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IMUNIDADES E ISENÇÕES

TRIBUTÁRIAS NA
CONSTITUIÇÃO E NO STF

Aula 2
Imunidades Tributárias
Previstas nas Limitações
Constitucionais ao Poder
de Tributar - Parte 1

Rafael Campos Soares da Fonseca


SUMÁRIO
Introdução. . ...............................................................................3

1. Imunidade recíproca. . ...........................................................5

2. Imunidade religiosa. . ........................................................... 15

3. Conclusões. . ......................................................................... 19

Referências bibliográficas......................................................20
AULA 2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Introdução

Olá, seja bem-vindo à nossa segunda aula do Curso “Imunidades e Isenções Tributárias na
Constituição e no STF”!

Na aula passada, estudamos as principais características constitucionais das imunidades


e das isenções tributárias. Também definimos as limitações ao poder de tributar, como as regras
e os princípios jurídicos disciplinadores da competência tributária, divididos, de forma genérica,
em princípios tributários e imunidades tributárias.

Nesta aula e na próxima, iremos nos aprofundar na Seção II do Sistema Tributário Nacional,
denominada “Das Limitações do Poder de Tributar” (artigos 150 a 152 da Constituição da
República). Na verdade, nosso foco estará direcionado ao art. 150, VI, alíneas “a” a “e”, e §2º a §4º,
do texto constitucional. Nesses dispositivos, encontram-se as chamadas imunidades genéricas,
que dirigem vedações ao poder de tributar de todos os entes políticos, as quais recaem sobre
quaisquer impostos.

Podemos dividir as imunidades genéricas de acordo com os sujeitos ou os objetos


protegidos pela imunidade. Logo, temos a seguinte tipologia:

(i) recíproca, em que os entes políticos não cobram impostos uns dos outros em
homenagem ao princípio federativo;

(ii) sobre templos com vistas a tutelar a liberdade religiosa, a despeito de o princípio da
laicidade excluir a possibilidade de subvenção estatal aos cultos religiosos;

(iii) quanto a pessoas jurídicas de direito privado que prestam atividades de interesse
público listadas na alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição, notadamente partidos
políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais de trabalhadores, instituições de educação
e de assistência social sem fins lucrativos;

(iv) sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão; e

(v) sobre fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras


musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas
brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham.
AULA 2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Ainda sobre a sistemática do curso, é bom registrar que a base constitucional de nossas
normas tributárias é dividida em seis partes, ou seções. Na primeira, há os princípios gerais do
sistema tributário do Brasil, estabelecidas as espécies dos tributos e as matérias sujeitas à reserva
de lei complementar. Em seguida, como já posto, encontram-se as limitações ao poder de tributar.
Nas seções III a V, há a delimitação exaustiva das bases tributáveis atribuídas a cada um dos entes
federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por fim, a seção VI é mais próxima do direito financeiro pela via do federalismo fiscal,
pois delimita a repartição das receitas tributárias. Quanto à última parte, por solidariedade
federativa, o sistema tributário conjuga duas espécies de financiamento dos governos locais
pelos entes centrais: o critério da fonte (tributos de competência própria) ou a divisão pelo
produto (participação na distribuição da arrecadação do ente federado maior), sendo esta direta
(arts. 157 e 158 da Constituição da República) ou intermediada por fundos financeiros, como,
por exemplo, os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, postos no art. 159 do
Texto Constitucional. Para além de um exercício acadêmico, essas categorias jurídicas revelam-
se fundamentais para a resolução de controvérsias da constituição político-federativa, como se
depreende de diversos julgados do Tribunal Pleno do STF. Vejam: ADI 875, de relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, j. 24.2.2010; RE 705.423, de relatoria do Ministro Edson Fachin, j. 23.11.2016; e
ACO 758, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, j. 19.12.2016.

Com exceção da última parte, todas as outras possuem dispositivos veiculadores de


imunidades tributárias. Para efeitos didáticos, dividimos o assunto em quatro aulas. Assim, nesta
aula e na próxima, trataremos das imunidades genéricas previstas na seção II. Dedicaremos a
Aula 4 para analisar as demais imunidades tributárias postas nas seções I, III, IV e V do Sistema
Tributário Nacional. Na Aula 5, estudaremos as normas imunizantes deslocadas topograficamente,
presentes em outras partes da Constituição. Finalmente, na Aula 6, conversaremos acerca das
isenções fiscais.

Tudo certo e esclarecido?! Então, é hora de prosseguir!


AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

1. Imunidade recíproca
Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

A imunidade tributária recíproca entre os entes federados encontra-se preconizada no art. 150,
“a”, e §2º e §3º, do Texto Constitucional, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.
Ademais, a exoneração se estende “às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades
essenciais ou às delas decorrentes”.

Por outro lado, encontram-se fora do alcance da norma imunizante o patrimônio, a renda
e os serviços relativos à exploração de atividade econômica equiparável a empreendimentos
privados ou em que haja contrapartida pecuniária do usuário, por expressa dicção do §3° do art.
150 da Constituição da República.

Também se exclui da exoneração o promitente comprador de imóvel registrado público.


Essa dicção normativa condiz com viragem jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. A Corte
superou sua Súmula 74 (O imóvel transcrito em nome de autarquia, embora objeto de promessa de
venda a particulares, continua imune de impostos locais), cristalizada sob a égide da Constituição
da República de 1946, e, posteriormente, editou a Súmula 583 (Promitente-Comprador de imóvel
residencial transcrito em nome de autarquia é contribuinte do imposto predial territorial urbano), já
sob a vigência da Constituição de 1967/1969.

A imunidade recíproca surgiu quase concomitantemente à Federação.


Sa
cê bi Esta nasceu com o Decreto 1, de 15 de novembro de 1889, do Governo
Vo

a?

Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, ao passo que a


norma imunizante constou pela primeira vez no art. 10 da Constituição da
República de 1891: “[é] proibido aos Estados tributar bens e rendas federais
ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”.

Como visto na Aula 1, a primeira ordem constitucional republicana foi muito influenciada
pela Constituição dos Estados Unidos de 1787. Por esta se tratar de diploma sintético, não
há previsão expressa de imunidade tributária entre os entes federados, contudo não custou
à Suprema Corte americana muito tempo para extrair do princípio federativo essa vedação
tributária. Trata-se do célebre caso “McCulloch v. Maryland”, de 1819, em que o Estado de
Maryland visava tributar todas as notas emitidas por instituições bancárias externas ao
ente estadual, o que, à época, abarcava somente a sucursal de Baltimore da instituição
financeira pública e federal “Segundo Banco dos Estados Unidos da América”, cujo gerente
era o Sr. James McCulloch. Na oportunidade, a Suprema Corte, em julgado sob a lavra do
Chief Justice John Marshall, desenvolveu tanto a Teoria dos Poderes Implícitos (usada pelo
STF, por exemplo, para concluir pela constitucionalidade dos poderes investigatórios do
Ministério Público) quanto a máxima “O Poder de tributar envolve o poder de destruir”,
citada até hoje pelos Ministros do STF.

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AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Considerada a perspectiva histórica, em julgado relevante para os direitos fundamentais do


Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

contribuinte e o controle de constitucionalidade, o STF compreendeu, no âmbito da ADI 939, de


relatoria do Ministro Sidney Sanches, que a imunidade recíproca é norma basilar da federação, por
isso consiste em cláusula pétrea, impassível de restrição até mesmo por emenda constitucional.

Sendo assim, Costa (2015) defende a classificação da imunidade recíproca como


subjetiva e ontológica, pois é funcionalizada em razão da pessoa política (sujeito), bem como
é consequência necessária do princípio da isonomia (ontologia). Isso porque inexiste relação
soberana entre os entes federados para justificar o poder de império tributário e considera-se
que as pessoas políticas não ostentam capacidade contributiva em sentido técnico pelo fato de a
atividade financeira do Estado ser plenamente vinculada à promoção de direitos fundamentais.

No RE 601.392, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa e com acórdão redigido pelo


Ministro Gilmar Mendes, o relator do caso argumentou que o conteúdo jurídico da imunidade
tributária decorre do pacto federativo instituído no art. 1° da Constituição. Além disso, as pessoas
políticas não dispõem de capacidade para contribuir com tributos, por não haver disponibilidade
de renda, porque todo seu patrimônio está afetado para efetivar direitos fundamentais. De todo
modo, a desoneração constitucional não pode gerar vantagens concorrenciais do Poder Público
em relação ao particular.

Também decorre de interpretação do dispositivo constitucional a abrangência dessa


exoneração tributária, isto é, apenas impostos, de modo que entes federativos podem cobrar uns
dos outros as taxas e as contribuições sociais e de melhoria. É o que ocorre quando o município
cobra a taxa de recolhimento de lixo de um órgão federal ou quando a União recolhe contribuição
previdenciária de um município que possua empregados públicos ou não tenha regime próprio
de previdência social.

A propósito, veja-se afirmação presente na ementa da ADI 2.024, de relatoria do Ministro


Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 3.5.2007: “É da jurisprudência do Supremo Tribunal que
o princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a) – ainda que se discuta a sua
aplicabilidade a outros tributos, que não os impostos – não pode ser invocado na hipótese de
contribuições previdenciárias”.

Em julgado recentíssimo, a Primeira Turma do STF foi mais categórica ao afirmar que “A
imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal – extensiva às
autarquias e fundações públicas –, tem aplicabilidade restrita a impostos, não se estendendo, em
consequência, a outras espécies tributárias, a exemplo das contribuições sociais” (RE-AgR-AgR
831.381, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 9.3.2018).

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Embora literalmente os alvos da norma imunizante sejam o patrimônio, a renda e


Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

os serviços da Administração Pública, a diretriz jurisprudencial do STF é no sentido de uma


interpretação finalística, de modo a afastar a incidência de quaisquer impostos. Portanto, não
cabe ao intérprete ou ao legislador ordinário afastar a imunidade de impostos que não incidam
diretamente sobre as bases econômicas elencadas, notadamente o Imposto de Importação (II),
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Em razão da insistência da Fazenda Nacional em pretender uma interpretação mais


restritiva da imunidade recíproca, as Turmas do Supremo Tribunal Federal já declararam mais de
duas dezenas de vezes a intributabilidade de operações financeiras de governos locais. Por fim, o
próprio Plenário assim se pronunciou na ACO-AgR 502, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, j.
17.3.2016.

Do mesmo modo, em caso que tratava de imposto de renda sobre rendimentos auferidos
de aplicação financeira de fundos de investimento, na ADI 1.758, de relatoria do Ministro Carlos
Velloso, o Plenário do STF compreendeu ser inviável a tributação em todas as hipóteses de
imunidades genéricas.

Tudo bem até aqui?

Em outro tópico, questão tormentosa na jurisprudência do STF diz respeito ao aspecto


subjetivo da norma imunizante, ou seja, quem são exatamente os beneficiados pela proteção
constitucional?

Decerto, a expressão “uns dos outros” refere-se ao caput do art. 150, em que os
destinatários da norma são os entes federativos, entendidos como a Administração Pública
direta nos três níveis do federalismo brasileiro. Nesses casos, a jurisprudência assente é de que
não se indaga a finalidade pública do patrimônio, renda ou serviço público, uma vez que ela é
pressuposta.

No entanto, em julgados de 2017 o STF alterou sua jurisprudência em relação


aos impostos de natureza real, de modo a ser possível afastar a imunidade de bens públicos
de titularidade de ente político, quando, sob a posse de particulares (concessão, autorização,
arrendamento, etc.), forem utilizados para fins privados e com intuito lucrativo. Logo, compreende-
se agora que a presunção da finalidade pública é relativa (juris tantum), admitindo-se prova em
contrário por parte da Administração Tributária.

A esse respeito, no Tema 385 da sistemática da repercussão geral, o Tribunal assentou


tese segundo a qual “[a] imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição não
se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de
atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU
pelos Municípios”. Por sua vez, no Tema 437, decidiu-se que “Incide o Imposto Predial e Territorial
Urbano sobre bem público cedido a pessoa jurídica de direito privado, sendo esta a devedora”.

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É fácil perceber como o tema da imunidade recíproca frequenta a pauta e os informativos


Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

do STF e, por evidente, o dia a dia de quem trabalha com direito tributário, não é mesmo?

Na verdade, as controvérsias multiplicam-se ao se considerar a Administração Pública


indireta, formada basicamente pelas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
economia mista.

Em relação aos entes autárquicos, a Constituição da República exige que essas pessoas
sejam criadas mediante lei, regendo-se, quanto a tudo, pelas normas de direito público, o que
possui reflexos tributários, principalmente a imunidade tributária do patrimônio, rendas e
serviços, desde que atinentes às finalidades essenciais ou delas decorrentes.

A essencialidade dos fins das autarquias e fundações de direito público decorre da


própria lei. Isso porque, na definição legal das autarquias e das fundações, nos termos do art.
5º, I e IV, do Decreto-Lei 200/1067, a primeira forma legal é “serviço autônomo, criado por lei,
com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa
e financeira descentralizada”, ao passo que o ente fundacional é “entida de dotada de
personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização
legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou
entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos
respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União”.

Por exemplo, o Banco Central do Brasil é uma autarquia, com personalidade e patrimônio
próprios, cujas atribuições estão dispostas nos arts. 9° e 10 da Lei 4.595/1964. Logo, é fácil
identificar que suas atribuições principais são a emissão de papel-moeda, o controle do crédito
e dos capitais estrangeiros e a fiscalização das instituições financeiras. Assim, toda atividade
que ultrapassa as finalidades legalmente definidas está, em um primeiro olhar, submetida à
tributação equiparável aos particulares.

Em suma, as fundações autárquicas e as autarquias somente se diferenciam dos entes


políticos em razão da necessidade de observância das finalidades essenciais para a fruição do
regime de imunidade, ok?

Em regra, essa distinção não gera maiores divergências. Vale o registro de que as Turmas
da Corte, por força da Súmula 279 do STF, negam sistematicamente seguimento a recursos
extraordinários, ante a impossibilidade de reexame do quadro fático em sede recursal, quando
os acórdãos dos Tribunais de origem se pronunciam sobre o fato de o patrimônio, a renda ou os
serviços estarem, ou não, vinculados às finalidades essenciais da Administração Pública (RE-AgR
871.039, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j. 22.9.2015; e ARE-AgR 919.179, Rel. Min. Rosa
Weber, Primeira Turma, j. 24.11.2015).

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Por outro lado, há precedentes em que o Tribunal Pleno do STF privilegiou a substância em
detrimento da forma, desconsiderando lei estadual que imputava a condição de autarquia a
banco regional, retificando a natureza jurídica deste para empresa de direito privado. Confira
excerto da ementa da ACO 503, de relatoria do Ministro Moreira Alves, j. 25.10.2001:

No mérito, esta Corte já firmou o entendimento (assim, no RE 120932 e na ADI 175) de


que o Banco-autor não tem a natureza jurídica de autarquia, mas é, sim, empresa com
personalidade jurídica de direito privado. Consequentemente, não goza ele da imunidade
tributária prevista no artigo 150, VI, a’, e seu parágrafo 2º, da atual Constituição.

Outra construção jurisprudencial digna de nota diz respeito aos conselhos profissionais – os
quais são considerados pelo STF como “autarquias profissionais” – e à Ordem dos Advogados do
Brasil – considerada “entidade sui generis” com assento constitucional. Nesse sentido, é pacífico
que todos eles estejam acolhidos pela imunidade tributária recíproca (RE-AgR 938.594, Rel. Min.
Dias Toffoli, Segunda Turma, j. 25.11.2016; e RE-AgR 732.619, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma,
j. 28.6.2016).

Controvérsia também submetida à Suprema Corte consiste no regime tributário da Caixa


de Assistência dos Advogados, de modo a saber se é imune ou não e, caso o seja, se é equiparável
a autarquias (RE 405.267, Rel. Min. Edson Fachin, afetado à pauta do Pleno pela Segunda Turma
do STF) ou a entidades de assistência social sem fins lucrativos (Tema 254 da repercussão geral e
RE 600.010).

Embora o tema da repercussão geral ainda penda de solução, haja vista que não foi
possível realizar o julgamento conjunto dos feitos ou colocar a demanda desprovida de RG como
caso líder, pois as espécies de modalidades pretendidas eram diversas (recíproca e pessoas
privadas de interesse público), é importante notar que o Tribunal, por unanimidade, considerou
que as caixas de assistência encontram-se abarcadas pela norma imunizante prevista no art. 150,
IV, “a”, da Constituição, porque seria impossível conceder tratamento tributário distinto a órgãos
da OAB, de acordo com as finalidades que lhe são atribuídas por lei, conforme se depreende do
RE 405.267, de relatoria do Ministro Edson Fachin.

Logo, segundo a orientação técnica de cada assessoria ou unidade de trabalho e em


decorrência dos dispositivos reputados violados pela parte recorrente no recurso extraordinário,
imagino que seja o caso de verificar caso a caso se o caminho mais correto é devolver à origem
pelo Tema ou aplicar a orientação jurisprudencial do Pleno.

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ro
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do
Sobre as Caixas de Assistência da OAB, recomendo a leitura de post
bastante elucidativo do site “Dizer o Direito” sobre a questão.
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o

Veja também a reportagem da TV Justiça sobre o julgamento citado.

Com esse fecho, trabalhamos com profundidade o §2º do art. 150 do Texto Constitucional,
certo?

Agora, só nos resta enfrentar o subsequente §3º, o qual veda a atribuição de imunidade
tributária a estatais que explorem atividades econômicas. Então, a pergunta pertinente é se
empresas públicas e sociedades de economia mista são destinatárias de imunidade recíproca.

Em razão da própria dicção do dispositivo, o STF passou a distinguir, para efeitos


tributários, as estatais em prestadora de serviços públicos e exploradora de atividades econômicas.
Quanto à última, não há maiores discussões, pois o §2º do art. 173 é categórico ao afirmar que “[a]
s empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais
não extensivos às do setor privado”.

É o caso da Petrobras S/A, por ser sociedade de economia mista voltada à exploração
econômica, ainda que, por vezes, de atividade monopolística, cuja finalidade é o aumento
patrimonial com distribuição de lucros aos seus acionistas (RE-AgR 285.716, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, Segunda Turma, j. 2.3.2010; e RE-AgR 286.287, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma,
j. 14.5.2013).

Por outro lado, em casos nos quais as estatais prestam serviços públicos, é possível
estender a elas a norma imunizante. O raciocínio jurídico gira em torno do instituto da
descentralização administrativa, pois por intermédio dela não é viável modificar o regime jurídico,
assim como a prestação pública deve ser exatamente idêntica, independentemente da pessoa
jurídica. Logo, em regra, empresa estatal prestadora de serviço público age como extensão da
pessoa política, por isso faz jus à imunidade recíproca.

Ante essas razões, o Tribunal Pleno do STF assentou, por maioria, no Tema 115 da
sistemática da repercussão geral, aplicar-se a imunidade tributária recíproca às sociedades de
economia mista que prestam serviços de saúde exclusivamente pelo SUS.

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AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Do mesmo modo, no Tema 412, por proposta do então Ministro-Presidente Cezar Peluso,
Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

reafirmou-se a jurisprudência segundo a qual é extensível a imunidade recíproca a empresas


públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da Infraero.

No entanto, a aplicação da imunidade recíproca às empresas estatais prestadoras de


serviço público remanesce um dos tópicos mais controvertidos na jurisprudência do STF,
justamente pela diversidade de situações fáticas e normativas encontradas nos entes federativos.

Com a finalidade de conferir previsibilidade, ao discutir o RE 253.472 no Plenário do STF,


cuja discussão girava em torno da imunidade da Companhia Docas do Estado de São Paulo
como prestadora de serviços públicos atinentes aos portos marítimos, fluviais e lacustres,
o Ministro redator para o acórdão, Joaquim Barbosa, propôs os seguintes parâmetros: (i)
existência de serviço público e composição acionária da empresa estatal; (ii) interesse de
acúmulo patrimonial público ou privado (composição acionária, distribuição de lucros, etc.), por
traduzirem manifestação de riqueza e estarem fora da autonomia política; e (iii) risco de violação
da livre-iniciativa ou geração de distorções concorrenciais.

Essa linha jurisprudencial pode ser encontrada em julgados do STF em via recursal ou
em ações cíveis originárias, em relação a setores econômicos de atuação típica do Estado, como
saneamento e tratamento de água (ACO-AgR 2.730, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.3.2017; ACO-AgR-
segundo 2.243, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 17.3.2016).

Pela quantidade de temas em repercussão geral e julgamentos nos colegiados do STF,


cabe tratar, em destacado, a situação da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). É consabido ser
uma empresa pública de objeto misto, pois presta o serviço público postal com exclusividade, mas
também exerce diversas atividades econômicas, em concorrência com particulares, submetidas
ao regime privado.

Inicialmente, no âmbito da ACO 765, de relatoria do Ministro Marco Aurélio e com acórdão
redigido pelo Ministro Menezes Direito, o STF enquadrou a ECT como empresa pública prestadora
de serviço público, logo imune, por força da alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição da
República.

No Tema 235 da gestão da repercussão geral, a corrente majoritária da Corte considerou


que a ECT se encontra sob a proteção da imunidade tributária recíproca. Embora haja o exercício
simultâneo de serviço público e de exploração econômica, o serviço postal seria peculiar, por ser
eminentemente deficitário e de abrangência nacional, assim as atividades econômicas em regime
de mercado, na qualidade de “subsídio cruzado”, seriam a única forma de sustentar a estatal.

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Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

A despeito da significativa corrente minoritária de cinco Ministros nesse caso e robustas


críticas doutrinárias posteriores, o Tribunal Pleno do STF manifestou-se nesta direção em mais
duas ocasiões sob os efeitos da repercussão geral. No Tema 402, ficou definido não incidir ICMS
sobre o transporte de encomendas realizado pela ECT, por conta da imunidade recíproca. Do
mesmo modo, do Tema 644 extrai-se que nenhum imóvel da empresa pública pode ser tributado
por IPTU, dado não ser de fácil aferição a afetação desses bens à prestação de serviço público ou
à exploração econômica.

Sendo assim, justamente pela diversidade de formas jurídicas e de atuações econômicas


das empresas estatais, o cenário jurisprudencial acerca do alcance das imunidades tributárias
recíprocas sobre as empresas estatais não é completamente pacificado.

É, portanto, um desafio dinâmico e recorrente a ser enfrentado pelos Ministros e servidores


do STF!

De qualquer forma, de acordo com a jurisprudência do STF, é indisputável que


particulares em colaboração com o Estado, mesmo ao prestarem serviços públicos, não atraem a
aplicação da imunidade recíproca. Isso porque exploram economicamente a prestação de serviço
público com intuito lucrativo, dispondo de capacidade contributiva, e não são participantes do
pacto federativo. Nesse sentido, no âmbito da ADI 3.089, Rel. Min. Carlos Britto, Redator para
acórdão Min. Joaquim Barbosa, o Pleno decidiu que particulares detentores de delegação de
serviços públicos de registros públicos, cartorários e notariais não podem ser tutelados pela
exoneração constitucional em relação ao ISS.

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Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Quanta informação, não é mesmo? Vamos recapitular o que vimos até aqui?

Imunidade Exceções/
tributária Regra particularidades/
recíproca controvérsias

- Pessoas políticas: União, Estados, Distrito Federal


e Municípios;

- Descentralização administrativa de serviços públicos;


- Autarquias e fundações, no exercício de suas
finalidades essenciais ou delas decorrentes; - promitente comprador de imóvel
registrado público;
- Conselhos profissionais de natureza autárquica
Destinatário ou sui generis; - patrimônio, renda e serviços relativos
à exploração de atividade econômica
da imunidade - Estatais prestadoras de serviços públicos exclusivos
equiparável a empreendimentos
do Estado, sem intuito lucrativo ou composição
privados ou em que haja contrapartida
acionária significativamente privada;
pecuniária do usuário.
- Estende-se “às autarquias e às fundações instituídas
e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao
patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas
finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

- Taxas de poder de polícia ou de


serviço público;

- Contribuições sociais, inclusive


- Quaisquer impostos, independentemente de terem previdenciárias;
Tributos como base de incidência o patrimônio, a renda e
- Contribuições de melhoria;
os serviços.
- Empréstimos compulsórios
(controvérsia sobre natureza de
imposto).

Fundamento
- Pacto Federativo (cláusula pétrea). - Livre-iniciativa e concorrência.
constitucional

Mudando de foco quanto ao art. 150, §3º, da Constituição, a expressão “em que haja
contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário” também desperta
questionamentos e pronunciamentos judiciais. Em uma visão tradicional, os serviços públicos não
poderiam ser arcados por preços ou tarifas de usuários, mas sim por impostos ou taxas de serviço
público, em razão da compulsoriedade da cobrança, conforme entendimento sedimentado na
Súmula 545 do STF.

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Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

fundan
Ap ro Entenda o debate doutrinário sobre os serviços públicos propriamente

do
estatais, essenciais ao interesse público e não essenciais. A partir dessa
divisão, foi possível superar a correlação necessária entre serviço público
oa t e a contraprestação mediante a espécie tributária taxa.
ssu n
o

Vale a leitura dos tópicos IV a VI do voto do Ministro Carlos Velloso na ADI


447, de relatoria do Ministro Octavio Gallotti, que tratou da taxa federal de
conservação rodoviária.

Atualmente, boa parte dos serviços públicos prestados por entes descentralizados é
custeada, pelo menos parcialmente, diretamente pelos usuários dos serviços a partir de preços
públicos. Nesse sentido, passou-se a indagar até que ponto o recolhimento de recursos não
representa capacidade contributiva e não se incorreria em proibição veiculada pela expressão
acima transcrita.

Essa pergunta recebeu resposta negativa por parte do STF, que compreendeu, em diversas
ocasiões, que o recebimento de contraprestação na forma de tarifa não afasta, por si só e não
havendo intuito lucrativo, o regime da imunidade tributária recíproca, seja em relação a autarquias
(RE-AgR 399.307, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 16.3.2010; RE-AgR 741.938, Rel. Min. Dias Toffoli,
j. 5.8.2014), seja em relação a sociedades de economia mista e empresas públicas (ARE-AgR
816.120, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12.8.2014 ; e RE-AgR 897.104, Rel. Min. Roberto Barroso,
j. 27.10.2017).

Em outra seara, é importante ficar atento quanto à composição acionária das sociedades
de economia mista, pois ainda se encontra pendente de desfecho o Tema 508 da sistemática da
repercussão geral, no qual se discute a aplicação da imunidade tributária recíproca a sociedades
de economia mista com ações negociadas em bolsa de valores.

Por fim, resta abordar a sujeição passiva indireta, especialmente nos casos de
responsabilidade tributária. Ou seja, casos em que o ente político não pratica o fato gerador do
tributo, contudo termina por responder pela obrigação tributária.

No Tema 224, a União pretendia extinguir as obrigações tributárias de IPTU oriundas da


Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) porque, ao sucedê-la, a tributação deveria ser obstada pela
imunidade tributária recíproca. O STF deixou claro que a imunidade tributária não tem alcance
retroativo no tempo, ao fixar a seguinte tese de julgamento: “A imunidade tributária recíproca não
exonera o sucessor das obrigações tributárias relativas aos fatos jurídicos tributários ocorridos
antes da sucessão”.

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AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Após a fixação dessa orientação, a Fazenda Nacional passou a alegar que a RFFSA, por
Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

ser empresa estatal prestadora de serviço público exclusivo, já deveria ter sido contemplada
pela imunidade recíproca ao tempo do surgimento das cobranças das obrigações tributárias.
No entanto, o STF entendeu que essa discussão não teria estatura constitucional e rejeitou a
repercussão geral da questão no Tema 909.

No tocante à figuração do ente político no polo passivo, o instituto da alienação fiduciária


com garantia gerou controvérsias a serem solucionadas pela jurisdição constitucional, pois o
credor permanece com a posse indireta e propriedade resolúvel, isto é, aquela que está sujeita
a ser extinta ou revogada, independentemente da anuência do possuidor, de modo a garantir o
débito. Assim, no Tema 685 (RE 727.851), será discutido se a municipalidade detém imunidade
recíproca em relação ao IPVA, cobrado por Estado-membro, de veículos em alienação fiduciária
por instituição financeira.

Por outro lado, no âmbito do Tema 884 da sistemática da repercussão geral, o STF
compreendeu pela imunidade dos imóveis integrados ao Programa de Arrendamento Residencial,
política pública de habitação criada e mantida pela União, logo não são sujeitos a IPTU, ainda
que sejam de propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal – empresa pública que explora
atividade bancária.

Na sessão plenária de 17 de outubro de 2018, o Plenário do STF julgou o paradigma, que


é o RE 928.902, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, por maioria, a Corte
assentou que as propriedades fiduciárias da CEF nesse contexto são imunes ao IPTU. Fixou-se a
seguinte tese de julgamento: “Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado
ao Programa de Arrendamento Residencial - PAR, criado pela Lei 10.188/2001, beneficiam-se da
imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal.”

2. Imunidade religiosa

Antes de tudo, é importante dizer que a ordem constitucional vigente trouxe parâmetros
para o relacionamento entre Estado e religião, de modo que a interpretação da imunidade
religiosa não deve afastar-se do sistema constitucional. A propósito, a liberdade de crença é um
direito individual (art. 5º, VI, da CFRB/88), cujo corolário é o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

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Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Por outro lado, também possui estatura constitucional, nos termos do art. 19, I, da CF, o
princípio da laicidade, sendo vedado ao Poder Público nos três níveis da Federação:

estabelecer cultos religiosos e igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou


manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público.

No julgamento da ADI 4.439, de relatoria do Ministro Roberto


refle
ara Barroso e com acórdão a ser redigido pelo Ministro Alexandre de Moraes, j.
tir
P

em 27.9.2017, em que se discutiu a constitucionalidade do ensino religioso


confessional em escolas públicas, o relator reconstruiu a ideia de laicidade
do Estado a partir da separação formal entre Estado e Igreja, neutralidade
estatal em matéria religiosa e garantia da liberdade religiosa.

Os três conteúdos jurídicos do princípio importam para a definição constitucional


do regime tributário das entidades religiosas, porquanto se retirou das escolhas legislativas
ordinárias o gravame tributário relativo ao exercício institucionalizado da liberdade de
crença. Logo, com a finalidade de evitar embaraços aos cultos, liturgias e locais religiosos,
impediu-se a intervenção econômica do Estado pela via tributária sobre instituições
religiosas, ao mesmo tempo em que se impediu a concessão de incentivos e renúncias
fiscais, por se tratarem de subsídios, ressalvados os casos em que há atuação paralela e
colaborativa ao Estado em matérias de interesse público por parte das pessoas jurídicas de
direito privado de vocação religiosa.

Nesse contexto, o Poder Constituinte optou por conceder exoneração constitucional às


instituições religiosas quanto ao patrimônio, rendas e serviços vinculados a suas finalidades
essenciais. O fundamento da imunidade é justamente a proteção da liberdade religiosa dos
cidadãos.

É relevante notar a falta de apuro técnico no texto constitucional ao se referir a “templos


de qualquer culto”, porquanto se passa a impressão de que se fala de uma imunidade objetiva,
e é certo que o local das celebrações religiosas, por ser bem imóvel, não possui personalidade
jurídica para deter patrimônio, renda e serviços. Sendo assim, Carrazza (2014) bem esclarece que
o alcance da imunidade abarca a própria entidade mantenedora do templo (Igreja), ou seja, a
destinatária da norma imunizante é a pessoa jurídica que mantém atividades religiosas como
finalidades essenciais.

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Roque Antonio Carrazza, doutor e livre-docente em Direito Tributário


pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde atualmente é
professor titular de Direito Tributário. Procurador de Justiça aposentado
do Estado de São Paulo, advogado e consultor jurídico, bem como autor de
diversos livros sobre Direto Tributário.
Fonte: Currículo Lattes

A respeito da expressão “templos de qualquer culto”, a Primeira Turma do STF já a atrelou


aos locais dedicados ao exercício livre de religiosidade, independentemente do credo ou
doutrina teológica, embora não se desconheça a existência e importância social de associações
privadas sem natureza confessional que adotam templos nos quais se realizam cerimônias. Assim,
no RE 562.351, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o órgão fracionário bem entendeu
que a imunidade de templos não abarca as lojas da maçonaria, por não haver profissão de religião.

Portanto, a imunidade de templos tem caráter subjetivo, embora prescreva alguns


critérios objetivos para seu usufruto, especialmente a ligação da atividade imune com as
finalidades essenciais da instituição religiosa, as categorias jurídicas de templo e culto, assim
como as bases patrimônio, renda e serviço.

De todo modo, as balizas textuais são interpretadas em consonância com a finalidade


constitucional da imunidade de templos na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal.

Ao deliberar acerca da cobrança de IPTU sobre imóveis de titularidade de Mitra Diocesana


alugados a terceiros, o Tribunal Pleno compreendeu, no RE 325.822, de relatoria do Ministro
Ilmar Galvão, com acórdão redigido pelo Ministro Gilmar Mendes, haver paralelismo entre as
imunidades do art. 150, VI, “b” e “c”, da Constituição da República, assim desde que revertidos
os valores recebidos pela locação às finalidades essenciais da entidade religiosa, o numerário
estaria livre de tributação.

Com a mesma racionalidade, as Turmas do STF já se manifestaram no sentido de que


imóveis da Igreja alocados para a moradia ou escritório de seus membros religiosos também não
podem ser obstaculizados pelo imposto predial (ARE-AgR 694.453, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, j. 25.6.2013; ARE-AgR 895.972, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j.
2.2.2016).

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AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Nesse campo, no ARE-AgR 800.395, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, o STF decidiu
Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF

que é dever do Fisco provar que a atividade desenvolvida por entidade religiosa a que se busca
tributar não se encontra no escopo das finalidades essenciais do templo. Afinal, presume-se que
toda ação do sujeito imune é voltada à promoção da fé, sendo assim, o desvio, se houver, deve ser
provado por quem alega e a quem interessa, no caso a Administração Tributária.

Ademais, as Turmas do STF entendem iterativamente que a questão sobre a


comprovação da finalidade de imóveis pertencentes à instituição religiosa cinge-se ao âmbito
infraconstitucional, por demandar reexame de fatos e provas (ARE-AgR 918.697, Rel. Min. Gilmar
Mendes, Segunda Turma, j. 2.5.2017; ARE-AgR 788.666, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma,
j. 10.2.2015).

Igualmente, já esteve em questão no Tribunal Pleno a extensão territorial de entidade


de cunho religioso para além da espacialidade do templo. Sobre essa temática, o caso mais
emblemático diz respeito à incidência de IPTU em relação aos cemitérios mantidos por instituições
religiosas. No RE 578.562, de relatoria do Ministro Eros Grau, o Tribunal Pleno assentou a
impossibilidade de tributação desse patrimônio, por tratar-se de extensão de entidades de cunho
religioso, logo área protegida pelo art. 150, VI, “b”, do Texto Constitucional.

O Plenário também já deliberou, no RE 544.815, de relatoria originária do Ministro


Joaquim Barbosa, sobre a possibilidade de extensão da norma imunizante aos cemitérios de
natureza empresarial, desvinculados de instituição eclesiástica. Na ocasião, cinco Ministros
manifestaram-se contra a pretensão com voto divergente do Ministro Ayres Britto. Contudo, o
contribuinte renunciou ao direito em que se funda a ação antes do término do julgamento, o que
levou à extinção do feito, sem posicionamento definitivo da Corte.

À maneira da imunidade recíproca já tratada, o Supremo Tribunal Federal afastou a


aplicação da imunidade de templos à contribuição sindical de interesse de categoria profissional
no âmbito do RE 129.930, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 7.5.1991.
Isso porque as imunidades genéricas previstas no art. 150, VI, do Texto Constitucional dirigem-se
unicamente aos impostos.

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Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF AULA 2 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR - PARTE 1

Imunidade Exceções/
tributária Regra particularidades/
religiosa controvérsias

- Lojas de maçonaria;

- Cemitérios mantidos por instituições não


Destinatário - Templos de qualquer culto (rectius: pessoa
confessionais (sem pronunciamento definitivo
jurídica que mantém atividades religiosas
da imunidade pelo STF);
como finalidade essencial).
- Atividades ou bens utilizados em atividades
sem relação com o escopo religioso, a partir
de prova do Fisco.

- Taxas de poder de polícia ou de serviço


público;

- Quaisquer impostos, independentemente de - Contribuições sociais, inclusive


Tributos terem como base de incidência o patrimônio, previdenciária e sindical;
a renda e os serviços. - Contribuições de melhoria;

- Empréstimos compulsórios (controvérsia


sobre natureza de imposto).

3. Conclusões

Chegamos ao final desta aula! Avançamos sobre a temática das imunidades tributárias
genéricas com previsão no art. 150, VI, da Constituição da República. Até o momento,
conversamos acerca das imunidades recíproca e de templos de qualquer culto. Quanto à
primeira, cuja finalidade é a proteção do pacto federativo, tratamos de todos os temas de
repercussão geral atualmente disponíveis, julgados ou pendentes de julgamento, assim como as
diretrizes jurisprudenciais mais relevantes levadas a efeito no STF sob a vigência da Constituição
da República.

Na próxima aula, estudaremos o restante das imunidades genéricas postas nas “Limitações
Constitucionais do Poder de Tributar”. Ou seja, dialogaremos sobre a imunidade tributária
incidente sobre partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais de trabalhadores,
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos; livros, jornais, periódicos e
o papel destinado à sua impressão; e fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no
Brasil, contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral
interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que
os contenham.

Até o próximo encontro!

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Referências bibliográficas

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30 ed. São Paulo:
Malheiros, 2015.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 3 ed.
São Paulo: Malheiros, 2015.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da


jurisprudência. 17 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

TORRES, Heleno Taveira. Art. 150, VI, b. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

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