Tour: memória social, hospitalidade, alteridade e a cons-
trução do olhar moderno. Curitiba: Editora Prismas, 2016.
8
Ibidem, p. 26.
9
Ibidem, p. 114.
10
Flandrin e Montanari comentam que, para os burgueses e as classes sociais ricas do
século XIX, ainda era considerado pouco sofisticado ou inadequado comer em lugares
que não fossem os hotéis, restaurantes de luxo ou residenciais, ou seja, em residências
– o que nos leva a observar a segmentação social no âmbito da sociabilidade alimentar.
Cf. FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 8. ed. São
Paulo: Estação Liberdade, 2015.
11
Ibidem, p. 759.
12
FREI VICENTE DO SALVADOR. História do Brasil (1500-1627). In: NOVAIS, Fernando.
História da vida privada no Brasil. Vol. I. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
13
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do brasil. São Paulo: companhia das letras, 1994.
14
Ibidem, p. 147.
15
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
16
Roberto DaMatta usa como referência a análise de Louis Dumont, que compara o
individualismo francês com a sociedade de castas na Índia. Consoante Dumont, o indi-
vidualismo se processa tanto em valor simbólico quanto objetivo, como na “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão” norte-americana, de 1789, que “marca o triunfo do
indivíduo” e exerce uma “ação poderosa, na verdade irresistível […] até os nossos dias”,
tendo, inclusive, afetado a concepção francesa do Indivíduo e seus direitos abstratos com
o germe do puritanismo norte-americano e também como os homens experimentam e
vivenciam os espaços concretos. Cf. DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva
antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 109.
17
DAMATTA, op. cit., p. 233.
18
CALLONI, Marina. Street food on the move: a socio-philosophical approach. Journal of
the science of the food and agriculture, v. 93, p. 3406-3413, 2013 apud BASSO, Rafaela. As
possibilidades de pesquisa através da história da alimentação de rua. Revista Comciência,
Dossiê 198, 9 maio 2018. Disponível em:<http://www.comciencia.br/as-possibilidades-
-de-pesquisa-atraves-da-historia-da-alimentacao-de-rua/#_ftn2 >. Acesso em: Maio 2018.
O Quilo e o prato único 185
19
Idem.
20
LELLIS, Francisco; BOCCATO, André. Os banquetes do Imperador: menus colecionados
por Dom Pedro II, receitas e historiografia da Gastronomia no Brasil do século XIX. São
Paulo: Senac, 2013. p. 12.
21
LIMA, Lima, Cláudia. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. Reci-
fe: Raízes brasileiras, 2009. p. 50.
22
CAVALCANTI, Maria Letícia M. O negro açúcar. Recife: Bagaço, 2008. p. 31.
23
Alguidares são vasilhas de barro. Urupemas são peneiras de fibra vegetal. Cuias são
recipientes feitos do fruto da cuieira ou também do fruto de plantas do gênero Lagenaria,
de onde vêm as cabaças (podendo ser usadas como cuias) (LIMA, op. cit., p. 93).
24
Ibidem, p. 30.
25
Ibidem, p. 33.
26
NOVAIS, Fernando. Aproximações: ensaios de história e historiografia. São Paulo: Co-
sac Naify, 2005. p. 211.
27
DEL PRIORE, Mary. Histórias da gente brasileira. Vol 1. Colônia. São Paulo: Leya, 2016. p. 201.
28
Idem.
29
Ibidem, p. 269.
30
Ibidem, p. 273.
31
Ibidem, p. 321.
32
MELCHIOR, Myriam; FUJIHARA, Felipe.
33
LELLIS; BOCCATO, op. cit., p. 430-31.
34
O Almanaque é ditado pelos irmãos suíços Eduard e Heinrich Laemmert, proprie-
tários da primeira tipografia e livraria na cidade, a Universal, fundada em 1833. Cf.
LELLIS, BOCCATO, op. cit., p. 430.
35
LIMA, Cláudia. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. Recife: Ra-
ízes brasileiras, 2009. p. 76.
36
MARINS, Paulo Cesar Garcez. Através da rótula: sociedade e arquitetura urbana no
Brasil, séculos XVII a XX. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001. p. 34.
37
Marins nos diz que foi no “Edital de 11 de junho de 1809, em que se proibiram os posti-
gos dos balcões cerrados, obrigando o uso dos gradis de ferro” e o uso do vidro (Ibidem, p.
216).
38
MELCHIOR, op. cit., 2016, p. 160.
39
LIMA, op. cit., p. 76.
40
Imaginário nutrido pelo modelo televisivo – a família rica dos detentores do poder da
comunicação – no seu apoio ao discurso neoliberal, bem como na capacidade de catapul-
tar ao sucesso sujeitos sem formação específica como: atores de telenovelas, jogadores de
futebol, cantores e dançarinas, apresentadoras de programas infantis etc.
41
SILVA, Paula Pinto. A conversa entre a cozinheira e o Cordon Bleu: breve reflexão
sobre a cozinha e a gastronomia no Brasil. In: MIRANDA, Danilo Santos; CORNELLI, Ga-
briele. (Orgs.). Cultura e alimentação: saberes alimentares e sabores culturais. São Paulo:
SESC, 2007. p. 80-85.
42
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
43
CARVALHO, Marcelo. O alimento: do espaço privado à mercadoria. In: MIRANDA,
Danilo Santos; CORNELLI, Gabriele (Orgs.). Cultura e alimentação: saberes alimentares e
sabores culturais. São Paulo: SESC, 2007. p. 85-96.
44
Ibidem, p. 94.
45
Ibidem, p. 95.
46
Idem.
47
AUGÉ, op. cit., 2003.
186 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
48
Ibidem, p. 75.
49
GIDDENS, op. cit., p. 142.
50
Claude Fischler e Estelle Masson discutem a tendência anglo-saxã e, sobretudo, a nor-
te-americana de basear as escolhas alimentares nos próprios indivíduos, e não nas tradi-
ções alimentares, que, segundo eles, são praticamente ausentes nos EUA. Essas escolhas
foram designadas como autonomia – que são normas definidas pelos próprio indivíduo,
geralmente valendo-se de tabelas nutricionais e do perfil da alimentação medicalizada
e nas ciências nutricionais. “Se a autonomia do sujeito é firmada do lago anglófono, no
outro polo, do lado ‘continental latino’, parece que as condutas alimentares são guiadas,
conduzidas, enquadradas, reguladas por um implícito cultural que governa as formas
rituais do comer e da partilha ‘convivial’. As normas e regras que subentendem ou de-
terminam os comportamentos em matéria de alimentação […] são segregadas fora do
sujeito e de sua consciência, na e pela cultura […] e a alimentação é caracterizada por
um grau de heteronomia”. Cf. FISHLER, Claude; MASSON, Estelle. Comer: a alimentação
de franceses, outros europeus e americanos. São Paulo: Senac, 2010. p. 87.
51
Ibidem, p. 94.
52
JOVCHELOVITCH, Sandra; BAUER, Martin. Entrevista narrativa. In: BAUER, Martim;
GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Pe-
trópolis: Vozes, 2013. p. 90-113.
Fogo cruzado
Dimensões e deslocamentos das artes do fogo
entre o artesanato, o design e a arte
Dora Wainer
187
188 gastronomia , cultura e memória: cerâmicas, potes e vasilhames
Figuras 10 e 11. Beuys, para onde nos leva? CCJF – Centro Cultural Justiça
Federal, Rio de Janeiro, 2014.
Myriam Melchior
Doutora em Memória Social, mestra em Comunicação Social e Cultura e
professora no curso de Gastronomia do Instituto de Nutrição Josué de Cas-
tro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do
projeto “Pirapoca” e do Encontro de Gastronomia, Cultura e Memória. Con-
tato: myriammelchior.gastronomia@nutricao.ufrj.br
Denise Diniz
Graduada em Gastronomia e Segurança Alimentar pela Universidade Fede-
ral Rural de Pernambuco em 2011. MBA em Gastronomia pelo Senac/MG
em 2014. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Atuou como
professora no curso de Gastronomia do IFMG/Ouro Preto e atualmente é
professora do curso de Gastronomia do Instituto de Nutrição Josué de Cas-
tro (UFRJ).
Dora Wainer
Ceramista e formada em Belas Artes pela EAV-RJ, participou de salões e
exposições no Brasil e no exterior. Por ocasião da 1ª Bienal de Cerâmica
do Museu Histórico Nacional – RJ, obteve o primeiro lugar e foi selecio-
194
Fogo cruzado 195
Isabela Frade
Doutora em Comunicação pela ECA/USP. Professora associada do Instituto
de Artes da UERJ, leciona no Departamento de Ensino da Arte e Cultura
Popular e no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Contemporâ-
nea. Coordena o projeto Cerâmica Viva desenvolvendo pesquisas em arte,
educação e cultura popular. Contato: isabelafrade@gmail.com
Karina Moreira
Chef do Projeto Cidadão da Mata em Ouro Preto (MG), pesquisadora de
Gastronomia Patrimonial e ativista da Rede Slow Food Brasil.
Raphaela Coitinho
Cursando Bacharelado em Gastronomia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro e desenvolvendo Trabalho de Conclusão de Curso sobre a obra
The Dinner Party, da artista plástica norte-americana Judy Chicago e sua
relação com a gastronomia sob a orientação da professora Daniela Alves
Minuzzo. Contato: raphaelacoutinhoufrj@gmail.com
Apoio:
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO
PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO